• • 3: perigo • •
- Pegou seu passe do ônibus? - perguntei a Madison quando estávamos na frente do prédio onde alugávamos uma kitnet.
- Peguei - ela respondeu.
- Me mostra.
Madison revirou os olhos e eu olhei sério para ela. Se perdesse ou esquecesse aquele passe, ela não poderia ir a lugar nenhum. Com doze anos de idade, minha irmã não compreendia a seriedade disso. Uma vez que eu estivesse no trabalho, seria complicado ter que sair para livrá-la de algum apuro.
Com a cara emburrada, ela afundou a mão no bolso do casaco e me mostrou o cartão.
- E o dinheiro do almoço? - indaguei por precaução. Não gostaria de saber que minha irmã esteve passando fome na escola de novo.
- Está aqui também.
- Onde? Não vejo.
Ela bufou, mas me mostrou o dinheiro.
- Só porque esqueci uma vez não precisa fazer grande coisa disso - ela me disse, aborrecida, guardando o passe e o dinheiro.
Coloquei dois dedos em riste.
- Duas vezes. Você se esqueceu duas vezes esse mês. Precisa ser mais atenta às suas coisas, Madison. Não é toda hora que estarei disponível para livrar a sua cara quando estiver com problemas.
- Tanto faz. Nunca pedi sua ajuda mesmo - ela resmungou baixinho, ainda assim eu ouvi.
É verdade, ela nunca pediu minha ajuda, assim como eu nunca pedi para ser a mãe dela. Liam, a última coisa na qual eu pensava, aos quinze anos, era ser mãe.
E simples assim, tive de me tornar uma quando ainda era uma adolescente. Precoce demais para mim, para alguém que só queria agir com imaturidade diante das frustrações da vida.
Depois de ficarmos órfãs, vagamos juntas por três anos em lares adotivos até eu atingir a maioridade. Em todos aqueles anos, era eu quem provia cuidados a Madison. Não foi diferente depois que passei a trabalhar em período integral.
Eu não me considerava o melhor exemplo de pessoa a ser seguido. No entanto, tive que assumir responsabilidades sobre ela, educá-la, ensiná-la sobre todo tipo de coisa.
Paciência não era meu dom, você bem sabe, mas tive de aprender a exercitá-la com Madison dia após dia. Quando olhava para ela, inevitavelmente me lembrava de tudo o que tinha perdido, de tudo o que sacrifiquei.
De certa forma, era frustrante.
A caminho do trabalho, garotas da minha idade passavam por mim nas ruas, rindo, divertindo-se, falando sobre festas, suas amigas, seus namorados, suas vidas universitárias, suas famílias. Tudo de uma forma tão despreocupada e leve, como se a maior obrigação que tivessem não fosse nada além de se preocuparem com elas mesmas e a realização do futuro traçado para si.
Elas tinham alguém apoiando-as. Tinham uma família oferecendo-lhes oportunidades. Eu não tinha nada disso. Se quisesse uma oportunidade, teria que ir atrás por conta própria.
Minhas obrigações basicamente giravam em torno da minha irmã e se teríamos onde morar e o que comer no dia seguinte. Minha vida era essa.
Às vezes, eu ficava inconformada, e, às vezes, conformada. Meus dias eram mais fáceis quando estava conformada.
Antes de mais nada, deixe-me introduzir um fato sobre mim: eu era fumante. Até aquela terça-feira, você não tinha a menor ideia.
Eu estava no beco atrás da lanchonete, escorada na parede, tirando um rápido intervalo para fumar, até que ouvi as familiares batidas de impacto. Aquelas de quando você se aproximava com a bengala, que anunciavam sua presença.
Nem preciso dizer que meu coração subiu pela garganta, não é? Pois é, ele subiu, porque eu já sabia que era você sem precisar ver.
Você parou diante de mim, apoiado na bengala. Nossos olhos ficaram presos um no outro por vários segundos, até que você fez as honras de iniciar o diálogo.
- Emily me disse que estaria aqui.
- Qual é a sua história com Emily? - perguntei, segurando o cigarro entre os lábios.
- O que te faz pensar que tenho uma história com ela?
Você devolveu a minha pergunta com outra. Muito esperto da sua parte, porque aí eu teria de revelar os meus pensamentos se quisesse saber a sua resposta.
O que definitivamente eu queria.
- Ela parece ser bem possessiva em relação a você - eu disse e olhei para o lado, para soprar a fumaça do cigarro.
Com o canto do olho, vi que você me encarava em silêncio, parecendo pensar.
- Emily é minha vizinha - você respondeu, por fim. - Isso é tudo.
- Legal - repliquei com fingida indiferença e continuei fumando como se você não estivesse ali.
Minha curiosidade era grande, Liam. Amaldiçoei cada segundo em que tive de me conter para não perguntar mais sobre sua vida.
- Por que você fuma? - Foi sua pergunta repentina.
- Por que você respira? - rebati, afastando o cigarro da boca.
- Porque eu preciso. Caso contrário, morreria.
Então finalmente voltei a te encarar.
- É por isso que eu fumo. Por necessidade.
Pelo seu olhar, você claramente discordava do meu ponto de vista.
É aí que não entendo. Você e eu não tínhamos nada em comum. Minha vida era caótica, repleta de vícios que não me levariam a lugar algum. Você, por outro lado, parecia ter um futuro promissor.
O que diabos você estava fazendo ali comigo, então?
- Você não tem redes sociais, tem? - você soltou de repente. - Procurei todas as Devlins da cidade e não encontrei seu perfil em lugar nenhum.
Redes sociais exigiam exposição de nossas vidas, e eu não gostava dessa ideia. Uma vez fiz um perfil no Instagram, só para excluí-lo poucos dias depois.
- Por que você quer o meu perfil? - perguntei daquele jeito meio arisco, que não facilitava nada.
Seus olhos se abriram um pouco. Você era todo educado e gentil que às vezes meu lado rude te desnorteava.
- Pensei que poderíamos conversar - você respondeu, dando de ombros.
- Estamos conversando.
- Fora daqui. Queria te ver mais vezes.
- Não dá - repliquei rapidamente.
- Por que não? Tem namorado?
Eu ri.
- Não, não tenho um namorado. Mesmo que tivesse, isso não é da sua conta.
- Passou a ser da minha conta, já que te acho bonita.
Seus olhos avelã estavam fincados em mim e pareciam estudar cada parte minha com minúcia.
Eu tentava fugir por onde pudesse, mas você não me dava brecha. Você não me dava escolha, Liam.
Você trouxe a bengala para o centro e colocou as mãos, uma em cima da outra, no topo dela.
Sem que pudesse evitar, meus olhos acompanharam cada movimento. Ficar naquela posição te deu um ar nobre, superior, te deixando inesperadamente irresistível aos meus olhos.
- Você é muito bonita - você disse, dessa vez mais direto, e as maçãs do seu rosto ficaram levemente tingidas de vermelho. Como se você não estivesse acostumado a fazer aquele tipo de coisa, a dar em cima de uma garota.
- Obrigada - agradeci com apatia e fumei o resto do cigarro.
Percebi que você aguardava.
- Não vai retribuir o elogio?
- Não.
Um sorriso torto apareceu em seus lábios e você desviou o olhar, incapaz de segurar o riso. Do que você ria? Será que tinha sacado que eu não ia facilitar para o seu lado?
- Não me acha bonito? - você insistiu, ainda com ar de riso.
Nesse instante, o cigarro acabou. Em vez de te responder, eu me desencostei da parede e caminhei.
- Aonde você vai?
- Hora de voltar ao trabalho. Ou acha que sou paga para fumar e ficar conversando com estranhos? - Joguei a ponta do cigarro na caçamba de lixo.
Ao me virar, deparei com um par de olhos sérios.
- Não seríamos estranhos se você aceitasse sair comigo, Devlin.
- Me dê uma boa razão para eu sair com você - desafiei, me arrependendo logo em seguida. Eu tinha acabado de dar uma chance a você de me convencer. De tornar aquilo real.
Mesmo sabendo que uma garota como eu era encrenca para um cara como você. E a última coisa que eu queria era a estirpe dos Torres fazendo marcação cerrada em mim.
Para meu infortúnio, você se aproveitou do meu deslize. Você se agarrou àquela chance.
- Não sou um homem com grandes ambições. Não preciso de muito para ser feliz. Mas se aceitar o meu convite, estará me dando mais do que já imaginei receber. Te prometo que vamos nos divertir e que não vai se arrepender.
Não era para ser assim, mas fiquei intimidada com a determinação com que fez a promessa. Liam, você não era perigoso porque poderia partir meu coração. Você era perigoso porque poderia conquistar meu coração, me fazer dá-lo a você de bom grado e pedir para jamais devolvê-lo.
Foi ao me dar conta disso que fiquei nervosa. Sua presença começou a me desestabilizar com o medo que senti de não ser capaz de resistir.
- E então? Aceita?
- Não - respondi, indo até você e parando bem na sua frente, para provar a mim mesma que eu ainda estava no controle. - E precisa melhorar seu roteiro. Está muito cafona. Será que agora posso ir embora ou tem mais alguma pergunta que queira fazer? - Estava sendo irônica, claro. Eu iria embora de um jeito ou de outro.
Você observou com atenção quando lubrifiquei os lábios ressecados e seus dedos apertaram com força em volta da bengala. Você parecia estar se controlando.
- Um dia você vai cansar de dizer não para mim. Não sou de desistir tão fácil.
- Sabe de uma coisa? Eu também, não. Parece que temos um problema aqui.
- Problema nenhum para mim. Já sei como isso vai terminar mesmo - você falou com uma presunção que deveria ter me irritado.
Mas não vi maldade em seus olhos. Vi você me chamando para um jogo que poderia ser divertido e engraçado para nós dois. Um jogo aparentemente inofensivo.
E eu aceitei. Me calei e consenti.
A verdade é que mesmo que um pressentimento fodido me alertasse que você me levaria à ruína, eu estava mais do que disposta a mergulhar de cabeça no mar de problemas que seríamos nós dois.
Eu deveria escutar meu instinto de sobrevivência, mas era tão, tão mais delicioso flertar com o perigo. Acho que sempre tive uma tendência a gostar de coisas arriscadas.
Afinal, foi sentada na grade de uma ponte alta que você me viu pela primeira vez, lembra?
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