Fargo, Dakota do Norte - 2014

Naquela noite as rádios haviam notificado sobre uma possível queda brusca de temperatura. Alguns especialistas acreditavam que talvez ela pudesse chegar a —30*C, mas antes de sair de casa, Sakura havia escutado na televisão, que no momento estava —2*C. Por isso ela correu em direção a ponte que interliga a rodovia estadual, para ver se conseguia finalmente ver um lago congelado.

Ela subiu sobre a pilastra e passou as duas pernas pelo apoio de suporte da ponte, se sentando na beirada e inclinando o corpo pra frente, a fim de ver o exato momento em que a água que descia lentamente por sobre as pedras, iria congelar.

Observou atentamente, quase sem conseguir piscar, como uma criança pequena que espera ansiosamente ver o Papai Noel descer pela chaminé, por mais cansada que estivesse naquele momento. Ela não queria piscar, porque sabia que se fizesse isso, iria perder o momento mágico das temperaturas negativas.

— Ei!

Ela ouviu uma voz ao longe, parecia distante demais para que ela se desse ao trabalho de olhar, talvez fosse alguém passando pela rodovia, ou até mesmo pela ponte.

Sakura observou alguns peixes sendo levados pelas águas, o que a fez arquear a sobrancelha, já que eles não se moveram, apenas foram arrastados. Como se nem sequer estivessem vivos. O que a fez finalmente reparar no fato de a água estar diminuindo o ritmo de seu percurso, ela finalmente estava congelada.

Soltou a respiração e observou a fumaça que saiu por seus lábios, seus dedos estavam começando a doer enquanto ela os pressionava no suporte de madeira que mantinha a ponte em pé.

Inclinou um pouco mais do seu tronco pra frente, mas em um segundo ela estava observando o exato momento em que a água parava de circular e começava a se formar uma crosta de gelo em cima, e no outro, ela estava caída no chão, sentindo suas costas doerem com o impacto da queda, enquanto havia um corpo quente e pesado sobre o dela, a sufocando.

— O que? — Sakura piscou atônita, tentando entender o que estava acontecendo. Assim que percebeu que o peso sobre si era o de uma pessoa, ela o empurrou com toda a força que tinha, deslizando seu corpo pro lado para se livrar de um possível assediador. — Me deixa em paz.

A garota se levantou, tentando controlar sua respiração, enquanto observava o estranho se levantar também, tão atônito quanto ela. E ao fixar os olhos em seu rosto, notou que ele no mínimo deveria ter a mesma idade dela, era apenas um garoto.

— Eu só estava evitando que você fizesse uma burrice. — Ele rebateu num tom ácido, batendo as mãos sobre seu casaco grosso, provavelmente para eliminar um pouco da umidade do chão.

— Do que diabos você está falando?

— De você pular da ponte dois dias antes do Natal.

Sakura apenas conseguiu piscar, enquanto lutava para processar as palavras daquele desconhecido.

Ela olhou na direção do lago, para a viga de proteção, a base de madeira onde estava sentada antes, até finalmente conseguir entender o que ele falava. E quando enfim seu cérebro lhe deu as respostas corretas, ela começou a rir. Vendo que agora era ele quem tinha uma expressão confusa devido a reação dela.

— Oh, você realmente acha que eu estava prestes a me suicidar? — Zombou, enquanto pressionava a mão na boca, num ímpeto de conter uma risada mais alta.

— Não era isso que estava fazendo? — Ele rebateu mal humorado.

— Se por algum acaso eu caísse dessa ponte, o máximo que eu conseguia era um tornozelo torcido. Isso se eu tivesse sorte. — Ela explicou pacientemente, afastando a mão da boca para enfiar nos bolsos de seu casaco. Vendo que a expressão do outro não tinha mudado, ela maneou a cabeça para que ele se aproximasse da barra de proteção. — Veja por si mesmo, a ponte é baixa e o riacho não é fundo, talvez eu ainda conseguisse alguns arranhões nas pedras. — Ela o observou cambalear até a beirada e olhar pra baixo, averiguando a veracidade das palavras dela. — Além do mais, eu não gosto muito de público, no dia que eu quiser me matar, farei isso em um lugar isolado, de preferência bem quentinho. E não em uma água congelada.

Sakura jurou ter ouvido um rosnado dele, ou um suspiro muito pesado que emitiu um som rouco, antes que o rapaz voltasse pra ela. As íris escuras pareciam estreitas, como se ele a estivesse analisando, buscando alguma prova de que ela não passava de uma completa maluca.

Mas por fim, ela viu os ombros largos dele penderem e a expressão parecer mais abatida do que preocupado.

— Se realmente estiver planejando se matar, faça isso em uma outra noite, de preferência que eu também não esteja na cidade e acabe vendo sua foto no jornal.

O tom dele parecia mais raivoso, o que fez a Haruno encolher um pouco os ombros e tombar a cabeça pro lado com certa curiosidade.

— Sabe, eu não sou nenhuma especialista, mas quem parece estar querendo pular de uma ponte é você.

— Suicidio não resolveria meus problemas. — Ele resmungou, desviando os olhos dela, como se o fato de uma estranha estar lhe encarando tão fixamente o incomodasse.

Mas também não era como se ele não tivesse feito o mesmo com ela antes.

— Quer conversar sobre? — Sakura sugeriu um pouco sem jeito, não que ela realmente fosse tão curiosa assim. Mas só estavam os dois sozinhos naquela ponte, com a neve caindo sobre os corpos cobertos por casacos que em pouco tempo não seriam mais o suficiente para os aquecerem. — Conheço uma cafeteria muito boa aqui perto, eles tem um ótimo chocolate quente com caramelo.

Ela viu o rapaz ponderar por alguns instantes, como se estivesse pensando em qualquer desculpa para fugir dela.

Mas terminou manejando a cabeça, arrancando um sorriso sincero da rosada, que lhe deu as costas e caminhou em direção ao final da ponte, por onde pegariam o pequeno trecho entre a mata.