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Gostaria de ser mais do que uma adolescente normal.
Porém, a minha mente gira em torno de todas as palavras que gostaria de proferir, mas que a educação impecável dos meus pais, me impede de continuar. Não compreendo certos motivos e algo em mim, sabe que isso lentamente acabará com a minha vida. A brisa fresca toca a minha pele com cuidado e a cada suspiro exalado, um arrepio horripilante percorre o meu interior. Dizem que primeiras vezes são difíceis de esquecer e, gradualmente, começo a assimilar o significado por trás de tais palavras. É a primeira vez que sinto tais sentimentos e sinto medo da sua constância.
Todas essas emoções fazem com que o meu coração acelere e que todos os pelos do meu corpo se arrepiem em todas as direções possíveis. Para mim, esse é um sentimento novo e isso me assusta. Para a minha tristeza, eu não possuo uma voz e todas as decisões tomadas por meus pais, são únicas e certeiras. Mesmo que falemos do meu futuro e dos meus desejos como ser humano. Não tenho como fugir do meu destino e por mais que tente, não encontrarei uma saída. Respirei fundo e voltei o meu olhar para o lugar onde me encontro, aproveitando a beleza que consigo avistar.
Para mim, a minha cidade é a mais bela do mundo e o meu povo, o mais carinhoso. Todavia, todos os seres humanos pensam assim sobre os lugares que dominam os seus corações e a sua casa sempre será melhor que a casa do outro. Sinto que isso não será suficiente para nos manter aqui, mesmo não sabendo ao certo se esse realmente será o nosso fim. Apenas dois quilômetros da minha casa, encontrava-se uma das atrações mais visitadas do Reino Unido. E sempre que podia, caminhava até o meio dos campos de flores de colza para observar a movimentação causada por turistas.
A minha rotina não tinha nada de interessante e até considero tediosa, no entanto, para pessoas desconhecidas, tudo é novo e digno de fotos, vídeos e momentos para serem publicados nas redes sociais. Inspirei a brisa fresca mais uma vez antes de realmente voltar para casa. Não queria, mas é necessário. Os meus pais não são rígidos, mas pedem que os horários estipulados por eles sejam cumpridos quando ordenado. Com muita calma, ergui o meu corpo e fui em direção ao pequeno caminho de terra que me levaria de volta para o jardim da minha casa.
Faço esse percurso sempre que preciso limpar a minha mente e acalmar o meu coração. Apesar de parecer estranho, não o faço com frequência. A minha vida nunca me causou tais sentimentos e até então, eu vivo uma boa vida considerando todas as adversidades da sociedade. Contudo, tudo mudará em breve e o meu conto de fadas se tornará um pesadelo. Tudo o que conheço como seguro e confortável, será roubado de mim. E dessa vez, não por um drama adolescente, mas sim, por decisões e consequências dos atos de outros.
Parei em frente o portão do jardim da minha casa e ponderei em todas as emoções que necessitava controlar. Não posso começar uma guerra com os meus pais sem saber o que acontece em nossa vida e não quero decepcioná-los ao demonstrar o meu descontento com a situação, sem ao menos saber do que se trata. Eles sempre farão o melhor para a nossa família e o mínimo que posso fazer, é escutar os seus argumentos com atenção. Aprendi que ao se escutar uma mensagem por completo, sem interromper o locutor, você ganha um tempo para pensar na sua resposta e não arrisca magoar o outro.
Não tenho como fugir, então, sem pensar muito, abri o portão e entrei. Quando era mais nova, costumava usar esse mesmo portão para conhecer os caminhos de terra por trás da minha casa. Na época não possuíamos tantas casas novas e a população ainda era pequena. Com o tempo, os meus pais descobriram sobre as minhas escapadas e em muitos momentos, observei o meu pai seguir-me para ter a certeza de que voltaria bem. No entanto, ao descobrir que a minha curiosidade não passava de um refúgio para ler os meus livros em paz, ele compreendeu e deixou de vigiar os meus passos.
— Pensei que você não viria. – comentou a minha mãe assim que me viu entrar.
Ofereci-lhe um meio sorriso e caminhei em sua direção. Sempre que o sol aparecia por cá, gostávamos de nos sentar no jardim e apreciar o tempo. A minha mãe vestia roupas curiosas, mas que em sua opinião, eram elegantes demais para a nossa compreensão. Não que ela tivesse completa razão, mas realmente não compreendíamos o seu senso de moda. Aproximei-me em silêncio e sentei-me em uma cadeira vazia, a olhando nos olhos. Sempre que nos encontrávamos assim, podia ver a sua beleza por completo.
A beleza da minha mãe é única em meus olhos e os seus olhos azuis condizem com o mar que visitávamos sempre que íamos a Espanha. E em muitos momentos quando ela falava comigo, sentia a brisa fria do mar em sua respiração, assim como na praia da Espanha. A sua pele branca é delicada, assim como a pele do meu pai e os vários questionamentos em minha mente. Ao contrário da minha mãe, o meu pai carrega olhos verdes do valor de uma esmeralda. Procurava não pensar sobre os detalhes da nossa genética, mas a minha mente não conseguia esquecer o assunto por completo.
Não conseguimos começar nenhum diálogo, pois, o meu pai logo apareceu carregando uma caixa de pizza. Em nossa rotina e costumes de família, possuíamos momentos curiosos, que aos poucos, se tornaram costumes. Sempre que os meus pais precisavam falar sobre algo importante, saímos para jantar em um restaurante caro. Quando a notícia era ótima, e trazia consigo felicidade, saíamos de férias e sempre que algo mudaria a forma como funcionávamos como família, comíamos pizza em casa. Nesse momento, descobri que algo mudaria a nossa rotina e isso assustou-me.
Em suas mentes, comida traz conforto e isso pode até ser considerado verdadeiro. Em silêncio, esperamos que ele terminasse de pôr a mesa. A minha mãe olhava em minha direção e isso deixou-me nervosa. Não era o centro da conversa, mas a minha vida mudaria de alguma forma. Antes de sentar-se ao lado da minha mãe, o meu pai olhou-me nos olhos e sorriu, esperando a mesma reação da minha parte. Sorri de canto para não o decepcionar, mas realmente não sentia vontade de sorrir no momento. Ele ponderou as suas palavras e em seu rosto, o nervosismo era notório.
— Está tudo bem com você? – questionou olhando para mim.
— Sim. – murmurei. — E vocês?
— Bom, eu tenho ótimas novidades. – disse sorrindo. — Eu ganhei a promoção que tanto queria no trabalho. – sorri de canto.
— Parabéns, amor. – comentou a minha mãe.
— Parabéns, táta. – ele sorriu.
— Obrigado, meus amores. – continuou. — Mas isso implica algumas mudanças para a nossa família. – senti um arrepio percorrer o meu corpo.
A falsa demonstração de felicidade da minha mãe não me convenceu, ela com certeza sabia de toda a situação. Provavelmente, o assunto virou rotina entre eles até eventualmente chegar até a mim. Os meus pais não conseguem esconder os seus sentimentos e durante a noite, posso ouvir conversações aleatórias vindo de seus quartos. Respirei fundo e esperei pelo resto da conversa, tudo mudaria agora. Ao falarmos sobre o assunto, tudo se tornaria real, pois, o assunto estaria vivo. Em silêncio, o meu pai colocou um pedaço de pizza para todos.
Sorri de canto e levei um pedaço a boca, se fosse sentir tristeza, gostaria de estar de barriga cheia na hora da dor. Sabia que independente do tema, eles pensavam em um todo e o que era melhor para a nossa família. Por este motivo, não podia sentir rebeldia ou ingratidão por seus atos. Respirei fundo novamente e mentalizei as minhas palavras antes mesmo de saber o que aconteceria a seguir. No entanto, em seus olhos, podia ver o semblante de pessoas indecisas e com receio da reação que o assunto poderia gerar em mim.
— Essa promoção implica a deslocação da nossa família para outro país.
O sobressalto foi tão grande que abri a minha boca deixando o pedaço de pizza cair sobre o meu prato. Desconfiava que teríamos mudanças drásticas, mas nada comparado a isso. Eles não podiam fazer isso comigo, não podíamos abandonar tudo o que tínhamos para começar do zero. A minha mãe olhava para mim com receio, ela sabia que a reação não seria boa e provavelmente a revolta seria grande. Respirei fundo e limpei a minha boca com um guardanapo e os olhei nos olhos. Não sabia o que dizer, nem sequer sabia se deveria falar algo ou apenas esperar por eles.
— Eu sei que é algo novo. – prosseguiu ele. — Mas a promoção exige que nos mudemos de país, pois, serei responsável pela empresa no país que a filial será aberta. – respirei fundo ao ouvir.
— Sabemos que é uma mudança grande. – comentou a minha mãe. — E que você está acostumada com uma rotina diferente, mas contamos com o seu apoio para que isso seja possível. – não sabia o que dizer.
Realmente não sabia o que dizer e não esperava que precisássemos mudar tudo para os meus pais conseguirem conquistar os seus sonhos. Porém, não posso ser a filha rebelde incompreendida, pois, assim como eu, eles precisam de apoio. E não possuo motivos para ser revoltada. Em minha concepção, a minha cidade é a mais bela e o nosso povo, o mais carinhoso que conheço. As nossas colinas verdejantes e florestas densas são caminhos turísticos para muitos. Então, não compreendia a vontade dos meus pais. Por qual motivo deixaríamos algo tão bom para começar do zero em um país longe daquilo que chamamos de casa?
— Posso saber para onde nos mudaríamos? – ele respirou fundo antes de responder e isso não era bom.
— Em um país situado na Europa Central. – mordi os meus lábios ao ouvir. — Não quero dar spoiler, mas você adorará o local.
Respirei fundo e fiz uma lista mental de todos os países situados na Europa Central. Em minha mente esses países seriam usados como destino para férias ou até mesmo intercâmbio, mas nunca como moradia definitiva. Será que a minha rebeldia valeria de algo ou não mudaria o rumo dos acontecimentos? A minha mente girava com tanta força que por um momento pensei que perderia os sentidos. A minha mãe estava a postos esperando por isso, ela me comece e sabe que momentos assim acabam comigo.
— Está bem. – disse com a minha voz ainda trêmula. — E quando precisamos nos mudar? – estava com receio de ouvir a sua resposta.
— Em uma semana. – senti o meu coração descer para os meus pés. — Precisamos nos mudar para conseguirmos inaugurar a empresa.
— Sim. – murmurei sem forças. — Tudo bem.
— Tudo bem? – retrucou o meu pai sem compreender. — Mesmo?
Em minha mente, sentia a confusão e a revolta, e isso deveria ser nítido. No entanto, não conseguia expor em palavras. Nada saía de mim e isso era preocupante, estava com medo da minha própria reação. Todavia, mantinha as minhas palavras em mente e pensava em tudo o que havia decidido antes mesmo de entrar na conversa. Eles não compreendiam e em seus olhos isso era nítido, assim como eu, eles esperavam uma reação exagerada e cheia de pânico adolescente. Inspirei fundo e ponderei a minha resposta, não podia magoar os meus pais.
— Sim. – murmurei. — Se precisamos nos mudar, nos mudaremos. – eles sorriram.
— Fico feliz e grato por sua compreensão. – disse o meu pai. — É importante que vocês estejam comigo nessa nova fase.
— Eu também acho que você gostará da nossa nova casa. – comentou a minha mãe. — Pensamos muito em você na hora de escolher. – ela acabava de confirmar que já sabia do assunto.
— Está bem. – repeti. — Gostaria de despedir dos meus amigos, se possível. – claro que seria.
— Sim, sem problemas. – respondeu ele. — Se desejar, pode usar o meu carro. – isso era novo.
Normalmente não podia andar com o seu carro sem um deles estar presente. No entanto, para me agradar, eles fariam qualquer coisa. Pois, era importante que eu aceitasse as condições para nos mudar para outro país. Não sabia por onde começar, não sabia de quem me despedir primeiro e isso me deixava triste. Dizer adeus aos meus amigos era algo que não desejava fazer, porém, nada podia ser feito para mudar isso. Se fosse necessário passar por cima de mim para ver os meus pais felizes, faríamos isso.
— Pense positivo. – disse o meu pai. — Em breve você entrará para uma faculdade e pode se mudar para cá se desejar.
Nunca tive vontade de fazer faculdade, mas faria para agradar o meu pai. Ele sempre fez questão de mencionar a importância dos estudos, mesmo que isso não seja importante para mim e para as minhas decisões futuras. No entanto, seria bom para mim se conseguisse me mudar novamente ao completar a maioridade. Não quero passar o resto dos bons-dias que me sobra presa na barra dos meus pais em um país longe dos meus costumes, amigos e aconchego. Em minha mente, a sua proposta soava como algo bom, então, não podia perder a oportunidade.
— Pode ser. – realmente não sabia o que dizer.
— Filha, eu te amo. – continuou ele. — Será ótimo para a nossa família.
Não sabia se seria bom para a nossa família, mas sabia que seria uma mudança enorme. Sairia do meu conforto e da minha rotina para começar do zero. Isso implica estudar em um local novo e provavelmente aprender um idioma completamente diferente do meu. Precisarei me acostumar com a ideia de fazer novos amigos e, ao mesmo tempo, manter o contato com os amigos que já possuo. E pior, não sabia nada sobre para aonde íamos e o que faria da minha vida ao completar dezoito anos. A melhor saída seria ir com eles até saber mais sobre o que aconteceria.
— Eu também amo vocês. – murmurei.
Sorridente, ambos começaram a comer e a conversar sobre um tema que eu não tinha nenhum interesse. Não conseguiria comer e a minha mente tinha tantas coisas para pensar ao mesmo tempo, não sabia o que fazer da minha vida. Tudo o que eu queria era chorar, mas isso não seria possível, pois, eles pensariam que a culpa era deles. Então, precisaria engolir os meus sentimentos e aguentar tudo o que estaria para acontecer, pois, foi assim que fui criada por eles. Gostaria de me levantar e ir para o meu quarto, no entanto, não podia.
Sabia que os meus pais notariam a minha tristeza. No fundo, conseguia ouvir uma conversa aleatória sobre móveis e itens de decoração para a casa nova. Não conseguia pensar sobre isso, não queria pensar sobre isso. Dormir e amanhecer em um local novo não é algo que eu goste, então, preciso me acostumar com a ideia de não estar mais em casa e que em breve, a minha casa seria em terras desconhecidas. Pensando bem, os sinais sempre estiveram presentes. E o meu pai sempre deixou claro que um dia precisaríamos nos mudar.
Após passar tantos anos trabalhando para uma empresa com um grande poder no mercado, ele conseguiu finalmente a promoção que tanto queria. Sabíamos que isso aconteceria e, na verdade, esperávamos por isso. Mas não pensávamos que seria assim e nem que precisaríamos mudar tanto para o acompanhar nessa nova jornada. Apesar de ter dezessete anos, compreendia muitas coisas da vida e sabia que nada seria igual, e que a minha adolescência ficaria marcada para sempre assim que saíssemos do nosso conforto.
Sim, eu gostaria de ser mais do que uma adolescente normal.
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