O vestido comprido preto fosco justo ao corpo, com sua fenda lateral era uma grande inovação para as pessoas — e para alguns, um escândalo e afronta ao código de vestimenta padrão. Mas para uma jovem pianista em ascensão, apenas uma forma de voltar os olhares para si em um palco, além da iluminação.

Em um baile de máscara, assumir uma identidade não é muito complicado — resta igualar-se as suas habilidades e roubar-lhe suas características, além, é claro, de convencer a pessoa, dona ou dono da verdadeira identidade, quer pelo bem, ou quer pelo mal. E nesse caso, a pianista dona da identidade em questão era conhecida pelo nome de Lauren Miller. 

Lauren ensaiara por anos em um dos teatros mais prestigiados de todo o reino e era lá onde ensaiaria para o baile, que seria em algumas horas. “La Vie” era famoso por ser palco de muitos dos artistas em ascensão e a pianista era um deles. O teatro La Vie também seria palco da grande estratégia de posse de identidade.

Na rua de trás do teatro, onde havia pouca movimentação, o duque lançava uma corda em uma das grades da varanda do andar de cima, próximo ao sótão, pendurando-se assim que a puxou, verificando se estava firme o suficiente para aguentar seu peso. Em seguida, escalou, as mãos enluvadas ágeis com cuidado e destreza, subindo rapidamente. Chegando à varanda, pulou para dentro.

— Sua vez, suba — disse para a jovem que aguardava logo abaixo. Ela então pegou a corda, forçando-a, assim como ele, em seguida deu impulso para subir. Seu capuz caiu para trás enquanto tentava chegar ao seu destino, apresentando uma certa dificuldade ao escalar, mas não era novidade para ela que por anos usava cortinas e lençóis amarrados uns aos outros para fugir de seu quarto do palácio sem ser vista ou seguida pelos guardas. Era apenas sua primeira vez escalando uma corda de verdade. Ao chegar também na varanda enfeitada de flores vermelhas enroladas nas grades da sacada, eles olharam para um lado e para o outro da rua, certificando-se que ninguém havia visto a entrada furtiva e triunfal. Acima deles estava a janela entreaberta do sótão, a porta de entrada para os dois. Alec subiu sobre a sacada, equilibrando-se para alcançar a abertura da janela sem olhar para baixo e assim que entrou, a princesa refez seus passos, subindo também na sacada e por uma fração de segundos olhou para baixo, desequilibrando-se, mas rapidamente recuperou o equilíbrio, felizmente fora apenas um susto.

— Confiança, Katherine! Não olhe para baixo, apenas confie em si. — Alec estendeu sua mão para lhe ajudar a entrar.

— C-certo, confiança! — então aceitou a ajuda ao segurar-lhe a mão, então adentrou pela janela destrancada do sótão.

Descendo as escadas era possível escutar a melodia de cada nota tocada pela pianista — que se encontrava completamente concentrada no instrumento, impossibilitava-a de prestar atenção em qualquer outra coisa ao seu redor, o cabelo longo e escuro como ébano cobria suas costas completamente, os olhos fechados apenas sentiam a música.

Katherine e Alec observavam de cima, das cadeiras vermelhas da plateia Lauren ensaiar sua performance para aquela noite. Assim que a última nota foi tocada e a pianista abriu seus olhos, levantando-se em seguida para retirar-se, palmas foram ouvidas no recinto. Ela procurou pela plateia com pouca iluminação por quem quer que fosse que estivesse ali quando seus olhos encontraram duas pessoas, o capuz sobre os seus rostos. Assim que os viu, pânico se fez presente e Katherine observou seus olhos atentos procurando pela porta mais próxima.

— Ela está com medo — disse a princesa. — Ela irá correr.

— Faça algo, é sua missão, Katherine. O que fará para a impedir e a convencer?

A princesa pensou rapidamente, em seguida retirou o capuz. Lauren se preparava para correr, encontrara a porta e Katherine percebeu para onde olhara, para a porta de emergência no fim do corredor, em frente ao palco. Lauren correu.

— Lauren, sua princesa ordena que pare! Agora mesmo! 

A pianista parou, virando imediatamente para ver a figura, que agora descia em sua direção, ela não conseguia a enxergar muito bem, mas notou seus cabelos dourados e brilhantes se destacarem enquanto descia as escadas, e assim que Katherine parou em sua frente o susto de Lauren fora inevitável. Ela cobriu sua boca contendo o susto.

— Sua... — gaguejou — Sua Alteza Real, está viva! Mas como? Foi dada como morta a algumas semanas. Estou imaginando? Delirando? — Lauren parecia pensativa procurando uma explicação.

— Lauren Miller, eu estou bem viva e na sua frente, mas gostaria que me respondesse com sinceridade. — Katherine observou a reação da pianista, em seguida, sua confirmação. — De que lado estará? Preciso saber se está ao meu lado... — Uma breve pausa se fez presente — Ou contra mim.

Katherine a encarava confiante buscando estudar suas emoções e adivinhar sua resposta, saber se o que falaria era verdade ou se haviam chegado tarde e ela já estivesse ajudando a pessoa a quem retirou-lhe a coroa, mesmo que temporariamente.

Alec apenas as observava de cima, e assim como Katherine, estudava-a. A princesa sabia a influência e o poder que tinha em mãos. E sabia tirar proveito.

Agora sozinho, Alec partia rumo ao outro lado da cidade para pôr em prática a outra metade do plano para descobrir o real inimigo da princesa do trono de Newchestein, e possivelmente o assassino de seu pai. E para ser sincero, nunca esteve tão perto da verdade.

Miriam e Ralph partiram em direção ao interior do reino, rumo a uma fazenda cujo os donos — condes — raramente marcavam presença em algum evento quando não lhes beneficiavam para ter certeza de que também não se fariam presentes no baile a fantasia. Com a desculpa de estarem prestando serviços à coroa visando a segurança, é claro.

Apropriações de identidades reais, era o que estavam fazendo, com a colaboração dos verdadeiros donos, tornava-se mais difícil serem pegos em flagrantes. Porém tudo teria que dar certo.

Tinham o plano e a estratégia. Restava então colocá-lo em prática. 

E colocariam.

Antes de todos colocarem o plano em prática e se encontrarem no baile a fantasia, se reuniram uma última vez para ter certeza de que tudo estava nos devidos lugares.

Miriam, Ralph e Alec se encontraram do lado de fora do teatro e então entraram juntos, dessa vez pela porta principal. O piano encontrava-se no mesmo lugar, em meio ao palco, as luzes agora desligadas e sem pianista. Adentrando o local, dirigiram-se para o camarim. Miriam bateu na porta primeiramente, pedindo permissão para entrar, pois as jovens ainda poderiam estar se arrumando.

— Entrem — a voz soou de dentro já sabendo quem estava do outro lado da porta. Então Miriam abriu a porta, entrando. Alec e Ralph logo atrás.

Assim que os três entraram — todos devidamente arrumados e prontos para o baile — se surpreenderam com ambas as jovens com a mesma roupa, de costas para eles enquanto terminavam os últimos preparos, seus rostos cobertos pela mesma máscara preta com pequenas plumas em volta. Os cabelos, antes dourados, de Katherine deu lugar ao preto, idêntico ao da pianista Lauren, tornando-se quase impossível identificá-las, o que era ótimo para aquela ocasião. Elas então viraram-se, estavam devidamente idênticas.

— Uau! — quase como se fosse ensaiado, em uníssono, disseram os três, abismados com a perfeita imitação.

— Gostaram da minha obra de arte? — disse Lauren, quebrando o silêncio que se formou devido a surpresa de todos. Imaginavam que ficariam parecidas, mas não praticamente idênticas e se não soubessem do plano, não saberiam afirmar quem era quem.

— Impressionante — disse Ralph batendo palmas —, ninguém melhor do que a própria pessoa para conseguir montar uma cópia perfeitamente completa de si próprio. Perfeito, Lauren! — completou, fazendo um positivo com o polegar.

— Concordo perfeitamente, sem palavras...

— Você sem palavras, Alec? Sem palavras estou eu! Nunca pensei que veria Kathe com outra cor de cabelo na vida! — disse Miriam, ainda surpresa.

Katherine sorriu, o vestido preto fosco e comprido colado em seu corpo, a fenda lateral deixando à mostra sua perna. Ela observou a si própria e a pianista ao seu lado.

— Eu diria que tivemos sorte por conseguir um vestido idêntico para ambas. Todos prontos?

— Sim, e as adagas? — Alec indagou para a princesa.

— Devidamente localizadas! Vamos? 

Todos concordaram

— Lauren, sabe o que fazer, certo?

— Sim, Sua Alteza — e após uma breve reverência com a cabeça, partiram, rumo ao palácio.

E era estranho voltar ao lugar onde um dia fora seus lares de tal maneira. Disfarçados, como intrusos, criminosos.