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Capítulo VIII

Ele a carregava, mas não poderia levá-la para sua casa, não aquele lugar que para ele era sagrado, que mantinha sua liberdade, então ele pensou, pensou em um lugar em que poderia deixá-la até que acordasse. O capuz da moça ia escorregando por seu rosto à medida que caminhava com ela em seus braços. Quando seu pescoço escorregou para trás revelando suas feições angelicais e seu cabelo lembrando a cor de ouro. Ele entendeu.

Então soube para onde a levaria.

Katherine acordou em seus aposentos, a dor de cabeça latejava como badaladas de sinos e enquanto tentava abrir os olhos, fazendo esforço para mantê-los abertos, a luz invadia cada vez mais seu campo de vista. Estava curva e oscilava; do nítido ao embaçado e vice versa. Ela piscou, piscou, e piscou novamente. Enfim, sua visão estava quase normalizando.

Flashes de memória surgiram e então veio o susto como um soco em seu rosto. Como havia parado ali? Estava em seu quarto vestida com sua camisola de seda rendada bege e devidamente embrulhada pelas cobertas. Que horas deveria ser naquele momento? Mas então percebeu que aquela não era a pergunta certa a ser feita. Será que Miriam a havia seguido e a levado de volta para a segurança dos muros do palácio? Seria uma boa alternativa... se mais flashes de memória não tivessem invadido sua cabeça, forçando-a a erguer suas mãos e levá-las para a cabeça. A dor lancinante lembrava-lhe a saída para a noitada. Ou melhor, fuga.

Misericórdia. Como doía. Não era bem assim que imaginava que a bebida fosse agir quando extrapolasse. Tudo o que queria era apenas esquecer. Mas não havia funcionado e fora extremamente momentâneo e a fez se arrepender amargamente.

O quarto com as tapeçarias desbotadas de mapas do reino emitiram pó quando um raio de luz adentrou o cômodo e a Princesa fechou os olhos. A porta abriu-se sem sua aprovação ou permissão, e Katherine encarou a porta procurando focar em quem quer que estivesse entrado em seus aposentos, e quando focou, viu Miriam entrando juntamente com uma curandeira logo atrás que empurrava um carrinho com sopa, água e algumas ervas medicinais para cuidar da jovem.

— Isso tudo para a minha primeira ressaca?

— Isso tudo para a sua primeira ressaca e para saber o motivo dos hematomas em seus braços. — respondeu Miriam, o rosto sério e a pergunta que ainda pairava no ar. — O que andou aprontando, Vossa Alteza?

A curandeira começou a arrumar as ervas medicinais, amassando e misturando-as em uma pequena cuia e, em seguida, se direcionou para cuidar de Katherine, que se sentou rapidamente.

— Hematomas? — ela olhou para um braço, depois para o outro... A cabeça latejou novamente.

Agora lembrava, não claramente, mas o suficiente. Ele a havia entregado para um guarda, por sorte, conhecido de ambas as amigas.

Ralph, o capitão da guarda real do palácio, que estava de vigília pernoite, a reconheceu imediatamente e após ser-lhe entregue, o jovem que a carregava apenas sumiu na escuridão da madrugada. Ralph usou as antigas passagens de servos para não correr o risco de esbarrar em alguém, utilizando o capuz do manto da jovem para cobrir-lhe o rosto. Andara, mas não fora em direção ao quarto de Katherine, mas de Miriam, que ao abrir a porta, mandou-os entrar imediatamente. Miriam a vestiu adequadamente e limpou-a, notando os hematomas em ambos os braços. O horário favoreceu que ambos os três — com a princesa nos braços do capitão e a dama real os guiando — passassem totalmente despercebidos.

— E foi assim que veio parar aqui, confortavelmente em sua cama, Kathe — Miriam debochou refletindo em seus olhos o trabalho duro que tiveram para trazer-lhe de volta ao quarto, longe dos olhos curiosos da corte, além da visível preocupação do que ocorrera naquela noite.

— Obrigada, devo-lhe uma. A você e a Ralph.

— Agora vai me contar a história por trás disso tudo? — insistiu Miriam, seus olhos indicando a vermelhidão com pigmentos arroxeados em seus cálidos braços.

Katherine pensou, relembrando novamente a noite turbulenta.

— Preciso saber quem era... — sua voz era dúvida em palavras.

— Ele quem? Não me diga que foi o homem que lhe trouxe o responsável! — grunhiu em revolta, os olhos pretos puro fogo.

— Não! Claro que não. Fora ele quem salvou-me a vida. E honra. Preciso saber, agradecer, recompensá-lo de alguma forma... — Katherine suspirou, até que um sorriso lhe surgiu ao rosto. Então Miriam negou veemente, mas nada adiantava quando a princesa colocava algo na cabeça.

— Não me diga que...

— Sim, preciso voltar novamente aquele lugar.

As ideias de Katherine iam muito além do que só agradecer-lhe. Mas não diria nada até que começassem a fluir. Não havia esquecido o incidente em que Miriam escutara gente de seu reino, de seu palácio tramando e discutindo o acidente — que na verdade não havia sido acidente algum — de sua família, a noite anterior não a havia desmotivado ou feito-a se sentir fraca e frágil. Muito pelo contrário, havia revivido a chama de sua ira — dormente há muito em seu corpo. Se culpara desde muito cedo pela morte daqueles que amava, e embora vingança não mudasse o fato de estarem mortos, ou o sentimento de saudade, sentia que precisava daquilo. Muito mais do que uma simples vingança, sobrevivência.

— Sua Alteza, o banquete esta noite será servido em breve — a serva disse-lhe ao bater-lhe à porta, Katherine assentiu gentilmente, então retirou-se.

Proferindo a si mesma aquelas palavras que muito escutava de sua mãe para lembrar-lhe que era mais forte do que imaginavam, olhando-se ao espelho, sussurrou:

Você é capaz...

Atravessando os corredores escuros, passando por janelas, onde o mundo lá fora brilhava banhado por estrelas sob os olhos do luar, desejou liberdade. Liberdade — mesmo que temporária — dos muros sufocantes daquele lugar. Não era o Palácio que a fazia se sentir assim, mas as pessoas com seus pensamentos ultrapassados, estes sim eram os sufocadores, mas esperava que muito em breve isso mudasse. São as pessoas que fazem o lugar, talvez aquele precisasse de uma reforma.

Ao sentar-se aquela mesa grande e farta, os olhares se direcionavam a ela. O jantar era a pior parte do dia. Aqueles olhos a acompanhavam a cada movimento, então precisava ser forte e não vacilar perante aquelas pessoas.

Em uma das cadeiras, próximo a William estava Boorman. A fúria em seus olhos não poderia explodir naquele momento. Nem ali, na frente de todos. Katherine em alguns momentos precisava obedecer a padrões aos quais detestava, a Princesa doce e recatada deveria estar presente em momentos como aquele — e como odiava aquilo.

— Princesa, soube que sua presença está fortemente sendo notada entre os conselheiros — Boorman falou ao notar seus olhos cristalinos sob ele, alfinetando-a em seguida.

— De fato, acredito que ideias devem ser expostas ao invés de guardadas para si próprio, algumas revoluções só são possíveis quando há conversa e concordância entre aqueles que têm o poder em mãos — sua boca formou-se uma linha, um pequeno sorriso satisfatório. Ela era Katherine, herdeira do trono e futura rainha de Newchestein e não deixaria ninguém lhe diminuir.

Boorman sorriu retribuindo-lhe, então todos começaram a conversar entre si, ignorando a tensão que havia se formado entre os dois. Mas Boorman não imaginava o que lhe aguardava, pois seu nome certamente estava em sua lista, e não era uma lista amigável. Katherine suspirou, focando em sua própria comida, ignorando o ninho de cobras em que se encontrava.

Person então tocou-lhe a mão, acenando silenciosamente com a cabeça — dando-lhe força e coragem — então ela sorriu, um sorriso verdadeiro e incontestável. Ela o amava, e sabia que seu tio retribuía o sentimento de carinho.

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Quote do capítulo VIII

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