Capítulo III
Katherine suspirava em frente ao espelho de seus aposentos. Os fios dourados brilhavam enquanto deslizava vagamente a escova pelos cabelos. Continuava pensando em meios que fosse capaz de conquistar os conselheiros de vez para o seu lado, já tinha o apoio do duque Person, mas quanto aos outros... Todos tão insensíveis quanto William aos seus atos.
Estava mais do que claro que duque William era o empecilho no meio de seu caminho para a coroa.
Mesmo com suas opiniões firmes, óbvias e revolucionárias, nada mudara desde que começou a frequentar as reuniões um ano atrás. Naquele tempo, Katherine foi recebida alegremente e não tinha noção das dificuldades que viriam pela frente. Ela bufou, levantando da cadeira e jogando-se bruscamente na cama, o vestido espalhando-se por completo, e então encarou o teto. Não podia ficar ali parada e sabia disso, mas o que fazer? Até que algumas batidas soaram a porta tirando-a do transe.
— Quem é? — perguntou enquanto impulsionava o corpo para frente se arrumando na cama.
— Princesa Katherine? — respondeu uma voz masculina que ela conhecia bem.
— Oh, por favor, entre — Katherine se pôs de pé enquanto a maçaneta girou, abrindo a porta logo em seguida. — A que devo o prazer de sua visita?
A figura, cuja aparência camuflava os muitos anos vividos, apareceu à porta. Os cabelos negros misturados ao poucos fios brancos chamavam a atenção.
— Katherine, minha sobrinha querida! — disse Person, os olhos brilhavam.
— Pois não, tio? Outro ensinamento que queira compartilhar? — Katherine pensou. — Ou... agi de maneira impulsiva novamente na sala do conselho?
— Não dessa vez — ele sorriu gentilmente para a princesa —, vim elogiá-la. Falou hoje como uma líder, se continuar assim garantirá a coroa em pouco tempo.
O semblante da princesa mudou, a preocupação se esvaiu e o rosto da jovem clareou-se e Katherine se viu sorrindo.
Estou realmente conseguindo mudar as coisas?
— Parabéns Katherine! — o duque abriu os braços para abraçá-la e a jovem não pensou duas vezes. Seu abraço lembrava-lhe tanto seu pai. Ah, que saudades ela tinha.
Os corredores de pedra do Palácio, construído a aproximadamente quinhentos anos atrás continuava intacto e com sua beleza extremamente preservada. As tochas tilintavam enquanto o fogo queimava a cada metro, a chuva caia como se fizesse meses que não dava as caras. Pingo por pingo, o barulho ecoava enquanto caia no telhado.
Estava tarde, Miriam supervisionava os corredores do Palácio procurando por servas que poderiam estar descumprindo as ordens do toque de recolher. As velas do castiçal brilhavam aos seus olhos castanhos quando escutou vozes vindas do corredor a sua direita. As vozes pareciam conhecidas e confusas e o eco pelo corredor fechado as modificou mais ainda. Uma discussão em plena noite e descuidadamente.
Miriam aproximou-se, as velas continuavam queimando clareando cada passo que dava. Chegando mais perto, escutou:
— Sabe bem que o "acidente" não foi bem um acidente — exaltou-se o dono da voz que esbanjava nervosismo.
Os olhos de Miriam arregalaram-se, o suor frio descia pela sua testa, mas então outra voz surgiu, grave e autoritária.
— Repita novamente isso e será sepultado juntamente ao lado da família real, família esta que você ajudou a matar! — ordenou.
E então Miriam entendeu do que se tratava, ela sabia que jamais deveria ter escutado aquilo. Era uma conspiração, e se aquele acidente tivesse sido mesmo planejado, Katherine estaria em perigo, mas sabia também que, se se aproximasse mais ainda, iriam descobrir que havia escutado o segredo, e pior ainda, também poderia estar correndo sérios riscos.
Mas como se prevenir do inimigo quando não conhece suas identidades? Seria como lutar com sombras. Sombras as quais não se pode tocar.
Precisava avisar a princesa. Apressou-se, mas uma pedra caiu das paredes a sua frente e Miriam tropeçou. Seus sapatos fizeram ruído quando entrou em choque com a pedra e o barulho ecoou.
— Que barulho foi esse? — Ela escutou um dos homens diminuir a intensidade da voz, mais baixo, e então passos se aproximando.
— Quem está aí?!
Rapidamente, a dama real correu entrando em corredores opostos de onde vinham as vozes, e então correu e correu, parando apenas quando fechou a porta de seu quarto.
— Onde está? — Ela ouviu de dentro de seu quarto. Será que quem quer que fosse desconfiaria dela? Não! Não era possível, existiam muitas pessoas que moravam no palácio. Ela era apenas mais uma dos muitos que viviam sob o mesmo teto.
Eles não a viram, mas sabiam que alguém havia escutado, e estava em perigo por saber. Miriam respirou procurando pelo ar, precisava tomar fôlego. Trancou as portas e janelas e caiu na cama, o medo e angústia corriam por suas veias. Fechou os olhos desejando ser um pesadelo, mas teve a desilusão de abri-los e ver que era real. Fechou-os novamente e dormiu, no dia seguinte pensaria no que fazer. Katherine ficaria arrasada, mas... como contar? Pensaria ainda. Que os antigos soberanos a abençoasse.
Katherine estava sentada na cadeira acolchoada, a camisola talvez fosse fina demais para a noite fria de inverno. Próximo dela, o fogo da lareira parecia perder força e estava quase se apagando. A princesa levantou-se indo em direção as lenhas que repousavam ao lado, esperando para serem queimadas. Ela lançou-as ao fogo que crepitava aumentando o calor pela sala de estar de seus aposentos.
Não conseguia dormir, a data da morte de sua família estava quase chegando e sempre que se aproximava ela começava a ter sonhos, sonhos do dia mais assustador de sua vida, sonhos em que acordou coberta de sangue e escutava o barulho de corpos caindo do precipício, a carruagem quebrando-se em mil pedaços, sonhos em que era resgatada, mas sua família não. Não eram sonhos, tampouco pesadelos, o que seria ainda pior. No entanto, querendo ou não, Katherine precisava dormir, e foi o que fez. O dia seguinte talvez fosse um dia melhor, era o que desejava. Ou talvez, era o que necessitava — de dias melhores em que suas tensões fossem esquecidas e que sorrisos fossem arrancados de si.
A jovem fechou os olhos e finalmente repousou. Como todas as noites, ela sonhou, mas não um sonho diferente. Em sua lembrança, a cabine da carruagem se desprendia dos cavalos e o cocheiro, ainda segurando as cordas dos cavalos — assustados — era arrastado pelo chão. A rainha Elizabeth lançava sua filha mais jovem que estava em seu colo pela porta entreaberta no momento em que a cabine da carruagem se aproximava do precipício. Gritos de medo e desespero, era apenas o que a menininha ouvia. Katherine gritou quando baqueou no chão rolando pela grama, pequenas pedras lhe arranharam o corpo frágil. Gritou mais ainda ao ver parte da carruagem caindo. Eles não conseguiram pular e sua mãe a havia salvado. A menina levantava-se e corria rapidamente para a beira do precipício a tempo de ver a carruagem se desfazendo em apenas pedaços de madeira, colidindo com pedras afiadas e o mar agitado e assustador. Ela chorou, chorou como nunca havia chorado e permaneceu chorando quando moradores da região a encontraram.
A princesa permaneceu em choque por vários dias, meses, talvez até anos, mas nunca conseguia tirar da cabeça o som que a cabine fez quando se desmontou ao bater nas rochas e perder-se em pleno mar eufórico, o baque que levou e, principalmente, a expressão de sua mãe pela janela, seu pai desesperado tentando fazer algo e seu irmão mais velho com medo. Todos apavorados.
Katherine se levantou abruptamente, sua camisola encharcada de suor, embora o tecido não fosse pesado, o fogo da lareira quase apagado e a noite mais fria que o normal. Sem dormir. Passaria mais uma noite sem dormir. Por que se culpava tanto pela morte de sua família quando só ela sobreviveu. Quando sua mãe lhe salvara a vida.
Katherine não conseguia dormir porque se culpava por sobreviver sozinha, essa era a verdade.
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Quote do capítulo III
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