7 - Tortura
Antes de terminar de virar a chave na fechadura do seu apartamento, Dimitri percebeu que havia algo errado.
Controlou a respiração, deixando que o estado de alerta e vigilância tomasse controle de seus sentidos.
Lentamente, desceu a mão pela lateral do corpo, até que os dedos estivessem sobre o cabo da arma. Puxou-a e a empunhou em frente ao corpo. O coração batia em um ritmo calculado e analítico.
Com um movimento, terminou de girar a chave.
A porta se abriu, rangendo nas dobradiças.
Dimitri se esgueirou para dentro do próprio apartamento, mantendo a arma engatilhada. Seu treinamento militar prevalecia sobre qualquer receio ou desconforto.
Avançou para a sala, varrendo cada canto com os olhos.
Apareça, filho da puta, ordenou em pensamentos. Sei que tem alguém aqui dentro. Apareça e me enfrente.
Ele deu mais um passo para frente.
Conseguia escutar um andar lento, um movimento que parecia vir da cozinha.
Agora eu te peguei.
Mais um passo.
Mais um passo.
Seu dedo firme se mantinha apoiado no gatilho.
Dimitri deu o passo final, cruzando a passagem para a sua cozinha.
— Não se mexa!
O outro homem, que estava com a cara enfiada na geladeira, deu um pulo assustado, virando-se na mesma hora.
— Puta que pariu, Dimitri! — Lucas bradou, o rosto branco feito papel. — Quer me matar do coração?!
Dimitri deixou que a adrenalina e a tensão abaixassem enquanto voltava a arma para o coldre, encarando o velho amigo.
— Eu é que pergunto. O que está fazendo aqui?!
— Foi você que me pediu para te encontrar aqui durante a tarde, na hora da folga do seu serviço de guarda-costas. — Lucas balançou a cabeça, o peito subindo e descendo velozmente por causa do susto. — Não se lembra não? Só que cheguei mais cedo e decidi entrar. Nós servimos no exército juntos. Abrir uma porta não é nada demais para gente como nós.
Dimitri soltou o ar, resmungando baixo. Era verdade. Céus, onde estava com a cabeça para se esquecer do que combinara com Lucas?
— Desculpa — ele se limitou a pedir. — Os últimos dias têm sido estressantes.
— Imagino. — Lucas voltou a enfiar a cabeça dentro da geladeira, puxando uma garrafa de cerveja. — Você finalmente está dentro da toca do lobo. Emanuel Antonelli não desconfiou de nada?
— Gente como ele nunca se lembra do que fez.
— É por isso que estamos aqui. Para lembrá-lo. — Lucas estendeu uma garrafa para Dimitri, que recusou o gesto. — E a garota Antonelli?
— O que tem ela?
— Vai ser algum problema para nossos planos?
— Não — Dimitri respondeu com um resmungo. De repente, mudou de ideia e pegou a cerveja. Precisava esfriar a cabeça.
— É uma garota rica e mimada como outra qualquer?
Ele inspirou fundo e sorveu um gole da bebida, deixando que a imagem de Hadassa na barra de ballet enchesse sua cabeça.
Como não deu uma resposta para Lucas, o amigo tornou a falar:
— Fiquei monitorando a escuta que você colocou no escritório da casa do Antonelli. Ainda não obtive nenhuma informação relevante. Ele só conversou com um sócio sobre treinar a filha para assumir logo os negócios da família.
— Provavelmente, as conversas mais sigilosas devem acontecer no escritório que ele tem no centro da cidade.
— Foi o que pensei. Mas continuarei monitorando, e vou começar a apertar o cerco em volta dos nossos alvos. E você? Alguma novidade? Algum avanço no plano?
Dimitri apoiou a garrafa no balcão.
— As coisas estão meio estagnadas. Mas haverá uma festa dos figurões hoje à noite. Terei que acompanhar o pai e a garota até lá. Vou aproveitar para ver se encontro alguns dos rostos que procuramos.
Eles terminaram as cervejas e foram para o cômodo que Dimitri sempre deixava trancado.
Uma das paredes havia sido transformada em um mural investigativo digno dos filmes policiais. Estava coberta por fotos, recortes de jornais e anotações com a letra de Dimitri. O rosto de Emanuel Antonelli se destacava no meio de outros rostos.
Lucas soltou um assovio.
— É impressão minha, ou o material dessa parede duplicou?
— Coloco aqui tudo o que encontro e que pode nos ajudar a encontrar a justiça.
— Justiça que teremos que fazer com as próprias mãos — Lucas o lembrou. — Está disposto a ir até o fim?
Dimitri encarou a parede. Algumas pessoas diriam que aquilo era insanidade e que era impossível mudar o passado. Sim, ele concordava que havia coisas impossíveis. Mas a justiça e a verdade sempre podiam ser alcançadas, não importava o meio que fosse usado.
Fitou a foto de Emanuel. Hadassa tinha alguns traços parecidos com o pai; o tom escuro da pele, o contorno dos olhos. Mas a maior parte dela deveria ter sido herdada da falecida mãe, segundo os poucos arquivos que ele encontrara sobre esse lado da família Antonelli.
"Às vezes, basta um acontecimento para mostrar que a vida é..."
"Efêmera?"
Quase podia escutar a voz delicada dela em seus ouvidos, enxergar os olhos escuros e curiosos. Também podia ouvir o grito apavorado, vê-la encolhida na cama, perdida em algum pesadelo. Ele sabia o que era ser assombrado por pesadelos, e se perguntou o que a atormentava.
— Dimitri? Está me ouvindo? A gente vai até o fim com isso?
Precisou fazer um esforço sobre-humano para se virar para Lucas.
— Eles tiraram tudo de nós. Agora é a nossa vez de tirar tudo deles.
***************
Dimitri estava dentro da grande residência dos Antonelli no horário solicitado por Emanuel, parado em meio à sala. Vestia suas melhores roupas sociais, pronto para bancar o perigoso guarda-costas da família em uma festa de luxo.
Como esperava, Emanuel surgiu em um terno elegante.
— Pontual. — O homem o analisou de cima a baixo. — Bem que a empresa me falou que você era um dos melhores.
Dimitri manteve o rosto travado e não deixou nada transparecer.
Discretamente, os dedos de sua mão se fecharam, as unhas se cravando na pele, uma raiva inóspita querendo subir por seu sangue e...
— Estou pronta, pai.
A voz que havia se tornado familiar nos últimos dias atraiu sua atenção, e Dimitri virou o rosto para a grande escada de mármore.
A primeira coisa que ele assimilou foi o vestido; era marfim e contrastava com a cor da pele de Hadassa, uma combinação harmoniosa que sorveu tudo o que havia ao redor. A bainha roçava nos calcanhares, revelando as pontas das sandálias de salto alto. O cabelo estava solto e escorria por suas costas em ondas escuras, entremeado ao brilho dos brincos. Cada passo que ela dava fazia os fios se moverem com suavidade e elegância.
Hadassa chegou ao fim da escada, colocando-se diante dele e do pai, e Dimitri percebeu que o material do vestido era fino o bastante para que se moldasse ao corpo dela.
Seu pulso bateu forte contra os punhos. De súbito, a camisa ficou apertada, a pele, quente e irritada.
— Finalmente, Hadassa.
Dimitri esperou que o homem elogiasse a filha. Nenhum pai — nenhum ser na face de toda a Terra — poderia se calar diante de uma beleza como aquela.
Mas Emanuel nada disse e gesticulou para que fossem até o carro, um Hyundai Sonata preto de última geração.
Seu lado moleque, que colecionara revistas de carros, deu três pulos com a simples ideia de andar em um veículo como aquele.
Contudo, ele não deixou que nenhuma emoção viesse à superfície.
Dimitri observou Hadassa inspirar fundo enquanto seguiam para a garagem. Sem que pudesse se controlar, observou-a outra vez, e teve seu olhar capturado pelos olhos dela.
Ali, pela primeira vez, ele notou que os olhos dela não eram apenas castanhos e escuros; tinham pequenos pontinhos mais claros nas íris, que pareciam adquirir um tom dourado embaixo da luz certa.
— Dimitri, você vai na frente com o motorista — Emanuel falou. — Hadassa e eu iremos no banco traseiro.
— Certo, senhor.
Emanuel contornou o veículo, abrindo uma das portas e entrando.
Dimitri viu Hadassa segurar a saia do vestido e, mais uma vez naquela noite que mal começava, se viu perdendo o controle e abrindo a porta para que ela entrasse. Estendeu a mão, dizendo para si mesmo que estava disposto a representar o papel de guarda-costas atencioso.
Um lampejo de surpresa passou pelos olhos de Hadassa, mas ela aceitou o gesto, colocando a mão sobre a dele. A pele cálida e macia atingiu Dimitri como uma corrente elétrica. Seus olhares se sustentaram pelo que pareceu ser uma eternidade.
— Obrigada — Hadassa falou, baixinho, deixando um pequeno sorriso manchar a curva dos seus lábios.
Quando ela passou por ele e entrou no carro, Dimitri sentiu seu perfume; um aroma floral envolvente que revirou todos os seus sentidos, acelerando seu coração e latejando por toda sua cabeça.
Ele mal assimilou o momento em que se sentou no banco da frente e passou o cinto de segurança.
O motorista girou a chave na ignição, e o motor do Hyundai Sonata roncou com vigor.
Pelo espelho retrovisor, seu olhar se encontrou com o de Hadassa.
E, como um inimigo sagaz em um campo de batalha, o cheiro do perfume dela o torturou silenciosamente durante todo o caminho.
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SINOPSE
Espanha, século XVIII. Obedecendo ao desejo final de sua mãe, Miguel Gonzalez viu-se obrigado a deixar o vilarejo onde cresceu e entrar para o seminário. Anos mais tarde, prestes a fazer seus votos, ele recebe o convite de seu superior para retornar à sua antiga terra para investigar, em nome da Igreja, estranhos relatos feitos pelos moradores locais.
Misteriosa e sonhadora, Anita Ortiz é pega de surpresa quando um amigo de infância volta para casa. Apesar da saudade, o retorno de Miguel coloca tanto seu coração quanto um segredo de sua família em risco.
Enquanto lutam contra a forte atração que os atormenta, Miguel e Anita se deparam com uma ameaça que cresce nas sedutoras sombras da noite, fazendo com que a proximidade proibida se torne a última esperança para enfrentarem algo tão antigo quanto às histórias que cercam suas terras.
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