Meus Sentimentos
Estou no jardim da casa dos Haitani, ajudando Smiley e Ran a cuidar das plantas. As flores precisam ser regadas, as folhas secas devem ser retiradas, e o chão tem que ser varrido.
Normalmente, essa atividade até me deixaria tranquilo, mas hoje o clima é pesado, carregado. É como se o ar estivesse denso, difícil de respirar. A falta de notícias boas sobre o Rindou pesa sobre todos nós, e a suspensão das visitas na clínica deixa o ambiente ainda mais mórbido.
Enquanto passamos a tarde ali, cada um meio que perdido em seus próprios pensamentos, tento quebrar um pouco essa tensão. Pego um punhado de folhas secas, as jogo no saco ao meu lado e olho para Smiley, que está ocupado com um arbusto de rosas.
— Então, Smiley... — começo, tentando manter a voz descontraída. — Como foi que você conheceu o Ran?
Ran levanta os olhos para nós, parando de cortar os galhos secos do vaso de flores. Ele parece curioso, quase como se estivesse esperando pela resposta também. Smiley, por outro lado, dá um sorriso, como se fosse puxar de volta uma memória que ele guarda com carinho.
— Bom... — ele começa, ajeitando o cabelo e colocando a tesoura de jardinagem de lado. — Foi há uns... seis anos? Sim, por volta disso. Eu estava em uma festa, aquelas festas grandes e cheias de gente que nem sei quem convidou quem. Era barulhento, uma confusão, e eu estava no meio dela, falando com alguns amigos. Ran estava do outro lado, estava conversando com um grupo, parecia super confiante, com aquele jeito altivo que ele tem. Eu lembro de pensar que ele era inatingível, sabe? O tipo de pessoa que parece não precisar de ninguém.
Ran dá um pequeno sorriso, sem interromper. Eu vejo que ele também está curioso para ouvir a versão do Smiley.
— E então... — Smiley continua, agora rindo baixinho. — Eu decidi que precisava conhecê-lo. Não sei o que me deu, talvez a tequila que eu tinha tomado, mas fui até ele. Cheguei do nada e fiz a pior piada que alguém poderia fazer numa festa daquelas.
— O que você disse? — pergunto, agora realmente interessado.
— Eu olhei pra ele e disse: "Você deve ser um Wi-Fi, porque sinto uma conexão." — Smiley ri, e Ran solta uma gargalhada curta, balançando a cabeça.
— E aí? — insisto, animado com a história.
Smiley suspira, olhando para Ran com um olhar carinhoso.
— Aí ele não riu da piada. Na verdade, ele me olhou com aquela cara séria, como se estivesse avaliando se eu era algum tipo de idiota. Eu achei que tinha estragado tudo ali, mas então ele disse: "Você é realmente péssimo com cantadas. Mas vou te dar uma chance."
Ran sorri, parecendo também se lembrar daquele momento.
— E foi assim. — Smiley continua. — Foi uma chance que eu não desperdicei. Começamos a conversar naquela noite, e eu fui percebendo o quão incrível ele é. Por trás daquele ar de confiança, tem alguém extremamente carinhoso e protetor. Fui me apaixonando aos poucos, pelas conversas, pelos gestos.
— E quando foi que você percebeu que estava apaixonado? — pergunto, empurrando algumas folhas secas com o pé, tentando absorver cada detalhe.
— Foi alguns meses depois. — Smiley responde, os olhos fixos nas mãos que ainda seguram a tesoura de jardinagem. — Tivemos uma briga boba, daquelas que ninguém quer ceder. Eu fui para casa, meio irritado, pensando que talvez aquilo não fosse para mim. No dia seguinte, Ran apareceu na porta da minha casa, com aquele sorriso maroto dele, e me disse que, se eu não o aceitasse do jeito que ele é, com todos os defeitos, ele não ia mudar por ninguém. E ali... — Smiley diz, com um sorriso largo. — Eu soube que ele era único. Que era ele quem eu queria ao meu lado, com seus altos e baixos, com todo o pacote que é o Ran. E, bom, o resto é história.
Ran se inclina, dá um pequeno soco no ombro de Smiley e diz:
— E você ainda é péssimo com cantadas.
Smiley ri, colocando um braço em volta de Ran.
— Talvez, mas, pelo menos, eu ganhei o prêmio mais incrível por insistir. Certo? — ele diz, olhando para Ran com um carinho tão genuíno que, por um momento, até o peso que paira sobre o jardim parece se dissipar.
Eu me levanto, pegando mais folhas secas, com um pequeno sorriso nos lábios. Ouvir essa história, sentir o amor deles ali, dá um pouco de esperança em meio a todo esse caos. Talvez, de algum jeito, possamos encontrar o caminho de volta para a luz.
Enquanto continuo ajudando no jardim, não consigo tirar os olhos do Ran e Smiley. A forma como eles se olham, como se comunicam com um simples gesto ou um sorriso, é algo que sempre me chama atenção. Tem uma conexão ali, algo forte e verdadeiro. Eles se movem pelo jardim de um jeito tão harmonioso, mesmo que estejam lidando com toda a dor que a vida tem jogado sobre eles, principalmente o Ran.
Paro de recolher as folhas por um segundo, observando os dois de longe. Smiley se inclina para cortar uma flor e a entrega para Ran com um sorriso travesso, e Ran, em troca, lhe dá um olhar de leveza que parece iluminar todo o ambiente. É como se, por um momento, toda a escuridão e o peso desaparecessem ao redor deles. Eu acabo sorrindo um pouco com essa cena.
— Vocês são um casal muito bonito.
Ran olha para mim, uma sobrancelha arqueada, mas o canto da boca dele se curva em um sorriso discreto. Smiley também olha na minha direção, e há um brilho no olhar dele que não dá para ignorar.
— Valeu, Angry. — Smiley responde, parecendo genuinamente grato pelas minhas palavras. Ele estica a mão e entrelaça os dedos nos do Ran, que parece até se ajeitar, como se encontrasse força nesse simples toque.
E é exatamente isso. O que faz deles um casal tão bonito não é só o sorriso, ou a aparência, mas sim essa força que eles encontram um no outro. Em meio a tantas dificuldades, tantos problemas, eles conseguem se apoiar. E isso... bem, é algo raro de se ver.
Não consigo evitar o pensamento que se forma na minha mente. Observar Ran e Smiley juntos, vê-los tão conectados e cúmplices, me faz sentir algo que eu nunca imaginei antes. Um desejo, talvez? É estranho. Eu sempre pensei que essas coisas eram... diferentes para mim, que eu não tinha esse tipo de sonho. Mas agora, ao ver como Smiley e Ran se apoiam, como encontram forças um no outro, percebo que, na verdade, eu também gostaria de viver algo assim.
Um relacionamento como o deles. Sim, é isso. Quero um relacionamento tão bonito e verdadeiro quanto o que eles têm. Eu desejo encontrar alguém que me entenda, que me faça sentir seguro e, ao mesmo tempo, me desafie. Alguém com quem eu possa sorrir, mesmo nos dias mais sombrios.
E é aí que minha mente, quase como um reflexo automático, traz à tona a imagem de Rindou. Minha respiração se prende por um segundo. É confuso... muito confuso. Eu nunca pensei que me atrairia por homens. Isso não era uma ideia que eu tinha de mim mesmo. Mas, com Rindou, tudo é diferente.
Lembro daquela conversa que tivemos há alguns meses. O jeito como ele falou, com uma honestidade tão crua, sobre orientação sexual, e de como isso abriu meus olhos para o que eu sentia. Nunca foi sobre o gênero, afinal. Era sobre ele. Sobre como, em meio a toda a confusão que ronda a vida do Rindou, existe algo nele que me puxa, que me faz querer ficar mais perto. A partir daquela conversa, eu comecei a aceitar algo que, no fundo, já estava em mim o tempo todo: eu gosto de homens... do Rindou, para ser mais exato.
Ainda é um misto de sentimentos. Uma parte de mim sente medo, enquanto outra se sente aliviada, como se eu estivesse finalmente reconhecendo algo verdadeiro em meu coração. Eu olho para as flores à minha frente e então levanto o olhar para Smiley e Ran. Eles riem de algo bobo, um momento simples e corriqueiro que, para eles, significa o mundo.
E é isso que eu quero. Quero ter um relacionamento que seja verdadeiro, que me complete. Quero poder me aproximar do Rindou, oferecer um pouco de paz em meio à tempestade que ele enfrenta, e encontrar meu próprio espaço ao lado dele.
Talvez, só talvez, essa confusão que eu sinto possa se transformar em algo mais. E, quem sabe, um dia eu também possa ser feliz assim... com ele.
Acho que consigo lembrar exatamente quando tudo começou a mudar. Não foi de repente, não foi um clique mágico que me fez perceber. Foi algo que aconteceu aos poucos, tão devagar e silencioso que, quando me dei conta, já estava completamente afundado nesse turbilhão de sentimentos.
No início, Rindou era apenas... Rindou. Um conhecido, o irmão do Ran. Sempre o vi como uma pessoa distante, um pouco fria até. Ele sempre teve essa aura de quem carrega o peso do mundo nos ombros, uma espécie de escuridão que, ao mesmo tempo, sempre me intrigou. E eu... eu nunca fui de me interessar por quem parecia inalcançável. Ou pelo menos achava que não era.
Mas aí... tudo começou a mudar quando eu passei a visitar a casa dos Haitani com mais frequência. Os momentos simples que compartilhávamos: um jantar, uma conversa rápida no corredor, até mesmo a maneira como ele mexia no celular enquanto estava deitado no sofá, foram aos poucos ganhando mais importância para mim.
No começo, achei que era só amizade, uma conexão meio inesperada. Eu queria ver Rindou bem, queria entender o que o deixava tão fechado. Mas quanto mais eu me aproximava, mais eu percebia que algo em mim estava mudando.
Lembro da primeira vez que o vi sorrir de verdade. Não aquele sorriso irônico e meio distante que ele costuma dar, mas um sorriso genuíno. Acho que foi ali que uma faísca se acendeu. Naquele momento, eu vi um Rindou diferente, alguém que conseguia deixar transparecer um pouco da sua alma, mesmo que só por um instante. E aquilo me atingiu como um raio. Algo nele me atraiu de um jeito que eu não conseguia mais ignorar.
Depois disso, comecei a notar como eu ficava nervoso perto dele. Minha garganta secava, meu coração disparava e eu simplesmente não sabia o que fazer. Ele me deixava confuso, perdido nos meus próprios sentimentos. Eu tentava negar, tentava dizer a mim mesmo que era apenas preocupação, amizade, sei lá. Mas no fundo, eu sabia que era mais.
Então teve aquela conversa. Aquela em que Rindou abriu o coração sobre sua orientação, seus medos, e foi aí que a ficha caiu para mim. A maneira como ele falou, a coragem de se expor assim... aquilo me fez admirá-lo ainda mais. E, naquele instante, finalmente aceitei algo que vinha tentando negar: eu estava me apaixonando. Não por homens, ou por qualquer estereótipo que eu poderia ter em mente, mas por ele. Pelo Rindou.
Desde então, minha vida virou essa mistura de sentimentos. Me preocupo com ele, sinto saudade quando não o vejo, e ao mesmo tempo, sinto medo de tudo isso. O medo de não ser correspondido, de não saber lidar com essa realidade nova para mim. Mas, ao mesmo tempo, quando penso nele, quando lembro do seu sorriso raro, da sua maneira de ser... tudo faz sentido.
Então, é isso. Acho que comecei a sentir algo por Rindou quando percebi que ele era mais do que a imagem fria que ele mostrava ao mundo. Ele é um labirinto de sentimentos e lutas, e é nesse labirinto que me perdi, de uma forma que não me importo em tentar me encontrar.
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