Meu Amado Irmão
Caminho pelos corredores do hospital com o coração na garganta. São quase quatro da manhã, e o silêncio desse lugar só torna tudo mais sufocante. Cada passo meu parece ecoar pelos corredores vazios, e a única coisa que escuto além do som dos meus próprios pés é a minha respiração pesada. Smiley ainda estava dormindo comigo quando recebi a ligação, mas não tive coragem de acordá-lo. O que eu ouvi ao telefone já foi o suficiente para me encher de pavor.
— Precisamos conversar sobre o estado do Rindou. — disse o médico. O tom sério da sua voz ainda ressoa na minha cabeça. Eu tento afastar os piores pensamentos, mas eles não me dão descanso. O que mais pode acontecer? Ele já sofreu tanto... não é justo.
Chego à frente da sala e, com um aperto no peito, bato na porta. Ouço a voz do médico do outro lado, me permitindo entrar. Quando abro a porta, o ambiente frio e impessoal da sala parece me engolir.
O médico está sentado atrás de uma mesa, as luzes fracas destacam o cansaço no seu rosto. Ele me olha com seriedade e indica uma cadeira para que eu me sente. Eu obedeço, mas mal consigo manter a calma. Minhas pernas estão tremendo de leve, e meus dedos apertam os braços da cadeira com força.
Ele respira fundo antes de começar a falar, como se estivesse escolhendo bem as palavras. Isso só me deixa ainda mais ansioso.
— Ran, eu lamento ter chamado você a essa hora, mas o estado do Rindou requer uma discussão urgente. — ele pausa, como se estivesse me preparando para o impacto. — A situação mental do seu irmão está se tornando cada vez mais crítica.
Eu me endireito na cadeira, tentando absorver o que ele está dizendo, mas sinto como se o chão estivesse se abrindo sob os meus pés.
— Crítica como? — minha voz sai mais trêmula do que eu gostaria.
— O Rindou teve um episódio muito severo nesta madrugada. Sua frequência cardíaca disparou, e ele apresentou delírios intensos, alucinações. Falou coisas desconexas e sombrias, mencionando sensações de sufocamento por algo que ele acredita ser uma presença ou sombra. Foi necessário contê-lo para aplicar sedativos. — o médico faz uma pausa, como se estivesse esperando minha reação.
Minhas mãos estão geladas. É como se uma tempestade estivesse se formando dentro de mim, mas eu tento manter a calma, tento processar tudo. Sei que o Rindou sempre teve uma mente conturbada, mas ouvir que ele está chegando a esse ponto... dói de um jeito que não consigo descrever.
— E agora...? O que isso significa? — pergunto, a voz fraca.
— Ran, precisamos entender que o Rindou não está apenas lutando contra traumas, borderline e depressão. Estamos diante de algo que pode indicar uma psicose mais severa. A combinação de alucinações, delírios e pensamentos desorganizados nos leva a acreditar que há um transtorno psicótico em evolução. — ele para, como se esperasse que eu absorvesse tudo isso. — Nosso próximo passo precisa ser intensificar o monitoramento e, talvez, ajustar o plano para um tratamento mais agressivo... o que inclui a internação na clínica psiquiátrica assim que ele for estável o suficiente para ser transferido, assim como eu já havia lhe dito.
A palavra "internação" ecoa na minha mente como um martelo. Meu irmão... o Rindou... preso em um lugar onde ele sempre disse que se sentia pior. Ele já foi internado antes, mas dessa vez parece diferente, como se ele estivesse ainda mais quebrado.
Meus olhos ardem, mas eu seguro as lágrimas. Não posso me deixar desmoronar agora. Preciso ser forte por ele, mesmo que tudo dentro de mim esteja gritando em desespero.
— Eu entendo... — consigo dizer, embora minha voz esteja embargada. — Vou fazer o que for preciso pra ajudar o Rindou, mas... não sei se ele vai aguentar passar por tudo isso de novo.
O médico apenas acena, com um olhar que mistura compreensão e impotência. Ele sabe que, por mais que tentem, há coisas que talvez ninguém possa realmente consertar.
O médico suspira profundamente, ajeitando os óculos antes de me encarar com um olhar grave. Eu estou na beira de um colapso, mas me esforço para me manter inteiro. Sei que preciso ouvir o que ele tem a dizer, mesmo que tudo em mim esteja implorando para fugir dessa sala e esquecer que tudo isso está acontecendo.
— Ran, o que estamos lidando aqui é algo sério.— ele começa, a voz baixa, mas firme. — Transtornos psicóticos, como a esquizofrenia, são condições onde a pessoa perde o contato com a realidade. Elas podem apresentar alucinações, delírios, pensamentos desorganizados... exatamente como o que Rindou vem demonstrando. O que preocupa é que ele já tem um histórico complicado de depressão severa e transtorno de personalidade borderline, o que pode agravar ainda mais o quadro.
Cada palavra dele é uma faca cravada no meu peito. Eu sabia que o Rindou estava mal, mas ouvir tudo isso em termos clínicos é devastador.
— Mas... como isso acontece? — minha voz quase não sai. — Como ele foi parar nesse ponto?
O médico respira fundo novamente, claramente tentando ser sensível na maneira como explica as coisas.
— Esses transtornos podem ter várias causas, Ran. Eles podem surgir devido a uma combinação de fatores genéticos, biológicos e ambientais. Traumas emocionais na infância e adolescência são grandes gatilhos. Situações de extremo estresse e abandono podem desencadear essa desconexão da realidade. E, quando somados a um quadro de borderline e depressão, como no caso do seu irmão, o risco de desenvolver algo como a esquizofrenia aumenta consideravelmente. Isso significa que os traumas que ele sofreu ao longo da vida podem ter contribuído para o que estamos vendo agora.
— Mas... esquizofrenia? — pergunto, com dificuldade para entender. — Você acha que ele pode realmente ter isso?
— Suspeitamos fortemente, sim. Ainda é cedo para um diagnóstico definitivo, mas o comportamento recente dele, especialmente as alucinações, indicam essa possibilidade. Por isso, Ran, eu preciso perguntar sobre a infância e adolescência do Rindou. Se ele passou por algo traumático, isso pode ter deixado marcas profundas que agora estão se manifestando de forma mais severa.
Eu olho para o chão, tentando encontrar as palavras. Falar sobre o que o Rindou passou nunca foi fácil. Ele sempre foi reservado, e eu sei que carrega cicatrizes que prefere esconder. Mas se isso vai ajudar, então eu preciso contar.
— A infância e a adolescência do Rindou... não foram fáceis. Nós... crescemos em um ambiente difícil. — minha voz falha, e eu respiro fundo para continuar. — Nosso pai era ausente e violento quando estava por perto. Ele descontava a raiva no Rindou principalmente. Como o irmão mais novo, ele era alvo fácil, mesmo quando eu entrava na frente para que ele não o machucasse. Já a nossa mãe... ela estava mais preocupada com as aparências do que com o bem-estar da gente. Nunca apoiou o Rindou. Ele sofreu bullying na escola por ser mais quieto e reservado. E na adolescência... bem, as coisas pioraram.
Eu paro, tentando segurar as lágrimas que ameaçam cair. O médico me observa atentamente, incentivando com um aceno para que eu continue.
— Rindou nunca se encaixou. Ele sempre foi visto como esquisito, estranho. — as palavras saem mais pesadas do que eu imaginava. — E tem um evento que ele nunca me contou os detalhes, mas eu sei que alguém fez coisas horríveis com ele quando ele era adolescente dentro do banheiro da escola, ele não me disse nada, só fiquei sabendo do que aconteceu quando eu vi as marcas no corpo dele. Ele começou a se isolar ainda mais, a se afundar em pensamentos sombrios, e isso só piorou com o tempo.
O médico mantém o silêncio, absorvendo o que eu disse. Eu me sinto tão pequeno agora, relembrando todas as vezes que vi o Rindou lutar contra os próprios demônios e não pude ajudar da forma que ele realmente precisava.
— Esses eventos traumáticos. — o médico finalmente fala — São exatamente o tipo de coisa que pode ter contribuído para o estado dele agora. A mente, especialmente durante o desenvolvimento, reage ao trauma de maneiras imprevisíveis. Alguns se fecham completamente, outros desenvolvem mecanismos de defesa extremos... e, em casos mais graves, como o do Rindou, a linha entre a realidade e as percepções distorcidas pode começar a se desfazer. Se ele realmente tiver esquizofrenia, é possível que esses traumas tenham sido o gatilho para que ela se manifestasse.
Eu não consigo mais segurar as lágrimas. Tudo o que o Rindou passou, toda a dor que ele escondeu por tanto tempo... parece que agora voltou para destruí-lo de uma maneira ainda mais cruel. Eu sempre soube que ele carregava muito peso, mas ouvir isso assim, tão friamente diagnosticado, me faz sentir como se tivesse falhado em protegê-lo.
O médico coloca uma mão reconfortante no meu ombro, mas isso não alivia a culpa que consome o meu peito. Eu só queria poder voltar no tempo e impedir que ele passasse por tudo isso. Eu só queria que ele tivesse tido uma vida mais leve, com menos dor.
— Eu preciso ver ele. — digo firme.
— Você vai precisar ser forte, Ran. Pois tivemos que tomar atitudes drásticas para contê-lo. — informa o médico e se levanta da cadeira assim como eu.
Ser forte? Mais do que eu já estou sendo?
Caminhar pelos corredores do hospital nunca foi tão agoniante. Cada passo ecoa como se o silêncio ao redor estivesse zombando da minha ansiedade. Eu não consigo tirar da cabeça o olhar do médico quando disse que eu precisaria ser forte para ver o Rindou. Aquela frase me deixou com um nó na garganta, mas eu não quero acreditar no pior. Eu me agarro à esperança de que ele só quis dizer que Rindou está mais agitado ou algo assim. Nada que eu não possa lidar... certo?
O médico para em frente a uma porta diferente das outras, mais isolada, e com um clima pesado que já começa a me incomodar. Ele digita uma senha no painel ao lado, e o som do travamento destravando me faz engolir em seco. Quando a porta se abre, sinto como se o ar ao meu redor se tornasse denso e gelado.
Entramos num quarto que parece mais uma cela do que um espaço para recuperação. Não há uma única janela, e as paredes são acolchoadas. O ambiente é sufocante, quase sem vida. O único sinal de ar fresco vem de uma grade no teto. Tudo parece errado. Meus olhos correm desesperados pelo lugar até encontrarem o que eu mais temia.
Rindou.
Ele está deitado na cama, mas não como alguém descansando. Ele está amarrado. Seus braços e pernas estão presos firmemente por correias que não permitem nenhum movimento. A visão é um soco direto no meu estômago. Meu irmão, meu Rindou, está completamente imobilizado, como se fosse um perigo até para si mesmo.
Minha mente demora a processar o que estou vendo. Eu sabia que as coisas estavam ruins, mas... isso? Eu nunca imaginei que ele fosse acabar assim.
— Por que... por que ele está assim? — minha voz sai falha, mal reconheço o som. As lágrimas já estão ameaçando cair, mas eu me forço a engoli-las. Eu preciso ser forte, como o médico disse. Mas como, olhando para ele desse jeito?
— Foi necessário para garantir a segurança dele e dos outros. — a voz do médico é firme, mas não fria. Ele entende o choque que estou sentindo. — Rindou entrou em um estado de agitação extrema. Tentou arrancar os fios do acesso, gritou coisas sem sentido, e começou a se debater com uma força que, sinceramente, não esperávamos. Tivemos que contê-lo dessa forma, Ran. Era a única opção para evitar que ele se machucasse mais.
Eu caio de joelhos, sem forças para me segurar. As lágrimas escorrem sem controle agora. Olhar para o Rindou assim, amarrado como se fosse um prisioneiro, completamente vulnerável, parte meu coração em pedaços.
Ele está ali, mas ao mesmo tempo não está. Ele não parece estar realmente presente. É como se uma parte dele estivesse perdida em algum lugar distante, longe de qualquer coisa que eu possa alcançar.
— Rindou... — minha voz é apenas um sussurro quebrado, enquanto as lágrimas continuam a cair. — Por que você está passando por isso? Por que você, logo você?
Ele não responde, claro. Como poderia? O rosto dele está inexpressivo, como se a dor e o sofrimento tivessem sugado até a última faísca de vida dos seus olhos. Tento encontrar algum sinal de reconhecimento, mas não há nada ali. Só um vazio profundo, onde meu irmão deveria estar.
Eu me sinto tão impotente. Tão insignificante diante de tudo isso. Eu deveria estar protegendo ele, mas agora estou aqui, assistindo enquanto ele é mantido preso como se fosse uma ameaça. Eu falhei com ele. Mais uma vez, eu falhei com o meu próprio irmão.
— Ran... eu sei que isso é difícil. — o médico se ajoelha ao meu lado, colocando uma mão no meu ombro. — Mas estamos fazendo o possível para ajudar. Não desista dele.
Não desistir? Como eu poderia? Rindou é meu irmão, meu sangue. Mas a verdade é que estou apavorado. E se ele nunca sair dessa? E se ele ficar preso nesse pesadelo pelo resto da vida? A simples ideia é insuportável.
Eu me aproximo mais da cama, minhas mãos tremendo ao alcançar as dele, mesmo amarradas.
— Eu estou aqui, Rindou. — minha voz é quase um sussurro. — Eu não vou te deixar sozinho, ok? Nós vamos passar por isso juntos. Só... volta para mim, por favor.
Mas ele continua inerte, preso nas amarras e em sua própria mente. E tudo o que posso fazer é chorar, enquanto me pergunto quando, ou se, ele vai realmente voltar.
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