Internação
Eu não sei quanto tempo já passou desde que estou aqui. Dias, horas, minutos... tudo se mistura em uma névoa densa, como se o tempo não tivesse mais significado. Sinto meu corpo preso nessa cama, minha mente oscilando entre o vazio e pensamentos desconexos. Eu estou consciente, tenho certeza disso, mas é como se uma barreira invisível me impedisse de reagir, de expressar qualquer coisa.
Ran, Smiley e Angry vêm me visitar todos os dias, mas para mim, é como se eles fossem figuras distantes, vozes abafadas em um sonho ruim. Eu ouço eles falando, tentando me animar, mas não consigo responder, não consigo nem mover um músculo para olhar para eles direito. Eu vejo a preocupação nos olhos do Ran, o esforço do Smiley em manter um sorriso para disfarçar o medo, e o desespero silencioso do Angry. Mas não importa o quanto eu queira dizer algo, eu simplesmente... não consigo.
Os médicos chamam isso de estado catatônico. Eu sei o que isso significa, sei que estou preso dentro de mim mesmo, incapaz de sair dessa prisão mental. Eu estou ciente de cada segundo que passa, mas ao mesmo tempo, tudo parece tão distante, tão irreal. É como se eu fosse um espectador da minha própria vida, observando de longe, sem poder fazer nada para mudar.
Eu queria poder me mover, falar, gritar... qualquer coisa para sair dessa paralisia infernal. Mas, não importa o quanto eu lute por dentro, meu corpo se recusa a reagir. Às vezes, sinto que estou me afogando em silêncio, tentando alcançar a superfície, mas nunca chegando lá.
Nada mais faz sentido. Os dias se arrastam, intermináveis, e eu perco a noção de quando é dia ou noite. Tudo o que me resta é essa escuridão em que estou preso. Não sei quando — ou se — vou conseguir sair disso. E, no fundo, uma parte de mim se pergunta se vale a pena continuar lutando.
E então, a enfermeira entra no quarto no mesmo horário de sempre. Eu já conheço a rotina de cor. A enfermeira vem com aquele sorriso forçado, tentando me passar uma falsa sensação de conforto. Não importa o quanto mudem as enfermeiras, todas seguem o mesmo script. Primeiro, ela se aproxima da cama, ajeita o travesseiro de um jeito automático, como se eu fosse sentir alguma diferença.
Depois, ela pega a bandeja com os comprimidos e o copinho de água. Coloca tudo na mesinha ao lado da cama e, com aquela voz monótona de quem está acostumada a lidar com pacientes inexpressivos como eu, diz:
— Está na hora da medicação, Rindou.
Eu nem preciso responder. Meu corpo já sabe o que fazer. Inclino levemente a cabeça, abro a boca, e deixo que ela coloque os comprimidos na minha língua. Eu já nem olho mais o que estou tomando. Sei que é o coquetel de sempre: algo para a ansiedade, algo para a depressão, algo para me manter nesse estado meio dormente.
Ela me entrega o copo de água e eu engulo os comprimidos em silêncio. Depois, ela verifica o soro, ajusta a velocidade da goteira, e anota algo no prontuário. É sempre o mesmo processo. Sei cada detalhe do que vem a seguir. Ela vai dar uma olhada rápida nos aparelhos, verificar a pressão, medir os batimentos cardíacos e então, antes de sair, vai dizer:
— Se precisar de algo, é só chamar.
Eu nunca chamo. Ela sabe disso. É só parte do protocolo, como todo o resto.
Quando a porta se fecha, eu me afundo na cama novamente, sentindo o peso desses medicamentos tomarem conta de mim. Não demora muito para que a familiar sensação de entorpecimento se espalhe. Meu corpo fica mais pesado, minha mente mais turva. E eu fico assim, preso em uma rotina que eu já nem preciso mais pensar para seguir. Tudo se tornou mecânico, sem propósito.
Essa é a minha vida agora: comprimidos, copos de água, e a sensação constante de estar à deriva, sem controle de absolutamente nada.
Recentemente, ouvi os médicos conversando no corredor. Eles não perceberam que eu estava prestando atenção. Disseram que o meu estado não melhorou, que tudo está regredindo. Falaram sobre me transferir para a clínica psiquiátrica em breve. Mais uma vez, aquele lugar. Já sei o que me espera: os mesmos corredores frios, as portas sempre trancadas, as sessões de terapia forçadas. Nada disso é novidade, mas o pensamento de voltar para lá ainda me corrói por dentro.
Também ouvi eles mencionarem meu peso. Sempre mantive 75 kg, mas agora, segundo os médicos, estou com 60 kg. Sessenta. Eu sabia que tinha emagrecido, mas ouvir o número assim, tão baixo... isso me bateu de uma forma estranha. Meu corpo parece cada vez mais distante do que eu era. Me sinto pequeno, frágil. Meus braços finos, as costelas começando a aparecer... não pareço mais o mesmo. Nem por fora, nem por dentro.
Cada dia que passa, parece que estou sumindo um pouco mais. Não só o peso, mas a vontade de lutar, a esperança de que algum dia as coisas possam melhorar. Tudo vai desmoronando, se dissolvendo devagar. E agora, com essa notícia de que vou ser internado de novo, sinto como se estivesse sendo arrastado para um buraco sem fim.
A vida continua me empurrando para esses lugares que eu tento tanto evitar, mas que parecem ser os únicos destinos possíveis para mim. Não tem mais brilho, não tem mais cor. Só essa sensação constante de estar se esvaindo.
Eu consigo sentir a diferença no meu corpo. Não é só o que os médicos disseram, é o que eu vejo e sinto a cada vez que me olho no espelho ou tento me mover. Meus braços estão mais finos, quase sem força. Os ossos das minhas costelas aparecem mais do que eu me lembrava, como se estivessem tentando romper a pele. Antes, eu sentia meus músculos quando me mexia, mas agora é só essa fraqueza constante, como se qualquer movimento exigisse mais do que eu tenho para dar.
Meus ombros cairam, meus shorts estão frouxos, e até minhas camisetas parecem maiores. O peso que perdi não foi só em números, foi em tudo. Em energia, em disposição, em esperança. O pior é sentir o vazio no estômago, mas não ter apetite para preencher. Não sinto fome. Cada refeição parece uma batalha. Eu olho para a comida e não sinto vontade de comer. É como se o meu corpo tivesse desistido até disso.
Quando tento caminhar, minhas pernas tremem. E, quando estou deitado, sinto a pressão dos ossos contra o colchão de um jeito desconfortável. Tudo isso só reforça que estou me desfazendo aos poucos. Dá para perceber nas coisas pequenas o jeito como as roupas escorregam no meu corpo, o formato do meu rosto mudando, o cansaço nos meus olhos. A diferença está em todos os lugares, me lembrando que estou me deteriorando.
Antes, eu carregava um peso constante nos ombros, algo invisível, mas agora é como se meu corpo finalmente tivesse se moldado a essa sensação. Cada grama que perdi parece ter ido junto com uma parte de mim. E, apesar de sentir o vazio, ainda estou aqui, preso a essa existência frágil e esgotada.
Eu desisti de tudo.
Eu vejo o médico entrar, seguido por uma equipe médica toda vestida de branco. No instante em que eles aparecem, eu sei o que isso significa: chegou a hora. Vou ser levado para a clínica psiquiátrica.
Eles sempre fazem do mesmo jeito. Primeiro, o médico se aproxima e tenta falar comigo, uma conversa educada, explicando que isso é para o meu bem, que vai me ajudar a melhorar. Mas eu não consigo ouvir direito, minha mente já está processando o que vem a seguir.
Eles trazem uma cadeira de rodas. Não me deixam andar por conta própria, não que eu conseguisse, de qualquer forma. Minha força já foi drenada há muito tempo. Duas enfermeiras seguram meus braços, me erguem com cuidado, e eu sinto o quanto estou leve, como se o peso que um dia eu carreguei tivesse se dissolvido, junto com a minha sanidade. Me acomodam na cadeira e ajustam as cintas no meu corpo, prendendo meus pulsos para evitar qualquer reação. Mas sinceramente? Mesmo se não tivessem essas cintas, eu não iria fazer reação alguma. Não tenho mais forças para nada.
A equipe me cerca. Sei que é um protocolo para garantir que eu não tente nada, mas, mesmo assim, a sensação de estar cercado, observado, só aumenta o pânico dentro de mim. Me sinto como uma coisa frágil, sendo transportada com todo cuidado, mas também com a firmeza de quem está lidando com algo imprevisível.
Eles começam a me empurrar para fora do quarto. O corredor parece mais longo do que nunca, as luzes brancas do hospital passando por cima da minha cabeça como se fossem estrelas frias e distantes. Não ouço nada além do barulho das rodas no chão liso e do bip das máquinas ao longe. Cada porta que passamos parece mais distante da realidade, mais distante de tudo o que eu já conheci.
O elevador é apertado. Ninguém diz nada enquanto descemos. Apenas o som do motor e a sensação de descida que me lembra que estou afundando ainda mais nesse inferno.
Quando as portas se abrem, já estamos no térreo. Lá fora, a ambulância espera. Não é qualquer ambulância, é uma daquelas adaptadas, com grades e um interior preparado para transportar alguém como eu. Eles me transferem com a mesma delicadeza impessoal, fixando as correias nos meus tornozelos e nos meus pulsos novamente. Dessa vez, o isolamento é completo.
A porta da ambulância se fecha com um estalo seco. No escuro, enquanto o motor ronca e começamos a nos mover, a realidade se esvai. Tudo o que resta é essa certeza sufocante de que estou sendo levado para um lugar onde o tempo vai se arrastar ainda mais devagar, onde cada segundo será uma nova tortura. Já conheço bem o caminho, o cheiro, o ambiente. E, no fundo, não importa o quanto eu tente me preparar, o medo continua a me corroer.
Nada mais importa. Essa é a conclusão a que chego enquanto encaro o teto branco e vazio, de novo. Há dias, talvez semanas, que venho pensando nisso. Mas agora, essa sensação se cristaliza em algo absoluto. Nada faz sentido, nada tem valor. É como se o mundo ao meu redor tivesse perdido todas as suas cores e significados. Só resta essa neblina cinza, espessa e sufocante.
Os rostos que eu conhecia, as vozes que antes me traziam algum conforto, agora são apenas sons distantes, ecos que se perdem no vazio. Ran, Smiley, Angry... Mesmo quando eles estão aqui, me olhando com preocupação ou tentando conversar, eu não consigo sentir nada. O que antes era amor, carinho, afeto... agora é apenas um vácuo. E isso me destrói por dentro. Sei que deveria me importar, que deveria reagir, mas simplesmente não consigo.
O tempo passa, mas é como se estivesse congelado. Os dias e noites se fundem em uma única mancha indefinida. Não há diferença entre as horas em que estou acordado e as horas em que estou sedado. Tanto faz. A medicação, as conversas forçadas, as visitas... nada mais tem efeito. É tudo uma repetição vazia, uma rotina que não leva a lugar algum. Como se eu estivesse preso em um ciclo eterno de dor e apatia.
Eu costumava ter sonhos, metas, até gostos. Lembro de quando a música era meu refúgio, de quando eu ria lendo as fanfics absurdas que encontrava online, ou me divertia gravando vídeos para o meu canal. Mas tudo isso agora parece distante, como memórias de outra pessoa. Aquela versão de mim que existia antes... ela não está mais aqui. Se perdeu no caminho, afogada por esses pensamentos escuros e essa falta de sentido.
A verdade é que me sinto vazio. Um corpo que se move, respira, mas por dentro não há nada. Nem dor, nem raiva, nem tristeza genuína. Apenas esse buraco que consome qualquer vestígio de humanidade que eu ainda tinha.
Talvez seja isso que chamam de desistir. Não é nem um ato de revolta ou rendição. É só a constatação fria de que, para mim, nada mais importa.
Já faz um tempo desde que a ambulância começou a rodar, e o balançar monótono me deixou quase entorpecido. De repente, sinto que ela para. Os sons de movimento se dissipam, e há um silêncio estranho, incômodo. Meu coração, que estava lento e pesado, parece dar uma batida mais forte, como um aviso do que está por vir.
Ouço passos do lado de fora e o clique metálico da porta traseira se destrancando. A luz externa inunda o interior, me cegando por um momento. Os médicos aparecem, com as expressões impassíveis de sempre, e começam a me desamarrar para me retirar da maca. Eu sinto o peso deles segurando meus braços e pernas enquanto me colocam em pé, mas minhas pernas mal têm força para sustentar meu próprio corpo.
Olho em volta, e o prédio à minha frente me faz tremer por dentro. A fachada da clínica psiquiátrica é tão fria e desoladora quanto eu me lembrava. Paredes brancas sem vida, janelas estreitas e grades discretas que tentam passar despercebidas, mas estão lá para lembrar que não há fuga.
Eles me guiam para dentro, enquanto me empurram na cadeira de rodas, os passos ecoando no chão polido, e cada som reverbera pela minha mente como um martelo batendo. A entrada é limpa, organizada, e o cheiro de desinfetante é forte o suficiente para fazer meu estômago revirar. Não há cores ali, só tons de branco e cinza, como se a própria esperança tivesse sido drenada do ambiente.
Caminhamos por corredores estreitos, com portas pesadas e reforçadas ao longo de ambos os lados. Algumas dessas portas têm pequenas janelas, e em uma delas vejo um rosto pálido, sem expressão, me observando enquanto passo. É um olhar vazio, mas familiar. Um reflexo do que eu mesmo me tornei.
Finalmente chegamos ao meu quarto. As paredes são acolchoadas, uma medida de segurança para aqueles que se machucam. Sem janelas, sem saídas. Só a porta de aço atrás de mim, que se fecha com um estalo que ressoa em meus ouvidos como o som de um cárcere definitivo. O ar é pesado, sufocante, e o silêncio é quebrado apenas pelos suspiros lentos e contidos dos outros pacientes, ecoando de longe.
Eles me colocam na cama, nem se dão o esforço de me prenderem, pois sabem que eu não tenho força para mais nada.
Os médicos dizem algumas palavras, mas não presto atenção. Me concentro nos detalhes: a textura do acolchoamento nas paredes, as rachaduras quase imperceptíveis no teto, o som fraco do ar sendo forçado pelo sistema de ventilação. Cada segundo parece durar uma eternidade.
Agora estou aqui. De novo. De volta a esse lugar que rouba qualquer resquício de humanidade. E enquanto eles se afastam, me deixando sozinho, só consigo pensar em como tudo isso é o ciclo de um pesadelo interminável, onde o tempo não existe, e a vida se resume a esse vazio sem fim.
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