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Senhora Montenegro

Logo Rodrigo percebeu que a resposta era um sonoro "não".

— A sua expressão é a mesma de quando te conheci no hospital. — Sara apontou para a foto que segurava. — Já éramos namorados?

Olhou para foto com atenção. Era do tempo do colégio, ele vestia o uniforme do time de basquete, na face uma expressão irritada voltada para ela, que tinha os braços ao redor do pescoço dele, estava vestida como agora e sorria para ele.

— Não. Começamos o namoro muito tempo depois do colegial.

— Mesmo? — Sara olhou intrigada para o verso da foto. — A senhora Montenegro já estava apaixonada por você. Pelo menos é o que parece. — Estendeu a foto.

— Senhora Montenegro? — Rodrigo pegou a foto, mas não tirou os olhos de Sara.

— É que todos me chamam de senhora Montenegro, mas não me sinto senhora e tão pouco Montenegro. — Deu de ombros. — Percebi que somos diferentes, então prefiro pensar na pessoa que esqueci como senhora Montenegro, enquanto eu sou somente Sara.

A teoria de Karen que Sara estava fingindo com certeza era errônea. Sara nunca diria algo assim, jamais desdenharia do sobrenome de casada. Antes ela o ostentava com orgulho, enchendo a boca ao declarar ser a esposa de Rodrigo Montenegro, como se esse fato a tornasse a pessoa mais importante do mundo. Essa atitude costumava incomoda-lo, mas agora, ouvindo Sara desdenhar de seu sobrenome sem se abalar, se sentiu ofendido.

Virou a foto que Sara lhe entregou e leu as palavras em caligrafia bonita e com corações nos i's:

Rodrigo Montenegro, amor da minha vida.

O garoto mais lindo e maravilhoso que conheço.

Dono dos meus pensamentos e do meu coração.

Sonho com o dia em que estaremos juntos para toda a eternidade.

Nunca viu aquela foto antes, embora tivesse uma ligeira ideia de quando foi tirada.

— A senhora Montenegro te amava demais, não é?

Encarou Sara por um instante, visivelmente contrariado, antes de responder seco.

— Sim.

— Você a amava? Lógico que amava, pergunta mais besta a minha. — Sorriu para Rodrigo que continuava com a expressão fechada. — Deve sentir muito a falta dela.

— Não tenho motivo para sentir falta, porque você é a senhora Montenegro.

Sua voz saiu mais fria e rude do que pretendia, mas aquela história de não ser a senhora Montenegro era absurda. Logo se arrependeu do tom usado ao perceber que Sara ficou chateada, desviando o olhar para a caixa ao seu lado. Só fazia besteira nos últimos tempos, lamentou.

Fechou os olhos por um segundo, tentando colocar os pensamentos em ordem. Ao abri-los, se sentou ao lado de Sara, decidido a esclarecer a relação deles.

— Sei que é difícil aceitar estar casada comigo, mas imagina o quanto é difícil ouvi-la se desfazer do nome de casada.

— Não quero me desfazer, só não me sinto casada. — Os olhos esmeraldas se fixaram nos ônix suplicantes. — Preciso de um tempo pra me acostumar com a ideia. Podemos ser amigos?

Amigos? Rodrigo sentia que a cada momento tudo ficava ainda mais bizarro. Não queria a amizade dela, nunca quis. Seus olhos se fixaram na mão esquerda de Sara. Pelo menos ela não se desfez da aliança de casamento, continuava a usa-la, aquilo era um bom sinal. Se ela precisava de um tempo, teria o tempo que precisasse.

— Como queira, Sara. — Rodrigo olhou para a caixa. — Onde encontrou isso?

— Estava no fundo do closet. — Sara colocou a caixa em seu colo. — Tem várias coisas das quais me recordo, fotos de amigos, diários, esse uniforme — Sara deslizou a mão pelo top, causando um incômodo no baixo ventre de Rodrigo. — E algumas que não, como esse...

Pegou um quadro com um diploma, um sorriso luminoso em sua face.

— Eu me formei em medicina?

— Sim. Chegou a trabalhar por um tempo com a sua madrinha. Quando nos casamos preferiu cuidar do nosso apartamento.

— Cuidar do apartamento? Quem cuida de tudo é a Marta.

— Marta?

— A empregada, a mulher que limpa, passa e cozinha. — Sara o encarou com descrença. — Como não sabe o nome da sua empregada?

— Você a contratou e se prontificou a supervisiona o trabalho dela... O que foi? — quis saber ao perceber que ela o encarava com a boca torta.

— Larguei uma profissão que sempre sonhei pra ficar supervisionando uma pessoa limpar e cozinhar? — Sara o encarou descrente. — Não faz sentido.

— Para a senhora Montenegro fazia — Rodrigo revidou com um sorriso de lado.

Algo naquele sorriso debochado fez Sara achar graça da situação, o riso foi inevitável.

Rodrigo admirou a risada cristalina ecoando no ambiente. Ela estava tão diferente, mais leve. Fazia muito tempo que não tinham uma conversa amigável, sem brigas.

Observou as curvas da esposa, que o antigo uniforme, muito justo e pequeno, não cobria. Suas mãos ansiaram em percorrer cada uma delas, até que ela esquecesse aquela história de amizade e o aceitasse como seu marido.

Levantou-se antes que cometesse alguma loucura, como agarrar a esposa e tentar fazê-la lembrar de como eram antes do acidente.

— Vou dormir agora, creio que deveria fazer o mesmo.

Estendeu a mão para ajuda-la a se levantar, tentando ignorar que de pé a roupa que ela usava ficava ainda menor. Precisava de um banho frio com urgência.

"Não o deixe ir", uma parte de Sara mandava. Porém, não se sentia pronta para obedece-la, sentia que ele era perigoso, que deveria tomar cuidado, por isso preferiu acompanha-lo até a porta do quarto e vê-lo seguir para o dormitório ao lado. "Não o deixe ir".

— Rodrigo...

Encostou-se ao batente da porta e viu Rodrigo parar com a mão na maçaneta do quarto ao lado.

— Eu só queria lhe desejar uma boa noite, que tenha bons sonhos.

O olhar dele caminhou por cada centímetro do corpo de Sara, fazendo com que ela sentisse uma estranha sensação elétrica e quente percorre-la, como se aqueles olhos escuros a desnudasse. Ajeitou-se incomodada e enfrentou o olhar que se fixou no seu, sentindo a face em chamas e as pernas bambas ao reparar no sorriso sedutor delineado nos lábios finos. Devia ser pecado ser tão bonito.

— Pode ter certeza que terei ótimos sonhos, e espero que você também os tenha — ele declarou antes de sumir dentro do dormitório.

Sara respirou fundo. Algo lhe dizia que seus sonhos seriam povoados por apaixonantes olhos escuros.

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