Rumo Tempestuoso
Batendo distraído o lápis sobre a escrivaninha de mogno, Rodrigo tentava sem sucesso desviar os pensamentos de sua mulher. Tinham se passado quatro horas que saíra de casa e o que povoava sua mente era o que Sara fazia naquele momento, se estava no hospital, na tal galeria de arte ou com Laura. A impressão de que havia algo errado só aumentava com o passar das horas.
Ela não telefonara em nenhum momento. Era até engraçado desejar tanto que ela o fizesse, assim como se segurava para não telefonar e exigir saber exatamente onde ela estava e o que fazia.
— Oi, Rodrigo! — Júlio entrou em sua sala seguido de perto por uma aborrecida Karen.
— Eu tentei dizer a essa criatura que checaria se podia ou não entrar, mas ele é surdo — reclamou a ruiva fuzilando com o olhar o loiro sorridente.
— Alguém alerte sua secretária que também sou dono dessa empresa e adoraria demiti-la — retrucou Júlio sem tirar o sorriso da face.
— Vai permitir que fale comigo desse jeito, Rodrigo?
— Deveria respeitar o Júlio ou será demitida, não por ele, mas por mim — Rodrigo respondeu a fitando com frieza. — Melhor que volte para o seu lugar.
Bufando irada, Karen saiu da sala e bateu a porta com força.
— Essa mulher atrai problemas, devia demiti-la — aconselhou Júlio sério. — Quanto tempo ainda vai bancar o bom samaritano? Ela não merece isso, não depois de tudo que te fez quando eram noivos.
Rodrigo fingiu não ouvir. Preferia esquecer o compromisso que um dia tivera com a ruiva e, principalmente, o fim que a relação tivera, no entanto, Júlio estava disposto a não deixar isso ocorrer.
— Até entendo que tenha ficado com dó da situação dela quando venho te procurar, mas coloca-la aqui, bem próxima a você é suicídio — opinou Júlio sem se importar com a expressão distante do sócio. — Posso ser desligado às vezes, mas tenho certeza que foi ela que colocou minhocas na cabeça da Sara. E já pensou que se Sara aparece e repara na falta de tamanho da saia da sua secretária vai imaginar coisas?
— A Sara com quem casei, com certeza, mas essa que acordou há algumas semanas nem se importa — resmungou mais para si do que para o amigo que não parava de falar.
— Hãm? — Júlio coçou a cabeça sem entender o que o sócio falara com cara de paisagem. — O que disse não faz sentido.
Respirando fundo e afundando em sua cadeira, Rodrigo fechou os olhos por um instante, querendo colocar os pensamentos em ordem. Em vez disso se viu tentando decifrar a atitude da esposa, a entrega apaixonada na cozinha, a rejeição da ideia de passarem o dia juntos e o sorriso cheio de charme para conseguir sair sozinha. Odiava quando pressentia um problema e não identificava imediatamente qual era.
— Terra para Rodrigo! Terra para Rodrigo! — chamou Júlio balançando a mão na frente de seus olhos. — Estou à meia hora perguntando como foi à conversa com a Sara.
— Deixa de ser exagerado — retrucou Rodrigo. — E não houve conversa.
— Não entendo. Quando conversamos de manhã, e você me pediu conselhos de como reconquistar a Sara, pensei que consegui colocar nessa sua cabeça dura que contar tudo seria o melhor a se fazer.
Rodrigo preferia esquecer a ligação que fizera em um momento de desespero, por não ter ideia de como conseguira o amor da mulher, portanto, não sabia como reconquista-la. Se soubesse que minutos depois beijaria a esposa apaixonadamente nunca teria pedido conselhos.
— Não consegui — disse Rodrigo sem querer entrar em detalhes. — E não tenho certeza se é o melhor mesmo. Sara concordou em recomeçar, esquecer o passado de vez.
— Qual é! Te disse que a Laura foi interrogada pela Sara ontem, isso significa que ela não vai descansar facilmente — afirmou com segurança. — Diga pelo menos os fatos menos sórdidos.
— Hum...
— É um sim ou um não? — quis saber o loiro irritado com o pouco caso do amigo com algo tão sério. — Pelo menos foi carinhoso como te disse?
— Sim, ela pareceu gostar. — Lembrou o olhar fascinado da esposa ao chama-la de amor.
— Viu! Meu conselho funcionou! Amoleça o coração da Sara com muito carinho, conte tudo sobre o casamento de vocês e logo terão pequenos Montenegro para acordá-los de manhã.
Mesmo que sua expressão continuasse inabalável e séria, por dentro Rodrigo sorria diante das palavras do loiro.
~*~
Pela janela do táxi, entediada, Sara observava o céu nublado, um alerta de que logo choveria, sentindo que sua vida seguia o mesmo rumo tempestuoso. Deveria visitar Laura ou voltar para casa, mas em vez disso estava a caminho de um encontro secreto com o antigo namorado.
O que Rodrigo pensaria se descobrisse?
"Que além de desmemoriada é infiel", uma voz respondeu rapidamente em sua mente. Voz que ignorou quando o táxi parou a alguns metros da galeria.
Pagou o taxista e saiu, caminhando devagar em direção à galeria de arte. Começara a garoar e sua face gelou em contato com as minúsculas gotículas de água, mas mesmo assim não apressou o passo, chegando a parar três vezes com a ideia de dar meia volta. Na última vez que parou decidiu ir para casa, virou-se e trombou em uma pessoa, só não caindo porque braços fortes envolveram sua cintura.
— Sara! — exclamou Robson surpreso e contente ao mesmo tempo. — Quase pensei que não viria mais — reclamou segurando seu queixo e o erguendo.
Por alguns segundos Sara se perdeu nos calorosos olhos castanhos, como sempre acontecia desde que aos quinze anos reparou no jovem dois anos mais velho. Na época pensara ser impossível atrair o olhar dele. Para sua sorte tinha uma amiga louca que contou sobre sua paixão para ele e conseguiu convencer Robson a sair com ela, pouco tempo depois namoravam firme. Amava tudo em Robson. Seu calor a seduziu, foi seu primeiro homem e sonhara com o dia em que se casariam, por isso era incompreensível acordar do nada e descobrir que casou com alguém totalmente diferente. Embora o Montenegro tivesse seus encantos quando queria.
Sorriu ao pensar em Rodrigo e sua constante expressão aborrecida, nos olhos negros cheios de mistério e no sorriso de canto carregado de segundas intenções.
Retornando a realidade, notou que o rosto de Robson se encontrava muito próximo do seu e que a mão dele, que há alguns instantes estava em seu queixo, se moveu para sua nuca, puxando-a devagar com a clara intenção de beija-la.
— Eu vim, mas não deveria — disse se desvencilhando.
— Por quê? Pareceu-me feliz em me reencontrar no outro dia — afirmou Robson acariciando os braços de Sara.
— E fiquei feliz — confirmou afastando as mãos de Robson de si. — Acontece que sofri um acidente e perdi algumas lembranças. Só te procurei porque uma das coisas de que me lembro era que você é... era meu namorado. Então comecei a me perguntar como e quando terminamos — explicou Sara cruzando os braços, omitindo que desejara verificar o que sentia por ele agora. — Mas creio que saber disso não fará diferença.
— Entendo — Robson disse com uma expressão que contrariava o que falara. — Que tal irmos ao restaurante do lado da galeria para conversar melhor? — propôs. — A chuva esta engrossando — avisou para convencê-la.
Aceitou acompanha-lo, até porque os pingos de chuva a deixaria encharcada em minutos.
Robson colocou a mão espalmada em suas costas e a guiou até o local.
Na entrada foram recepcionados por um homem distinto de meia idade, que os cumprimentou e os guiou até uma mesa de frente para as janelas, de onde podiam ver as pessoas andando apressadas.
Após se acomodarem, um de frente para o outro, pediram chá. Aguardando a entrega dos pedidos observavam a movimentação do lado de fora e algumas vezes se olhando rapidamente. A vontade de ir embora só aumentava em Sara. Sentia-se mal por estar em companhia do ex-namorado sem o conhecimento de Rodrigo, que afinal de contas era seu marido e merecia um pouco de respeito, mesmo com a suspeita de infidelidade que pairava sobre o ele.
— O acidente que sofreu causou outro dano, fora a perda da memória? — quis saber Robson após ambos receberem suas bebidas.
— Sofri algumas fraturas e fiquei internada por um tempo, mas só a perda de memória permanece causando danos — respondeu nervosa, rodando sua xícara entre as mãos.
— Sobre nosso namoro... não houve um fim propriamente dito, ganhei uma bolsa de estudos na USP e fiquei de continuar a relação a distância. — Robson sorriu sem graça. — Com o tempo esqueci-me de ligar sempre que possível e um dia não liguei mais. — Ele estendeu a mão sobre a mesa e capturou a de Sara. — Agora que nos reencontramos, podemos recomeçar.
Sara puxou a mão e encostou-se a sua cadeira, querendo manter o máximo de distância possível do encanto dele.
— Não posso. — Ergueu a mão esquerda mostrando o dedo adornado. — Sou casada — informou ao pousar a mão de volta na mesa. — Mesmo não recordando nada do meu casamento, odiaria ser infiel. Preciso ir. Com licença! — Levantou e saiu em direção ao ponto de táxi, ignorando a chuva forte que molhou sua roupa, grudando-a em seu corpo como uma segunda pele.
Após o susto inicial, pois não reparara na aliança até aquele momento, Robson também levantou, pagou a conta e a seguiu. Alcançando-a, segurou seu braço e a fitou com intensidade, apreciando o rubor que tomou conta da face acetinada, denunciando que ele ainda causava um forte efeito sobre ela.
Mesmo casada, Sara lhe parecia acessível, afinal, havia assumido que uma de suas lembranças era que namoravam, não no passado, mas no presente. Seja quem fosse, o tal marido tinha desvantagem no coração dela.
— Posso levá-la, estou de carro — ofereceu após puxa-la para debaixo do toldo de um comércio, protegendo ambos da chuva.
Somente depois que Robson soltou seu braço e se distanciou Sara respondeu, ainda envergonhada por ter fugido do restaurante.
— Não quero incomodar.
— Somos acima de tudo amigos, não será uma incomodo — ele garantiu sorrindo amigável.
Após a dúvida bailar nos lindos olhos verdes de Sara aceitou e Robson buscou o carro. A carona serviria de desculpa para saber onde ela morava e planejar uma forma de atrai-la de volta para seus braços. Depois de revê-la a paixão que um dia sentira por Sara voltara, queria aquela mulher e quando desejava algo só descansava ao conseguir, inevitavelmente sempre conseguia.
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