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Nota: capítulo reescrito, contém cenas diferentes da primeira versão.
Teresa Castelo estava de péssimo humor. Com meras duas horas de sono, uma única xícara — das pequenas, ainda por cima — de café no estômago e uma última aula de combate corpo a corpo antes de sua primeira missão dentro da estranha agência de investigação paranormal onde se enfiou, ela estava pronta para matar o primeiro ser vivo que quisesse testar sua paciência. Para sua sorte (e pelo bem de sua ficha criminal), por outro lado, a pessoa que participaria de seu treino era ninguém mais, ninguém menos, que Astoria Salles, a garota prodígio que fazia parte do grupo de veteranos da Ordem e havia passado os últimos meses como sua treinadora.
— Bom dia, Teresa. — a mais nova já se encontrava em pé sob o tatame, com a postura tipicamente profissional e irritantemente confiante que fazia Teresa sentir inveja. Ela definitivamente precisava de mais algumas horas de sono e um café da manhã mais reforçado.
— Dia. — a resposta curta e grossa deixou claro que a morena não estava em um bom dia.
— Dia ruim? — Astoria riu levemente, apontando para o espaço à sua frente — Vamos descontar isso agora.
— Vida ruim. — Teresa resmungou antes de tirar o tênis de corrida preto e se dirigir ao local indicado pela colega — Vou levar esporro se brigar sério?
Astória riu alto dessa vez, bem humorada. — Eu sei me virar, não se preocupe. Vamos acabar logo aqui, Rogério quer nos ver daqui a quarenta minutos para nos passar a missão e apresentar a sua nova equipe.
Os quarenta minutos se arrastaram até passar por completo, fazendo Teresa ficar ainda mais irritada; era como se tivessem quebrado o relógio de propósito para o tempo passar devagar. Quando a aula acabou, com uma Teresa exausta e uma Astoria impressionada com o mau humor alheio, Rogério apareceu na porta da sala de treino, colocando apenas a cabeça para dentro do ambiente.
— Reunião. Agora.
O pequeno escritório de Rogério parecia cheio, apesar das poucas pessoas que estavam presentes. Rogério estava sentado atrás de sua mesa, enquanto Astoria, Teresa, uma mulher morena de olhos azuis e uma mulher negra de tranças se encontravam em pé, à frente dele. Todas estavam em silêncio, esperando que o chefe falasse, mas foi Teresa quem quebrou o silêncio — ou melhor, seu celular.
— Ah. Ai, desculpa, desculpa. — tremendo, nervosa, ela tateou os bolsos até achar seu celular e desligá-lo. Rogério, por outro lado, possuía um ar de riso com o pânico da agente.
— Melhor eu começar, certo? Tá, vamos lá. — ele retirou quatro arquivos e os empurrou pela mesa na direção das agentes, sinalizando para que elas os pegassem — Como sabem, o número de desaparecimentos no estado aumentou drasticamente no último mês, mais do que seria normal para o nível de violência de São Paulo. Nossa equipe de pesquisas descobriu uma movimentação anormal do Outro Lado em uma cidade do litoral norte, e, ao investigar melhor, descobriram que a movimentação se intensificou nas datas dos respectivos desaparecimentos. Não só isso, como uma de nossos agentes de elite, Mariana, desapareceu logo após investigar o caso. — como ninguém fez comentário algum, ele prosseguiu: — A missão de vocês é ir até a cidade que eu falei, se passando por uma equipe de um revista de turismo, e observarem de perto para ver se acham algo suspeito. Desconfio que o que quer se esteja causando tudo isso seja algo perigoso, por isso, se localizarem qualquer indício do que seja, entrem em contato para que eu mande reforço, entenderam? — todas assentiram — A cidade se chama Santa Marta. Já tenho uma agente lá esperando por vocês, ela vai servir como guia e ajudar na missão. Qualquer coisa, liguem para o número padrão da Ordem e eles passarão para mim, tudo bem? Estão dispensadas. Há um carro alugado para vocês utilizarem, ele está estacionado em frente à entrada da base. Boa sorte e tomem cuidado.
Ninguém deu um pio no caminho até o carro. Somente quando pararam em frente ao Ônix preto, Astoria quebrou o silêncio:
— Quem vai dirigir? — cruzando os braços, ela olhou de uma para outra,, esperando alguém se voluntariar.
— Eu. Cadê a chave? — a mulher morena e de olhos azuis que Teresa não conhecia estendeu a mão, pedindo a chave.
— Por sinal, essa é a Teresa, gente. — Astoria a apresentou aos veteranos e depois os apresentou, apontando para cada um deles enquanto falava: — Essas são Morgana Rodrigues e Eva Montezzano. Elas são sérias assim mesmo, mas melhora com o tempo, tá?
— Não melhora, não. — Eva resmungou, pegando a chave da mão de Astoria e tomando a frente para chegar até o assento do motorista.
— Uau, que receptiva. — Teresa resmungou baixinho, revirando os olhos enquanto assistia Morgana olhar para elas antes de seguir a colega.
Astoria seguiu logo atrás, sussurrando um “melhora sim” e entrando no automóvel. Teresa foi a última a entrar, ficando espremida atrás do banco do passageiro.. Definitivamente aquela missão não seria nada fácil.
☆
As três horas de viagem se passaram no mais puro silêncio, apenas com uma rádio de péssima qualidade tocando clássicas macabras ao fundo, que Eva só colocou após Astoria insistir algumas vezes para que o rádio fosse ligado — e depois mais algumas vezes para que ele fosse desligado, após ver que aquela era a única rádio funcionando. Quando chegaram, Teresa faltou ajoelhar e agradecer a Deus por poder sair daquele ambiente tenso com aquelas pessoas que mais pareciam odiá-la.
— Oi! — uma garota morena, na casa dos vinte anos cumprimentou, acenando e sorrindo timidamente, atraindo a atenção das mulheres — Eu sou a Rafaelli, vou servir como guia para vocês hoje.
Rafaelli piscou um dos olhos com cumplicidade, gesticulando discretamente com a mão para que elas dessem corda ao teatrinho. Eva suspirou e Morgana acenou rapidamente com a mão, Astoria sorriu cordialmente e apertou a mão da garota, enquanto Teresa apenas repetiu a mesma ação de Morgana. Estava na cara que ninguém ali confiava uma na outra,, talvez nem mesmo se conhecessem, e Rafaelli sorriu, nervosa, antes de prontamente ignorar o fato de que aquilo seria um grande fracasso para iniciar um tour rápido por Santa Marta.
— Bom, vamos começar. — ela gesticulou, indicando o local onde estavam — Aqui é a praça da cidade, tudo o que foi construído depois, foi ao redor dela. Temos aqui a delegacia, a prefeitura, a pensão, a biblioteca, a escola e o Bar dos Pelicanos. Vou levar vocês até os principais para ajudar na missão, para vocês se familiarizarem, e depois qualquer coisa vocês vão até o resto.
O grupo a seguiu enquanto perambulavam pela praça para chegar até a delegacia. O local era pequeno e relativamente aconchegante para um lugar onde deveriam ficar criminosos, com tudo feito de madeira escura e alguns quadrinhos coloridos espalhados pela parede. A equipe foi recebida pela recepcionista, uma mulher mais velha, baixa e magra, com um batom vermelho vibrante e unhas longas vermelhas que batiam nas teclas do computador:
— Se quiserem fazer uma denúncia, peguem uma senha e sentem aí na frente, o policial de plantão irá atender assim que estiver com tempo livre. — a mulher sequer levantou o olhar do computador antigo, deixando claro que estava ocupada demais com o que quer que estivesse fazendo para atendê-las devidamente.
— Ahn… Oi, Márcia, é a Rafaelli. Não viemos fazer denúncia. Na verdade… Será que o Damarion tá aí para a gente poder conversar com ele um pouquinho? Minhas amigas são de uma revista e-
— Damarion! — a tal Márcia gritou, interrompendo a fala da mais nova — Tem gente aqui querendo falar com você!
Teresa fechou os olhos por causa do tom de voz alto. Ao seu lado, todas as outras tiveram a mesma reação, variando entre incômodo, irritação e tédio. Realmente, aquele era um grito potente; Teresa pensou nos possíveis filhos daquela mulher e sentiu pena do que eles teriam que aguentar.
— Márcia, eu já não falei que não é para gritar? Eu tô aqui na sala do lado, é só vir até a porta com a cadeira. — Damarion, um homem alto e forte, com um distintivo de delegado pendurado no pescoço e postura visivelmente cansada, apareceu na porta de seu escritório, se encostando no batente — O que foi?
— A menina aqui quer falar com você. — Marcia apontou para Rafaelli e os outros, voltando sua atenção para o computador sem dar a mínima atenção ao que o delegado falou antes, o que o fez suspirar e revirar os olhos.
— Bom, entrem né. — ele gesticulou com a cabeça sumiu lá dentro.
O escritório era claro e arejado, as paredes eram de cor creme, lisas e sem mais detalhes, e os móveis eram tão escuros quanto o resto da delegacia. Era um ambiente organizado, sem graça e impessoal, tal qual aquele que o utilizava. Damarion se sentou atrás de sua mesa e indicou que as outras se sentassem nas cadeiras que haviam ali, mas elas se mantiveram de pé.
— Então, eu só queria apresentar as minhas amigas, sabe? — Rafaelli apontou para o quarteto — Elas são de uma revista de turismo e estão aqui para fazer uma matéria sobre Santa Marta. Falar sobre os pontos turísticos, a história, a comunidade e tal. Eu trouxe eles aqui para apresentar o delegado da cidade, já que você é bem importante aqui.
— Ah, sim. — Damarion coçou a nuca, parecendo sem jeito — Bom, não acho que vou ser de grande ajuda para a matéria, mas podem me avisar se precisarem de qualquer coisa, tá? Se alguma luz apagar, ou algum pirralho vier incomodar vocês, me avisem e eu dou um jeito.
— E aí, delegado- Ah, tá ocupado, foi mal. — um homem ainda mais alto que Damarion apareceu na porta, mas fez menção de sair assim que percebeu as pessoas no escritório.
— Não se preocupa, a gente já acabou aqui! — Rafaelli se adiantou ao ver a expressão de Damarion ficar séria, chamando o homem para entrar na sala.
O homem então adentrou o escritório, parando ao lado da porta, encostado na parede. Eles se olharam por alguns poucos segundos antes que Damarion suspirasse, quebrando o silêncio:
— Meninas, esse é o Aspen, ele é um agente da Polícia Federal e eu estou ajudando ele em uma investigação. Se quiserem saber de alguma curiosidade de fora para colocar na matéria, podem falar com ele também. Elas são de uma revista de turismo, agente Duarte, estão aqui pra fazer uma matéria sobre a cidade.
— Ah, legal, eu- — Rafaelli então foi cortada pela segunda vez no dia.
— Na verdade, eu não acho que eu possa ajudar em nada com a matéria. Cheguei tem pouco tempo na cidade, não sei muita coisa sobre o lugar. — a voz grossa com sotaque de algum país adepto do espanhol interrompeu Rafaelli, o olhar áspero perfurando Damarion — Desculpa a grosseria, mas será que tem como dar licença para nós dois? Precisamos discutir a respeito do caso em que estamos trabalhando.
— Sem problemas. — Astoria falou dessa vez, a voz firme visivelmente mais imposta do que a de Rafaelli. Ela estendeu a mão para Aspen, o olhar penetrante focado nele com seriedade enquanto eles se cumprimentavam com um aperto de mãos forte antes de se voltar para suas colegas. — Vamos meninas, estamos atrapalhando o trabalho deles.
Então essa era Astoria quando estava em uma missão? Uau.
Quando saíram, Teresa ouviu os dois policiais discutindo e conseguiu ver o que Márcia tanto prestava atenção: uma partida de batalha naval online. Soltou um riso nasal, revirando os olhos e lembrando da sua própria “Márcia”: uma velha caduca que passava o dia jogando buraco online e fazia tudo, menos seu trabalho de secretária do jornal onde Teresa trabalhava.
— Bom… — Rafaelli coçou a nuca, sem graça pelo clima tenso que se estabeleceu — O Bar dos Pelicanos tá fechado agora e só abre mais tarde, mas se vocês quiserem a gente pode tentar ir lá depois. Lá é o lugar que quase todo mundo vai pra almoçar ou beber e é bom pra ouvir fofocas da cidade, pode ser útil pra vocês.
— A gente pode tentar ir depois, sem problemas. — Morgana falou, talvez pela primeira vez naquele dia, e as outras assentiram.
— Bom, a prefeitura também tá fechada agora, a escola e o orfanato eu imagino que não são muito relevantes, a biblioteca fecha às segundas, a igreja tá fechada pra rituais e só abre depois das dez da noite… Acho que o tour acaba por aqui, pelo menos por enquanto.
— Que cidade de preguiçosos, ninguém trabalha aqui não? — Teresa murmurou, olhando em volta.
— O pessoal geralmente tira algumas horinhas depois do almoço para descansar nessa época do ano, já que tem pouco movimento, e a segunda sempre é o dia de folga do comércio. — Rafaelli deu de ombros — Bom, vou levar vocês até a pensão, aí vocês podem descansar.
O caminho para a pensão foi curto, bastou atravessarem a praça para chegarem até lá. Era um lugar enorme, definitivamente inesperado pelo tamanho da cidade: fora o térreo, a construção tinha mais três andares e aparentava ser muito antiga, apenas com uma nova demão de tinta. Teresa por um momento se perguntou se o lugar desmoronaria caso muitas pessoas se hospedassem lá de uma vez, mas espantou o pensamento.
— Bonito o lugar. — murmurou a jornalista, observando a decoração típica de uma avó, com peças de crochê espalhadas para todo lado, sofás e poltronas macias deixadas pela sala e alguns gatos gordos deitados em cima dos móveis.
— Obrigada. — a voz de uma senhora assustou o grupo, as fazendo olhar para trás. Na entrada da pensão, uma senhora baixinha, de vestido florido, cabelo curto e pele enrugada sorria enquanto olhava para eles. — Sou a Lúcia, dona da pensão. Vão precisar de quantos quartos?
A senhora andava devagar com sua bengala, mas deu um tapa na mão de Teresa quando ela tentou ajudá-la. Rafaelli sorriu sem mostrar os dentes e murmurou algo como “ela é assim mesmo”.
— Precisamos de quatro quartos, por favor. — Astoria ainda estava séria, diferente do que era quando estavam apenas as integrantes da equipe juntas.
— A diária é cento e cinquenta por pessoa, mas posso fazer um desconto para vocês, já que estão em grupo. — ela pegou as chaves atrás do balcão da recepção e sorriu para elas enquanto as empurrava pela superfície de madeira — Cento e quarenta e cinco para cada um. Vocês sabem quanto tempo vão ficar?
— Ainda não. — Astoria sorriu de forma educada e pegou as chaves — Muito obrigada pelo desconto.
— E que desconto. — Morgana sussurrou para Eva, irônica, e recebeu um murmúrio em concordância.
— Os quartos são no terceiro andar, subam a escada e virem à esquerda. O café da manhã é servido até as onze, depois disso a sala de jantar é fechada e só abre no dia seguinte. Agora, preciso ir. Tenho um encontro com as senhoras do bairro para aprender tricô. Fiquem à vontade e sintam-se em casa, mas lembrem-se de que não estão.
Dona Lúcia se arrastou até a porta e sumiu cidade afora, deixando os agentes sozinhos, se entreolhando. Rafaelli também de despediu, deixando-os livres para irem até seus quartos.
Enquanto todos subiam agilmente as escadas, Teresa se arrastava, cansada e arrependida de ter aceitado participar dessa missão. Ela pegou a primeira chave que viu na mão de Astoria, entrou em seu quarto, trancou a porta e se jogou na cama, pronta para dormir algumas horas. Tudo o que Teresa precisava eram algumas horinhas de paz e tranquilidade antes de voltar para essa missão infernal.
— quem é viva sempre aparece, e mesmo que eu esteja meio igual a um zumbi, eu ainda tô viva e decidi aparecer aqui!!! espero que gostem do capítulo com as alterações e prometo que vou tentar voltar a atualizar com mais frequência <3
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