38 - Renascimento: O despertar para a luz
No ambiente hospitalar, John lutava num estado crítico, o seu corpo fora submetido a uma operação desesperada. Num momento angustiante, o coração sucumbiu a uma paragem cardíaca, e foi o Dr.º Sang, um médico respeitável, que o trouxe de volta à vida. Com essa reanimação, Dr.º Sang superou, novamente, o Dr.º John no número surpreendente de salvamentos. A comunidade médica, unida pelo profundo respeito que nutriam por John, empenhava-se em oferecer-lhe todo o tratamento que a mente humana poderia conceber. Para eles, John personificava a amizade e a ética médica, e esse compromisso reverberava em cada esforço para salvá-lo.
No entanto, em meio a essa trama de cuidados médicos e boas intenções, uma ironia cruel permanecia oculta. Enquanto todos acreditavam que a operação fora realizada em John, na realidade, era a Escuridão, agora manifestada como Henry, que passara pela cirurgia. Incapaz de comunicar o seu verdadeiro estado, John estava aprisionado na sua própria mente, distante do mundo exterior.
A reviravolta do destino, que se vinha a desenrolar desde a chegada de John ao hospital, estava prestes a se revelar de maneira extraordinária. Quando o seu coração voltou a bater, graças às mãos habilidosas de Sang, John encontrou a porta que esconde a tão desejada luz. E ele abriu-a, como se estivesse a passar por um renascimento, iluminando um novo amanhecer. Finalmente, a luz se fez presente.
No exterior a Escuridão continua em coma, imóvel. No mundo interior, John navegava pelos primeiros quatro anos da sua vida, desbravando as memórias outrora inacessíveis.
A infância de John foi marcada por desafios. O seu pai faleceu quando ele tinha apenas dois anos, deixando a mãe, Margaret, a lutar contra dificuldades. Ela cuidava tanto de John quanto de Henry, seus filhos gémeos. Quando os meninos completaram três anos, Margaret casou-se com Vincent.
No início, Vincent e Margaret pareciam formar um casal feliz, e as crianças não nutriam aversão por ele. Tudo parecia ir bem até que a primeira bofetada desferida por Vincent atingiu o rosto de Margaret. A partir desse ponto, a situação deteriorou-se rapidamente. A bebida tornou-se um hábito constante na vida de Vincent, que chegava em casa para descontar a sua raiva na sua esposa. As crianças passaram a temer o próprio lar, tornando-se alvos frequentes da violência incontida. Um chicote suava, por vezes nas costas de John e Henry.
Margaret pretendia deixar Vincent, mas este ameaçou-a, caso fugisse dele acabaria com a vida dela e das crianças, nesse momento levou ainda uma surra de todo o tamanho para afastar a ideia da fuga para sempre.
John viaja, então, pelo rio das recordações, vê-se numa banheira com Henry, as crianças brincam e chapinham na água.
— Estás comigo, John? — questionou Henry.
— Estou sempre, contigo. Juntos para sempre — respondeu John, ambos submergindo na banheira como um único ser, prendendo o fôlego em harmonia. Os segundos esvaíram-se, até que a voz da mãe rompeu o instante. — Meninos, saiam já dessa água, chega! — exclamou Margaret. As crianças emergiram como se fossem uma só entidade, proferindo em uníssono, — Ainda não! Frequentemente, respondiam em simultâneo, como se fossem uma única voz. Entre eles existia um fio invisível, um elo que transcendia explicações da biologia e da psicologia. Margaret acreditava que os seus filhos não detinham almas separadas, mas sim uma alma dupla.
Nos momentos de enfermidade de um, o outro rapidamente manifestava os mesmos sintomas. Essa ligação não se restringia apenas à doença. Certa vez, quando Henry machucou o joelho, John, que não estava presente no ocorrido, ainda assim queixou-se da mesma dor no joelho, sem ter nenhum conhecimento da queda do irmão.
A mãe retirou-os da banheira, e os abraçou após secá-los.
— Estás comigo, Henry? Estás comigo, John? — questionou a mãe, com o seu olhar indo de um para o outro.
— Juntos para sempre — ecoaram os dois em perfeita sintonia.
As crianças, em constante interrogação mútua, indagavam-se "Estás comigo, Henry?" ou "Estás comigo, John?", materializando verbalmente a união que sentiam, respondendo em uníssono, "estou sempre, juntos para sempre".
Margaret, trazia sempre consigo uma medalha ao peito simbolizando o Yin e o Yang, gostava de pensar que os seus filhos se equilibravam reciprocamente apesar das adversidades. Cada gémeo representando um aspeto do Yin e do Yang, equilibrando-se mutuamente para formar uma harmonia única.
Quando um dos gémeos sentia dor, o outro sentia um eco suave dessa dor, atenuando o sofrimento e fortalecendo os laços entre eles. Da mesma forma, a alegria era multiplicada, já que ambos experimentavam a mesma emoção simultaneamente.
John recorda o dia em que partiu um copo. Estavam a jantar, ao tentar pegar o copo, ele escorrega-lhe da mão e despedaça-se no chão. O padrasto enfurece-se, erguendo-se para punir John, um flagelo que se repete. Mas, mais rápido do que o chicote ameaçador, Henry se interpõe, aparando a dor que seria do seu irmão. Henry não suporta apenas um golpe, mas quatro ou cinco, suportando o fardo com coragem e determinação.
— A culpa é tua, vaca de merda, que não educas os teus filhos — brada ele, cheio de fúria, apontando também para Margaret, enquanto um golpe violento a atinge. Uma bofetada que a tombou.
Enquanto Vincent, num transe etílico, sorvia o whisky da garrafa como um desalmado, Margaret subiu as escadas, levando as crianças consigo. Fechou a porta do quarto e trancou-se lá dentro, talvez alguém chegasse para ajudar. E então, alguém bateu à porta, as crianças abraçaram-se, enquanto Margaret se recusava a abrir. A ira incontida de Vincent desembocou numa fúria cega, a porta foi pontapeada até que as suas dobradiças se rendessem e ela cedesse, fragmentada e vulnerável diante do vendaval da raiva.
Puxou-a pelos cabelos para fora do quarto, pontapeou-a sem olhar onde o pé batia, as crianças choravam. Um desfile sombrio de lágrimas enfeitava os olhos das crianças, testemunhas silenciosos do espetáculo grotesco. A pistola, um enigma carregado de morte, escapou da sua morada entre o cinto e as calças de Vincent, como se o próprio destino a tivesse rejeitado. Margaret, gritava de dor, "para", dizia ela, mas ele continuou imune aos pedidos. John pegou na pistola, com o terror e a incerteza a corre-lhe nas veias. Queria disparar, não conseguia. Margaret, deixou de gritar, o seu corpo cedia aos pontapés como um saco já sem vida.
Vincent, virou-se, então para as crianças, Henry para defender o irmão, colocou-se à frente, tirou a pistola e disparou. John agarrou-se ao irmão. A bala encontrou o seu destino no peito de Vincent, porém não o deteria. Ele continuou a avançar, desferiu um pontapé violento em Henry, que, pelo impacto, voou com o seu irmão, agarrado a si. As crianças iriam aterrar nas escadas, John estava por baixo, seria ele a aparar a queda. Uma revolta impressionante aconteceu, Henry rodou o corpo, e quando o embate se deu com as escadas foi Henry quem aparou o choque. Os corpos infantis deslizaram pelas escadas abaixo, como se estas fossem uma rampa mortífera.
A bala no peito de Vincent começara a lhe debilitar a energia vital. Vincent cambaleou, tentou agarrar-se ao corrimão, mas a fraqueza prevaleceu. Tentou inclinar o corpo para o apoio, desequilibrando-se, um derradeiro esforço para segurar o corrimão, mas em vão. Caiu para o andar inferior. Partiu o pescoço.
John e Henry estavam deitados no chão. Henry estava imóvel, teve apenas tempo de dizer, "juntos para sempre". John chorava, o seu irmão não respondia.
— Estás comigo, Henry-clamava desesperado, banhado em lágrimas, mas o irmão não respondia. Sentia um vazio enorme a entrar-lhe na mente, como se perdesse uma parte de si. Uma parte perdida, que ficava escura.
A ligação entre John e Henry era extremamente profunda, uma coesão inexplicável. No entanto, a profundidade dessa ligação não estava isenta de consequências. John e Henry não abrigavam duas almas distintas, mas sim uma alma dupla, algo que Margaret consideraria como o reflexo direto dos princípios do Yin e Yang. Como os gémeos personificavam essa dualidade, eles compartilhavam uma essência única que era simultaneamente indivisível e interdependente.
Devido a essa união tão profunda, quando Henry faleceu, a alma dupla foi rompida. Essa separação não era apenas emocional, mas também espiritual, criando um vazio na alma sobrevivente que jamais poderia ser preenchido novamente. Tal como o Yin e Yang precisam coexistir para manter o equilíbrio do universo, a morte de Henry perturbou esse equilíbrio e deixou o sobrevivente num estado de desequilíbrio perpétuo. Um vácuo de emoções.
John persistiu na pergunta, "Estás comigo, John?", mas o irmão não respondia, e ainda assim John não desistia. Repetiu a pergunta inúmeras vezes, até que a exaustão, a dor e o desespero o dominaram. No dia a seguir, ele acordou em outro lugar, sua mente apagada, sem lembrança alguma, apenas o vazio emocional permanecendo e a escuridão de uma parte de si.
De regresso, ao mundo exterior, eram nove horas da manhã, mais um dia nas rotinas hospitalares, onde esperança e morte coexistem lado a lado. Maria trouxe consigo a esperança, sabendo que John estava em coma desde o dia anterior. Não trouxe apenas esperança, mas também a sua fé inabalável e os gémeos José John e Jesus John. Eles foram visitar John, pois Maria sabia que, se houvesse alguém neste mundo que John quisesse ouvir, seriam José e Jesus.
Maria entrou no quarto onde John estava imóvel, e ali ela orou, enquanto as crianças temiam pelo seu padrinho. Eles queriam que John voltasse para brincar com eles. Jesus e José correram e abraçaram John. Nesse momento, algo transcendental ocorreu. John continuava em coma, mas em espírito estava intensamente vivo, imerso na luz. Foi quando os gémeos o tocaram que ele viu Henry, agora não mais como Escuridão, mas como Luz. Henry falou com John:
— É hora de acordar. Juntos para sempre — disse Henry, e no mundo exterior, os olhos de John se abriram para a claridade.
John chorou de alegria ao ver os gémeos; ele estava a sentir emoções, tornara-se uma pessoa comum. Bem, talvez não completamente normal, pois embora ele agora sentisse emoções, John estava longe de ser comum. Ele poderia não mais carregar a Escuridão, mas trazia consigo a Luz, ou melhor, Henry. "É quando exploramos o lado escuro da nossa mente que enxergamos a luz", refletiria John alguns dias mais tarde.
— A Maggie? — perguntou John para Maria.
— Disseram-me que está bem, vai demorar a recuperar, duas semaninhas e estará como nova, é o que dizem.
De facto, foi o que transmitiram à Maria, e quando lhe deram essa informação era verdadeira. No entanto, agora não se sabe se Maggie ficará bem. Há uns minutos, ainda John estava em coma, uns russos vestidos de médicos entraram no quarto de Maggie sedaram-na e levaram-na numa ambulância roubada.
Na verdade, foi isso que transmitiram a Maria, e naquele momento a informação era verídica. No entanto, o atual estado de Maggie permanece incerto. Há poucos minutos, ainda John estava em coma, indivíduos de origem russa, vestidos como médicos, invadiram o quarto de Maggie, administraram-lhe um sedativo e conduziram-na até uma ambulância que haviam roubado. Maggie acabara de ser raptada, a mando de Aleksander.
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