37 - A Escuridão atinge o índice 100
Maggie fora atingida por uma bala, alojada no lado direito do seu peito. No instante do primeiro disparo, ela havia simulado a morte. Observando John a descer as escadas e eliminar os três russos com uma destreza impiedosa, um turbilhão de atordoamento tomou posse dela. Depressa constatou ser real ou surreal. Queria transformar John num assassino quando ele já nasceu assassino. Era um turbilhão de realidade e surrealidade que a envolvia. Diante do ser sombrio agora diante dela, o inquisitivo tornou-se inevitável:
— Quem és tu? — a sua voz trémula e confusa buscava respostas, desenterrando as camadas de segredos que se escondiam sob a superfície sombria.
— Margaret, estás bem? — A Escuridão respondeu, mas as suas palavras misturaram-se na agonia do momento e nas reflexões internas de Maggie. Enquanto isso, John observava impotente no sem âmago.
— Quem és tu? — repetiu a pergunta, não percebendo porque a chamara novamente de "Margaret".
— Sou Henry, o irmão de John. — A Escuridão afirmou com prontidão. Na mente de John, a incredulidade crescia, a Escuridão tinha agora um nome próprio e reivindicava ser irmão dele. A verdade, parecendo mais inalcançável do que nunca, permanecia envolta em mistério.
— Como? — Maggie murmurou a pergunta, a sua mente girava nas incertezas. "Será isso possível?" pensava, enquanto uma pausa se estendia, e então, num domínio que ultrapassava a simples vontade, ela evocou o poder sobre John — Estás comigo, John?
Dentro de John, uma ressonância vibrava, uma vontade incontrolável de responder. Mas agora ele estava consciente da pergunta, e como se fosse um feitiço sendo desfeito pelo toque do conhecimento, recordou todas as vezes que Maggie lhe fizera aquela pergunta. Lembranças de conversas, de momentos, de confissões emergiram. Lembrou-se de cada vez que a doutora Ana o indagara da mesma maneira, sempre em busca da verdade que ele, impulsionado por um ímpeto incontrolável, respondia. "Então era assim que me extraiam a verdade", pensou.
— Eu, estou contigo, Margaret, mas não quero que uses mais esse poder sobre John. Não mais resultará. Não faças esforços, a ambulância em breve chegará.
A Escuridão, que antes se baixara, para pegar na cabeça de Maggie, erguia-se agora, olhando para a porta. Sammy e os seus três homens entravam. A Escuridão apontou, não disparou.
— Estás bem, John? — Perguntou Sammy.
— Estou, têm de sair daqui rápido a polícia deve estar a chegar.
—Ok— um simples, ok foi o que Sammy disse antes de partir.
Maggie desfalecia, incrédula, a Escuridão baixou-se novamente, pegou na cabeça de Maggie e sussurrou.
— Vou levar-te à luz como estou a fazer com o John. — disse a Escuridão, mas Maggie já não estava consciente. No interior, John pensava "Ajudava se me deixasses em paz, maldita".
Na sala destinada à contemplação das câmaras de filmar, estava ainda Samuel Jackson, o polícia corrupto e traiçoeiro que prontamente se ajoelhara perante a moeda fácil, trocando almas por um bilhete ao paraíso. Espera que a tempestade, que cruzava os ares da mansão, num dilúvio de balas se silenciasse. Há dois minutos que não ouvia tiros, "os russos já arrumaram tudo", pensou. Rodou a maçaneta, da porta, como precaução para o incerto trazia a arma, na mão.
Qual não foi o seu espanto, quando além dos italianos estendidos como um tapete de carne humana, avistou também corpos russos. Uma janela, que batia ao vento, perturbou-lhe o espírito com um augúrio perturbador, projetando sombras nos seus planos de um futuro promissor.
Avançou, com cuidado, passos trémulos e mãos suadas temperavam-lhe os nervos em tons de medo. Ao fundo avistou um homem, segurava a cabeça de uma mulher estendida no chão. Um alívio, tranquilizou-lhe o corpo, "era só o doutor John, infelizmente para ele não posso deixar testemunhas" pensou. Uma bala esquentou a arma do polícia, esgueirando-se fulminante para as costas da Escuridão.
O impacto, estremeceu o corpo da Escuridão, que se ergueu com a urgência de uma fera em alerta. O polícia ficou paralisado, aterrorizado com o que enxergava à sua frente. Naquele instante, as feições familiares do doutor John haviam se transformado, cedendo lugar a uma presença demoníaca que o encarava com um olhar hipnotizador. Olhos negros, vorazes e insaciáveis, pareciam crescer continuamente, ondulando em escuridão ameaçadora, prontos para devorá-lo num oceano negro. Petrificado, a única parte do corpo que sentia era o coração a pulsar pelo medo atroz, queria desviar o olhar, mas este fixava-se como uma âncora presa aos confins do inferno.
Talvez fosse a consciência dos seus pecados emergindo, talvez um vislumbre de uma expiação final, ou talvez meramente uma alucinação do espírito abalado. Contudo, na verdade, a Escuridão mal se havia movido do seu lugar. Foi um intervalo efémero, quase impercetível, um mero segundo, mas para o polícia pareceu alongar-se numa eternidade de pavor. Durante aquele espaço dilatado, a perceção de John, que observava pelos olhos da Escuridão, era a de que a Escuridão analisava a alma do polícia corrupto.
Enquanto o polícia permanecia petrificado, a Escuridão mergulhou como um nadador buscando a arma à sua frente. Estendendo-se sobre o chão, ergueu a cabeça com a velocidade e a graciosidade de um sopro emergindo das profundezas, esticou os braços e disparou. "Uma obsessão mórbida por tiros no centro da testa", cogitou John, enquanto, do interior, observava o polícia a tombar como uma estátua, imóvel e inerte.
Retomando ao interior de John, este, via tudo nublado, via as sensações do seu corpo a desaparecer aceleradamente, até que... ficou preso na sua mente, tudo escuro sem qualquer contacto com o exterior. Navegava agora perdido nos mares obscuros da sua mente, "A Escuridão atingiu o índice 100, não perdi a identidade, não ganhei emoções, continuo eu, mas preso num quarto escuro inacessível e sem contacto com o exterior, a solidão completa, pensou John.
Já no mundo exterior, a Escuridão, baleada, lutava para se manter de pé. Dirigiu-se para um capanga de Pellegrini que jazia no chão, levantou-o e colocou no lugar de onde disparara o seu último tiro, e deixou-lhe a arma na mão, garantindo que a polícia, imputasse a autoria do disparo ao capanga. Fez o mesmo com outros capangas, e colocando-os nos lugares onde ele havia disparado. Ao concluir a tarefa, deitou-se ao lado de Maggie. O som das ambulâncias ouvia-se, progressivamente, com mais intensidade.
Quando a polícia e os paramédicos chegaram, além de Pellegrini e Richard, havia mais três pessoas vivas, embora gravemente feridas. Duas dessas três pessoas eram Maggie e a Escuridão.
John estava consciente, mas ninguém sabia. Nem ele sabia que o transportavam para o hospital. Continuava preso no interior da sua mente em plenas trevas. "A solidão é uma prisão na escuridão silenciosa, onde os olhos da mente não enxergam nem são vistos.", pensou John, enquanto caminha em busca da luz, ele já tinha visto a porta que escondia a luz, tentava encontrá-la novamente.
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