32- O médico em serviço ao domicílio.
Quando entrou na residência de Pellegrini, seguiu, escoltado, até o aposento do mafioso. Era um lugar propício para seus intentos, caso os acontecimentos se voltassem para o lado obscuro. A cerca de 1200 metros dali, Arthur e Tommy estavam empoleirados numa árvore com as armas apontadas.
John, assumiu imediatamente a sua postura de médico, assim que chegou ao quarto.
— Como vai esse coração? — perguntou John.
— Doutor, antes de falarmos sobre o que o trouxe aqui, gostaria de fazer-lhe algumas perguntas. Pode ser? — questionou Pellegrini, enquanto um dos seus capangas puxava o blazer para trás, mostrando uma arma de 9 mm. Dois dos melhores polícias amigos de Pellegrini também estavam presentes, além de Joe, o sobrinho. Os polícias foram os mesmo que haviam trazido o relatório que indicava que as impressões digitais encontradas na tesoura de jardinagem pertenciam ao doutor John.
— Sim, sim, é claro. Permita-me apenas abrir as cortinas e as janelas para que a luz e o ar lhe façam bem — John foi lesto, antes que alguém mudasse de ideias. Alfred e Tommy precisavam de visibilidade.
— Doutor sente-se, não vai demorar. — Falou Pellegrini enquanto o capanga puxava uma cadeira.
Contudo, ao invés de sentar-se imediatamente, John arrastou a cadeira para uma posição que lhe permitisse emitir um sinal rapidamente, caso fosse necessário.
— Doutor, hoje quero falar de jardinagem. Gosta de jardinagem?
John já sentado, passou as mãos pelo seu cabelo liso e escuro, um gesto natural para alguns dos presentes, mas um sinal de advertência para Alfred, indicando que a situação poderia complicar-se.
— Gosto, sim, há uns dias que não pratico. Também gosta? — disse John, tentando parecer o mais natural e inocente possível.
— Devia usar luva, doutor, senão pode cortar os dedos.
— Não estou a compreender. Há algum problema?
— Sim, mas vai ser solucionado.
Pellegrini fez um sinal para Joe, mostrando a caixa que continha a tesoura e um dedo cortado. John calculou que o dedo pertencia ao mendigo que apareceu no hospital com a sua faca de pesca cravada nas costas.
— O que é isso? Não acredito que me roubaram a tesoura. Eu sou seu médico, exijo respeito, não precisa dessas coisas comigo. Se não estivesse doente, ia-me já embora. — John falou enquanto se tentava levantar da cadeira, mas a mão do capanga no seu ombro fez pressão para baixo e ele não forçou o movimento.
— Doutor, temos um problema. Essa tesoura é sua e foi usada para cortar um dedo. — disse Pellegrini, enquanto Joe mostrava o dedo amputado. — Esse dedo, foi cortado para me incriminar.
— Não... sei — a voz de John intermitente, procurando mostrar pânico e desconhecimento dos fatos.
— Doutor, tenha calma, ninguém aqui lhe fará mal.
As palavras de Pellegrini soaram como um alívio; John não precisava de alimentar mais a Escuridão. Nesse pequeno intervalo de tempo, ele já havia elaborado um plano. Joe não estava armado; o capanga e um dos policiais estavam na linha de tiro de Alfred e Tommy. Restaria apenas um policial para desarmar, e em seguida, enfrentar Joe. Desta forma, acreditando nas palavras de Pellegrini, a abordagem seria diferente, sem confiar em demasia.
— Quer explicar-me o que se passa?
— Hoje é um dia triste para mim, antes do doutor chegar, soube que o meu advogado, Robert, foi assassinado a sangue-frio. — Proferiu Pellegrini, visivelmente perturbado.
— Lamento, mas o que faz a minha tesoura aqui.
— Já lá vamos, antes deixe-me explicar. Robert, foi morto por um atirador, depois uma mulher colocou um envelope dentro do bolso de Robert. Esse envelope tinha um dedo lá dentro, o dedo do Dr.º Smith, o seu colega. Além do dedo, tinha uma carta assinada por mim. A assinatura é a minha, o resto não fui eu que escrevi. Claramente algo para me incriminar.
— O quê? Quem fez isso? — perguntou John, surpreendido pelas informações chegarem tão rápido a Pellegrini, claramente tinha uma influência grande na polícia.
— Ao que parece, e tudo indica que sim, foi uma mulher e mais um grupo de russos. Essa mulher é sobrinha de um antigo inimigo.
— E a carta?
— A carta, ao que parece, foi uma enfermeira que consegui a minha assinatura quando estava no hospital.
— Que enfermeira? Talvez eu conheça.
— Duvido, doutor, ao que parece essa enfermeira é a mulher que deixou o envelope, não trabalhava no seu hospital, foi lá de propósito para me sacar a assinatura. Possivelmente foi ela a cortar os dedos às vítimas.
— Porque cortaram o dedo ao meu colega, o Dr.º Smith?
— Sabe, doutor, nem sempre fui um homem da lei como sou agora, quando era mais novo fiz uma ou outra coisa menos legal. Coisas para impor um pouco de respeito que há muita gente que não respeita a palavra de um homem. Eu nunca cortei dedos a ninguém, mas alguns homens meus, sem o meu conhecimento, aqui e ali acho que cortaram um ou outro dedo. Houve uma vez, há muito tempo, um casal de advogados tinha um processo contra mim. Essas pessoas foram assassinadas e os dedos mindinhos de cada um deles amputados, claramente para me incriminar. Desconfio que na altura tenha sido esse Aleksander, o tal inimigo. Posto isto parece que voltaram para me tentar incriminar novamente.
— E o que eu tenho a ver com isso? — John, ciente que a história anterior do casal de advogados, os pais de Maggie, batia certo com o que Yuri havia contado.
— Mataram o doutor Smith para me incriminar, mais um mendigo e um polícia chamado Michael, os três ficaram sem os dedos. Neste momento sou um homem de negócios com influência política. O objetivo é claro, além de me tentarem incriminar querem dar-me cabo do negócio. E estariam à espera, provavelmente que o doutor falhasse na operação que me fez, para o matarem e depois me incriminarem a mim e à minha família.
— Então eu corro perigo de vida?
— Penso que não, mas é melhor ter cuidado, vou arranjar um homem para o proteger, doutor.
— Não quero, isso não. Terei cuidado, acreditando nas suas palavras, mas não quero ninguém atrás de mim, sou um homem de bem.
— Faço questão, doutor, observe que se não me tivesse operado com êxito a esta altura estaria morto. Fizeram tudo para que eu o mandasse matar ou alguém o mataria para me incriminar, como fizeram com o seu colega.
— Aceito, mas só pelo motivo que não o quero preocupado comigo, quero que descanse longe de preocupações. — John falava enquanto passava lentamente a mão pelo cabelo com o polegar levantado, um sinal que Alfred perceberia como estando tudo bem. Ter um homem atrás de si, que embora fosse para o proteger, não convinha nada, devido às suas atividades obscuras, que tanto podiam resultar em boas ações como em más ações.
John rapidamente tomou a sua postura de médico, verificando se Pellegrini estava bem e tudo indicava que estaria a recuperar bem da operação. Sem grande esforço, John cativou o coração do mafioso, devido à situação. Pellegrini via em John um homem determinado, que coloca a sua ética de médico acima da própria vida e admirava-o por isso. "Um homem corajoso, daria um bom homem ao meu serviço", pensou Pellegrini.
— Calculo que dada a situação, é melhor o nosso jantar ser cancelado. — afirmou John.
— É que nem pense, doutor, você virá aqui jantar, vai-se marcar isso, amanhã terei uma data para si.
— Combinado. — disse John, depois despediu-se e saiu da mansão do mafioso,
Ainda antes do almoço, John encontrava-se na piscina em apneia, media o seu índice de Escuridão. Era cada vez mais difícil de aguentar a apneia, o tempo cada vez mais longo que tinha que passar debaixo de água tornara-se demasiado perigoso. Parou o cronometro, emergiu, já não era John, novamente, a Escuridão tinha tomado conta de si.
Uma hora depois, talvez, retornou a si num clube de tiro. John era sócio daquele clube e disparava contra um alvo. Observou as marcas de tiros que havia feito, mas não se recordava delas, ou melhor, tinha apenas um leve vislumbre na memória, como se tivesse tido um sonho. "A Escuridão tem melhor pontaria que eu. Está cada vez mais presente, controlando-me com mais frequência e por mais tempo. Se continuar assim, em breve perderei a minha identidade", pensou John. Olhou para o cronómetro e fez rapidamente o cálculo: índice de Escuridão 85, havia subido três pontos em menos de 12 horas. O limite estava próximo, a sua batalha interna adivinhava-se cada vez mais intensa, até provavelmente perdendo-se para sempre.
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