19- No Coração da Escuridão: A Dupla Face de um Médico
10 dias para o dia da luz
Ainda envolto nas sombras da noite, o Dr. John deixou Maggie repousando na suíte luxuosa do hotel. Lançando-se na escuridão das ruas silenciosas da cidade, os passos ecoavam como sussurros numa sinfonia de sombras. A ténue luz de uma farmácia nas proximidades chamou-lhe a atenção, e na sua trilha, adquiriu uma seleção de fármacos, cada um com um potencial mais poderoso que o outro.
Ao pegar os medicamentos, a farmacêutica, uma mulher de idade, olhou para ele e disse:
— Doutor, isso é dose para cavalos de corrida!
Dr. John, sem perder o ritmo, sorriu levemente e respondeu:
— Bem, senhora, nos tempos modernos, o 'stress' é um puro-sangue que só pode ser domado com os remédios mais fortes.
De volta à suíte, no hotel, ele desempacotou os medicamentos sob um olhar imperturbável. Uma lâmpada suspensa na 'kitchenette' lançava sombras fantasiosas pela sala enquanto ele misturava os remédios num copo de água, preenchendo uma seringa com a mistura leitosa. Olhou para Maggie que dormia profundamente. Observou o relógio, três horas e meia da manhã, uma quarta, ficariam em Nova Iorque até sexta.
Trocou as vestes formais por um agasalho com capuz, ocultando parcialmente o rosto, e pegando apenas a seringa, saiu silenciosamente da suíte. Ao descer as escadas de incêndio, a luz de emergência fraca guiava-o pelo caminho. Parou em frente à suíte 313, um andar não muito distante do seu. A placa de metal reluzia na fraca luminosidade, o número parecia atraí-lo de uma maneira quase sobrenatural. O seu fôlego susteve-se, na atmosfera de um silêncio misterioso que engrossava a cada segundo.
O Dr. John fixou o olhar na porta de madeira maciça e detalhes dourados, típicos de um hotel de luxo. De coração pulsante como um felino antes de atacar, ressoava nos ouvidos. Hesitou, por um momento, uma batalha interna entre a incerteza de aumentar a Escuridão e determinação da curiosidade. Controlando alguma indecisão, segurou firmemente a seringa na mão.
Ele tentou espiar através do olho mágico na porta, mas estava tudo escuro. Um véu de escuridão total. Retirou do bolso um cartão que havia obtido de Yuri Karkov no encontro anterior. Deslizou o cartão pela fechadura eletrónica, aguardando o som suave do trinco destravando.
Na noite quieta e silenciosa, a porta desvendou-se, revelando o interior escurecido da suíte. Ali, imerso no domínio dos sonhos, jazia Yuri, uma figura dominante mesmo na vulnerabilidade do sono. A luz prateada da lua esgueirava-se por entre as cortinas mal fechadas, iluminando o pescoço de Yuri com um brilho etéreo que parecia carregar a promessa de segredos ocultos. Dr. John movia-se com a agilidade de um felino noturno, a seringa na sua mão cintilava macabramente, refletindo a luz lunar, adquirindo o semblante de um olho demoníaco espreitando nas profundezas das sombras.
Respirando profundamente, ele agiu. Com um movimento rápido e preciso, injetou a seringa no pescoço de Yuri, notando a veia se distender levemente sob o efeito do líquido. Cobriu-lhe os olhos com a outra mão. Yuri nem sequer estremeceu, o sono não foi perturbado pela ação sigilosa.
O Dr. John recuou, observando Yuri dormir ininterruptamente, alheio ao que acabara de acontecer. O silêncio no quarto era ensurdecedor, a seringa vazia na mão de Dr. John era a única testemunha do seu ato.
Enquanto os pensamentos sobre as intenções de Maggie invadiam a sua mente, o Dr. John investigava os pertences de Yuri. Que estavam cuidadosamente organizados numa mala de executivo. Entre os itens encontrados, havia fotos de Robert Walles, o advogado de Salvatore Pellegrini, e um relatório detalhado contendo a morada e rotinas de Walles. Uma onda de mistério percorreu o médico, pois os indícios que Yuri planeava matar Robert Walles eram grandes.
Os pensamentos entrelaçavam-se na mente enquanto ele refletia sobre o envolvimento de Maggie com a máfia russa. Seria possível que ela estivesse a buscar vingança contra a máfia italiana usando a máfia russa? As peças do quebra-cabeça começavam a se encaixar, revelando uma conspiração muito mais complexa do que ele havia imaginado. Até onde Maggie consegue ir, quais os limites dela?
(...)
Pela manhã, Maggie preparava-se para ser oradora da conferência.
— Dormiste bem? — perguntou Maggie.
— Tive um pesadelo com aquele doutor russo — disse John com um leve sorriso, tentava entrar mais profundamente no jogo de Maggie.
— John, não se seja indelicado com o doutor Yuri, por favor, você não sabe quem ele é.
— Quem é Maggie?
— Apenas um amigo! — disse ela virando-se para o espelho, colocando os brincos — John vais assistir à conferência?
— Estarei presente quando chegar a hora da tua palestra. Antes quero fazer um passeio, e ver como a cidade evoluiu nos últimos anos.
— Ok, mas esteja aqui às 11:00, quero sentir que estás comigo?
— Estarei — disse John, saindo do quarto.
Aqueles que conhecem o Dr. John apenas superficialmente veem nele um porto seguro: um cirurgião de renome, cuja empatia cuidadosamente cultivada e palavras encorajadoras parecem mais de um amigo do que de um médico. Ele é um mestre no jogo social, habilmente gerindo as impressões que as pessoas têm dele, escondendo a sua verdadeira natureza atrás de uma máscara de simpatia e profissionalismo.
Porém, o que se esconde por trás desse disfarce é um psicopata, um ser desprovido das emoções que geralmente governam os seres humanos, um homem que age sem medo das consequências. Apesar dessa perturbadora realidade, não se pode negar que ele mantém um estranho conjunto de valores que, embora possam ser questionáveis, são, de alguma forma, consistentes com a sua personalidade. No fundo, John é um homem que só quer equilibrar os opostos.
O Dr. John, faz uma visita nostálgica a um orfanato. Este não é um ato de caridade ou um gesto para buscar simpatia, mas uma peregrinação pessoal às raízes do seu próprio tumultuado passado. O cheiro de velhas paredes de tijolo e lustra-móveis, os ecos dos risos das crianças - tudo isso serve como um lembrete tangível de onde ele veio.
Ao encontrar um garoto que parecia tão solitário e deslocado quanto ele já fora, é como se ele estivesse a olhar para um espelho do passado. A imagem desse garoto, com olhos vazios e à deriva no próprio mundo, parece evocar em John uma estranha sensação de camaradagem.
Recorda que lhe chamavam o trinca-pilas, tudo começou numa ida ao gabinete do diretor. Antes do Diretor dizer algo, já John estava de joelhos, o diretor diz, "bonito rapaz, nem é preciso dizer nada". Desde aquele dia que o Diretor aflito foi parar ao hospital, um escândalo que levou a uma investigação e o diretor preso, John a criança traumatizada foi ali acompanhada, a partir daquele momento.
A Dra. Ana, que infelizmente já não está mais entre nós, foi uma figura determinante na vida de John. Ela viu-o além do exterior distante e percebeu a escuridão que se escondia por baixo. A promessa que ele lhe fez, de nunca atacar mulheres ou crianças, é algo que sempre levou a sério. No entanto, embora conseguisse manter a promessa intacta — já retirou a vida a um mendigo, do sexo masculino, com a ajuda de Maggie.
John mantém na memória da Dra. Ana, um símbolo de gratidão. Ele agradece por ela estar lá durante o seu tempo mais difícil. Apesar da ausência de emoções, John parece ter uma estranha perceção do bem e do mal. E, embora ele não possa sentir remorso ou culpa, parece haver um desejo em lutar conta a escuridão que o assola.
John acercou-se do miúdo, colocou um dos joelhos no chão, apenas sussurrando John disse-lhe que já estivera ali. Com um olhar quase paternal, mas, ao mesmo tempo, impiedosamente pragmático, John estudou o miúdo, avaliando a sua resposta silenciosa. O instinto, aguçado por anos de manobras em situações similares, contornando pessoas, entendendo emoções que ele próprio não sentia, estava a todo o vapor. Sentia uma estranha gratificação em decifrar a dor do menino, como se isso o ajudasse a entender melhor a si.
"Não te preocupes, eu entendo", disse John, baixinho, com um tom tão suave que era quase um sussurro. "Também estive aqui, conheço as regras. As coisas que acontecem, que ficam escondidas. No entanto, podemos fazer alguma coisa. Podemos mudar as coisas." A expressão de John manteve-se calma e impassível, mesmo que, por dentro, o seu sentido de propósito estivesse agora em chamas.
Quando o miúdo assinalou o diretor com um piscar de olhos, John entendeu que tinha de fazer algo. É moralmente correto? Essa questão não se coloca na mente de John. Tinha um novo objetivo, uma nova missão. E por mais perturbadora que essa missão fosse, John estava convencido de que era necessário, talvez até mesmo uma forma de justiça.
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