quindici
Venerdi
Eu não sei se as aulas estavam tão chatas, ou se eu apenas estou tão ansiosa para mais tarde que fora impossível de prestar atenção nelas. O professor Thiago, da última aula do dia, anda para lá e para cá, na frente da sala, explicando sobre a constituição, e todos o seguem com o olhar, mas eu sei que as garotas só se mantêm extremamente focadas por ele ser o professor galã do curso. Thiago deve ter no máximo trinta anos e começou a lecionar Direito da Constituição neste semestre, pelo o que ouvi falarem, antes, a aula era extremamente vazia, e agora se encontra lotada, exceto por uma pessoa.
Matteo faltou hoje, sua cadeira a minha frente está vazia. Desde que ele revelou que também estudava direito, passei a reparar nele nas aulas, desde então, ele também passou a sentar-se perto de mim. Matteo é legal, à primeira vista você poderia dizer que ele só está ali para ter um diploma, inclusive, era isso que até os professores pensavam, mas toda pergunta que eles o faziam, ele as respondia com perfeição, provando, mais uma vez, que não se deve julgar um livro pela capa.
Minha estranheza é que Matteo nunca falta, ao contrário de Dean e Dante. O primeiro, só fora em uma aula de Sociologia desde o começo do semestre, e o segundo, faltou na aula de ontem de Química. Algo me diz que Dante está me evitando, já que havíamos combinado de sermos amigos, pelo menos para ele, mas talvez o fato de nossas bocas terem trocado saliva o tenha feito desistir. Reviro os olhos, agora não é hora de pensar nisso, e ignorando os últimos acontecimentos, falarei com Dante.
— Teremos um teste na próxima aula – A voz de Thiago soa lá na frente. Ergo a cabeça dos rabiscos em meu caderno e o encaro – Recomendo que leiam os livros anotados no quadro, o teste valerá metade da nota do semestre – Vejo Candelária, que de repente passou a se sentar lá na frente, erguer a mão. – Sim, senhorita?
— Você poderia me recomendar algum outro livro, Thi? – Seguro a risada.
— Não seria justo com seus colegas – Ele olha para o relógio no pulso. – Venham preparados, não terá exame, até a próxima aula.
Guardo minhas coisas na mochila, após marcar a data na agenda, e saio da sala junto com os demais. O corredor parece a Avenida da Cidade no dia do desfile de natal, tão lotado que só há a possibilidade de seguir os outros.
Saio do prédio principal e viro à direita, em direção ao prédio Sciame para guardar os livros usados. Empurro as portas de vidro da entrada dando de cara com o hall, os pufes brancos que ficam ali estão todos ocupados, a mesa de hockey nos fundos rodeada por garotos e a de sinuca de garotas.
Cada prédio tem um estilo diferente de hall: no Corvi, o hall tem apenas um grande sofá preto e no fundo, uma área onde dizem ser para vitamina, mas todos sabem que tá mais para um bar. No Alphas, há pufes vermelhos em cima do chão de carpete e em frente a uma grande televisão de tela plana, acompanhada de alguns jogos modernos, tem também uma mini cozinha. Nunca entrei no prédio Locuste. Ao redor de todos os halls ficam os armários com a cor de cada casa.
Guardo toda a mochila no armário laranja e pego dois livros da aula de segunda. Terei que passar na biblioteca amanhã para pegar os livros recomendados pelo professor de hoje e por outros também, semana que vem terá alguns testes e eu preciso ir bem.
Vou para o fundo da sala, acenando para as garotas que me abrem sorrisos e tiro uma nota do bolso da calça para usar na máquina de lanches, chegarei em cima do horário no Roccia, sem tempo para almoçar.
Coloco a nota e aperto o botão do sanduíche natural de frango, mas a máquina nem fez barulho. Aperto de novo o botão, e sem resposta e com raiva, dou um chute nela.
— Uou, o que ela te fez? – Olho para a direita dando de cara com um cara sorridente. Ele deve ser uns bons quinze centímetros mais alto do que eu, seu cabelo ruivo está jogado para o lado e seus olhos verdes parecem cintilar em minha direção.
— Engoliu minha nota e não deu meu lanche. – Murmuro como uma garotinha emburrada. Ele puxa a manga do moletom preto que veste para trás, na altura do cotovelo e se aproxima da máquina.
— Isso é fácil, é só dar uma batida aqui – Ele bate o punho na parte de cima da máquina, e segundos depois, meu lanche cai. – E pronto.
Agacho-me, pegando o lanche embrulhado em um papel filme. Ergo-me e viro para ele.
— Obrigada...
— Vincenzzo e a senhorita? – Estica a mão, a qual aperto em seguida.
— Anabela.
— Você é a famosa Anabela?
— Famosa? – Pergunto e desembrulho meu lanche.
— Não foi você que quebrou o para-brisa do carro do medonho do Dean e agora ele vive te infernizando? – Solto uma risada pelo termo usado, pelo menos dessa vez não fui chamada de "louca da garrafa".
— É, sou eu – Dou de ombros – As pessoas estão falando muito sobre mim ultimamente. – Dou uma mordida no lanche.
— Talvez seja a culpa de Dean ou talvez seja por sua beleza. – Quase engasgo ao engolir.
Meu celular toca indicando uma nova mensagem e me impedindo de falar algo, graças a Deus, porque eu nem sei o que falaria. Pego o aparelho e vejo o nome de Fran na tela, perguntando se vou hoje. Mando uma mensagem confirmando.
— Tenho que ir. – Dou um passo para trás. Ele sorri.
— Certo, te vejo por aí. – Solta uma piscadela antes de eu me virar para ir até o dormitório Corvi para guardar os livros.
Assim que abro a porta do dormitório, fico surpresa ao encontrar Kaori dentro dele.
— Você por aqui? – Pergunto, fechando a porta. Me aproximo da minha cama e deixo os livros ali em cima.
— Por que diz isso? – Ela me acompanha trocar de roupa.
— Você sumiu depois de ontem de manhã. – Olho para ela por sobre o ombro. K mordo o lábio inferior.
— Ah sim, esqueci de lhe contar as novidades – Termino de vestir o vestido e presto atenção em K. – Pedi demissão da loja.
— O quê? – Arregalo os olhos. - Por quê?
— Consegui uma vaga no jornal. – Abro a boca em choque.
— Isso... isso é incrível K – Passo meus braços ao seu redor, apertando-a com força – Mas... – Me afasto – Como conseguiu uma reportagem tão rápido? – Seu sorriso diminui.
—Ah, eu não dei uma, mas falei sobre algo que tenho pesquisado, eles me deram um voto de confiança.
— Uou – Sorrio. – Deve ser uma baita reportagem então.
— Sim – Seu sorriso se fecha – Me desculpe por não ter ficado com você ontem, eu estava magoada e... – Ela se levanta e pega duas sacolas de mercado que estavam ao lado de nosso frigobar – Eu comprei muitas besteiras. – Sorri.
— Você é a melhor – Desvio o olhar para o chão. – Mas não vou poder ficar.
— Você vai no Roccia, eu sei, mas quando voltar...
— Eu tenho um compromisso – A interrompo, receosa. – Depois do Roccia.
— Ah – Ela deixa as sacolas na sua cama e se senta ao lado delas. – Está tudo bem?
— Sim. – Me aproximo da porta.
— É sobre os Ghostins? – Minha mão fica parada na maçaneta da porta aberta. Me viro e olho para K, e odeio Dean por me fazer esconder coisas dela.
— É.
— Algo que eu possa ajudar?
— Não, não é nada demais – Tento abrir um sorriso. – Me desculpe, adoraria passar o resto da noite com você.
— Tudo bem – Ela abre um sorriso e puxa algo de dentro de uma das sacolas. – Mas vou comer todo o sorvete.
Quinze minutos depois, passo pela porta de entrada do RR, fazendo o conhecido sininho tocar. Todas as mesas do salão estão ocupadas, tendo só os bancos no balcão disponíveis. Vou em direção ao pequeno corredor para vestir o uniforme. Retiro o meu casacão preto e o vestido manga longa verde escuro ficando apenas com as botas com que vim e visto a blusa azul e a calça apertada, demorando o dobro do tempo para passá-las pelos pés sem retirar a bota.
Quando volto para o salão, Letitia está com o cotovelo apoiado no balcão, encarando um caderno em suas mãos.
— Cadê Francesca?
— No meu bolso não está. – Responde, como sempre grosseira. Reviro os olhos e vejo se há algum pedido que não foi entregue na janela de serviço.
— Todos já foram servidos?
— Você tem olhos, não olhou a janela? – Solto uma lufada de ar e paro ao seu lado.
— Qual seu problema comigo? – Letitia ergue o olhar do caderno para mim. Seus olhos azuis me olham com desdém.
— Nesse momento? Está me enchendo a paciência quando deveria estar trabalhando.
— Você me entendeu, não estou falando só nesse momento. – Ela revira os olhos e se desencosta do balcão.
— Você acabou de chegar por aqui, e todos parecem te tratar como... como alguém superior ao resto de nós meros mortais. – Ela é irônica. Franzo a testa em confusão.
— E isso é culpa minha?
Letitia não tem tempo de responder já que algumas mesas pedem atendimento, e até a noite e Francesca chegarem, ficamos sem nos comunicar.
As sete em ponto, os primeiros GG's começam a chegar, interrompendo o jogo de adivinhação de condimentos que eu e Lorenzo estávamos fazendo. Todos os clientes já haviam ido embora e Letitia, que está mais estranha que o normal, sumiu dentro do quarto de descanso. Merlorie chega meia hora depois e as oito, nós quatro, já que Francesca avisou horas atrás que não viria, já anotamos, fizemos e entregamos pedidos. O clima hoje está estranho, como se tivesse alguma coisa errada, pela primeira vez, não há conversas e risadas pelo salão, todos estão incrivelmente silenciosos e encaram uns aos outros.
Normalmente, a grande maioria dos integrantes que vem aqui, sempre são pessoas da minha idade, mas pela primeira vez, quando dá nove horas, Dean, Dante, Martina, Matteo e aquele garoto passam pela porta acompanhados de alguns caras mais velhos, e o clima, se é que é possível, fica ainda mais tenso. Eles se sentam na mesa do fundo e começam a conversar em sussurros, pela primeira vez, quis atender à mesa deles, mas quando dou um passo à frente, Letitia já corria naquela direção. Reviro os olhos e volto a servir os que estão no balcão. O sino de pedido toca, fazendo um barulho alto no silêncio instalado no local e me viro para Lorenzo.
— Isso tá parecendo um enterro. – Sussurra e eu pego os pratos.
— Acho que enterros são mais animados do que isso. – Sussurro de volta.
Letitia volta e coloca o pedido na janela. Rodeio o balcão e sirvo uma mesa só de garotas, algumas sorriem em agradecimento, o que é novidade. Pego as garrafas vazias na mesa e as levo pra lixeira. O sino tocou com o pedido de Letitia e ela o pega e eu me surpreendo ao ver um prato de salada na bandeja, eu nem sabia que tínhamos salada no cardápio.
As dez horas, os homens mais velhos saem do lugar o que me deixa frustrada por não ter conseguido ouvir nada da conversa deles. Todos os pedidos de lá e ao redor, Letitia fazia questão de atender, e quando eu ia recolher algo vazio por perto, todos paravam de falar. Esfrego o pano no balcão com mais força.
— Assim você vai tirar a tinta dele. – Ergo os olhos para Matteo sentado no balcão em frente a mim.
— Estou imaginando este lindo balcão como o rosto de alguém. – Paro de esfregar. Matteo ergue a sobrancelha.
— Espero que não seja o meu. – Solto um riso pelo nariz.
— Por que faltou a aula? – Pego alguns copos e ligo a torneira da pia, começando a lava-los.
— Sentiu minha falta? – Sorri, o que me faz revirar os olhos.
— Só achei estranho, você nunca falta – Enxáguo um copo – E terá um teste na sexta. – Ele joga a cabeça para trás.
— Porra – Seu resmungo quase parece um gemido, o que me faz deixar um copo cair. Matteo volta à posição normal e eu desvio o olhar para a água. – Tive alguns problemas.
— Teve ou tiveram?
— Tivemos. - Ele responde receoso, fico surpresa por ele sequer responder
— Algum problema? – Ele coça o queixo, como se analisasse se me diz ou não – Hey, eu sou parte da equipe – Franzo o nariz – Certo? – Matteo suspira. Seu corpo se aproxima do balcão e sua voz soa mais baixa. As pessoas ao redor já conversam em um tom normal, acabando com o funeral de antes.
— Eu não disse nada, mas... – Ele olha por sobre o ombro, em direção à mesa de seus amigos. – Dean está desconfiando de algum traidor.
— Como assim? – Fecho a torneira e deixo o copo de lado.
— Alguém tem feito coisas não autorizadas, e isso é tudo o que irei falar – Ele se afasta, voltando ao tom normal – Você sai às onze? Posso te dar uma carona pro racha? – Pisco, tentando lidar com sua mudança de assunto. Pelo jeito não precisaria da amizade de Dante, Matteo já me garantiria informações valiosas. Tento ignorar o peso na consciência por esse pensamento.
— Claro – Engulo em seco, pegando um pano para secar os copos. Pelo canto do olho, vejo Letitia seguir o mesmo GG de sempre para o corredor. – Espero que eu ganhe, preciso desse dinheiro.
— Tô ligado, mas preciso avisar, eles não costumam apostar em primeiros corredores, principalmente se for...
— Mulher? – Termino a frase. – Já esperava por isso.
— Infelizmente, muitos de nós tem cérebro pequeno. – Abro um sorriso.
— Espero que você não seja um desses.
— Longe de mim – Ergue as mãos em rendição – Inclusive, porque você corre? – Apoio as mãos no balcão. – Você não tem cara de quem corre, sem ofensas.
— E você não tem cara de traficante. – Ergo a sobrancelha o que o faz sorrir
— Que bom, tenho só vinte anos, espero ter essa cara lá para os quarenta. – Franzo o cenho.
— Vinte? – Pergunto, confusa, já que ele está no mesmo ano que eu.
— Entrei atrasado. – Dá de ombros. Respiro fundo tomando coragem para contar.
— Correr para mim sempre serviu como uma válvula de escape.
— Espero que essas cicatrizes pelo seu braço sejam só por causa disso. – Encolho os braços, não por vergonha, mas surpresa por ele ter as notado, são poucas, mas são visíveis, porém quase ninguém reparava.
— Não se nasce ganhando todas. – Ele sorri e assente com a cabeça.
— GG é só um meio para se viver e agradecer pelo que os Bianchis fizeram por mim.
— Espero que tenha sido só coisas boas. – Ele desvia o olhar quando alguns GG's que se levantam e começaram a ir embora.
— É, em grande parte. Melhor ir trocar de roupa, tá na hora de ganhar uma corrida.
O racha é exatamente no mesmo lugar dá outra vez, é um espaço aberto e se encontra muito mais lotado do que a última vez. Assim que Matteo desliga o carro eu saio dele e olho ao redor, pessoas usando drogas ilícitas em rodinhas, bebidas nas caminhonetes, e casais se agarrando. Dessa vez, eu consigo perceber que não há só Corvis ali, Matteo me disse que nos rachas só iam GG's.
Os carros dos outros que estavam no Roccia estacionam na estrada perto de nós, todos descem empolgados e já tirando notas de dinheiro do bolso.
— Então – Puxo assunto assim que Matteo para ao meu lado, suas mãos estão dentro do bolso da jaqueta de couro e ele olha todo o local. – Como funciona as apostas?
— Bem, para você ganhar algo, alguém precisa apostar em você, como eu disse – Assinto com a cabeça – Todos apostam no corredor que quiserem, metade das apostas em geral vai para a casa – Aponta com a cabeça para uma caminhonete mais ao centro. – Quem ganha, fica com uma metade da outra metade, a outra, é dividida para os apostadores. Normalmente quem apostou ganha o dobro, o corredor o triplo, mas quem realmente lucra é a casa.
— Acho que entendi. – Matteo olha para mim.
— Nunca apostam em novatos e as mulheres que correram por aqui nunca chegaram nem em terceiro lugar – Dá de ombros, ajeitando a jaqueta – Então, aproveita essa chance para mostrar para o que veio – Aceno – Vou ir falar com a casa. – Matteo sai andando e em questão de segundos, o perco de vista.
Fico parada no lugar, encostada contra o carro de Matteo e me encolhendo dentro do casaco a cada rajada de vento frio. Não estou a fim de me enturmar, assim que acabar a corrida, quero dar o fora daqui o mais rápido possível. Um carro, que reconheci o motorista ser Dante, para mais à frente, dele desce Dante, o cara que sumia às vezes com Letitia e a própria. Letitia segue em direção a um grupo de garotas e os dois vão para a mesma direção que Matteo seguiu. Um corpo para a minha frente.
— Adoro garotas que correm. – Martina sorri, seu cabelo é azul desta vez. Eu nunca sei se ela está dando em cima de mim ou se é apenas o seu jeito de ser.
— Parece ser algo raro por aqui.
— Sim – Ela fecha o zíper da jaqueta. – A única que já chegou a quase ganhar algo fui eu, mas um otário bateu na minha traseira e me fez perder o controle. Odeio trapaças, então cai fora.
— Isso é permitido aqui? – Pergunto, me desencostando do carro. Martina dá um sorriso.
— Infelizmente, já pedi para Dean acabar com isso, mas não depende só dele. – Franzo o cenho confusa, mas antes que possa perguntar, Martina sorri para algo atrás de mim e se afasta.
Viro a cabeça a tempo de ver Dean sair de seu carro, parado do outro lado da estrada de terra, ele fecha a porta do lado do motorista e coloca óculos escuros. Qual é, está de noite. Assim que me vê, seu semblante parece se fechar e ele vem em minha direção. Reviro os olhos e olho para frente, já me preparando para o que quer que seja.
— Onde você estava? – Pergunta assim que para a minha frente. Olho para o seu rosto e mordo minha bochecha ao notar o quão mais bonito ele fica com óculos escuros. Traficante, possível assassino.
— Aqui? – Ele trinca o maxilar e dá um passo à frente.
— Não me faça mais de otário.
— O que? – Sem responder, ele se vira e some pelo mesmo caminho que seu irmão. Irmão, ainda parece loucura – Que merda foi essa? – Pergunto para Martina que se reaproxima e passa um dos braços pelo meu ombro.
— Ele ficou te esperando no RR, queria te dar uma carona. – Ela começa a nos levar para a mesma direção que todos seguiam. Abro levemente a boca em choque, sem saber o que dizer, não esperava por essa.
— Eu não sabia... – Martina ri.
— Dean tem uma mania de merda de querer que todos façam o que ele quer, na hora que ele quer – Revira os olhos. Nos aproximamos de uma multidão que rodeia dois caras em cima da caçamba de uma caminhonete. – É isso que eu gosto em você, você não faz tudo que ele quer.
— Mais ou menos – Nego com a cabeça – É difícil não fazer quando se está devendo a ele e agora trabalha pra ele..
— Uma regra dos Ghostin – Paramos de andar. Ela tira o braço, agarra meus ombros e me vira em sua direção – Ninguém trabalha para ninguém, trabalhamos juntos, é claro que Dean é mais ou menos o líder, mas eu, Pietro, Dante e outros podemos ditar regras e ir contra regras dele também. – Ela olha para o lado
— Quem é Pietro? – Seu olhar volta para o meu.
— Meu irmão, gêmeo – Arqueio as sobrancelhas, surpresa. – O garoto do bar no dia do Nido.
— Aquele é seu irmão?
— Bonito né? – Ela dá uma piscadela – É de família. Enfim, você pode fazer o que Dean manda, mas cara, você o irrita pra caralho e eu amo isso – Sorri empolgada – Ele chega todo dia lá em casa te xingando e reclamando sobre o quão insuportável você é.
— E isso é um elogio? – Pergunto confusa.
— Dean nunca explode ou perde o controle e ninguém vai contra ele, você fez as duas coisas, então, sinta-se especial.
— Obrigada? – Respondo em dúvida a fazendo revirar os olhos em zombaria.
— Atenção galera – Um cara em cima da caçamba de uma 4x4 grita em um megafone, todos param de fazer o que estavam fazendo e o olham – Tá na hora do show – Gritos ressoam por todo o lugar – Ok, ok, já deu. Vamos à apresentação dos corredores de hoje – Um holofote, que não faço ideia de onde surgiu, ilumina um cara parado a minha esquerda – Nosso loirinho preferido – Sua voz soa com zoação – John McCoy – Alguns gritos soam quando o holofote para sobre ele e o cara revira os olhos, ele veste roupas comuns, nada de jaqueta, talvez um dos "secretos" – O segundo lugar da última corrida e querendo finalmente ganhar alguma coisa – O holofote vai para o outro lado – Antony Wick – Gritos mais altos soam assim que ele é iluminado, o cara da vez mantém uma expressão fechada – Nosso ganhador da última corrida – A luz foi para trás de mim, então me viro – Diego Novaz – Grande parte dos gritos é feminina e dessa vez, o cara usa jaqueta de couro e ostenta um sorriso arrogante nos lábios, com toda certeza GG – Temos carne fresca no pedaço – Inconscientemente, me encolho, Martina percebe minha reação e me dá um empurrão – E é uma garota, recebam Anabela Coppola – A luz quase me cega e eu me sinto como um artista em um grande palco com tanta gente me olhando. Nada de gritos, mas teve algumas palmas femininas – E de última hora, todos devem o conhecer, nosso ilustre, Dean Bianchi – Abro a boca em choque enquanto todos gritam. Mas que merda é essa? Olho para Martina em busca de respostas, mas ela o encara com um olhar indecifrável. Olho então para Dean, alguns metros à frente, que já tinha os olhos em mim, ostentando um sorriso arrogante. Nem fodendo, isso é algum tipo de vingança. – A corrida começa em cinco minutos, tragam os seus carros para a linha de partida e façam suas apostas agora para meus amigos ali.
Uma movimentação começa, todos indo em direção a dez caras que recebem as apostas, deixando um espaço livre. Martina vai em direção a um grupo de pessoas desconhecidas e sentindo a fúria tomar conta de mim, caminho com raiva até Dean.
— Que merda é essa? – Pergunto assim que paro a sua frente. Ele conversava com o cara da caçamba, que se afasta assim que me ouve. Dean se vira para mim sorridente.
— Um pouco de competição, gostou?
— Fala sério, isso é porque ficou me esperando? – Seu sorriso murcha – Ou porque eu te dei um fora? – Sua cara se fecha.
— Tá com medo de perder para mim? – Cruzo os braços.
— Eu tô pouco me fodendo para isso, só que você me ofereceu um carro.
— Vai ter que arranjar outro. – Olho para os seus olhos escondidos por trás dos óculos, os meus exalando raiva.
— Ótimo.
Dou as costas e saio andando pelo lugar procurando Matteo, faltam apenas três minutos para a corrida começar e eu não tenho um carro, eu iria embora, se Dean não tivesse agido feito um idiota. Encontro Matteo conversando com Dante.
— Preciso do seu carro – Peço assim que me aproximo. Ambos olham para mim confusos – O idiota do amigo de vocês não vai mais me emprestar, vai emprestar ou não? – Eles trocam um olhar. Matteo retira a chave do bolso e joga em minha direção.
— Não bate o carro.
— Valeu. – Sorrio em agradecimento, correndo para a estrada onde está o carro.
Dois minutos depois, eu paro com o carro na linha de partida, em último lugar por ser novata. Pela explicação, é um circuito simples, apenas correr por aquelas estradas escuras, o primeiro a chegar ganha, vale tudo. Respiro fundo tentando me acalmar, meu pai me mataria se soubesse que estou prestes a participar de um racha novamente. Uma batida soa ao meu lado, no vidro do motorista. Olho para lá encontrando Dean, a contragosto, abaixo o vidro.
— Encontrou um carro.
— Melhor que o seu. – Ele sorri.
— O que faz ganhar é o corredor, não o carro.
— E você e eu sabemos o quanto eu sou boa. – Sorrio em deboche, eu não deveria, mas adoro isso.
— Que tal uma aposta? – Vejo pelo canto do olho os outros corredores entrarem nos carros.
— Fala.
— Quem ganhar, faz o que o outro quer.
— E o que você quer?
— Um beijo – Meu sorriso morre, ele tá falando sério? Eu não vou beijar esse merda.
— Trinta segundos. – Um grito soa fazendo todos gritarem.
— Vai amarelar? – Engulo em seco diante de sua confiança, eu posso ganhar essa.
— Ótimo – Quinze segundos – Se eu ganhar, minha dívida está paga – Agora seu sorriso morre.
— Dez segundos.
— Feito, boa sorte Coppola – Se afasta.
Uma garota para na frente dos carros, e gritos soam em contagem regressiva. Meu pé vai em direção ao acelerador, testando o motor e minha mão fica em cima do freio de mão. Três, dois, um. Motores rugem por todo lado, todos desesperados para sair em primeiro. Troco de marcha e acelero, o carro do tal John está em primeiro e eu em último, uma decisão muito sensata diante da situação.
Os carros de Antony e Diego disputam o terceiro lugar, batendo contra a lateral um do outro, Dean está colado na traseira de John. Na primeira curva, consigo ultrapassar os dois, que se atrapalham na hora de jogar o carro de um contra o outro. Na segunda curva, o carro de Diego surge pelo retrovisor, troco de marcha e acelero assim que vejo que ele queria bater na traseira do carro, eu odeio corridas dessa forma, qual é a graça de amassar o carro um do outro? Eu me nego a participar disso.
Na frente, Dean divide o primeiro lugar e John tenta o ultrapassar tentando bater no carro de Dean que desvia várias vezes. Antony aparece atrás de Diego e eles começam a se bater de novo, dois já foram.
A penúltima curva veio e eu consigo ver as luzes do racha, as únicas por ali. John toma impulso para bater na lateral direita do carro de Dean, mas Dean parecendo prever, diminui a velocidade, fazendo o carro de John sair da estrada e quase bato no seu carro sem controle. A última curva se aproxima e eu me preparo, eu sou melhor nas curvas, então acelero, ficando ao lado de Dean, assim que a curva chega, giro o volante e puxo o freio de mão ameaçando bater no carro de Dean, ele freia e eu tomo a frente, soltando o freio.
Sorrio faltando só dez metros para a linha de chegada. Com cinco metros de distância, penso que Dean havia desistindo, mas me surpreendo quando ele acelera com tudo e bate na traseira do meu carro. O carro derrapa e gira enquanto eu tento retomar o controle e não sair da pista ou capotar, Dean cruza a linha de chegada.
O carro finalmente para de girar perto da linha de chegada e eu soco o volante, imaginando a cara de Dean ali, meu coração batendo a toda velocidade com minha quase possível morte. Filho da puta. Abro a porta e desço do carro, vendo o estrago na parte traseira, a lanterna direita quebrou e a parte de trás está com um tremendo amassado. Suspiro, agora vou ter que pagar para Matteo também.
Pego meu celular que havia deixado no carro e fecho a porta, vendo Matteo se aproximar.
— Mas que merda...?
— Dean, me desculpa. – Explico, Matteo fecha a cara e volta por onde veio, se aproximando da roda que se formou ao redor de Dean. Desvio do caminho, voltando para a entrada sem vontade de ver a comemoração ridícula.
— Morena – Paro de andar e olho para trás, Dante se aproxima correndo, parando ao chegar perto de mim – Corrida legal. – Reviro os olhos.
— Até seu irmão bater no meu carro.
— É, isso está sendo resolvido – Aponta com o dedão para trás, sobre o ombro dele, consigo ver a tempo Matteo dar um soco em Dean, me fazendo abrir a boca em choque, não esperava por essa.
— Ok... – Olho ao redor – Então, seu irmão levou um soco. – Dante ri.
— Sobre o lance de irmãos...
— Nem fale – Nego com a cabeça. – Já me assustei o suficiente.
— Sobre o beijo...
— Merda – Jogo a cabeça para trás. – Eu tô de cabeça quente Dante, quer mesmo conversar sobre isso?
— Quero – Cruza os braços – Antes que eu perca a coragem. – Ergo a sobrancelha.
— Ok, manda.
— Foi mal pelo beijo, foi péssimo. – Arregalo os olhos.
—Porra, valeu por dizer que eu beijo mal.
— NÃO – Grita em desespero, me fazendo dar um pulo para trás – Não, eu quis dizer, foi bom, foi gostoso e... – Faço careta o fazendo se calar.
— Ok... – Assinto com a cabeça ainda meio confusa. – Você não beijou sozinho Dante, eu também queria.
— Certo – Ele assente com a cabeça. - Mas não quero que isso impeça nossa amizade, então, podemos esquecer o beijo?
— Que beijo?
— Como assim que beijo? O beijo na fes... – Ergo a sobrancelha – Ah, saquei, nenhum beijo. – Sorrio. Atrás de Dante, um vulto ruivo aparece correndo e em segundos, Francesca pula em cima de mim, me abraçando.
— Eu não sabia que você ia correr, isso foi incrível – Me solta. – Uma garota venceu o Dean.
— Mas eu não venci. – Argumento.
— Na verdade sim – Ettore chega. – Dean não entrou na corrida de verdade.
— O quê?
— Ele só correu, mas não entrou nas apostas, então em partes, você ganhou. – Dante explica.
— Quem me dera eu tivesse ganhado dinheiro. – Suspiro.
— Na verdade, alguém apostou em você – Arregalo os olhos para Ettore que me estica um bolinho de notas – Não é muito, quando tem briga, a casa pega mais dinheiro. – Conto as notas e sorrio ao ter dois mil nas mãos, por só uma corrida, caralho. Se eu ganhar mais duas corridas, eu conseguiria pagar Dean, talvez três já que combinamos que eu correria no racha pelos Ghostins.
— Quem apostou em mim?
— Anônimo – Olho para Fran – Literalmente, ninguém sabe quem foi.
— Uau, isso é, uau – Sorrio empolgada e dou um abraço em Fran que me abraça de volta – Obrigada. – Agradeço a Ettore que assente com a cabeça.
— Você vai pra festa? – Fran pergunta.
— Não, eu só quero a minha cama - Me viro para Dante. - E seu primeiro papel como amigo vai ser me tirar daqui.
Assim que Dante me deixa no dormitório, eu entro, tomo um banho e me jogo na cama. Kaori não está no quarto, o que é estranho, mas prefiro não mandar mensagem. Uma festa ocorre no porão, o som chega até o quarto e só consigo dormir lá para uma da manhã. Às duas da manhã, como se já fosse um ritual, batidas soam na porta, sabendo ser Dean, trato de ignorar.
— Se não abrir eu vou dar um jeito de entrar. – Ouço sua voz soar abafada pela porta.
Sento e calço os chinelos, me lembrando das palavras de Martina. Abro a porta dando de cara com um Dean totalmente desarrumado, seu cabelo aponta para vários lados, sua jaqueta está abarrotada e ele cheira a perfume feminino.
— Você tava transando?
— O quê? – Tira a mão da parede. – Não, umas garotas me agarraram.
— Você tá bêbado? – Pergunto.
— Não. Posso entrar?
— Tanto faz – Deixo a porta aberta e volto a me sentar na cama. Dean entra e fecha a porta. Ele olha para minha cama, pensando em sentar lá, mas desiste e senta na cama de K, boa escolha. – Eu pretendo voltar a dormir então, vá logo.
— Ok... – Encosta-se à parede, fazendo seus pés desencostarem do chão – Não sou muito legal nisso, mas... – Tosse. – Me desculpe.
— O quê?
— Não vou repetir. – Me olha bravo. Reviro os olhos.
— Eu ouvi, mas você tá falando sério?
— Tô – Desvia o olhar. – Talvez os socos de Matteo e Martina me deixaram com traumas.
— Soco da Martina? – Pergunto, notando que suas duas bochechas estão vermelhas.
— Ela me deu um soco por bater no seu carro – Ele olha para tudo, menos para mim. – Percebi então que eu exagerei.
— Trapacear em corridas é covardia.
— Não foi bem trapaça, vale tudo – O olho com raiva. – Mas eu não gosto que batam em meu carro, então fui filho da puta em bater no seu.
— No do Matteo na verdade, agora eu vou ter que pagar para ele.
— Não – Nega com a cabeça. – Eu vou pagar.
—Ótimo – Olho para minhas unhas, pensando se deveria perguntar ou não. – Você bateu só para sair como ganhador ou...
— Eu tô realmente a fim de beijar você – Ergo a cabeça, surpresa com sua confissão. Dean me encara sem piscar. - E sua dívida te mantém nos Ghostins então...
— Por quê?
— Sei lá, você é... diferente. – Solto um riso.
— Bem... Você não ganhou.
— Não?
— A gente não apostou se ganhava quem chegasse em primeiro, ou quem fosse decretado realmente o ganhador, e como eu ganhei o dinheiro... – Dou de ombros. – Agradeço a quem apostou em mim.
— Fui eu – Arregalo os olhos.
— Você apostou em mim? – Ele assente com a cabeça. – Por quê?
— Você faz muitas perguntas – Ele senta na beirada da cama. – Eu sabia que você ganharia, até de mim.
— Obrigada? Eu acho – Ele sorri, é, Dean Bianchi sorriu. – Então ninguém ganhou?
— Não – Afirma. – Mas você pode me beijar se quiser.
— Não, obrigada. – Ele ri.
— Ainda vou beijar você – O encaro, e ficamos nos encarando por alguns minutos, sem ter o que dizer, até que ele retorna a falar. – Por que realmente você corre?
— Meu pai me ensinou a dirigir com quinze anos, algo que ele se arrepende totalmente já que depois disso, eu comecei a usar o carro como uma válvula de escape depois que minha mãe se foi... – Nem eu sei por que estou o explicando isso, mas continuo – Toda vez que sentia falta dela, eu ia para rachas esfriar a cabeça, acontece que nem sempre eu era a melhor e havia muitas trapaças como a de hoje – Dou-lhe uma indireta - O que me trouxe algumas cicatrizes. - Dean olha para o meu braço.
Ele se aproxima e toca a maior e mais visível cicatriz que eu tenho no interior do braço. Sinto um arrepio passar por meu corpo enquanto ele traça toda a extensão da cicatriz. Olho para Dean que está incrivelmente próximo, grande parte por culpa de nosso quarto extremamente pequeno, seu olhar desce para minha boca, e sua língua passa por entre seus lábios, me fazendo engolir em seco. Sua mão sobe do meu braço para o meu pescoço, acariciando a região. A porta do quarto se abre, fazendo-nos se afastar e encarar Kaori que nos olha chocada.
— Boa noite Anabela. – Dean passa com rapidez por Kaori que nem se mexeu. Encaro Kaori chocada por Dean pela primeira vez, ter me chamado pelo nome.
— Que merda é essa Anabela? Você e Dean Bianchi iam se beijar? Sabe o quão estúpido isso é?
— Sei – Me jogo para trás, na cama. – Sei pra caralho.
◤ NOTAS FINAIS ◥
Eu estou aqui porque vocês alcançaram 30 estrelas no último capítulo então: TCHARAM Overdose para vocês (não literalmente, por favor).
Um pouco do passado da Ana foi revelado... Mas ainda há coisas escondidas.
Beijos e até mais
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