Thirteen
𝗦𝗢𝗣𝗛𝗜𝗘
Voltar para Jerez era doloroso, uma nostalgia que trazia à tona algumas das sombras guardadas no meu íntimo, era o verdadeiro palco dos piores e melhores momentos para mim. A cidade era pequena e histórica, para os turistas era conhecida pelas vinícolas, pelo centro e arquitetura charmosa, culinária espanhola, e os campeonatos de motovelocidade. Para mim era o local onde eu me apaixonei, cresci, estudei, tive decepções e conquistas, vivi todos os altos e baixos.
Jerez de la Frontera era parte de mim, mas não só de mim.
Tom estava evitando nossos pais, não tinha contado a eles o que enfrentava, ou o que tinha ainda pela frente. A relação não era amistosa, baseada em muitas mágoas e brigas, principalmente quando se tratava de nosso pai. Não vínhamos de uma origem influente ou milionária, mas morávamos em um dos bons bairros da cidade e meus pais valorizavam muitas coisas, entre elas seus negócios e a educação de seus filhos. Thomas foi contra ambos.
Quando decidiu que não faria faculdade de economia e muito menos assumiria o lugar reservado a ele na empresa de nosso pai, travou uma guerra, do pior
tipo, a que consome por dentro, que é discutida na mesa de jantar e em festas de aniversários, uma familiar. Elza, nossa mãe, era milhares de vezes mais compreensiva e tentava amenizar o clima tenso que preenchia nossa casa, mas seu marido nunca foi conhecido pela sua animosidade e o pressionou até que decidiu congelar seus laços com seu primogênito.
Eu não poderia culpar meu irmão por seguir seu sonho, mas foi ali, no momento que Tom rejeitou os planos feitos para ele para perseguir suas próprias ambições que todos os olhos viraram para mim, e todas as expectativas da família Hasster-Maubant caíram sobre meu ombro.
E em meio a todo o controle, represália e pressão, Fabio se tornara minha válvula de escape. Ele sempre foi a emoção, o coração da forma mais selvagem e brutal, despertando tudo aquilo que meu pai esperava que eu deixasse ir em troca de conquistar uma carreira brilhante que o deixaria orgulhoso. Para Lorenzo eu era o brilho dos olhos, presa às suas expectativas mesmo que sem querer, enquanto o francês era o lembrete de que eu não precisaria me esforçar tanto para alcançá-las.
Ele foi meu equilíbrio, a outra ponta da balança impedindo que me prendesse completamente nas expectativas astronômicas. E por isso, quando terminamos aquela noite, eu presenciei as mais angustiosas sensações. Eu estava à deriva quando o perdi, porque era ele quem me fazia me encontrar.
Estar frente a frente com nossa casa em Jerez era como olhar uma foto antiga, assistir um pequeno trecho de nossas vidas em um vídeo caseiro, revisitar sensações nostálgicas. Fabio carregava nossas malas para dentro junto ao Tom, que ajudava menos para disfarçar seu condicionamento físico, era uma das semanas ruins para meu irmão onde os sintomas tomavam seu corpo todos de uma vez só.
Era um dia ensolarado e quente, a cidade não tinha mudado em nada, arrumei o óculos de sol entre meus fios enquanto acompanhava a dupla até o interior de nosso antigo lar, era tradição que ficassem hospedado lá durante a etapa espanhola do calendário, e tínhamos estourado nosso privilégio de ignorar tradições.
— Fabio querido, toda vez que te vejo está mais tatuado e crescido. — minha mãe exclama do meio de nossa sala, ela podia ter seus cinquenta anos, mas com certeza não gostava de aparentar tê-los. Ela abraça o francês e logo em seguida faz o mesmo comigo e Tom. — Vamos, preparei a mesa lá fora. — convida entusiasmada, ninguém tem coragem de contrariá-la, o piloto joga as malas no chão e seguimos a matriarca até o deque de madeira construído na parte exterior, nosso pai está acomodado na mesa vestido formal demais, desliga uma ligação assim que chegamos.
Tom e ele trocam olhares, duros, distantes e frios. São exaustivos e orgulhosos até o último fio de cabelo, Fabio aperta minha mão me dando um olhar afetuoso, como se seus olhos amendoados me desejassem força, uma voz interior quer que eu desfaça nosso toque, mãos dadas são mais íntimas que beijos roubados no quarto de hotel, ainda mais em um momento como esse, em que nossos dedos entrelaçados representam muito mais que uma carícia, mas deixo passar, porque a sensação é apenas confortável demais. Estou mais do que tensa, não sou boa em guardar segredos, já estou sobrecarregada em deixar o que eu e Fabio estamos passando escondido, mas ocultar algo tão sério como um tumor de meus pais é outro nível de mentira.
Me sento entre o francês e Tom, enquanto Lorenzo e Elza estão do outro lado da mesa, meu pai está entusiasmado, não para um segundo de me questionar sobre o emprego, sobre a residência — cuja vaga ele acha que está esperando por mim e não completamente abandonada —, não se dirige muito a Tom, mas até para ele sobram perguntas e interesse, minhas costelas parecem esmagar meu peito com a sensação de que estou o enganando, e quão decepcionado ele ficaria se descobrisse que estou mentindo, mentindo olhando em seus olhos e sentada a sua mesa.
— E o que vão fazer nas férias? Não as de verão, claro, tenho certeza de que vocês têm planos, mas no inverno poderíamos visitar as irmãs da sua mãe em Munique, ou qualquer coisa que queriam — meu pai instiga entusiasmado e engulo em seco.
— É uma ótima ideia! Um tempo em família para variar. Claro, você pode vir, Fabio — a matriarca complementa risonha, as palavras morrem em minha garganta, troco olhares cúmplices com Tom, vejo o desespero neles.
— Com licença — peço me levantando da cadeira, não suporto mais um minuto fazendo aquele papel, não é justo. Passo pelas portas pivotantes da varanda até que alcance a sala, e então as escadas que levam ao andar de cima, e finalmente meu antigo quarto.
Deslizo as mãos pelo meu rosto, puxando o ar com força, tentando não perder a cabeça. Não quero entregar meu irmão, nunca me perdoaria se fizesse isso, mas não concebo a ideia de mentir tão descaradamente para meus pais que estão no andar de baixo fazendo planos em família para um futuro que seu primogênito nem tem a certeza de que estará presente.
Escuto passos no corredor e torço para que não sejam eles, felizmente é Fabio quem surge pela porta e surpreendente suspiro aliviada, ele joga as mãos no bolso da calça e me encara com complacência. Se aproxima com cuidado, como se não quisesse afugentar um filhote indefeso, seus olhos agitados tornando o tempo mais lento e o ar mais fino, mas antes que possa fazer qualquer coisa, meu irmão se junta a nós, ofegante pela caminhada da varanda até o segundo andar.
— Sophie... — ele chama com a voz falhada e não consigo controlar as lágrimas em meus olhos, surgem instantaneamente e sem pausa quando me relembro de seu estado de saúde, do porquê estamos vivendo isso em primeiro lugar, é angustiante se sentir tão inútil. — Eu sinto muito, eu sei que isso deve ser difícil pra você, mas eu não posso contar. Você sabe o que isso causaria, você sabe, eu não posso ser uma decepção de novo — se explica com os olhos marejados, e meu peito se aperta novamente com a dor que ele expressa nas palavras.
— Tom, eu sei, que droga! — espalmo meu rosto novamente com raiva. — Mas não é justo, eles têm o direito de saber, eles são seus pais, Tom. Meus pais.
— Desculpa, maninha, mas não vou contar, a decisão é minha.
Travamos uma guerra silenciosa, nos encarando como se pudéssemos argumentar apenas olhando torto um para o outro.
— Não vai contar o que, Thomas? — a voz sai áspera e fria, como um chute bem dado na boca do esôfago, o patriarca cruza os braços cobertos pelo paletó e todos no quarto ficam imóveis. Eu não paraliso de medo, lidei com emergências pavorosas por anos em minha formação, mas estou apavorada, congelada, minhas mãos se cerram em um punho. O procuro pelo cômodo, mas não está, somos apenas eu, Tom e um Lorenzo furioso. — E por favor não torne isso mais difícil e minta, eu ouvi um pouco da conversa do corredor.
— Pai — chamo, mas ele ignora, seus olhos estão instalados em meu irmão.
— Estou doente — conta quebrando o silêncio instaurado. — É sério, mas estou cuidando disso, só não quis preocupar vocês. — se explica aparentando estar calmo, mas vejo a forma que ele engole em seco de forma ansiosa.
O mais velho não o responde, ao invés disso, vira os olhos tempestuosos para mim, já não estão brilhantes e orgulhosos como foram minha vida inteira, estão escuros, magoados, raivosos, como sempre estiveram para meu irmão. Eu tinha o decepcionado, estava estampado em seus ombros tensos e expressão turrona.
— E você sabia, Sophie? Sabia e não nos contou? — espreme as respostas de mim como uma esponja, mesmo que já soubesse todas elas, queria ouvir de minha boca para complementar seu horror.
— Sim, pai, eu sinto tanto...
— Não, Sophie, eu que sinto. Não acredito que criei dois mentirosos. — praguejou correndo as írises por nós dois, despejando sua decepção. — Foi só ela se juntar com você, Thomas — declarou com escárnio puro.
— Quer saber, não tenho que ouvir isso — o espanhol esbravejou antes de dar passos duros nas tábuas de madeira até a porta, sumindo pelo corredor logo em seguida.
Eu ainda processava tudo que acontecia, dividindo em meu interior uma batalha que sempre lutei sozinha. Tudo que eu sempre quis foi agradar meu pai, ser o orgulho de minha mãe, compensar meu irmão de alguma forma, mas nunca soube se valeria a pena, torcia que a algum ponto eu descobrisse, e que não fosse tarde demais.
— Você deveria voltar para Alemanha, filha. Por mais que eu ame seu irmão, ele é um caso perdido, você ainda não — declarou secando uma das lágrimas quentes que escorriam em minha bochecha com os dedos ásperos, o toque queimando meu rosto. Segurei seu dedo o afastando.
Não valia a pena, nunca valeu.
— Não, seu filho não é um caso perdido — afirmei, encarando seus olhos firmes. — E quer saber? Eu larguei minha residência, por ele, porque é isso que fazemos pela família, mesmo quando não concordamos com as decisões deles, pai. Eu cansei de lutar por sua aprovação, não vale a pena.
Lorenzo sempre teve uma personalidade forte, se opunha tanto na vida pessoal quanto nos negócios, era conhecido como alguém para se ter como amigo, e torcer para que não se tornasse seu inimigo. Ele sempre conseguia o que quis assim, era escaldante e forte, mas agora parecia desfalecer na minha frente. A pele pálida, os olhos vagos me observando o deixando para trás, dói em cada músculo o olhar que ele me lançava, mas tinha algo libertador em algo que eu evitei por muito tempo.
Acenei para ele saindo do quarto, me despedi de minha mãe que escutava Tom contando atentamente a verdade, Fabio estava no carro pronto pra nos levar embora depois de recebermos mais abraços de minha mãe, que sabia que teria um marido para consolar assim que estivesse sozinha com ele. Tínhamos um silêncio sufocante no carro, um clima monótono que nos acometeu depois da tempestade que tínhamos deixado para trás.
— Obrigado por me defender, Soph — meu irmão agradeceu, colocando sua mão em meu colo.
— Sempre, Tom — apertei sua mão selando o pacto. Fábio, que me observava pelo retrovisor, sorriu, mais do que ninguém sabia o peso do que tinha acontecido.
𝗙𝗔𝗕𝗜𝗢
Não era meu final de semana de sorte, de novo. Mais problemas na moto, e problemas comigo, porra, eu odiava abandonar corridas. Largar da pole e sequer terminar a corrida é uma merda desesperadora, ainda mais quando para completar a desgraça, me faz perder a liderança do campeonato para o Marquez.
Quando chego na garagem da equipe o clima é quase um velório, estávamos perto, muito perto de alcançar outra vitória, disparar no campeonato, e provavelmente terminaremos com apenas os pontos de Franky, que honestamente salvou o final de semana. Fico aflito sentando com raiva na cadeira reservada a mim, tiro o capacete, luvas e botas com pressa, escutando as pessoas lamentarem o ocorrido à minha volta. Acreditem, ninguém lamentava mais que eu.
— Ei cara, que azar — Tom dispara apoiando a mão em meu ombro como consolo.
— Pois é, vou ter que fazer uma simpatia ou alguma coisa assim pra voltar a vencer — brinco tentando camuflar a cólera que subia pelo meu estômago, deixando minha cabeça tonta e meu rosto quente. Sei que meu amigo também não está no seu melhor momento, caso o problema dele não fosse o suficiente, ainda tinha um drama familiar no meio e toda a confusão melancólica que nos metemos apenas alguns dias atrás, o que me lembrava também...
— Sophie — chamo quando a vejo retornando para a garagem, estava distraída e um pouco apática pelos últimos dias, mas não a culpava, sei como é difícil quando se decepciona uma pessoa que ama. Ela para sua trajetoria e se dirige a mim, infelizmente sou um idiota e só isso me faz ficar menos mal humorado.
— Fabio — ela responde encarando seu irmão com os cantos dos olhos. — Você não deveria estar lá — aponta pra pista onde os mais sortudos ainda disputam o GP de Jerez.
Dou de ombros como resposta.
— Azar no jogo... — provoco tentando arrancar qualquer reação dela.
Sophie solta uma risada pelas narinas e se aproxima ainda mais, quase me iludo com a possibilidade de que ganharia um abraço, ou quem sabe, se sonhar ainda é de graça, um beijo, de consolação, mas me lembro onde estamos e o que somos e a esperança é soterrada em mim. Ela apoia a cabeça em Tom, tinha o hábito de fazer isso, e sorri para mim, seu irmão tem os olhos escuros atentos a nossa interação. Tom não é burro, ele podia não saber o que estava acontecendo, mas com certeza ele desconfiava, mordendo o interior da bochecha como se guardasse a pergunta a força dentro de si.
— Sinto muito, Fabio, acho que você tem azar nos dois — ela devolve com os olhos brilhando em divertimento, bom pelo menos alguém está aproveitando isso.
Ao fim da corrida, Marquez é o vencedor, e Mav é o único piloto Yamaha no pódio. Tom volta para o hotel alegando ter coisas a resolver antes do verão, mas Sophie fica pelo paddock acompanhando Alicia que segue Franky pelas entrevistas. Ainda estou por lá, já que meus engenheiros acharam necessário uma reunião de emergência após os acontecimentos das últimas corridas, conversamos sobre mil informações e quando saio da sala de reuniões tenho até dor de cabeça.
— Quartararo — sua voz feminina chama, soa perfeito saindo de sua boca, me viro em direção a ela, Soph está atrás da garagem vizinha agindo como uma foragida.
— Estamos fugindo de alguém, Chérie? — questiono me aproximando.
— Das pessoas curiosas apenas — retruca arrumando a postura para parecer séria. — Queria saber como você está, de verdade.
— Já estive melhor, sendo sincero estou feliz que vamos ter férias agora — conto fazendo carinhos circulares na palma de sua mão, nem sei a que momento ficamos de mãos dadas, mas não estou reclamando. Ela prende os lábios rosados entre os dentes e quero tirá-la do chão e levá-la para um quarto por uma semana. — E você? Quer dizer, eu sei o quanto aquilo foi... intenso.
Seu corpo tensiona, e se fosse possível sentir o que outras pessoas sentem só pelo olhar, eu teria dor nos ombros de tanta angústia que poluem seus olhos, o que deveria ser um crime devo adicionar, infelizmente Sophie tem o par de olhos mais incríveis com que eu já cruzei na vida.
— Você sabe, foi difícil fazer aquilo com Lorenzo. Mas foi a coisa certa — conta encarando os pés, sei que Sophie é forte, mais do que eu jamais seria, mas também a conheço o suficiente para saber que ela usa disso para diminuir o que sente, como se não tivesse direito de ter sentimentos, o que é um merda, não me importo de chorar, sou uma pessoa bem emotiva e as vezes torço que ela se deixe ser assim um dia, apenas abaixar a guarda por um segundo — Por falar em férias... você tem planos? — muda o assunto completamente e conheço o tom que ela usa, era o mesmo que usava quando namorávamos, era perigoso porque ela esperava uma resposta específica.
— Não que eu saiba, por quê?
Um brilho deliciosamente empolgante passa por seus olhos turquesa, ela sorri ainda mais inebriante.
— Nada, apenas tente não marcar. Tenho algumas ideias pro verão, era nossa época favorita do ano se me lembro bem — solta as palavras fazendo um mistério que me consome as vísceras, genuinamente sinto meu estômago revirando quando ela fala focando a atenção em mim e em seus enigmas para o futuro.
— Vou tentar, você sabe, sou muito disputado. — a cutuco, sorrindo prevendo a sua expressão irritada.
— Sua escolha — ela retruca ainda confiante e dando de ombros. — Quem perde é você — complementa e minha imaginação viaja, muito, até demais.
— Falando desse jeito... você quem manda, Ma Chérie — concordo com a loira que alarga o sorriso radiante. Droga, como vou pensar em outra coisa agora?
Boa noite Overfãs!
Esse capítulo é uma montanha russa de sentimentos e espero que vocês tenham gostado! Me contem o que vocês acham que a Sophie e o Fabio vão aprontar nas férias de verão? 👀
Da última vez que eu apareci aqui eu estava comemorando os 3k e agora chegamos a 4K e eu não poderia estar mais feliz com o crescimento desse projeto que é tão especial! Enfim muito obrigada a todos por acompanharem e apoiarem Over💗💗💗
Até a próxima!!
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