Fifteen
𝗙𝗔𝗕𝗜𝗢
Estou acostumado a ir do céu ao inferno; se fosse analisar com atenção, passei minha vida com essa dinâmica como única constante, não podia contar com muita estabilidade, mas podia contar com o caos que eram as corridas, elas eram a única parte duradoura e que eu sabia quase exatamente como se passariam.
O caos quase sempre é minha única constante.
Competir em casa era um misto de emoções, mais do que pode ser considerado o suficiente. Eram coisas demais, o brilho da expectativa nos rostos dos fãs, ouvir seu nome em um coro, bandeiras com as cores de meu país, a energia toda constantemente direcionada a mim, os borrões de multidões torciam e vibravam por mim, o que é uma ótima forma de inflar meu ego, mas nada vem de graça, a torcida é acompanhada de pressão e expectativa, talvez eu já tivesse o suficiente dessas. Meu coração estava disparado, a beira de um colapso se me perguntassem, aquela classificatória era o começo da minha volta a briga pelo campeonato, porra, tinha que ser, não tenho mais escolhas, não posso falhar, tenho apenas 8 gps pela frente e nenhum deles é em alguma pista que me dou muito bem normalmente, por isso estou dando tudo de mim e mais nas voltas do Q4, cada vez que passo pela torcida posso escutar seus gritos e fico ainda mais eufórico. Quando faço minha última volta rápida sei que estou na pole, o jogo está de volta e mal posso esperar para vencê-lo.
Estou pronto para comemorar aquela pole como uma vitória, sei que vai me dar uma vantagem em relação ao Marc e às Ducatis, e honestamente estou precisando de qualquer vantagem que conseguir. Estaciono minha moto em frente a todas as outras e o sabor é doce como mel, mas quando me encontro com Tom sei que algo deu errado, ele desvia o olhar antes de me dizer qualquer coisa e sei como ele só faz isso quando tem más notícias, já estou desiludido e amargo quando arranco meu capacete e damos nosso cumprimento tradicional.
— Só fala — peço desanimado, irritado e principalmente decepcionado.
— Vão cancelar sua última volta, fora dos limites. Foi mal cara, sei como queria essa pole, estão esperando pra anunciar.
Corro as mãos pelo meu rosto suado em um ato de desespero, não sei como posso errar mais a cada dia quando deveria estar evoluindo, é uma grande merda se ver falhando e não conseguir mudar isso, por mais que eu tente com tudo que tenho, poucas vezes me senti tão desesperado por algo, menos ainda foram as vezes que senti isso com meus resultados nas corridas.
Do céu ao inferno, em segundos.
— Bom, valeu por me contar antes de eu me humilhar dando entrevistas — agradeço e meu melhor amigo dá tapinhas de consolo em meu ombro. Dispenso falar com qualquer outra pessoa ou dar qualquer entrevista, se pudesse iria até a sala dos fiscais de corrida e discutiria com eles sobre essas regras bizarras, mas Alicia me esganaria na hora, então ao invés de morrer esganado por minha pr, me isolo em meu quarto privado do motorhome da equipe, só existe uma pessoa que gostaria que me consolasse agora, mas não tenho certeza de que poderia chamá-la sem colocar em risco expor nosso segredo, odeio esse segredo, odeio errar, odeio tudo nesse momento.
𝗦𝗢𝗣𝗛𝗜𝗘
Às vezes temos a resposta de um problema bem à nossa frente, mas estamos tão obcecados em resolvê-lo que ficamos cegos para todas as questões que o envolvem.
Na faculdade de medicina aprendemos a lidar com problemas como um todo, se focarmos apenas nos sintomas e no que está óbvio, somos médicos ruins. É preciso olhar o plano maior, o todo, o passado, o presente e o que será do futuro daquela pessoa.
Mas sempre é bem mais fácil falar do que fazer. Se um paciente tem dores no peito já o enxergamos como um ataque cardíaco, e ninguém quer brincar com a expressão ''sério como um ataque do coração''.
Eu queria parar de encarar, tenho plena consciência de que estou com os olhos vidrados nela, observando todo e qualquer movimento, estou consciente também de que pareço insana o fazendo, mas não consigo parar, não consigo tirar os olhos dela por um minuto ou uma insegurança gigante toma conta de meu corpo, das extremidades dos pés aos fios de meu cabelo, não confio na sua presença aqui, não gosto de me sentir assim e tenho medo do que será de mim ao fim desse final de semana.
— Você está planejando matar ela ou o quê? — Alicia questiona soltando uma risada nasalada, me forço a encara-lá e finalmente deixar Valentina de lado.
— Não. Talvez? Não sei! — respondo dando de ombros e ela ri outra vez, percebo que seu rosto está extremamente corado e sua pele negra agora tem um tom bronzeado de sol, aperto meus olhos em direção a equipe Honda bem ao lado de nós, Marc Marquez tem seu rosto descascando de queimaduras e o mesmo tom pigmentado pelo sol — Por onde andou no verão?
Ali arregala os olhos como se percebesse que foi pega, antes das férias, tínhamos conversado sobre nossos planos, ela mencionou uma viagem, nunca mencionou com quem a faria.
— Talvez, e repito, talvez, eu tenha ido para Ibiza com Marc — se explica de forma misteriosa, Alicia e Marc tem uma relação que não entendo bem como funciona, ela gosta dele e está estampado em todo seu rosto e sorrisos bobos que solta quando fala com ele ou sobre ele, mas não sei se são namorados oficialmente ou se são apenas um caso, não estou no papel de questionar isso, também não sei o que eu e Fabio somos. Fico dizendo a mim mesma que não podemos ter nada sério de novo, que ele é apenas algo temporário por ser tão fácil de tê-lo ao meu lado agora, mas sei também que estou mentindo. — E você? Algum plano com o ex-namorado lindo de morrer que coincidentemente é totalmente caidinho por você?
É minha vez de quase engasgar com as palavras de Alicia, ela percebe minha reação e abre a boca surpresa.
— Meu deus, sério? Caramba, Sophie, não acredito que não me contou! Cadê a lealdade? Hanna já sabe?
— Ei, não tem nada pra contar, ok? — me defendo imediatamente, não posso contar para Alicia antes de Tom, mesmo que doa mentir para todos eles.
— Uhum, sei — desconfia com os olhos cerrados para mim.
— Quer que eu passe no box da Honda pra você dar um oi pro seu namorado e relaxar? — provoco para que o assunto eu e Fabio seja deixado para trás, não quero alimentar o sentimento falando sobre, na realidade temo que esse final de semana acabe não permitindo que isso aconteça, Valentina está aqui, amanhã os pais de Fabio estarão aqui também, não tenho como fugir de todas as coisas que vou sentir com isso.
— Ah, cale a boca — briga com um sorriso acanhado nos lábios e sou obrigada a dar uma risada.
Decidimos voltar para dentro da garagem da equipe Petronas e estou novamente no pesadelo, há meses Valentina não aparecia no paddock, estava trabalhando em outros lugares que não me interessavam tanto quanto o fato de que não teria que vê-la novamente, não sei se Fabio sabe que ela está aqui, não sei como irá reagir quando a encontrar com sua saia de couro e batom vermelho sangue, e não tem nada no mundo que eu odeie mais do que não saber algo, talvez apenas, o fato de não poder controlá-la.
Quando chegamos ao interior da garagem tenho que me despedir de Alicia, já que os pilotos teriam coletiva de imprensa, o que sempre era uma bagunça já que Fabio e Franky não estariam no mesmo lugar dificultando que ela os acompanhasse nas respectivas entrevistas, não é necessário esclarecer que ela não adorava nem um pouco as coletivas. Ofereço um sorriso calmo para oferecer alguma segurança enquanto ela conversa com os dois, mas não posso fazer mais do que isso porque agora Quartararo me encara com luxúria nos olhos castanhos, e quando isso acontece não consigo fazer mais nada.
Absolutamente nada.
— Pronta pra home race, irmãzinha? — Tom passa um dos braços em meus ombros e dou um pulo assustado.
— Meu Deus, Tom, quer me matar?
— Foi mal, não era pra te assustar.... — ele dobra o pescoço para examinar meu rosto — O que estava fazendo de errado pra se assustar assim, hein?
— Ah, por favor, Tom, não preciso estar fazendo algo de errado pra me assustar com você chegando como um gato e me encostando — me explico e ele ri com sutileza — Aliás, não estou no clima pra brincar com você, não deveria estar aqui, Thomas. Olha o que acabou de passar no verão e nem me contou como foram suas consultas.
O rosto do espanhol murcha na mesma hora, ele me encara com sobriedade e frieza e tenho quase certeza de que vai começar uma discussão ali mesmo.
— Conversamos sobre isso depois, tudo bem? — ele pede e confirmo com um aceno de cabeça, tento ficar tranquila mas a forma com que ele reagiu me diz que não vou receber boas notícias hoje.
E estava certa quando imaginei que não receberia nenhuma notícia boa hoje, Fabio está trancado dentro do motorhome da Petronas desde o fim da qualificatória, não deixou nenhum dos membros da equipe se aproximar, nem mesmo Tom, que parece tão desolado quanto ele, infelizmente não posso cumprir esse papel também nem mesmo se ele me deixasse entrar, mas é angustiante, sinto que meus músculos estão todos tensos e já roí metade de minhas unhas. Quando começou sua carreira, Quartararo não se abalava tanto com as críticas, era bem sensível aos elogios e a expectativa, mas talvez tenha se tornado insustentável, agora ele está vulnerável para ambos.
— Não vai tentar entrar lá? — viro meu rosto em direção a voz, é de Tom, ele não parece desconfiado que eu esteja em frente a porta que o francês usa para se isolar do resto de nós, não sei em que momento me aproximei tanto da maçaneta, mas minhas mão estão paradas no ar, meio caminho até ela.
— Não vou consolar ele — desdenho de sua sugestão tentando mostrar um desprezo que não tenho mais. Meu irmão sorri e rugas surgem ao lado de seus olhos, é tão elucidante e cristalino que meu coração derrete como manteiga, ele sabe. — Como você...
O espanhol apoia seu corpo magro na porta, cruzando os braços em frente ao seu tórax, ele suspira com força como quem estivesse aliviado de finalmente falar sobre, ou talvez estivesse com raiva de mim e prestes a me dar uma bronca.
— Ele é meu melhor amigo, Soph, sei quando ele está apaixonado — se justifica com calma, nenhum grito ou mágoa permeiam seu tom de voz — E você é minha melhor irmã, também te conheço bem, com aquela cara de bocó apaixonada olhando para a porta preocupada.
— Ei, eu sou sua única irmã — protesto com contragosto e ele lufa pelas narinas de forma cômica como resposta — Então, não está bravo porque não te contamos? — questiono para conferir em que situação estamos, ele sorri de novo, flagro um brilho tranquilo em suas irises castanhas.
— Não, só não sejam burros de novo — suplica e solto uma gargalhada abafada, ainda não entendo como ele pode não estar bravo, Deus sabe que eu estaria se fosse o contrário, mas Thomas sempre foi o irmão otimista, não eu. — E aí, não vai tentar entrar? — insiste apontando para a sala com a cabeça. Encaro a maçaneta como uma encruzilhada, sei que quero entrar lá, mas não sei se quero saber se ele me quer lá, se estou cruzando um limite dessa coisa tão frágil e indefinida que temos.
— Acho que vou — o respondo e Tom se desvencilha de seu encosto, estou sozinha agora, bato algumas vezes na madeira desgastada, não obtenho nenhuma resposta, inspiro todo o ar que consigo — Fabio, sou eu, Sophie. Eu sei que não quer falar com ninguém agora, mas está tarde e... só sai dai, ok? Estou começando a me preocupar com a quantidade de horas que eu passei sem olhar pra sua cara idiota.
Pressiono meu ouvido contra a porta, escuto sua respiração do outro lado, está entrecortada e tão pesada que posso sentir sua angústia apertando meu peito como uma angina insuportável. Irracionalmente corro minha mão pela porta, como se pudesse realmente alcançar sua pele, sei que ele está ali encostado na madeira pelo outro lado porque os sons de sua expiração estão cada vez mais fortes.
— Sinto muito pelo que aconteceu hoje. Vou estar no seu motorhome se mudar de ideia. — Por favor mude de ideia, sussurro para mim mesma.
Faço um sinal negativo para meu irmão quando o encontro na saída da garagem, ele aperta os olhos na minha direção, o que acende diversos sinais vermelhos para meu cérebro clinicamente treinado, quando ele enxerga, sua expressão esmorece e seus braços transpassam meus ombros em acolhimento e caminhamos juntos e em silêncio até o local onde diversos trailers enormes ficam estacionados. O clima se transforma drasticamente quando chegamos lá, alguns dos pilotos estão do lado de fora, em cadeiras portáteis de plástico colorido espalhadas envolta de uma churrasqueira elétrica ligada a um dos motorhomes, uma música latina e animada está tocando e não saberia dizer de qual lugar vem, todos estão conversando como se não estivessem prestes a se digladiar por alguns pontos no campeonato em poucas horas. Avisto Ali e me separo de Tom que se enturma com os pilotos, ainda estou desconfiada pela forma que ele cerrou os olhos mais cedo para enxergar, se for o que penso ser, temos um problema grande a frente.
— S, não sabia que viria — a norte-americana sorri e devolvo o ato mas sua atenção logo escapa para o canto de seus olhos onde Marquez está caminhando em nossa direção com confiança, é estranho vê-lo sem o equipamento de corrida sendo Marc Marquez o cara que sai com minha amiga e não o que Fabio tem que derrotar nas pistas.
— Olá, corazón — o espanhol cumprimenta Alicia que franze o rosto em uma carranca irritada — Sophie, não é? — questiona e confirmo com a cabeça, pensei que apenas atrapalharia os dois, mas minha presença parece ser a mais confortável, os dois ficam em silêncio, bebendo de seus copos misteriosos e sem demonstrar nada além de uma enorme inquietação com a companhia um do outro.
— Como ele está? — Alicia quebra o silêncio e suspiro aliviada pelo fim do clima letárgico.
— Não sei, não muito bem eu acho — respondo e o espanhol ri ironicamente ao meu lado.
— O diabinho ficou incomodado com aquilo? Imagina quando perder o campeonato pra mim amanhã — afirma com acidez em seu sotaque latino e mordo o interior de minha bochecha para não xingá-lo.
—Você é um idiota, Marc — Alicia rosna sem escrúpulos
— Ah, é mesmo, mas avisem pra ele que ninguém vai perder o campeonato amanhã — o sotaque francês alcança meus ouvidos como um sopro e não posso evitar o sorriso que se forma em meus lábios, não preciso me virar para confirmar quem é, em segundos suas mãos grandes e ásperas enlaçam minha cintura discretamente, seu perfume me atinge como uma onda elétrica passeando pelo corpo, sou tomada por sua presença, mesmo que não quisesse. O espanhol não se intimida, abre um sorriso amigável e fleumático para o piloto, os dois trocam apertos de mãos amistosos.
— Bom te ver de pé, hermano — diz por fim com um riso inflamado pela animosidade da competição, antes de lançar um olhar estranho para Alicia e sair acompanhado da mesma até as cadeiras coloridas de plástico onde todos estão conversando distraídos pelo clima de festa.
— Não resistiu aos meus apelos, não é? — provoco com leveza, agora o encarando, estamos cara a cara, Quartararo crava ainda mais seus dedos em minha cintura e estala a língua no céu da boca.
— Na verdade, foi isso mesmo. Chérie, você era a única que eu queria lá comigo. — A franqueza na sua voz me assusta por um segundo, mas prefiro deixar o pavor de lado, pelo menos por hoje, por agora, por esses minutos quero não sentir esse medo pelo nosso passado. Enlaço minhas mãos em sua nuca, seus olhos correm à nossa volta procurando alguém que pudesse nos flagrar juntos e quando voltam a mim estão ávidos e ferozes, como se soubessem exatamente o que querem.
— É seu dia de sorte então, estou bem aqui.
Bem que dizem que quem ta vivo sempre aparece...
Que saudade que eu tava deles e de vocês! Espero que gostem do capítulo e quero saber o que vocês acham que vai dar nesse final de semana conturbado 👀
E por fim, quero agradecer DEMAIS, da última vez que estive aqui éramos 5k de leituras agora somos 7k e isso é surreal!! Muito obrigada pelo apoio e planfetagens vocês são demais❤️
Até em breve, prometo de dedinho 😅
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