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Curitiba, 30 de agosto de 2048, porão de uma casa qualquer.

— Morreu de quê?

— Overdose, coitado...

— Coitado? — a indignação dava o tom no rosto constrito de Daniel. — Você disse "coitado"?

— Ué! Qual o problema com você, cara? — um espantado Júlio perguntou.

— Eu não acredito que você... — sequer pôde completar a frase, tamanho o choque.

Os três amigos já não eram mais três. Daniel, Júlio e Neves não eram mais um trio. Neves perdeu-se no aroma levemente amadeirado. Como explicariam aos pais do amigo? Como explicariam aos seus pais? E, pior: como se explicariam à Justiça?

Curitiba, 30 de agosto de 2035

Já não era novidade e não foi surpresa. Os livros físicos tiveram sua produção reduzida ano após ano. "Culpa da Internet", rezava o clichê. Com menos produção, os preços aumentaram, tornando os livros peças proibitivas para a maior parte da população. De qualquer forma, a quantidade de leitores aumentou violentamente, graças aos aplicativos de leitura gratuita, disponíveis em qualquer dispositivo de uso diário da população (de smartphones a óculos, de geladeiras interativas a impressoras 3D, de esposas de silicone made in Japan a carne sintética).

Nunca se leu tanto quanto depois da grande explosão de popularidade de tais aplicativos, pós-2020. Os livros virtuais, entre gratuitos e muito baratos, cada vez mais sintéticos em sua estrutura e simples em sua arquitetura, suplantaram as obras físicas da mesma forma que a música digital matou o vinil e o CD. Havia, claro, os entusiastas do papel, do livro físico, do colecionismo nas estantes, das bibliotecas particulares (visto que mesmo as bibliotecas públicas estavam em vias de extinção).

O Estado brasileiro, cada vez mais inchado, apesar das promessas de desoneração, tornava-se mais e mais controlador, em um processo iniciado em meados de 2013, que acabou culminando com uma série de governos desastrosos tanto para o povo quanto para os promotores do desastre. Previsivelmente, e conforme tendências observadas com anos de antecedência, a lei marcial se fez presente em determinado ponto. Até que se chegasse a esse ponto, convulsões sociais e virtuais deram o tom das discussões e debates, cada vez mais raivosos e tendenciosos. Daí para as perseguições, foi um pulo simples e natural.

Em relação aos livros, o Estado acabou por proibi-los em sua forma física, em 2035, em lei lançada no dia 30 de agosto. Livrarias não havia mais, todas falidas. As editoras tradicionais já davam sinais de desgaste pelo menos 15 anos antes. Sobravam as gráficas. A impressão estava a serviço de obras independentes e, geralmente, não registradas, razão pela qual a lei foi lançada. Nos aplicativos digitais, sabia-se quem escrevia o quê. Tudo era controlado por IP e CPF, tornando praticamente inviável a publicação de qualquer tipo de material, sem censura prévia (que o governo jurava que não existia). Concursos foram abertos para contratação de milhares de funcionários que passavam oito horas diárias controlando fluxo de informações nos aplicativos de leitura online. Havia listas de palavras e temas terminantemente proibidos (e essas listas incluíam temas políticos e ideológicos, dependendo do viés). O controle era tal e tão gritante, apesar de invisível (os livros simplesmente "desapareciam" sem deixar rastros... a bem da verdade, autores também desapareciam, eventualmente. Caso, por exemplo, da autora de um clássico dos anos 10, denominado pela alcunha de DV, ou de um notório revolucionário, André Regalias, ambos da primeira geração de aplicativos de livros online), que transformou radicalmente a forma de se produzir e consumir literatura.

Evidente que nem todos aceitavam passivamente tanto controle e tanta falta de papel. A proibição pegou os fãs de calças curtas e meias rasgadas. O medo era que a lei acabasse alcançando mesmo coleções existentes. Nas bibliotecas que ainda persistiam, bravamente, com seus cada vez mais decorativos bibliotecários, a limpa foi geral. Os acervos foram reduzidos em mais de 70%, em média. Muitos livros foram simplesmente incinerados. Não em praça pública. Discretamente, conforme o modus operandi dos controladores do Estado. Tudo era sutil. Difícil de discernir.

— Caras, isso não tá acontecendo! Como é que pode isso, não poder mais publicar livro em papel? Livro é vida, é a minha vida, é só pra isso que eu vivo! — Neves, em sua angústia inenarrável, tremia ao pensar em uma vida sem livros físicos.

— Como esse país mudou em tão pouco tempo... Há 20 anos tudo isso era inimaginável. Agora, olha só... Que merda nós fizemos? — lamuriou-se Daniel.

— Nós? Eu não fiz merda nenhuma! — zangou-se um errante Julio, entre a descrença ao fato e as soluções possíveis para o problema. — E não adianta ficarem de choradeira, porque é isso aí, já tivemos situações de opressão antes, aqui e em outros países, e as pessoas sempre dava um jeito! A arte vive disso! Nós podemos lidar com essa merda toda! A literatura não vai morrer, ela vai renascer e se renovar com a força de um daqueles extintos tigres que nós fizemos o favor de exterminar do planeta!

— Ou a literatura vai se extinguir da mesma forma que fizemos com o tigre... — caçoou Daniel, mais para si que por brincadeira ou provocação.

— A minha vida não tem mais sentido nenhum, amigos! Livros são a minha substância! — Neves, em tom dramático, dava tons doloridos à sua sorte.

— Caralho, Neves! Deixe de drama, tá parecendo a Dramaqueen! Aliás, que falta fazem os livros dela... É a maior coleção de livros físicos que eu tenho, vocês... — Julio empolgou-se, como sempre ocorria quando falava dos livros de sua escritora predileta.

— Sim, sim, Julião, sabemos, você não nos deixa esquecer. Mas, e agora, após o leite derramado, resta-nos lamber o fogão? O que faremos? — Daniel, pragmático, já pensava em possíveis formas de burlar o sistema, seu passatempo preferido.

Curitiba, 25 de maio de 2045

Após anos de trabalho árduo dos três amigos, enfim pronta estava a Gráfica Clandestina, a única de que eles mesmos tinham notícia (até porque, se outras havia, clandestinas eram, logo, não seriam encontradas em buscadores). Esta gráfica objetivava imprimir literatura underground, sem censura prévia, sem limites temáticos. LITERATURA, PORRA! Para inaugurar o maquinário em grande estilo, imprimiram em P&B uma belíssima coletânea denominada DAS RUAS, contendo três clássicos de autores tidos como desaparecidos e limados dos documentos oficiais. Tais eram os livros: CHEIRO DE RUA, DO OUTRO LADO DA RUA e RUA DE PEDRA-SABÃO EM SÉPIA (o último entrou pelo sistema de cotas). Os proibidões nascidos nos primórdios dos aplicativos, aqueles popularizados nos anos 10 e amplamente controlados a partir dos 20.

Com a célebre proibição do livro físico em 2035, tais aplicativos se tornaram ainda mais populares (embora os melhores já não fossem gratuitos). Assim, o inevitável ocorreu... BUG. Bugs! Bugs e mais bugs! Nada funcionava. Clica em publicar, não publica, a pessoa comenta, o comentário não aparece nas notificações, a pessoa se irrita pela falta de resposta do autor que sequer viu o comentário, pois não foi notificado, os zilhões de seguidores que seguem a lugar nenhum, sem objetivo, os travessões que se transformam em traços, as palavras separadas que se casam assim que são postadas em mais um famigerado capítulo. Bugs milenares, bugs bugados, até o narrador está bugando de tanto falar em bug.

Ah, e falando em bug, o cérebro também bugou e esqueci o que ia escrever... Enfim, prossigamos!

A Gráfica era clandestina, mas o sucesso era brilhante. O trabalho de resgate literário de Júlio e Daniel era notável. Também incentivavam uma nova geração literária, que criava modos e meios de levar a sua literatura pelas cidades, de forma sutil, utilizando-se das ferramentas à mão. Nos postes, nos muros, nos aplicativos, evitando as palavras proibidas e insinuando com hábil sutileza os temas espinhosos, essa nova leva de artistas criava algo tão belo quanto perigoso. Expressivo e caloroso. Simbólico e mítico.

O problema dos bugs jamais foi sanado, já que era gente demais lendo, e servidor de menos operando. Os funcionários do Governo também não davam conta de serviço, demoravam a ler a imensa quantidade de novos capítulos despejados dia após dia. Enquanto isso, velhos leitores e jovens leitores buscavam, com a discrição necessária, a paz e o sossego das folhas brancas e amarelas do suporte superado: o bom e velho livro físico.

De volta a Curitiba, 30 de agosto de 2048, porão de uma casa qualquer.  

Neves era um destes aficionados doentes por papel. De longe o maior entusiasta do projeto de Daniel, embora pouco afeito às questões práticas, normalmente resolvidas pelo hiperativo Júlio. Neves era, digamos, o degustador da equipe. Ele degustava as obras. Degustava cada capítulo, cada linha, letra a letra, caractere a caractere, sem vergonha de ser feliz, sem medo de gastar o nariz. Neves era o nome dele. Cada vez mais pálido e magro. Era uma sexta-feira, o galpão da gráfica, lotado de livros fresquinhos e prontos para serem distribuídos. Júlio fechou a grande porta metálica, Daniel conferiu as janelas pelo lado de fora. E Neves lá dentro ficou. E lá dentro cheirou, cada livro, cada encadernado, cada letra e cada margem de cada um dos milhares de conhecimentos impressos no galpão.

E sábado se passou, e Neves cheirou.

E domingo se passou, e Neves cheirou.

Na segunda de manhã, bem cedo, quando Júlio e Daniel abriram a porta metálica, jazia um corpo feliz e um nariz gasto. As obras estavam coradas pela alegria de tanto carinho naquele fim de semana inesquecível.

— Eu não te avisei que a gente precisava ficar em cima desse cara?? Há quanto tempo venho dizendo isso? — Daniel ralhou com um pálido Júlio.

— Meu Deus... como eu nunca percebi isso...? — Júlio, em choque, tremendo, respondeu mais para si que para o amigo.

Não havia mais um trio.

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