Capítulo 03 - Barbara
Escuto a porta da frente fechar e encaro Abby no mesmo instante. Ela está debruçada sobre uma das minhas caixas, me ajudando a desempacotar. Por mais curiosa que eu esteja para saber quem acabou de sair, prefiro permanecer no quarto e me preparar mais um pouco antes de ir para a sala. Ver Zander me deixou abalada. Por um minuto eu esqueci o motivo de termos terminado e quase me deixei levar. Eu queria esticar minha mão até a dele, afundar meu rosto no seu peito largo e deixar que seus braços me envolvessem como ele costumava fazer. Infelizmente eu não acho que esteja pronta para deixá-lo entrar de novo na minha vida e virar tudo de ponta cabeça como fez antes. Eu tenho um plano e ele não envolve Zander.
— Quem saiu? — Pergunto enquanto me inclino contra a janela. A vista é voltada para a rua, o que me fez querer o quarto assim que o vi. Nem mesmo verifiquei os outros cômodos e não me importo que este seja o menor de todos, a vista compensa.
Antes que Abby responda, eu vejo Zander deixar o prédio. Ele tira um gorro do bolso do casaco e coloca na cabeça em um gesto casual, cobrindo os fios de cabelo curtíssimos. Observo-o caminhar até um jipe prateado e sinto minhas sobrancelhas praticamente tocarem umas nas outras com a confusão. De todas as mudanças de Zander, eu jamais esperaria que ele fosse deixar de dirigir Sue, o velho Cadillac que herdou do seu avô. Ver que ele se transformou tanto em um espaço tão curto de tempo me preocupa. O homem que ele é por baixo das aparências foi quem me conquistou e eu espero que essa parte dele não tenha mudado também. Eu não suportaria vê-lo se transformar em outra pessoa, porque Zander tem um coração de ouro e uma personalidade incrível por baixo da imagem que ele mostra ao mundo.
Abby solta um longo suspiro atrás de mim, o que significa que está incomodada com algo. Eu deveria ser uma boa amiga e perguntar o que a preocupada, mas como sei qual será a resposta prefiro continuar sem dizer nada. Ignoro-a por completo e volto a pendurar minhas poucas roupas no armário encaixado ao lado da escrivaninha. O ambiente é realmente pequeno e o espaço foi aproveitado ao máximo para que coubesse um armário pequeno, uma cama e a escrivaninha. Não me incomodo com os móveis básicos e a falta de espaço para me mover. Pelo contrário, estar aqui me passa a impressão de segurança que eu sempre quis. Enquanto eu vivia no trailer com meus pais ficava sonhando com o dia em que eu teria um quarto com paredes de verdade para poder pintar e decorar como eu quisesse e agora finalmente tenho essa oportunidade.
— Estou pensando em pintar as paredes no próximo final de semana, — comento antes que Abby tenha chance de falar sobre Zander. — Você quer me ajudar?
— Eu e Rock vamos para casa no final de semana... — Ela empurra os óculos no rosto e me encara com pesar. — Podemos pintar durante a semana?
— Não se preocupada, com o movimento nesse apartamento eu sei que vou encontrar alguém disponível no sábado.
— Sobre isso... — ela engole em seco e eu percebo seu nervosismo.
Eu me preparo para o que Abby está prestes a revelar e sinto meu peito apertar com as possibilidades.
— Você não estava aqui essa semana, mas a Ivy chamou todo mundo para jantar na sexta e no sábado.
Era isso que ela estava com medo de dizer? Por um segundo eu imaginei que Abby revelaria algo totalmente diferente.
— Tudo bem.
— Eu quero dizer todo mundo. Incluindo o Zander.
Apesar de eu pensar que é estranho, não falo nada. Consigo imaginar Ivy sendo amiga de Zander. Os dois são bem parecidos, ambos forçam uma atitude rebelde como um escudo contra o mundo e eu tenho certeza de que eles devem se dar bem. Imagino os dois juntos, conversando e compartilhando segredos que ninguém sabe que eles possuem. Visualizo a imagem tão nitidamente que meu peito volta a se comprimir. Ivy é o tipo de garota que atrairia Zander. Ela é linda, difícil de conquistar e um pouco perdida – a combinação perfeita para chamar a atenção dele. Conheço Zander, sei o quanto ele adora um desafio e não resiste à chance de ser o herói de alguém.
O que mais me perturba nessa linha de raciocínio é o incômodo que sinto ao pensar nos dois juntos. Eu prometi que seguiria em frente, mas ao que tudo indica meu coração ainda não se libertou por completo.
— Barbara? — Abby chama quando eu permaneço em silêncio por algum tempo. — Ele deve voltar mais tarde. Ivy e Hannah saíram para comprar pizza e Chuck, Nicky e Brad estão quase chegando.
Faço que sim e finjo não dar importância para o jantar. Pelo que Abby falou, sei que Zander só está incluído nos planos por causa de sua recente amizade com Nicky. Ainda não sei como me sinto em relação a isso, mas não cabe a mim dizer nada. Nicky era uma garota horrível no verão passado e costumava se divertir irritando Zander. Não é possível que ela tenha mudado de um dia para o outro. De qualquer forma, não tenho vontade alguma de a conhecer melhor.
Abby está prestes a dizer algo mais quando uma batida na porta atrai nosso olhar. Rock sorri para nós e seus olhos param em Abby no mesmo instante.
— Vocês precisam de ajuda? — Ele pergunta olhando diretamente para ela e eu adoro a forma como seu rosto cora com a atenção. Nunca vi minha amiga tão feliz quanto agora.
— Estamos bem, mas caso eu precise de ajuda para organizar algumas estantes, nós te chamamos. — Provoco os dois e o rosto de Abby adquire um tom ainda mais vivo de vermelho. Antes de namorarem, Rock parecia fascinado pela coleção de livros de Abby, o que resultou em um pequeno acidente envolvendo a estante dela.
Assim que Rock nos deixa eu começo a rir e Abby logo me acompanha. Com o ar mais descontraído, terminamos de organizar o quarto e conversamos sobre assuntos mais tranquilos. Abby me atualiza sobre Valentina e passamos um bom tempo recordando como tudo era diferente pouco menos de um ano atrás.
* * * *
Assim que coloco a última caneta na caneca sobre a escrivaninha, olho ao redor e me sinto bastante satisfeita com o resultado da arrumação. Ainda não possuo muitas coisas para decorar o quarto e faço planos para comprar algumas almofadas e uma colcha novas durante a semana. Com o salário do meu emprego na lanchonete e as economias para o curso de medicina, meu orçamento é bem limitado e não quero exagerar com gastos desnecessários, mas preciso encontrar uma forma de deixar o quarto mais parecido comigo se vou morar ali pelos próximos anos. No momento, minha decoração consiste em alguns desenhos e fotos minhas e das minhas amigas ao longo dos anos, além do notebook coberto de adesivos em cima da mesa e a caneca preferida do meu pai que apanhei naquela manhã antes de deixá-lo. Tenho certeza de que ele vai procurar a caneca por um bom tempo até se dar conta de que ela não está mais no trailer e isso me faz sorrir.
Ouço uma comoção no corredor, passos firmes passando pelo lado de fora do quarto e a voz de Ivy quando ela anuncia que chegou com a comida. Ao invés de sair do quarto, fico mais algum tempo sozinha enquanto a movimentação no apartamento fica maior. Reconheço Chuck e Brad quando eles chegam pela forma como eles gargalham e se provocam. Outra pessoa passa pelo meu quarto sem parar e imagino que esteja seguindo para a cozinha. Enquanto meus amigos preparam o jantar e colocam música para tocar, apanho roupas limpas e aproveito para me esgueirar até o banheiro. Eu me pergunto se Zander já retornou, mas não consigo identificar nenhuma voz por causa da música alta.
Vinte minutos depois eu volto para meu quarto e aplico um pouco de maquiagem no rosto. Quando termino e estudo meu rosto no espelho do armário, me pego encarando meus olhos e eles parecem me dizer de volta que eu sou uma tola. Sem admitir o motivo para toda a arrumação, decido mudar a roupa para um conjunto de moletom bem confortável. Não posso dar motivos para ninguém pensar que eu me arrumei para alguém dentre nossos amigos. Assim que penso nisso, sinto uma pequena ardência acima do meu peito, na parte interna do ombro esquerdo que ainda está bastante sensível.
Eu me certifico de que fechei a porta antes de aplicar uma camada generosa de pomada sobre a área sensibilizada, evitando pensar no que eu fiz na noite anterior. Era para ser uma lembrança, mas depois de hoje estou começando a achar que foi alguma piada de mau gosto do destino. Assim que termino de vestir o casaco novamente, escuto alguém abrir a porta atrás de mim e escondo a pomada debaixo do meu travesseiro. Com meu rosto em brasas, viro para o intruso e vejo Abby com as sobrancelhas franzidas.
— Está tudo bem? — Pergunta.
— Tudo ótimo. — Torço para que ela não note o quanto minhas mãos tremem e rapidamente as escondo nas costas.
— Se você diz... — Ela franze as sobrancelhas, mas deixa o momento passar. — Só vim ver se você já estava pronta. O pessoal está quase todo aí e perguntaram por você.
— Quem está aí?
— Todo mundo... ah — Ela para no meio da frase e parece finalmente compreender minha pergunta. — Ele ainda não voltou e não sei se ele vem.
Se Abby pretendia me tranquilizar, ela não conseguiu. Eu me pergunto se fiz alguma coisa errada já ela acredita que ele não vem para o jantar se fez isso nas noites passadas, mas fico calada. Eu deveria estar feliz com isso, mas me sinto decepcionada com a possibilidade de não o ver novamente.
Eu me repreendo mentalmente. Há meses que ele saiu da minha vida e consegui seguir em frente. Não há motivo para sentir sua falta agora.
— Vamos?
Confusa, encaro Abby e ela aponta na direção da sala. Antes de sair do quarto, tenho a impressão de ver ela olhando de relance para o travesseiro e respiro fundo. Ela vai descobrir o que eu fiz, mas espero que não seja hoje.
Assim que chegamos na sala, sou envolvida pelos braços delicados de Hannah e seu perfume de bala. Ela sorri para mim, adorável com a touca de orelhas de gatinhos e um suéter que a engole. Quando a conheci, imaginei que Hannah parecia uma boneca. Por causa de sua descendência asiática, ela tem um estilo bem original e faz questão de mostrar.
Hannah me solta e olho ao redor, cumprimentando cada um dos meus novos amigos. Chuck e Brad me lançam um sorriso de canto típico de caras que estão acostumados com a atenção que recebem e noto Ivy revirar os olhos por isso. Enquanto Hannah é toda delicada, Ivy é o oposto dentro das roupas pretas e a maquiagem pesada. No entanto, quem realmente chama minha atenção é Nicky. Sentada ao lado de Chuck no sofá, ela parece uma garota normal. Do tipo que eu gostaria de ser amiga. Talvez ela tenha mudado, mas não tenho vontade de me aproximar dela agora e me irrito por ela estar ali.
Todos estão ali, menos Clive, um dos colegas de turma de Abby que passou o último semestre inteiro andando com ela e Hannah. Pelo que eu soube, houve um desentendimento entre Clive e Hannah antes do natal e eles pararam de se falar. Ninguém entrou em detalhes e eu não perguntei. Não o conheci bem o bastante para saber o que foi.
— A gente já pode comer? — Chuck pergunta ao me ver e noto que ele e Brad estão parados ao lado das embalagens de pizza.
— Mas o Zander ainda não chegou, — Nicky protesta e os ombros de Chuck ficam tensos.
— Se ele quisesse comer pizza, deveria chegar aqui na hora.
— Ele estava aqui antes e já deve estar voltando, — comento ao sentir a necessidade de explicar a ausência de Zander. Nesse momento a música termina e, enquanto a próxima não começa, sinto todos os olhos em mim.
É isso que você ganha ao tentar defender alguém que vem evitando.
Chuck não diz mais nada e eu me forço a caminhar até a mesa e abrir uma das caixas de pizza. Apanho uma fatia e Rock se levanta para me acompanhar enquanto nossos amigos me estudam. Acredito que seja a primeira vez que eles me veem falar sobre Zander e não quero imaginar o que devem estar pensando. Em silêncio, Rock leva uma caixa para Brad se servir e a conversa casual retorna. Para a minha sorte, ninguém volta a mencionar o nome de Zander até a capinha tocar, meia hora depois, e ele entrar no apartamento sem cruzar o olhar com o meu.
Eu o observo pendurar o casaco e gorro que estava usando. Em seguida entrega uma sacola de papel para Chuck, que retira uma garrafa de cerveja de dentro, e acena contra vontade. Brad e Ivy apanham outras duas garrafas e Zander me surpreende ao me passar uma garrafa da minha cerveja preferida. Tento encontrar seus olhos para agradecer, mas ele se afasta antes que eu consiga.
Vejo ele se sentar ao lado de Nicky, no braço do sofá, e preciso de toda a minha força para não desviar o rosto ou demonstrar o quanto isso me perturba. Os dois trocam sorrisos e conversam, completamente alheios ao resto de nós, e eu finjo que não me importo em ver Zander sentado ao lado dela na minha casa como se tudo fosse normal.
Uma hora depois a última fatia de pizza está rolando de um lado para o outro nas nossas mãos. Rock recusa com um movimento de cabeça e Abby, aninhada em seu peito, faz o mesmo. Hannah vira o rosto quando a caixa passa por ela e tenho a impressão de que ela nunca comeu tanto na vida. Ao lado dela, Ivy está jogada no chão encarando o teto e nem nota nossa presença. Chuck empurra a caixa para mim e, para minha surpresa, Nicky se levanta e vem na minha direção. Sinto minha garganta secar e tenho vontade de largar a caixa antes que ela chegue mais perto, porém repito mentalmente o quanto estou sendo imatura e me forço a ficar parada.
— Posso? — Ela aponta para a pizza e eu faço que sim.
Ela me lança um sorriso sem graça ao apanhar a fatia e volta para seu lugar no sofá. Estou sentada no chão perto de Ivy, o mais longe possível dela e de Zander, mas mantive os olhos em Nicky durante toda a noite e acredito que ela tenha notado apesar de não ter falado comigo.
— Tem certeza de que não quer? — Ela pergunta para Zander e ele diz que não.
Chuck se remexe com desconforto e penso escutar ele soltar um palavrão. Nicky também escuta e encolhe os ombros, mas o ignora e se concentra em Zander. Por mais que eu não queira, presto atenção na conversa deles.
— Você acha mesmo que uma fatia a mais vai fazer diferença? Sei que você ainda está com fome. — Ela ri e passa os olhos pelo corpo dele. Sinto vontade de me levantar e ir embora, confusa com a raiva crescente dentro de mim e a possibilidade de haver algo entre os dois. — Não sei nem porque você se preocupa tanto. Do jeito que você corre, poderia comer todas as pizzas sozinho e ninguém ia reparar.
Ao compreender o que Nicky fala, sinto meu coração dar um salto.
— Você corre? — Pergunto antes de conseguir me controlar.
Zander leva um susto ao ouvir minha voz e leva um minuto para perceber que eu falei com ele.
— Às vezes. — Ele dá de ombros, mas para mim o movimento parece forçado.
— O tempo todo, — Nicky o corrige. — Ele começou a correr em outubro e depois disso não parou mais.
— A Barbara também faz isso, eu não consigo entender como ela consegue correr nesse tempo... — Abby se intromete e troca um olhar com Nicky, mas eu não me importo.
Concentro meu olhar em Zander, que permanece imóvel, e mil ideias diferentes me veem à mente. Outubro passado foi quando eu o reencontrei depois do nosso término. Eu estava correndo na pista leste do campus quando cruzei com ele. Nenhum de nós dois esperava aquele encontro e mais tarde naquele mesmo dia Zander foi me procurar na lanchonete. Na época, eu não estava preparada para um confronto e pedi para ele me dar espaço. E foi o que ele fez. Durante esses meses ele não tentou me encontrar mais, porém, não consigo pensar se ele começou a correr depois que me viu.
Ele me encara de volta com tanta intensidade que por um momento eu acredito que sim. Com seus olhos presos aos meus, sinto os primeiros sinais de calor subindo pela minha pele e algo na forma como ele me olha que me perturba. É quase como se ele dissesse em silêncio tudo o que não foi capaz de dizer antes.
E, do mesmo jeito que surgiu, o feitiço se quebra quando escuto o som da campainha.
— Vocês estão esperando mais alguém? — Rock se levanta no mesmo instante, já sabendo que a resposta é não.
Ele abre a porta com cautela e tento espiar por trás de seus ombros, mas ele é largo demais e bloqueia minha visão. Rock alterna o peso do corpo e me olha sobre o ombro. Escuto a pessoa perguntar por mim e, ao reconhecer a voz, sinto que a situação não poderia ficar mais confusa.
O que Connor está fazendo aqui?
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