Prólogo
Querido, por que você foi embora?
Eu ainda sou sua garota
Me mantendo firme
Cabeça nas nuvens
Só o céu sabe onde você está agora
Como eu amo, como eu amo de novo?
Como eu confio, como confio novamente?
Dancing With Your Ghost - Sasha Sloan
Conheci Samuel na escola. Acreditava que nunca namoraria antes de terminar a faculdade, mas quando me dei conta, ele estava sentado na cadeira ao meu lado, virando a cabeça para trás de tanto dar risada das minhas piadas, foi naquele dia que me apaixonei perdidamente. Eu era aquela garota que ninguém prestava muita atenção, mas um belo dia Samuel mudou para minha escola, e mesmo com toda minha bagunça, ele me encontrou e me amou. Ainda o encarava todos os dias e não acreditava que todo seu amor me pertencia.
Saímos do estacionamento do shopping e seguimos em direção à minha casa. Era mais um sábado, como todos os outros.
Assim que a partida do carro foi dada, Samuel pigarreou.
— Bequinha, quero saber uma coisa.
— O quê?
— Depois do jantar, seus pais vão estar satisfeitos e felizes. Será que rola o quarto para nós dois? — Seu olhar era malicioso.
Bati em seu ombro.
— Posso pedir para eles, mas não sei se vamos ter a autorização.
— Eles vão ter que aceitar, um dia vamos nos casar e o quarto será para nós dois todos os dias.
— Então vamos mesmo nos casar? — Ergui a sobrancelha, despretensiosamente.
— Se você quiser casar comigo e se tornar oficialmente a dona do meu sobrenome.
— Faça o pedido formalmente e eu posso pensar.
— Talvez eu devesse ter um anel.
— Seria muito útil.
— Talvez eu devesse comunicar seus pais.
— Eles gostam de você, fique tranquilo, vão aceitar. O problema maior aqui é saber se eu aceito. — Apontei o dedo indicador para mim, dando um sorriso debochado.
Paramos no semáforo da rua principal da cidade. Ela continuava movimentada, mesmo sendo feriado.
— Eu duvido que você não aceite, você não consegue viver sem mim.
— Se eu não concordar, vou estar mentindo. — Sorri dando de ombros.
Samuel ficou me encarando com um sorriso bobo como de uma criança olhando um brinquedo na prateleira. Eu poderia olhar aquele sorriso para o resto da minha vida. Poderia passar meus dedos entre os cachinhos no topo de sua cabeça, poderia roçar o dorso da minha mão em sua barba recém aparada, encarar seus olhos cor de chocolate, mapear as pintas em seu rosto, mesmo ele odiando todas elas, eu amava, amava todas as partes de seu corpo e de sua alma.
— Eu amo você. — Ele ainda sorria.
O sinal abriu.
Então eu só ouvi o barulho, um barulho de tudo despedaçando, as luzes fortes no meu rosto, o som ensurdecedor de buzina. Depois de tudo, houve um silêncio, um silêncio profundo, estranho e apavorador.
🦋
Abri meus olhos com dificuldade por causa da claridade vindo da janela ao meu lado. Um segundo se passou até eu me dar conta que estava deitada em uma cama, cercada de fios ligados em aparelhos.
Eu estava em um hospital.
Não me lembrava de como tinha ido parar ali, mas o pânico percorria todas as veias do meu corpo.
Ergui a cabeça com dificuldade e vi meu pai sentado em uma cadeira próximo à cama.
— Pai? — sussurrei com dificuldade. Minha garganta estava seca e tudo que eu queria era um copo d'água.
— Graças a Deus você acordou, meu amor. — Meu pai deu um pulo da cadeira e chegou até mim. Ele acariciou minha cabeça e mesmo com os olhos lacrimejando, sorriu como nunca havia sorrido antes.
Ele estava destruído. O cabelo castanho na altura do pescoço, não estava preso como ele normalmente usava, os fios estavam soltos, desgrenhados, seus olhos também castanhos estavam sem o brilho de sempre, estavam cansados, seu nariz vermelho e a boca seca. Nunca imaginei ver meu pai daquele jeito.
— O que aconteceu? Só me lembro de estar no carro com o Samuel. — Tentei me ajeitar na cama, mas meu pai me impediu.
Haviam pontos no meu antebraço esquerdo, um corte de mais ou menos uns 15 centímetros que eu não tinha dúvidas que deixaria uma cicatriz. Doía muito, ardia e minha cabeça estava zonza e dolorida como se tivesse acabado de levar uma enorme pancada.
Meu pai desabou o corpo e suspirou fundo, parecia estar juntando as palavras para me explicar o que tinha acontecido.
— Você e o Samuel sofreram um acidente. Um caminhão cruzou o sinal vermelho e acabou atingindo vocês. Os médicos acharam melhor induzir você ao coma, para que as suas chances de recuperação fossem melhores. Você bateu a cabeça muito forte.
Senti todo meu corpo queimar. A dor em minha cabeça começava a fazer sentido.
— Só me lembro de ouvir uma buzina e um clarão, mas estou bem, só meu braço está doendo um pouco. Quero saber sobre o Samuel, preciso ver ele. — Tentei me ajeitar mais uma vez, como se quisesse dizer "eu estou bem".
Meu pai respirou fundo novamente, dessa vez, mudando a direção do olhar.
— A situação dele é pior? Pode falar pai, eu preciso saber. — Minha voz acabou saindo embargada.
— Becca...
— Pai... — Meus olhos se encheram de lágrimas, mas ainda não conseguia entender o motivo ou pelo menos não queria acreditar.
Observei Victor do lado de fora, falando com um homem de jaleco branco e um estetoscópio no pescoço, o que me fez ter certeza que ele era um dos médicos daquele hospital. Eles entraram na sala no momento em que minha cabeça estava começando a processar o que meu pai não conseguia dizer.
— O que aconteceu com o Samuel? — perguntei antes que Victor dissesse qualquer coisa.
Victor estava como meu pai, o cabelo nada arrumado, os olhos com olheiras profundas, a barba não estava aparada, a postura curva, sem as roupas formais que eu costumava vê-lo. Ele estava com o conjunto de moletom cinza que nunca ousaria usar em público. Era estranho vê-los transformados, derrotados, cansados demais para sequer se preocuparem em passar uma escova no cabelo.
O clima na sala estava tão tenso que se um alfinete caísse no chão, seria possível ouvi-lo.
— Que bom que você acordou, Becca. — Ele passou a mão pela minha cabeça, como meu pai havia feito minutos atrás. — Fiquei com medo de que algo acontecesse com você.
— O que aconteceu com o Samuel? — gritei dessa vez, na esperança que alguém me respondesse sem enrolação.
Todos se entre olharam.
— Acho melhor você se acalmar. — O médico conferiu um daqueles aparelhos que já começava a soar um BIP estridente.
— Só vou me acalmar quando alguém me disser o que aconteceu com o meu namorado.
O médico abriu a boca para começar a dizer, mas meu pai segurou seu ombro e assentiu com a cabeça.
Na minha cabeça eu já imaginava o que tinha acontecido, mas uma parte de mim não queria acreditar ou aceitar, e enquanto não ouvisse alguém me dizendo as palavras em voz alta, havia um fio de esperança em mim.
— Eles vão conversar com você e depois eu volto para os últimos exames. Aparentemente você está bem, mas são necessários os exames para que possamos ter certeza disso. — O médico saiu da sala me deixando ainda sem respostas.
— Becca, — Victor começou com dificuldade, enquanto meu pai foi para perto da janela esconder seu choro, apesar da tentativa, consegui vê-lo secando as lágrimas — Eu... Eu sinto muito, mas... — ele suspirou tão fundo que pude ter certeza quais palavras viriam logo em seguida — Ele não resistiu. O caminhão bateu diretamente no lado em que ele estava. O Samuel faleceu.
Em um primeiro momento foi como se aquelas palavras não fizessem sentido para mim, como se elas só fizessem parte de um sonho e eu acordaria a qualquer momento, aliviada por aquilo não estar acontecendo de verdade. Mas quando percebi que tudo aquilo era real, foi como se alguém tirasse meu chão e me vi caindo em um abismo, sentindo alguém ir arrancando um pedaço do meu coração a cada metro que caía. Aquele corte no meu braço já nem doía, toda dor tinha ido parar em meu peito e nenhum remédio ou curativo faria passar. Samuel havia morrido, havia me deixado, nunca mais o veria.
Toda nossa história passou pela minha cabeça. Nosso primeiro beijo, a primeira vez que ele me disse eu te amo, o dia que fugimos da escola para assistir um filme, nossa primeira vez e o nosso último momento juntos. Queria voltar no tempo e reviver toda a nossa história, todas nossas declarações de amor, todas nossas brigas idiotas que sempre terminavam em um "eu te amo". Queria reviver tudo e ficar em casa naquele sábado. Eu estava sem o Samuel, para sempre e nada, simplesmente nada mudaria aquilo.
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