Capítulo 2
No dia seguinte, tive que insistir mil vezes para que meus pais me deixassem ir até a livraria sozinha. Já fazia um mês que estava lá e, vamos ser sinceros, a cidade não chegava a ter mais de 20.000 habitantes, era difícil conseguir me perder.
Queria passar pelo caminho do casarão, que era mais curto e fácil, mas decidi passar pela rua da lanchonete, se tivesse sorte, veria Alan.
Bingo!
Vi Alan colocando o lixo para fora. Mesmo de avental, ele continuava lindo.
— Oi, Alan — disse quase em um sussurro, ainda estava decepcionada com tudo que havia acontecido.
Ele se espantou com a minha súbita chegada, mas mesmo assim sorriu.
— Nem sei o que dizer. Talvez deva começar com desculpas?
Comprimi meus lábios, negando com a cabeça.
— Talvez você deva começar se perguntando o porquê namora aquela garota. Você viu o jeito que ela te tratou ontem perto de todo mundo? Aquele definitivamente não era o Alan que eu conheci.
— Aquele é e sempre foi o jeito dela. Deveria ter te contado que tenho uma namorada, mas quando estava com você, me esquecia completamente dela.
Os olhos de Alan me encararam, me encararam tão profundamente como se ele pudesse ver minha alma.
— Alan... — respirei fundo tentando achar alguma palavra para dizer a ele.
— Não precisa dizer nada, nem sei porque disse isso. Não importa. Não posso terminar com a Kyara, mas não queria deixar de conversar com você. — Alan suspirou balançando a cabeça. — Tenho que ir agora.
— O quê? — perguntei balançado a cabeça, mas ele já não estava mais lá. Saiu me deixando mais confusa do que poderia ficar.
Desde o dia em que conheci Alan, minha vida ficou um pouquinho mais feliz. Ele era o tipo de garoto que me fazia rir de tudo e eu simplesmente amava aquilo. Em vários momentos Alan me lembrava Samuel, mas não me sentia apaixonada por ele.
— Você demorou para chegar, achei que tinha acontecido alguma coisa. — Foi a primeira coisa que Mia disse quando me viu entrando pela porta da livraria.
— Achou que eu tinha sido sequestrada? Abduzida? Atacada pelo fantasma do casarão? — zombei enquanto guardava minha bolsa atrás do balcão.
— Isso não tem graça, você sabe muito bem que aqui é uma cidade pequena, mas tem uns caras malucos por aí.
— Relaxa, eu sei lutar karatê, acabo com qualquer um desses encrencas que vocês tanto falam. Só encontrei o Alan no caminho e ficamos conversando um pouco.
— A conversa foi tão ruim assim? Porque você está com uma cara...
— Foi estranho...
— Becca — Nic saiu do escritório vindo até mim. —, que bom que você já chegou. Eu vou ir até o banco, a Mia vai ficar cuidando da livraria e preciso que você leve uns livros que a senhora Ana encomendou. A casa dela é bem perto daqui, acho que você não vai se perder.
— Claro! Onde essa senhora mora? — indaguei pegando minha bolsa novamente.
— Ela é vizinha daquele casarão que você gostou — Mia comentou colocando uma caixa em cima do balcão. — O casarão mal-assombrado.
— Fique longe do casarão — Nic ordenou.
Olhamos para ele, espantadas com seu tom de voz.
— Não sabemos se tem alguém escondido lá — ele se justificou. — Apenas entregue os livros, tudo bem?
— Pode deixar.
— Depois você termina de me contar sobre o Alan. — Mia pediu antes que eu saísse.
Acenei com a cabeça e segui até meu destino.
Passei em frente ao casarão para chegar à casa da senhora Ana. Confesso que quando olhei para umas das janelas do andar debaixo, por alguns segundos, tive a sensação de estar sendo observada por alguém lá dentro. Apressei os passos, nervosa.
Bati palmas e a senhora saiu. Seu cabelo grisalho balançava com o vento e seus óculos redondos engraçados, contrastava com suas roupas coloridas.
— Obrigada. Mas só pedi dois livros. Estes não pedi — ela me entregou três dos cinco livros.
Um dos três livros devolvidos, era o livro da minha mãe que estava em minha bolsa. Se eu o perdesse, perderia metade da minha vida.
— Ah! — Peguei-os, observando. — Nic deve ter se confundido. Desculpe.
— Tudo bem, ele me disse que estava uma bagunça na livraria. Espere um segundo que eu vou buscar o dinheiro.
Enquanto ela entrava de novo para casa, fiquei observando aquele casarão. Ele era extremamente tentador para quem gosta de mistérios, aquele lugar seria um cenário perfeito para um livro do Harlan Coben.
— Aqui! — Ana me entregou o dinheiro e coloquei em meu bolso, ainda encarando o casarão. — Gostou do casarão?
Aquela pergunta acabou me tirando do transe.
— Adoro lugares antigos que escondem histórias.
Ana se apoiou na beirada do portão, encarando o casarão, assim como eu.
— Este casarão esconde segredos.
— Segredos? — questionei confusa, achei que tudo que guardasse fossem histórias de fantasmas.
— Moro nesse mesmo lugar há mais de 50 anos. Vi o casarão ser construído.
— Ele é mal-assombrado?
Que pergunta besta Becca, que pergunta besta.
— Não acredito em fantasmas, mas confesso que já ouvi passos vindo de dentro. Talvez seja habitado pela alma daquela pobre coitada que morreu ali.
Mia não estava mentindo para mim, alguém realmente tinha sido assassinado naquele casarão.
— Então é verdade. Mas o que levou o marido a assassinar sua própria esposa?
Seus olhos se levantaram, mas seus ombros caíram, como se ela estivesse triste por alguma coisa.
— Assassinar? — seu tom era de surpresa — Afinal de contas, qual é seu nome? — ela apertou os olhos atrás dos óculos para enxergar melhor.
— Becca... Becca Moraes.
Sua face mudou de expressão. Ficou mais pálida que antes, com os olhos arregalados em mim.
— Você... Você... Você... — sua respiração estava ofegante.
— A senhora está bem? Conhecia minha mãe e se lembrou de mim? Não precisa ficar assustada, eu me mudei faz mais ou menos um mês — tentei explicar antes que a senhora tivesse um treco — Estou morando com meus pais em um bairro aqui perto.
— Agora consigo entender o porquê desse seu encantamento pelo casarão. Você se parece com sua mãe — ela passou a mão gelada em meu rosto. — Até mesmo nesse seu jeito de querer ouvir histórias.
— A senhora a conheceu?
Ela concordou abaixando o olhar.
— Obrigada por trazer os livros, eu preciso entrar.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntei em vão, pois ela já estava fechando a porta.
Respirei fundo e dei meia volta, parando em frente ao casarão.
Eu vou entrar.
Falei para mim mesma olhando para os lados e percebendo que não havia ninguém na rua.
Empurrei o portão que não estava trancado, aí comecei a entender o motivo de Nic achar que poderia ter gente lá dentro, mas não me importei. Corri pelo caminho de pedras e cheguei até perto da janela. Foi em vão tentar enxergar alguma coisa do outro lado, o vidro estava totalmente sujo. Olhei para os lados de novo, e finalmente empurrei a porta devagar, não estava trancada, mas um motivo para eu ir embora o quanto antes. Dei um pulo quando a porta fechou fazendo um enorme barulho assim que eu já estava do lado de dentro. Tudo estava com telhas de aranha e empoeirado, havia uma escada bem no centro que dava para o andar de cima onde deveria ser os quartos, os móveis eram antigos, e o chão rangia conforme eu andava.
Deixei os livros em cima de uma estante próxima a porta e comecei a subir as escadas. Mas antes que pudesse subir mais que cinco degraus, um barulho de vidro se despedaçando veio de um cômodo ao lado.
— Merda! — ouvi uma voz rouca xingar.
— Tem alguém aí? — gritei, mas só escutei meu eco como resposta.
Desci os poucos degraus que havia subido e fui andando devagar. Outro barulho, agora mais pareciam ser passos firmes caminhando pelo chão. Naquele momento me senti uma personagem burra de filme de terror, que morre pelo simples fato de ser curiosa e ir até o barulho.
Fui correndo em direção a porta, tentei abri-la, mas parecia que eu não tinha forças suficiente. Eu seria assassinada em um casarão assombrado por ter sido curiosa e ler muitos livros de suspense.
— Você tem que puxar com força — ouvi alguém dizer.
Meu coração acelerou à frequência máxima, achei que fosse pular pela boca. Virei e vi um cara encostado no batente da porta da cozinha, seus braços estavam cruzados, mas devido à pouca iluminação no espaço, não conseguia vê-lo direito.
Eu realmente estava com muito medo. Tentei abrir a porta novamente, desta vez com mais força, o desespero era mais que visível, minhas mãos suadas deslizavam sobre a maçaneta, enquanto ouvia os passos vindo em minha direção.
— Por favor, não faça nada comigo — dava para perceber o pavor em minha voz. O arrependimento tomava conta da minha cabeça.
Encostei na porta como se quisesse atravessá-la com meu corpo.
— Relaxa, não sou um fantasma. — Ele falou saindo da escuridão e vindo em direção a porta — Muito menos um serial killer.
— Um serial killer diria que é um serial killer? — questionei, mesmo correndo o risco de levar uma facada na boca do estômago.
A luz vinda das janelas o iluminou, agora eu conseguia vê-lo. Ele era alto, forte e bem bonito, seu cabelo preto estava bagunçado e ele vestia uma blusa de uma banda que não conhecia, seu braço direito tinha algumas tatuagens que no momento eu estava nervosa demais para tentar entender, e seu senso de humor era sensacional.
Ele soltou um sorriso olhando para o lado.
— Vamos lá! Continue me observando, fique à vontade. — Ele ergueu os braços e deu uma rodadinha. — Você olharia assim para um serial killer?
— Oi?! — respondi desconcertada. — Eu não estou te olhando, eu estou apavorada.
Eu estava o observando.
— O que você está fazendo aqui?
Não respondi, fiquei em silêncio e ele também, por um tempo.
— Você é bem corajosa, ninguém tem coragem de entrar no casarão "assombrado" — ele resmungou fazendo aspas com os dedos — O que você quer aqui? Você faz parte daquele blog maluco que investiga fantasmas?
— Não! — franzi as sobrancelhas — Eu só queria, é, é...
Tentei falar, mas não conseguia, afinal de contas não tinha um motivo plausível para estar ali, além da minha curiosidade.
Ele começou a se aproximar, me senti ameaçada e como meus pais tinham me alertado, eu deveria usar o karatê para minha auto defesa. O parei com um chute, o jogando no chão.
— Caramba! — ele gritou enquanto estava deitado. — O que você está fazendo?
Prensei meus pés em seu peito, enquanto ele continuava com o semblante confuso e as mãos erguidas, como se ele fosse meu refém.
— Você pode muito bem querer me matar, mas saiba que para tentar isso, vai levar muitos golpes de karatê. Então eu posso morrer, mas você vai ficar bem dolorido.
Com os olhos arregalados, ele concordou com um aceno de cabeça.
Estiquei minha mão para erguê-lo. Seu toque fez minha pele se arrepiar, sem motivo algum.
Assim que ele ficou de pé, ele se aproximou rápido demais para eu reagir, me fazendo encostar na porta novamente, estava agora bem próximo do meu rosto, seus olhos eram tão misteriosos. Achei que ele arrancaria uma faca do bolso de trás da calça e me cortaria em pedaços ali mesmo, sem me dar ao menos a chance de levantar a mão para preparar um golpe.
— Eu não vou fazer nada com você. — Ele explicava sem tirar o sorriso do rosto. — Não precisava ter feito isso. — Sua mão estava alisando sua barriga.
Talvez eu tivesse exagerado.
De repente, eu não sentia mais medo. Sentia algo estranho, aqueles olhos me encarando, os olhos de um desconhecido, os olhos mais perfeitos que já tinha visto. Negros como a escuridão que ele estava há alguns minutos atrás.
Meu celular tocou me fazendo dar um pulo.
"Você se perdeu?" Era voz de Nic do outro lado da linha.
"Não. Eu já estou chegando.", respondi tentando evitar demonstrar o descontrole respiratório.
— Preciso ir — Tentei abrir a porta assim que desliguei o celular. — Agora! — Levei meus olhos em direção a maçaneta, pedindo ajuda.
Ele aproximou seu corpo ainda mais do meu, até sua mão estar na maçaneta, mas sem tirar seus olhos dos meus, girou o objeto com uma força que nunca teria e a puxou, me fazendo dar passos para frente, ficando mais próxima dele.
Passei por debaixo de seu braço e saí correndo em direção ao portão, ele acabou fazendo o mesmo.
— Espera! — Senti sua mão prender meu cotovelo, com o outro braço fechei o punho, o ameaçando. — Não vai me dizer quem é você?
Ele me soltou.
— Não vou dizer meu nome para um desconhecido. — respondi enquanto fechava o portão.
Ojeito que ele sorria era diferente, com um olhar de cafajeste, com um olhar dequem era encrenca. Era estranho, mas de um modo ou de outro, sabia que a minhavida não seria mais a mesma depois daquele encontro assustador.
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