VIII - Outono de 2007
Dois anos depois...
Rafael
Hoje o dia amanheceu mais cinza do que nunca!
Minha cama estava fria, os lençóis amanheceram todos no chão, e quando eu levanto e olho pela janela, nuvens cobrem o céu. Não sou uma pessoa preguiçosa, mas a vontade de ficar na cama pelo resto do dia estava me tentando.
Mesmo assim faço tudo o que tenho que fazer no automático. Tomo meu banho, escovo os dentes, coloco um dos meus ternos e depois de tomar café da manhã vou direto para o meu escritório.
O escritório que eu abri com o Paulo a pouco mais de um ano está tomando forma agora e já participamos de casos bem importantes. Paulo não gosta da área que trabalho, então trabalhamos mais separados do que juntos. Temos o nosso próprio espaço e nossas próprias secretárias.
Joanna, que é a minha secretária, já colocou uma pilha enorme de processos em cima da minha mesa. Gosto do que eu faço e agora estou sendo muito procurado pelos meus clientes, minha fama está se espalhando e ela está boa. Adoro ver uma pilha de processos assim se resumir a um nada.
Sento e começo a analisar os casos. A maioria deles é simples, não preciso usar muita habilidade minha, sei que posso ganhar. Meu celular começa a tocar no meu bolso e meu dia se ilumina consideravelmente quando vejo que é a Isa a me ligar.
Mesmo ela ainda sendo namorada do Paulo, eu não deixei de falar com ela. Nossa amizade não mudou, Paulo demorou um pouco para se acostumar, mas agora ele já sabe como somos nós dois. Não vou mentir e dizer que estou feliz, mas estou conformado com o relacionamento dos dois.
– Desastre! Que saudades suas! – tento comprimir o sentimento ruim que tenho no meu peito. – Quanto tempo não falo com você...
– Rafa! Oi meu amigo – já ela não consegue esconder a dor em sua voz. – Faz muito tempo mesmo que não nos falamos...
– O que aconteceu Isa? Sua voz está meio estranha...
– Não, é só impressão sua... – ela fala em uma só respiração, coisa que ela só faz quando está segurando o choro.
– Isa, fala comigo... – insisto mais uma vez.
– Não é nada... – o soluço que ela solta, denuncia o contrário. – Só queria escutar a sua voz mesmo.
Agora ela está me assustando. Que história é essa de escutar minha voz? Como se alguma coisa ruim estivesse para acontecer... Ou já aconteceu. Meu coração quase sai pela boca somente em pensar na possibilidade de acontecer alguma coisa com o meu pequeno pedaço de paz.
– Isa, não to gostando disso...
– Deixa pra lá Rafa, nem sei por que te liguei.
– Isa, acho melhor eu ir onde você estar. Vamos conversar cara a cara. Estou ficando preocupado, e você sabe como eu sou, vamos conversar mais calmamente, me diz onde você está que eu vou o mais rápido possível...
– Rafa... – e a linha fica muda.
– Isa! Isa – começo a gritar com a linha e vejo que a ligação caiu. Minhas mãos começam a suar e eu digito novamente o número dela.
Minhas ligações caem direto na caixa postal. Mas que merda! Se eu não estava nervoso, fiquei agora. Fiquei com uma pulga atrás da orelha por essa ligação dela e agora que ela não está mais atendendo as minhas ligações...
Mas quem sabe o Paulo não sabe onde ela está? Deixo tudo o que tenho em mãos em cima da minha mesa e vou direto para a sala dele. Estou tão transtornado que nem bato na porta do escritório dele.
Vejo pelo canto do meu olho a secretária dele correndo na minha direção quando eu coloco a mão na maçaneta e abro a porta.
Uma ruiva de peitos falsos está jogada na mesa do meu sócio. Seus braços estão amarrados com a gravata dele e ele a come por trás. Ela está sem camisa e sua sair enrolada até a sua cintura. Mas que filho da puta! Eles estão tão envolvidos neles mesmos que nem percebem que eu estou ali.
– MAS QUE MERDA É ESSA? – falo, minha preocupação dando espaço para minha raiva.
Os dois param o que estavam fazendo. A ruiva parece assustada quando escuta outra voz, mas quando me analisa de cima a baixo, ela abre um sorriso convidativo.
Vi o anel grosso de ouro brilhando no dedo esquerdo dela e me deu uma raiva descomunal. Olhei e fiquei um pouco desnorteado um brilho prateado saindo da mão do meu sócio. Ele estava noivo? Da Isa? Como? Não, não pode ser.
Queria saber o que leva a uma pessoa a se comprometer com uma coisa que não vão cumprir? Para quê usar esse anel no dedo se ele não significava nada? Ela era uma mulher bonita e casada, porque fazia aquilo?
Vou me aproximando rapidamente dos dois e ninguém esperava por aquele movimento meu. Não falo nada e nem deixo o Paulo falar, ele só tem tempo de guardar aquela coisa dele dentro das suas calças quando eu acerto seu olho direito com um soco em cheio.
Paulo cai para trás com a força do soco. Finalmente a mulher tira aquele sorriso nojento de seus lábios e se assusta, cobrindo seus seios falsos e seu sexo que estava desnudo. Ela se afasta de nós e pega as suas roupas que estavam espalhadas pelo chão. Nem vejo pra onde ela vai.
Fui me aproximando do Paulo e ele estava furioso. Mas não mais que eu.
– Mas que merda Rafael! O que diabos foi isso?
– Que putaria é essa aqui Paulo? Você me desrespeitou!
– Você me deu um soco seu maluco! – Paulo se põe de pé e vem pra cima de mim, mas com meus poucos centímetros a mais do que ele, levo ligeira vantagem na intimidação.
– Como você pôde fazer isso com a Isa cara? Ela é a minha melhor amiga, e eu sempre te considerei o meu melhor amigo – sinto o ácido de proferir essas palavras.
– E você é meu melhor amigo Rafael! E a Isabela...
– Nem fala o nome dela! – falo cheio de ódio. – Como é que o melhor amigo desrespeita o ambiente de trabalho assim? Eu estou na sala do lado caramba!
– Mas o que eu faço dentro da minha sala é problema meu!
– Problema seu é o caralho! Se você fosse solteiro ainda teríamos um problema! Imagina então você que é noivo da minha melhor amiga, você está completamente errado – falo ainda com ódio escorrendo por todos os meus poros.
– Você está todo revoltadinho assim por causa de uma besteira dessas?
– Então o que a gente tem é besteira Paulo? – só então percebo que a mulher ainda está dentro da sala e deve ter escutado toda a nossa conversa, quando me viro para olhá-la, ela já está vestida e joga a gravata na direção dele.
Seria engraçado se eu não tivesse com vontade de torcer o pescoço do Paulo.
– Raquel, não é isso – ele tenta se desculpar com a mulher. – Você sabe que eu te amo...
Como se não bastasse ele estar traindo a mulher mais perfeita de todo o mundo com essa qualquer, ele ainda diz, na minha frente, que ama essa mulher qualquer? Desculpa, nem sei se ela é uma qualquer, mas ela está casada e procura um amante, então pra mim ela é. Aí foi a gota d'água Paulo.
– Você a ama? – falo ferido, como se o traído dessa história tivesse sido eu. E não deixo de ser também.
– Você me ama? – a mulher fala, ficando toda animada, nem se importando pelo fato de eu ter dito que ele já tinha uma noiva. Mas também não é? Ela já tinha um marido.
A mulher vem na direção do meu amigo toda sorrisos e dá um abraço nele, esbarrando em mim pelo caminho.
– Claro que eu amo minha ruivinha linda – ele fala dando um selinho nela.
É sério isso? E eu estou vendo tudo aquilo? Mas que merda! Minha paciência não ia aguentar nem mais meio segundo vendo aqueles dois traidores.
– Pra merda com tudo isso! – falo esbravejando, indo para fora do escritório.
A secretária dele está olhando tudo aquilo espantada. Joanna está sentada em sua mesa, fazendo o seu trabalho, como se nada tivesse acontecendo.
– Rafael, espera! – escuto os passos do Paulo vindo na minha direção, mas eu não diminuo o passo. Entro na minha sala apressado, pego a primeira caixa de processos que eu vejo na minha frente, eu esvazio a caixa e começo a pegar alguns objetos meus que ficavam em cima da minha mesa.
– O que você pensa que está fazendo? – Paulo me pergunta, ele está do outro lado da mesa e tem suas mãos esparramadas sobre ela.
– Pegando as minhas coisas e dando o fora daqui.
– Mas por quê? E a nossa sociedade?
– Paulo, eu vou fingir que eu nem escutei isso... Pro inferno a nossa sociedade! Você realmente acha que eu ainda ia me envolver com negócios com você? Você só pode estar ficando louco...
– Rafael...
– Olha Paulo, olha bem pra isso – mostro para ele uma foto que eu tinha tirado da Isa, foi no ano novo, ela estava linda e com o seu sorriso mais verdadeiro. – Olha bem o que você perdeu. Você jogou sua relação com ela pelo ralo, e junto disso, você jogou fora a nossa sociedade!
– Você não precisa fazer isso...
– Só observe então Paulo! Posso fazer o que quiser, tenho meus clientes fiéis e não vai ser um sem noção que nem você que vai tomá-los de mim – termino de colocar as coisas mais importantes dentro da caixa e vou saindo da minha sala.
– Volta aqui Rafael!
– Olha Paulo, eu tenho coisas melhores para fazer, então depois eu venho buscar o restante das minhas coisas e botamos um ponto final em tudo isso. Então tchau.
Paulo parece que está grudado ao chão, ele não se movimentou nenhum centímetro e eu passo por ele. Estou tão bravo que a minha vontade era de jogar essa caixa em cima da cabeça dele e terminar de afundar essa cara falsa dele. Mas não posso ir embora antes de falar isso.
– Só quero te lembrar duma coisa – me viro antes de sair pela minha porta e Paulo olha diretamente para mim. – Se você não terminar da melhor maneira com a minha melhor amiga, e pra ontem, eu vou ter que chamar o melhor advogado da cidade, porque o que eu tenho planejado para você, vai me dar o tempo máximo de prisão!
– Rafael...
– Escute e escute bem Paulo. Você nunca mais vai chegar perto da minha amiga, ou a minha missão de vida vai ser fazer da sua o verdadeiro inferno! Tá me escutando?
Bato a porta com força antes de sair. Fecho os olhos por poucos segundos e começo a caminhar para o meu carro. Não olho para ninguém antes de sair estou bem chateado.
– Senhor Lima! Senhor Lima! – escuto a voz de Joanna atrás de mim e espero pacientemente por ela. Não há porque descontar minha raiva nela, Joanna não fez nada.
– Joanna – a cumprimento tentando ser um pouco simpático.
– Tenho um recado pro senhor – ela me entrega com as mãos trêmulas.
፨ Preciso conversar com você, você sempre tem razão. Meu celular descarregou e não faço ideia de onde está meu carregador. Estou te ligando, mas você saiu. Quando voltar, vou estar em casa. Isabela. ፨
Graças à Deus que a minha amiga está bem. Alívio me toma e eu dou um sorriso verdadeiro para a Joanna. Ela me deu a melhor notícia do dia. Mas a Isa realmente quer falar comigo, e não deve ser uma coisa fácil de se falar. Joanna estava ainda na minha frente e pelo jeito dela, sei que queria me falar alguma coisa.
– Gostaria de falar alguma coisa Joanna? – falo e ela me olha nervosa.
– Senhor Rafael, desculpe, mas não pude deixar de ouvir toda a discussão que aconteceu lá dentro. O senhor realmente está indo embora?
– Sim Joanna, me desculpe, mas eu estou saindo – droga, nem pensei que a minha saída ia afetar diretamente ela, ela sempre me ajudou, não é justo deixar Joanna assim. – Eu sei que não digo isso sempre, mas você sempre trabalhou muito bem... Não é nada garantido agora, mas o que acha de continuar a trabalhar para mim?
– Com muito gosto senhor Rafael – ela fala abrindo o seu enorme sorriso.
– Eu que agradeço Joanna, pode demorar um pouco, mas vamos nos reerguer. Não vou te deixar na mão.
– Muito menos eu senhor Lima.
– Pela milésima vez, pode me chamar de Rafael...
– Certo – ela hesita um pouco – Rafael.
– Melhor assim Joanna, mas agora me dê licença, ainda tenho algumas coisas para resolver. Nos vemos em breve.
– Sim – ela sorri e volta para o prédio.
Eu coloco minhas coisas dentro do porta-malas e vou direto para casa. De lá é que eu vou para Isa, já que moramos ridiculamente perto. Estaciono meu carro na minha garagem e deixo tudo lá, levando somente as chaves da minha casa comigo e um carregador pro celular da Isa.
Nossos prédios são separados apenas por um pequeno parque verde e bem cuidado. E ao caminhar por aquele pequeno pedaço verde, vou aproveitando minha solidão e a natureza para me acalmar.
E deu certo. Fiz todo o percurso em cinco minutos e quando estou do lado de fora do apartamento dela já estou mais calmo e posso escutar o que a Isa quer me falar. O porteiro já me conhece e libera a minha entrada sem nem mesmo precisar avisar para a Isa.
Subo pelo elevador e me olho no espelho. Minha mão está um pouco inchada por causa do soco que eu dei, mas não é perceptível, fora isso não há nenhum indício do que acabou de acontecer comigo.
Toco a campainha e espero a minha linda abrir a porta.
– Rafa, você chegou! – ela fala toda feliz e me dá um abraço bem apertado. Estava precisando daquilo, mas não exponho demais, afinal, ela está precisando de mim. – Que saudades suas seu pela!
– Também estava desastre – abro um sorriso pra ela.
Ela descola nossos corpos e me olha da cabeça aos pés e tenta segurar uma risada.
– No dia que eu me acostumar em ver você assim, não sei não...
– E o que é que tem Isa? – olho para o que eu estou vestindo. Um terno, nada demais.
– Sei lá, é meio estranho, sou acostumada em ver você de chinelo e bermudão, ver você bem vestido assim...
– Deixa de besteira Isa, é só um terno...
– E um dos bem bonitos, soubesse, tinha me vestido para a ocasião – ela fala apontando para o seu vestido azul e folgado no corpo. Linda.
– Vai implicar?
– Longe de mim senhor advogato. Eu não atrapalhei o seu trabalho, atrapalhei?
Só de lembrar o que aconteceu no trabalho me volta um pouco de ódio, mas ele logo é dissipado por aqueles grandes olhos escuros. Abro um sorriso e nego com a cabeça.
– E mesmo que tivesse, sempre vou ter tempo pra consertar os seus desastres... Como esse – entrego o carregador para ela.
– Oba! Estava precisando mesmo – ela me dá um beijo na bochecha. – Pois vem Rafa, entra e senta. Eu vou pegar uns biscoitos que eu fiz, eles só estão feinhos, mas estão gostosos. E aproveitar e por o meu celular para carregar.
– Tenho certeza que sim.
Ela me faz entrar e põe sentado no sofá, segundos depois põe um prato com biscoitos e um copo de suco na minha frente.
– Então, o que você queria falar comigo? – pego um biscoito e dou uma mordida. E ela tinha razão, estavam deliciosos.
Isabela
Meu coração quase saindo pela garganta estava escondido por um sorriso falso e um prato de biscoitos.
Estava dividida entre as minhas emoções e eu só confiava na palavra amiga do Rafa pra me tirar dessa indecisão. Além disso tenho uma notícia boa para compartilhar com ele, espero que ele goste.
– Rafa, assim, eu tenho que te falar uma coisa – falo ansiosa pra saber a reação dele.
– Diga – ele dá outra mordida no biscoito e levanta o polegar, informando que estava bom. – Mas antes eu tenho que te parabenizar, você finalmente está aprendendo a cozinhar.
– É, estou aprendendo por causa do Paulo – falo sorrindo, mas vejo que o Rafa fica sério.
– Sei – sua mão treme e ele a esconde atrás dele.
– Aconteceu alguma coisa? – pergunto curiosa.
– Nada demais Isa, mas então, o que você queria me dizer?
– Você sabe que eu nunca pensei em ter alguma coisa séria demais, estava com o Paulo, mas estávamos somente namorando não é?
– Sei – ele fecha os olhos e dá outra mordida no biscoito. Poxa, será que os dois brigaram? Nunca vi essa reação do Rafa quando eu falo do Paulo.
– Tem certeza que está tudo bem Rafa? Você me parece chateado com alguma coisa.
– Depois eu te conto Isa, não é nada demais.
– Pela sua cara é alguma coisa sim, você quer contar primeiro, posso esperar e...
– Não! – ele me interrompe e pega outro biscoito. – Pode contar logo Isa, não tenho pressa.
– Certo... – mesmo sem querer muito continuar, eu continuo. – Então, ontem eu fui jantar com ele e ele quis dar um passo a mais no nosso relacionamento.
– O quê? – ele pergunta arregalando os olhos.
– Não Rafa, deixa que eu conto depois, você não está legal e...
– Ele te pediu em casamento? – ele pergunta com seus olhos fechados e abaixa a cabeça. Sua voz saiu tão baixa...
– Sim, ele me propôs ontem.
Retiro o anel que ele tinha me dado da pequena caixinha que estava em cima da mesa da sala. Analiso o brilhante e o rodo entre meus dedos sem muita animação.
Quando ele me propôs em casamento, fiquei muito feliz, pois ele pensava no nosso futuro, mas não pude calar aquela voz que gritava baixinho dentro de mim que eu deveria casar com o Rafael, que eu deveria estar com ele, e não com o Paulo.
Por causa daquela voz não consegui dizer o sim que Paulo tanto esperava. Pude perceber o quanto ele ficou chateado pela minha resposta. Ele escolheu o meu restaurante favorito. Estava lindo todo bem produzido e cheiroso.
A noite foi maravilhosa, regada a flores e um ambiente bem privado. Ele passou a noite perguntando coisas simples, e quando ele tirou a caixinha de veludo do bolso, não consegui pensar em outra coisa a não ser o Rafa.
Não que eu estivesse com ele como consolo, eu comecei com o Paulo e é nele que eu penso nos momentos que estou com ele. E eu o amo.
Mas aquela voz me impediu de aceitar o seu pedido.
Eu amo o Paulo, mas a minha parte que a ama o Rafa me impediu de seguir em frente e falar as três letras que Paulo estava esperando como resposta.
Analisei o anel, e estava lindo e delicado, assim como ele dizia que eu era, e eu não puder deixar de sorrir por conta disso. Paulo era um cara legal, trabalhava bem e era dono do próprio nariz. Não havia nada de errado com ele.
Mas uma pequena, não tanto assim, parte de mim nunca me deixou envolver demais, se entregar demais, essa parte ainda tinha esperança de um dia sei lá o Rafa resolver que me vê mais do que uma amiga, se declare e me dê um beijo de novela.
Mas como a minha vida não é o final da novela das oito, tenho que suprimir aquela pequena voz e tentar ir em frente com o Paulo.
Quem sabe conversando com o Rafa e percebendo que ele não quer nada comigo me ajude a esquecer de vez esse amor de infância e me guie para um futuro.
– E você respondeu o que? – a voz de Rafa me traz de volta dos meus pensamentos.
– Respondi que precisava pensar – falo mordendo o lábio.
– E você pensou? – ele ergue o olhar e o olhar dele se prende ao meu.
– Não sei o que eu faço Rafa. Estou muito indecisa, e se eu não tiver pronta para casar? E se não der certo?
– Mas você quer?
– Uma parte de mim sim – respondo sincera. Ele prende os lábios e continua a olhar para mim. Não diz mais nenhuma palavra. – Mas uma parte de mim não quer. – o lado que te ama desde que eu aprendi a amar.
– E qual lado seu você vai escolher?
– Não sei Rafa, por isso te chamei aqui. Queria que você me falasse o que fazer.
– Isa – ele se aproxima de mim e segura a minha mão. – Não posso tomar essa decisão por você. Isso tem que vir de você...
– Eu sei, mas isso é tão difícil...
– Bela, posso te falar uma coisa?
– Claro que sim, esse é um dos objetivos de você estar aqui agora.
– Você sabe que eu não sou bom em relacionamentos, mas se tem uma coisa que eu sei é que se você tiver uma dúvida por menor que seja, deve tentar entender o porque dessa dúvida. Porque se você ama verdadeiramente uma pessoa, não há dúvidas que você quer ficar com ela pelo resto da sua vida.
Ele fala isso e eu sinto suas palavras. Rafa sempre falando as coisas certas.
– Rafa, você sempre me ajudando... – falo e abraço a sua cintura. Ele apoia uma mão nas minhas costas e com a outra alisa meus curtos cabelos.
– Sempre vou estar aqui Isa.
– Eu sei. Eu também vou estar aqui.
Fico ali em seus braços e me acalmo demais. A escolha do que eu tenho que fazer está cada vez mais clara dentro de mim, e eu sei que vou ter o apoio incondicional do meu melhor amigo em tudo.
– Rafa, tá com fome?
– Sempre posso comer alguma coisa...
– Ótimo, pois eu vou pedir uma pizza pra nós dois e eu quero saber o que te aflige meu amigo. Combinado?
– Certo – ele dá um sorriso meio fraco, mas sei que depois que ele falar, ele vai se sentir melhor.
Eu sei disso porque eu estou me sentindo bem mais leve agora que eu desabafei tudo aquilo do meu peito, e mesmo omitindo algumas informações o Rafa ainda me ajudou no que eu tenho que fazer.
Ligo para a pizzaria e peço a nossa favorita, de carne do Sol. Sento no sofá e ficamos conversando algumas amenidades até a pizza chegar. Quando a campainha toca, o Rafa levanta mais rápido do que eu e vai até a porta, pagando a pizza.
– Tô morrendo de fome, trás logo essa belezinha pra cá Rafa!
– Calma sua esfomeada! Já estou levando – ele fala rindo e coloca a caixa da pizza na mesinha da sala, e antes que eu pudesse abrir a caixa, ele pega minha mão. – Nada disso porquinha, lavar as mãos!
– Certo senhor mandão.
Ele me ajuda a levantar e lavamos as mãos e voltamos para a sala. Comemos a pizza numa velocidade quase inacreditável. Estávamos com muita fome, ou simplesmente ansiosos para a nossa conversa.
– Você vai comer a caixa de papelão também, ou vai me falar o que está acontecendo com você? – falo brincando e ele quase se engasga com o último pedaço de pizza.
– Não sei se vai ser necessário falar Isa, eu estou tão de bom humor agora, e falar sobre isso só ia estragar tudo...
– Você tem essa mania Rafa de guardar essa raiva. Isso não te faz bem...
– Relaxa Isa, não estou bravo tá vendo? – ele abre um enorme sorriso e sei que aquele é um sorriso verdadeiro.
– Tem certeza que você não quer me falar o que está acontecendo?
Ele dá um longo suspiro e me olha derrotado. Seu sorriso tinha ido embora e ele bate na almofada que está ao lado dele, e sem pensar eu vou para o seu lado.
– Eu e o Paulo não iremos mais trabalhar juntos.
Oh, essa era nova!
– Como assim Rafa? Aconteceu alguma coisa entre vocês dois?
Ele me olha por longos momentos e abre a boca diversas vezes, mas sempre desistia de falar. Então ele olha pro outro lado e fala.
– Tivemos alguns desentendimentos profissionais...
– Mas aconteceu alguma coisa séria? – fiquei preocupada com ele, será que eles tinham brigado e não queria me falar nada por causa da minha relação com o Paulo.
– Nada que você deve se preocupar Isa, vai tudo se resolver. Não é nada demais.
– Como assim não é nada demais quando você está com uma cara que queria torcer o pescoço de alguém? Paulo fez alguma coisa errada?
– Sim, mas isso não vem ao caso agora Isa, não quero tomar lados aqui e se você gosta do Paulo, não quero dificultar as coisas – ele fala meio apressado.
– Besteira Rafa, eu quero saber onde eu estou me metendo, tenho que saber o tipo de pessoa com quem eu estou, não posso estar com alguém sem conhecê-la, concorda?
– Não posso concordar mais – ele dá um meio sorriso e seu rosto está bem melhor.
– Tá vendo, como um pouco de conversa comigo sempre te anima pelinha? – eu falo abrindo um enorme sorriso.
– Sempre me ajuda mesmo – ele abre um sorriso fraco, mas eu sei que é verdadeiro. – Você deveria abrir um serviço 0800 24 horas...
– 0800 nada, e eu vou viver de quê?
– Sei lá, só estou te dando uma ideia... Mas obrigada Isa por me escutar, estou melhor tirando isso do meu peito.
– Imaginei Rafa. E nem precisa agradecer Rafa, quantas vezes eu já desabafei com você, inclusive estava fazendo isso alguns segundos atrás... E Rafa, falando em ideias, eu tenho uma aqui e gostaria que você me ajudasse com algumas questões jurídicas...
– Não seria melhor pedir pro Paulo?
– Se eu quisesse pedir pra ele eu pediria, mas eu estou falando com você, não é?
– Nossa, é sim senhora gentileza, obrigado.
– De nada – eu dou um beijo em sua bochecha e me levanto do sofá. – Me espera aqui que eu volto rapidinho, tenho que pegar uma coisa.
Vou correndo no meu quarto e pego a minha grande pasta com as minhas ideias, eu já tenho tudo na minha cabeça e só de imaginar que talvez eu consiga tirar todas aquelas ideias dos papéis, eu volto pra sala pulando.
– Bem animada não é? – Rafa fala rindo dos meus pulinhos.
– Você não viu nada ainda. Agora antes de mais nada, quero que você abra um pouco sua mente, e tente não rir de mim.
– Você sabe que quando uma pessoa fala isso, sempre dá vontade de rir...
– Então engula esse riso, que eu quero um encontro com o Rafa todo negócios agora, quero ter uma conversa séria com ele.
– Senhor todo negócios assumindo agora – ele senta reto e me olha sério.
Ótimo.
Eu sento ao seu lado mais uma vez e mostro a pasta que estava em minhas mãos. Ali dentro tinha um esquema bem detalhado de uma empresa que eu queria abrir. Uma floricultura, coisa que eu sempre sonhei em ter.
Fotos de como o espaço ficaria, junto com ideia de preços, e até me permiti sonhar mais alto, com possíveis expansões e quadro de funcionários. Ali estava todo um sonho meu e eu estava nervosa, pois era a primeira vez que eu mostrava aquilo para alguém.
Rafa olhava as folhas calmamente e voltava algumas páginas em alguns pontos. Ele olhava tudo e não falava nada. Estava ficando nervosa com aquele silêncio. Porque ele não estava falando nada? Será que não tinha gostado? Será que tinha achado minha ideia estúpida?
Ele passou mais tempo do que eu julguei ser necessário na última página. E quando ele fechou o arquivo, eu já estava olhando para o rosto dele, quase implorando uma resposta.
– Então? – pergunto cansada de esperar uma resposta.
– É uma ideia maravilhosa Isa, e me parece que você já pensou em muitos detalhes...
– Sim, eu já fiz pesquisas e tudo, e essa ideia já está a tanto tempo no escanteio... Sei lá, pensei que já estava na hora de tirar tudo do papel.
– A loja está a sua cara Isa... Tudo bem pensado.
– É do jeito que eu sempre imaginei... E agora que um ponto que eu estava de olho ficou vago, sei lá, acho que foi o empurrão que faltava para por a minha ideia pra frente...
– Sim, tenho certeza que a sua loja será um sucesso.
– Mas então...
– Então o quê Isa?
– Você é lesado ou se faz Rafa? Você vai me ajudar com as questões da abertura da minha loja ou não vai?
– Ah Isa, é claro que eu vou te ajudar. Quero ser parte do seu sonho – ele fala, mas depois vejo que ele fica um pouco envergonhado, é realmente pareceu um pouco uma cantada...
– Obrigada Rafa – dou um enorme abraço nele e digo. – O senhor todo negócios já pode ir embora, eu quero meu amigo de volta.
– Nem precisava falar.
Ele me abraça e eu escuto meu celular tocar de longe. Acho que já está meio tarde para alguém estar me ligando, mas tudo bem, já estou acordada mesmo. Me levanto do sofá e digo antes de ir atrás do meu celular.
– Não vai agora Rafa, por favor.
– Certo, vou ao banheiro então – ele fala indo ao banheiro e eu vou procurar meu celular.
Ele estava carregando e quando eu olho o nome no identificador sinto um bolo se formar em minha garganta. Atendo.
– Oi Paulo.
– Isabela Vianna? – uma voz desconhecida e feminina fala do outro lado da linha. Ela estava falando baixo
– Sim, é ela mesma, quem fala?
– Olha Isabela, eu não te conheço, e nem você me conhece, mas temos algo em comum – a mulher fala ainda baixo.
Ela tinha razão, eu não a conhecia, mas algo em sua voz me fez querer escutar até o final. Se ela estava me ligando do celular do Paulo, alguma coisa deveria ter.
– E o que seria? – pergunto, mesmo já tendo quase certeza do que era.
– Paulo.
– Sim, e o que tem ele e qual o motivo de você estar me ligando do celular dele? – falo sem nenhum resquício de raiva em minha voz.
– Você não é boba Isabela, você sabe o porque eu estou ligando.
– Sim, eu sei – por incrível que pareça não consigo sentir raiva do Paulo por ele ter uma amante. Sei lá, acho que fica até mais fácil tudo, assim eu tenho um motivo para me separar sem ter nenhuma culpa.
– E você não vai falar nada?
– Bom proveito – não podia ser mais sincera com as minhas palavras. Estava feliz por sair daquele relacionamento, e se ele pensasse que eu que fiquei magoada com o término, ótimo, não quero ninguém triste, mesmo ele, me traindo.
– Como? – a mulher altera um pouco sua voz, acho que não acredita no que ela acaba de escutar. Ela só poderia pensar que eu daria o maior escândalo.
– Isso mesmo que você escutou... Faça bom proveito dele mulher desconhecida. Que vocês dois sejam felizes.
– Mas, mas você...
– Estou falando sério. E diga pro Paulo que eu vou devolver a aliança dele. Nem se preocupe.
– Não estou preocupada com isso Isabela, só estou preocupada que você volte atrás com a sua palavra e queira separar nós dois.
– Nem precisa se preocupar com isso, não sou uma mulher que volta com a minha palavra.
– O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO RAQUEL? – escuto a voz de um Paulo bravo ao fundo. Alguns momentos de silêncio e então Paulo fala. – Isabela?
– Olá Paulo – falo calma. Então o nome da mulher era Raquel...
– Isabela e-e-eu posso explicar.
– Nem precisa Paulo. Eu entendo. Você me trocou. A vida segue. Não preciso saber das suas justificativas. Te desejo felicidade.
– Você está calma demais, você já sabia?
– Não Paulo, eu não sabia da sua infidelidade, e nem quero saber há quanto tempo vocês dois estão juntos e nem como se conheceram. Eu só quero esquecer okay?
– Bela, nós dois...
– Não estou chateada com você – falo o interrompendo. – E se você tiver prestado um pouco de atenção em mim, você sabe que estou falando sério.
– Mas isso não é possível Isabela, eu traí você, e você não está com raiva? – ele fala elevando um pouco a voz.
– Sim, isso é possível, e pelo o que eu te conheço, e por sinal muito pouco, você que está ficando com raiva...
– Não é que...
– Já disse Paulo, não quero saber da história. Só quero que saiba que está tudo terminado e que não quero mais saber de você.
– Isabela eu...
– Se fosse em outras condições quem sabe eu ainda prezaria pela sua amizade, mas eventos me levaram a descobrir que você não dá valor as amizades. Então quero te desejar uma boa vida e que você seja feliz com a Raquel.
– Isabela...
– Adeus Paulo. Obrigada por me ensinar algumas boas lições de vida.
Desligo a ligação e deixo um sorriso tomar conta de mim. Nem sei o que deu em mim para me dar tanta calma, estava feliz e rindo a toa.
– Tudo bem Isa? – Rafael fala colocando a cabeça na porta do quarto.
Aí está, o que tomou conta de mim. Esse sentimento bom que sempre me tem quando eu estou perto do Rafa. Ah Isabela, quando é que você vai criar coragem para falar alguma coisa?
– Tudo sim.
– Quem era no telefone?
– Passado Rafa, passado – abro um sorriso e vou ao seu encontro.
Com o meu passado ficando para trás, eu começo a pensar nos meus próximos passos, ansiosa para saber o que a vida vai me reservar.
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