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07. Segredos em fuga

- Você poderia ter me deixado dirigir.

Henry falou novamente, já repetira aquela mesma frase umas cinco vezes desde que deixaram o apartamento, Charlotte estava a um passo de acertá-lo para fazê-lo calar a boca.

- Você está louco se acha que eu deixaria você dirigir nesse estado. - afirmou, olhando de relance para a perna dele que subia e descia sem parar.

- Estou extremamente calmo, Charlotte. - declarou decidido, parando de movimentar a perna, porém logo começou a tamborilar os dedos da mão esquerda sobre o joelho. - Ou o mais próximo de calmo que eu consigo ficar. - admitiu, soltando o ar lentamente pelo nariz.

- Exatamente. - reafirmou seu ponto, os olhos agora fixos na estrada. - Na volta talvez deixe você dirigir, mas agora não. Então fica calado e tenta se acalmar.

Henry bufou em meio a uma risada antes de falar:

- Tinha esquecido o quanto você é mandona. - abriu um sorriso de canto, inclinando-se para perto dela. - E linda quando fica brava.

- Você me acha linda de qualquer jeito, querido. - piscou para ele que soltou uma risada leve.

- Isso eu não posso negar.

Após a declaração, caíram em um silêncio confortável que era quebrado somente pelas músicas aleatórias que saíam do som do carro, Henry havia conectado seu celular a fim de que não deixasse a escolha das músicas nas mãos de Charlotte. Ela tinha reclamado muito, mas por fim se deu por vencida.

- Então, como estão indo as aulas?

- Até o momento me deixando a um ponto da loucura. - respondeu sorrindo cansada. - Tenho um trabalho para escrever sobre as falácias do Behaviorismo.

- É sobre aquilo que você me falou no outro dia? Que tudo o que fazemos é por causa do que vivemos? - o encarou surpresa, Henry empurrou seu rosto levemente para voltar os olhos para a estrada. - Não faça essa cara, eu escuto você.

- Quando eu falava sobre o que aprendia antes você nunca se lembrava.

- Você vinha me descrever como funcionava a física molecular, é lógico que eu não ia prestar atenção, Char. - defendeu-se, sorrindo do fato dela ainda estar um pouco espantada. - Você ia dizendo.

- Ah, sim. - retomou seu raciocínio rapidamente. - Tenho que redigir uma análise com exemplos que comprovam o quanto o Behaviorismo está... enquadrado em um plano restrito.

- Bom, eu vejo que faz sentido que o que vivemos influencia as nossas ações.

- Sim, mas dizer que tudo o que somos vem de exemplos de outros é ignorar nossa própria essência. Em outras palavras, seríamos então robôs sem pensamentos próprios, fantoches nas mãos de quem quiser nos moldar. - declarou, claramente animada em defender seu ponto de vista. - Sempre me incomodei com esse ramo e quando conheci outras linhas de pensamento descobrir porque. Temos sempre que levar as intenções da pessoa que estamos analisando, ela não é só o resultado do que experiênciou, ela é também a criadora de sua própria vida.

- Isso até que soa poético. - disse, realmente analisando o que ela havia dito.

- Tudo para você pode virar poesia, até os números matemáticos po...

Charlotte parou sua fala assim que escutou o celular de Henry começar a tocar alto, o Hart desconectou do bluetooth do carro e atendeu a ligação de vídeo de Jasper, o grito que saiu imediatamente do aparelho os fez se encolherem.

- Calado, Schowz!

- O que o Schwoz está fazendo com você? - Henry perguntou confuso, o que era de se esperar já que o cientista deveria estar em Swellview.

- Ele veio me visitar, mas isso não é importante. O que é importante é saber o motivo de vocês dois estarem saindo da cidade.

Charlotte trocou um olhar descrente com Henry, resolvendo não se intrometer naquela conversa estranha.

- Como você sabe que estamos saindo da cidade?

- Eu posso, por acaso, estar rastreado seu celular. - Schwoz respondeu animado. - Desde que você voltou de Dystopia o Ray ficou com medo de você desaparecer no mundo de novo, então nós estamos te monitorando.

Henry abriu a boca sem saber o que dizer, Charlotte o encarou e estendeu a mão para dar tapinhas tranquilizantes em seu joelho, olhou rapidamente para ele balançando a cabeça como se dissesse que ela cuidaria disso depois.

- Agora me digam pra onde vocês vão, pensei que não iriam sair do Campus.

Charlotte revirou os olhos para a intromissão, sabia que seus amigos eram bastantes inxeridos, porém nunca pensou que eles fossem capazes de ir tão longe. Mas também não poderia dizer que estava surpresa, principalmente em relação à uma viagem que Henry iria fazer para visitá-la.

- Isso não é da conta de vocês.

Agora a resposta firme de Henry a surpreendeu, desviou os olhos da estrada para encontrar seu amigo encarando os outros dois de forma séria, ele parecia estar um pouco chateado e compreendia a sensação. Por mais que detestasse mentir, Henry já estava depositando uma pressão enorme sobre si mesmo para ir bem na entrevista, ter uma pressão adicional das perguntas e incentivos por vezes sufocantes dos outros iria piorar tudo.

- Você nunca esconde nada da gente.

- Isso é verdade.

A reclamação magoada de Jasper com o apoio de Schwoz fez o Hart se mexer desconfortável, Charlotte apertou novamente o joelho dele o fazendo encará-la, então reduziu um pouco a velocidade trocando um rápido olhar com ele.

- Eu marquei um encontro e ele está indo comigo pro caso do carinha ser um serial killer. - declarou sorrindo.

Henry riu da sua desculpa enquanto os outros dois possuíam expressões contrariadas do outro lado da tela. O Hart aproveitou o silêncio deles e encerrou a chamada, a encarando aos risos em seguida.

- Eles vão surtar.

- Pode ser. - deu de ombros despreocupada. - Mas pelo menos vão ter outra coisa para pensar além do que você está escondendo.

Henry esfregou a palma das mãos nos olhos, grunhido frustrado.

- Eu detesto mentir pra eles, mas é que...

- Eles iriam deixá-lo ainda mais nervoso. Eu sei.

- Você sabe de muitas coisas. - comentou, apoiando a cabeça no encosto enquanto a olhava.

Charlotte mordeu o lábio inferior para impedir o sorriso de aparecer quando Henry começou a brincar com a ponta de seus cachos.

- Eu sempre soube, não sei porque está surpreso.

- Não surpreso, só... encantado.

A última parte veio em um sussurro que fez todo o seu corpo esquentar. Charlotte inspirou fundo, o que foi um erro já que permitiu que o perfume de Henry se tornasse ainda mais notável. Engoliu em seco quando sentiu a mão dele apertar levemente o seu joelho, não deveria ser um gesto diferente do que ela havia acabado de fazer com ele, mas foi, e enviou milhares de fagulhas que se espalharam como brasa por seu corpo. O Hart apoiou a mão aberta sobre seu joelho, o polegar a acariciando suavemente e esquentando a pele por baixo do tecido. Se remexeu inquieta o escutando rir baixinho.

- Você está fazendo de propósito, não está? - acusou em um resmungo que fez o riso dele aumentar.

Henry inclinou o corpo em sua direção, a respiração batendo em seu rosto denunciou o quão próximo ele estava sem que ela precisasse olhar.

- E se estiver?

A voz rouca próxima ao seu ouvido foi a gota d'água. Charlotte deu seta, parando o carro no acostamento, o desligou, retirando o cinto e virando-se para Henry que a encarava com uma expressão de divertimento. Porém antes que ela abrisse a boca para falar algo, o celular do Hart começou a apitar, era o alarme anunciando que a entrevista estava perto, transformando o semblante despreocupado dele em uma careta de nervosismo.

- Ainda vamos ter essa conversa.

Avisou, recolocando o cinto e ligando novamente o carro. Henry somente assentiu um tanto nervoso, não deixando transparecer se era pela eminente conversa ou pela entrevista que se aproximava cada vez mais. Soltou o ar devagar pela boca, precisava focar na estrada e em levar seu amigo para o que com toda a certeza seria o início de sua nova carreira.

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