03. Comentários em duas cidades
Charlotte parou abruptamente na entrada da sala, quase derrubou sua garrafa de água no chão quando seus olhos pararam na cena que se desenrolava à sua frente. Deveria ter continuado caminhando pelas próximas horas, sua música estava bem mais relaxante que os gritos que ecoavam por seu apartamento.
- Eu vou querer saber o que está acontecendo aqui? - perguntou lentamente.
- Não sei nem se eu quero saber, e olha que eu vi tudo desde o início.
O tom divertido a fez virar o rosto e encarar Nate, ele comia alegremente seu cereal enquanto observava as protagonistas da situação. Alice tentava tirar um pedaço de bacon da mão de Rupi, essa última a empurrava com um braço enquanto lutava para comer.
- Eu já disse que isso faz mal!
- Eu não vou parar de comer só porque você é obcecada!
- Lá se vai a minha paz interior. - a Page resmungou, sentando em uma banqueta ao lado de seu amigo, ele somente riu de seu comentário.
- Quer um pouco? - ele ofereceu a tigela com o cereal, a qual ela prontamente aceitou e roubou sua colher. - Ei! Não é pra acabar com tudo.
Ignorou a indignação dele e voltou sua atenção para as duas mulheres que discutiam na sala.
- Você está comendo um animalzinho indefeso!
- Se você quer que eu pare de comer carne vai ter que usar argumentos melhores, Alice!
- É contra a sua religião!
- Ah, mas isso foi altamente problemático. Além de errado em vários níveis. - Rupi afirmou, a outra congelou sem saber como agir. - Só porque tenho avós indianos não significa que sigo a religião deles. Que no caso nem proíbe o consumo de carne de porco. - declarou, dando passos grandes para trás, aproveitando que a outra continuava sem fala. - E vou comer carne até meu coração dizer chega!
O gosto vitorioso a seguiu até ela se trancar no quarto com um prato de bacon frito. Alice baguncou os fios claros de seu cabelo, encarando os dois amigos em dúvida.
- O que eu falei foi meio...
- Foi sim. - Nate a interrompeu, rindo do desespero que estampava o seu rosto.
- Como você pode rir de algo assim?! - Alice bateu o pé no chão, fulminando o amigo com o olhar antes de dar às costas aos dois e correr em direção ao quarto de Rupi. - Amiga! Me desculpa!
Nate continuou rindo, só parando quando sentiu Charlotte beliscá-lo na cintura.
- Você é terrível. A garota já estava se sentindo mal. - o repreendeu, revirando os olhos quando o escutou rir baixinho.
Nunca tinha entendido ainda a rixa que existia entre Nate e Alice, nenhum dos dois falava sobre e nem tentavam disfarçar quando a presença do outro já tinha alcançado o limite. O estranho era que existiam momentos em que se davam extremamente bem, quase como se tivessem esquecido que deveriam estar brigados. Não conseguia entendê-los e nem tentaria, seria jogar toda a sua paz interior fora, ou que restava dela pelo menos.
- Então, finalmente vou conhecer o famoso Henry Hart pessoalmente?
Quis revirar os olhos para o tom malicioso do amigo, mas somente o deu às costas enquanto procurava algo para comer na geladeira.
- Ele chega na sexta pela manhã, mas vai ter que sair depois do meio dia para um compromisso em uma cidade aqui perto. - se limitou a responder, encontrando uma vitamina de frutas que Rupi sempre fazia pela manhã.
- Rupi disse que ele vai passar o fim de semana todo aqui.
- É claro que ela disse. - resmungou enquanto se apoiava na bancada de frente para Nate.
- Então? - ele perguntou, com um enorme sorriso aberto cheio de segundas intenções.
- Então? - repetiu, se fingindo de desentendida.
Ele riu não acreditando na falta de entendimento dela, mas resolveu não pressionar. Charlotte gostava daquilo em Nate, ele não insistia em algo quando percebia que a outra pessoa estava ficando desconfortável. Bom, na maioria das vezes, ele conseguia empurrar Alice até a borda em quase todos os encontros dos dois, mas ela também ficava com uma paciência mínima que sempre facilitava as provocações de Nate.
- Você poderia levar ele no jogo de sábado. - propôs animado.
- Mas vocês não vão jogar fora da cidade? - perguntou confusa.
- Vamos jogar contra o Ethon em casa dessa vez, o que você saberia se prestasse atenção no que eu falo. - acusou em falso aborrecimento.
- Eu presto atenção no que você fala, só me perco às vezes quando você começa a falar de basquete. - justificou, sorrindo quando ele lhe deu língua. - Alice é melhor que eu nessas coisas.
- Ela vai pra quase todos os jogos em casa, você poderia pelo menos seguir esse exemplo dela.
Riu alto junto com ele.
- Essa é a primeira vez que me mandam seguir a Alice como um exemplo.
- Não sei se me sinto insultada ou se devo concordar com você, Charlotte.
Alice apareceu de repente, sentando ao lado de Nate que ainda ria, os dois trocaram olhares irônicos antes de desviarem a atenção do outro. Rupi veio logo em seguida, lambendo feliz os dedos cheios de gordura do bacon.
- Sobre o quê estamos falando?
Nate abriu um sorriso provocante em direção à Charlotte que a fez estreitar os olhos em ameaça à ele.
- Estamos falando sobre como a fase solteira da nossa querida Charlotte vai acabar nesse fim de semana.
- Oh, isso é verdade. - Alice concordou com Nate, batendo palmas alegres enquanto Rupi ria descaradamente. - Com Henry Gostoso Hart por aqui, você vai estar fora do mercado.
- Que expressão mais desnecessária. - reclamou, se afastando do balcão. - Estar fora do mercado implica dizer que eu sou um produto.
- Da prateleira das coisas gostosas, amiga. - Rupi tentou confortá-la, o que a fez rir imediatamente.
- Não adianta fugir, Page! - Nate gritou assim que ela começou a dar passos apressados em direção ao seu quarto.
- Ainda vamos terminar essa conversa!
Quando Alice fez coro ao amigo foi a prova de que se tentasse entender os dois realmente iria enlouquecer.
《◇》
- Ei, Hart! Vai passar lá no bar mais tarde?
Henry virou-se rapidamente ao escutar a voz de Tommy, um antigo colega de classe. Quando voltou de Dystopia resolveu concluir seus estudos, não se sentiria fechando realmente um ciclo se passasse por cima de um ano incompleto. Nesse tempo conheceu Tommy, que era o total oposto dele, o homem era festeiro e passava a maior parte das noites em algum bar ou festa que encontrava, ou resolvia dar. Fora em uma dessas festas que Henry presenciou o encontro entre Bysh e Nico, uma das cenas mais surreais que já havia presenciado na vida.
- E aí, cara.
Tommy parou ao seu lado, acertando o passo para acompanhá-lo, Henry estava atrasado para encontrar Jake e discutirem as tarefas que Charlotte designou para os dois, o outro queria conversar diretamente com a Page, mas ela o estava ignorando e Henry não duvidava nada dela ter bloqueado o novo número de Jake.
- Você não me respondeu, vai me encontrar no bar mais tarde?
Negou com a cabeça ao ver um sorriso cheio de segundas intenções no rosto do colega, Tommy nunca ia somente a um bar, ele transformava a noite e Henry não estava a fim de acabar acordando novamente em um lugar estranho preso por uma algema a um cacto. Noite estranha que o fez nunca mais exagerar na bebida.
- Vou ter que recusar. - respondeu, rindo da cara indignada que Tommy fez. - Não precisa começar um discurso sobre eu não estar aproveitando a vida porque você sabe que não vai fazer diferença nenhuma pra mim.
- Tinha esquecido que você tem a alma de um ancião do século passado. - provocou, parando junto com ele em frente à uma cafeteria. - Soube que está sendo um dos responsáveis por organizar o casamento da Bysh.
Assentiu em afirmação, estranhando um pouco a súbita mudança de assunto e ainda mais o tom forçosamente descontraído do colega.
- Na verdade vim aqui encontrar o Jake pra repassar as tarefas que a Charlotte enviou.
- Destesto esse cara. - confessou, torcendo o nariz quando o viu através da janela da cafeteria. - Sempre fica contando vantagem sobre cada garota que pega.
- E você não faz o mesmo?
- Ei! Eu tenho classe pelo menos, não fico remoendo encontros passados só pra fazer a garota se sentir mal.
Nisso tinha que concordar, Tommy não fazia as mulheres se sentirem desconfortáveis após ficarem com ele, na verdade se encontrava alguém com quem teve algo simplesmente esperava que ela trouxesse a tona o assunto, se não, ele somente deixava para lá. Já Jake, nossa, como ele também o detestava e isso ia além do fato do cara já ter ficado com Charlotte.
- Pelo visto você também não vai com a cara dele. - Tommy comentou, sorrindo de uma maneira que fez Henry fechar a cara. - Agora eu me pergunto, não gosta por ele ser ele, um idiota maior que eu, ou será que uma certa mulher chamada Charlotte tem algo a ver com isso?
- Não sei onde você quer chegar e não faço questão de descobrir. - disse, dando um tapinha em seu ombro antes de começar a se afastar. - Nos vemos depois, Tommy.
- Manda um beijo pra Lottie por mim! - gritou quando Henry já estava entrando na cafeteria. - Fala que estou com saudades!
- Aham.
Murmurou, deixando a porta de vidro fechar atrás de si. Procurou Jake o encontrando digitando algo no celular com um sorriso pervertido no rosto. Ainda não conseguia entender como Charlotte se envolveu com alguém assim. Segundo ela foi culpa de uma noite excessivamente ruim e vários shots de tequila, não duvidava, para ficar com Jake a pessoa realmente não deveria ter nada melhor para fazer.
- Fala, Hart!
Acenou para ele quando sentou à sua frente, não gostava dele e o sentimento era recíproco, não precisava ficar fingindo formalidades que os dois sabiam que iria acabar em poucos minutos.
- Vamos logo ao assunto. - pediu, retirando o celular do bolso e procurando a lista. - A Charlotte disse que não poderia olhar as flores e deixou isso por minha conta.
- Como se eu não pudesse escolher umas simples florzinhas.
- Mais conhecimento do que eu você com certeza não tem. - deixou claro após o comentário carregado de sarcasmo vindo dele. - Agora sobre o salão de festas, essa parte fica com você.
- Feito. - concordou. - Mas eu vou atrás das stripers.
- Que stripers?
- A Bysh quer uma festa temática e o tema é noite em Las Vegas, obviamente tem que ter stripers.
- Não, não tem.
Surpreendentemente quis rir do quanto ele estava falando sério, a Bilsk iria matá-lo se ele transformasse a noite dela em um clube noturno para maiores, ou iria adorar, ele não conseguia prever seus passos; ela era estranha.
- Vou ligar pra Charlotte e ela vai concordar. - garantiu, pegando rapidamente seu celular de novo. - Ela amou a nossa última noite em um clube assim.
Fechou suas mãos em punho, inspirando fundo para não fazer uma besteira, Jake adorava relembra-lo da noite que teve com Charlotte, mesmo que ela tenha acontecido há mais de seis meses atrás. Torceu o pescoço para aliviar a tensão, o fato dela claramente não estar atendendo a ligação dele também ajudava.
- Enquanto você tenta eu vou dizendo os outros pontos. - avisou mais leve quando Jake fechou a cara antes de continuar a tentar ligar para a Page. - Eu vou ficar responsável por buscar as cestas que a Bysh encomendou na outra cidade e você vai buscar os parentes dela no aeroporto.
- O quê? Sozinho? - perguntou irritado.
- Eu não vou com você.
- E eu nem quero que você vá. - rebateu sarcástico. - Pensei que a Charlotte iria comigo.
- E por que ela iria? - o encarou desconfiado.
- Porque esse foi um pedido especial da minha prima, ela quer que sua melhor amiga conheça seus parentes. E acho que não há nada de errado nisso.
Ah, mas Henry acreditava que havia tudo de errado nisso, na verdade poderia apostar que a ideia não tinha partido da Bilsk. Observou Jake retomar as tentativas de ligações quando sentiu seu celular vibrar ao anúncio de uma mensagem.
Char: Pede pra esse energúmeno parar de me ligar!
Eu tô no meio de uma aula!
Sorriu, digitando rapidamente uma resposta.
Bom dia pra você também, Char
Como está? Também te amo
Não demorou muito para ter uma réplica que o fez gargalhar.
Char: Idiota
- Ei, cara. - chamou a atenção do outro que só resmungou dando sinal de que estava ouvindo. Revirou os olhos para a atitude blasé. - Charlotte pediu pra você parar de ligar pra ela ou vai te bloquear de novo. - Jake o encarou irritado e Henry decidiu que aquela era uma boa hora para ir embora. - Já que acertamos tudo, você não precisa mais entrar em contato com ela.
- Eu falo com ela quando eu quiser.
Sorriu da resposta infantil ao levantar-se da mesa, então inclinou o corpo para pegar um dos biscoitos que estavam no prato à frente de Jake.
- Você que sabe até onde aguenta uma rejeição.
Só escutou bufo desdenhoso do outro quando o deu às costas, ao sair para fora da cafeteria, sentiu seu celular vibrar novamente com uma mensagem que fez o resto do seu dia passar mais leve.
Char: Também te amo
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Obrigada por todos os comentários incríveis, não tive como responder ainda, mas li todos! Então trouxe um capítulo para compensar.
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