[epílogo extra]
NARRADO POR THOMAS HOYER
— Vovô, espere um pouco. Deixa que eu lhe ajudo — advertiu Lauren, uma jovenzinha de quinze anos. Ela era muito parecida com o pai, o ex-marido de minha filha, mas ainda tinha características dos Hoyer em sua personalidade.
— Estou velho, não inválido — resmunguei quando ela segurou em meu braço para que eu me apoia-se.
— Não era o senhor que estava reclamando cinco minutos atrás de dores nas costas?
Bufei contrariado e Lauren Wells sorriu, um sorriso largo e cheio de dentes que lembrava muito a sua avó.
Era final da tarde de um dia de verão e estávamos indo para um dos eventos beneficentes projetados por Lydia. Era rotina desde que ela se tornara rica e influente o suficiente para criar grandes eventos. Sempre que eu podia, acompanhava-a, principalmente depois de aposentado.
Entrei no salão de festas da Clínica San Tomás procurando Lydia com o olhar, impaciente. Estávamos atrasados, o que não era nenhuma novidade, mas a velhice tinha me deixado um pouco rabugento em relação aquele tipo de coisa.
— Mamãe disse que viria com a namorado — comentou Lauren como quem não queria nada — Mas tio Caleb tinha uma comemoração importante na firma, então ele não vem.
Apertei os lábios decepcionado com a atitude do meu primogênito, mas nem um pouco surpreso por não nos encontrar. Ele já tinha feito aquilo repetidas vezes desde que assumiu como advogado associado da Specter + Litt. Ao menos suas visitas a Lydia estavam acontecendo periodicamente nos jantares que ele organizava para reunir toda a família; ele também ainda mantinha a decência de avisar que não iria comparecer.
Já Lauren não gostava do padrasto e eu não a culpava por isso. Eu também não gostava dele, mas tão pouco amava o ex-marido da minha filha, C.J., sua mãe. Ninguém nunca parece bom o suficiente para minha filha aos meus olhos.
O casamento com o destinado desgastou-se a ponto de que Chaia decidiu separar-se e não é nenhuma novidade que os filhos são o que mais são atingidos diante de um divórcio. Felizmente o casamento de Caleb, meu filho mais velho, havia dado certo e hoje ele tinha dois meninos, os netos mais inteligentes que eu poderia ter.
Sentia-me melancólico enquanto andava em direção à minha esposa. Anos ao seu lado vendo a se tratar para retardar o avanço da doença não foi suficiente para me preparar para os temidos dias em que sua mente iria começar a falhar. Lydia tinha passado a esquecer de coisas bobas e repetir histórias como se elas fossem novas. Os sintomas eram sutis, mas doía no meu coração pensar que em breve ela estaria tão debilitada quanto como sua mãe um dia esteve.
Encontrei-a quando uma das minhas músicas favoritas dos Donald Stark passou a tocar por uma banda amadora. Ela conversava com Daisy, sua amiga e sócia da Bardot, a quem lhe ajudou a enriquecer o suficiente para ter um patrimônio maior do que o meu. Eu era um homem orgulhoso por isso. Minha esposa era uma mulher incrível, sempre foi, porém conviver com ela toda a vida ensinou-me que havia muito mais inteligência para negócios em Lydia do que ela demonstrava quando estava na Coral. Sair daquela empresa a fez alçar voo. Era engraçado pensar que agora sua empresa valia bilhões, enquanto a Coral, a empresa que a desprezou, acusou-a de espionagem e tantas outras coisas, tinha se dividido por conta de poder e desaparecido do mercado.
Lydia tinha deixado os cabelos ficarem cinza e já estavam brancos como a neve, agora que usava-os mais curtos. Quando tivemos nosso primeiro neto, ela decidiu que não ia fingir ser jovem e ia deixar a velhice lhe vencer. Um alívio para mim, já que tinha cansado de dizer que não precisava usar tantos produtos para o rosto toda noite e que ela estava maravilhosa do seu jeito. Eu a amaria até mesmo quando tivesse mais rugas do que eu pudesse contar.
Sempre pensei que a amava muito quando jovem, mas esse amor tinha amadurecido de tal forma que não cabia mais em mim. Mesmo com as marcas de expressão no rosto, ela era a mulher mais linda do mundo. Era Lydia Hoyer, minha mulher, a quem me deu a família que eu desejava e me fez feliz cada pequeno momento da minha curta vida.
— Oi, querido. Onde estão os outros? — perguntou ela, abraçando-me de lado.
Cumprimentei Daisy rapidamente perguntando sobre seu marido e o filho antes de beijar os lábios de Lydia, como de costume. Ela sorriu tímida para mim, como fazia religiosamente quando eu a beijava em público.
— C.J. virá mais tarde com o namorado e Caleb não poderá vim. Talvez Helena venha e traga os meninos, mas você sabe como é. — justifiquei e ela olhou para a porta do salão de festas em silêncio.
Helena era quase uma filha para nós, uma mulher tão sábia e calma que constratava imensamente com meu filho, um impaciente nato. Não era de se admirar que fosse uma diplomata.
— Queria que Casey estivesse aqui. Ele ia gostar da banda, não iria? — sussurrou minha esposa.
Com o olhar compartilhei da sua dor e perda. O passar dos anos nos ensinou que às vezes não era necessário dizer muita coisa.
Casey Hoyer, nosso filho mais novo, morreu aos dezesseis anos em um ataque de epilepsia. Foi um ano desastroso para nós. Além de perder nosso caçula, estávamos passando por uma crise no nosso casamento e Caleb tinha se afastado de vez da família ao descobrir meu antigo envolvimento com a Shadow de forma distorcida por antigos inimigos meus. Felizmente, embora ainda possuíssemos um relacionamento delicado, eu podia dizer que minha família estava reunida outra vez, como sempre deveria ter sido. Caleb me entendia, acima de tudo. Ele era mais parecido comigo do que desejava admitir.
Lydia abraçou Lauren em seguida, percebendo tardiamente que ela estava perto. Pedindo desculpas por não ter notado, minha esposa desatou em fazer perguntas sobre a nova escola de Lauren e elogiou-a pelo cabelo colorido. Ela já havia feito aquelas mesmas perguntas dias antes, mas minha neta não se incomodou em responder tudo de novo. Uma ótima garota, minha pequena Lauren. Não era a toa que era minha neta favorita.
Algo que eu nunca admitiria em voz alta, obviamente.
— Desculpe-me atrapalhá-las, meninas, mas gostaria de perguntar se a senhora Hoyer deseja dançar? — perguntei quando um som mais suave soou pelo recinto.
Lauren olhou para nós encantada e basicamente empurrou a sua avó em meus braços. Fomos até o meio da pista, abracei seu corpo magro e comecei a balançar no ritmo da balada espanhola que tocava.
Fiquei em silêncio sentindo uma paz interior que só a presença de Lydia poderia me dar. Era como se todo o mundo parasse de falar apenas para eu escutar o som da sua respiração indo e voltando. Ela deitou em meu ombro e me deliciei com a ideia de ter sido seu conforto durante todos esses anos.
— Eu estou esquecendo, não é, Thomas?
Apertei os lábios mais uma vez naquela noite. Até então, Lydia parecia não ter percebido que a doença havia chegado e eu estava confortável em não dizer nada sobre. Meu peito ardia em pensar no sofrimento que ela ainda iria passar até o final da vida.
— Sim, liebe. — minha voz saiu baixa e desolada.
— Você vai me amar mesmo quando eu não lembrar mais do você, não é?
Olhei para ela como se tivesse dito um absurdo. O que, na verdade, o era.
— É claro que sim, liebe. Eu estarei ao seu lado até o fim. Nunca irei te abandonar.
Ela sorriu e tocou meu rosto com suas mãos enrugadas. Seu toque era familiar, gentil. Aquelas mãos me ajudaram a construir uma vida feliz que por muito tempo pensei ser impossível.
— Então, eu posso passar por isso. Com você ao meu lado, eu sempre posso.
Meus olhos se encheram de lágrimas e encostei minha testa na sua, parando completamente de dançar. Não importava o quanto eu dissesse, mas Lydia nunca iria saber quão grande era meu amor por ela. Ela era a parte boa da minha vida.
— Mesmo quando eu esquecer de tudo que passamos juntos, por favor, não esqueça do que direi agora: obrigada por não ter desistido de mim nem um só segundo.
Não precisei falar nada e ela tão pouco. Com os olhos fechados e envolvido em um abraço apertado, nós dois murmuravam uma declaração de amor que ia muito além das frases dos clássicos de romance, algo que ia muito além das palavras.
Era um amor perfeito e moldado pelo destino.
FIM
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