Capítulo 27
Nota inicial:
Esse capítulo contém uma grande passagem de tempo, por isso peço que fiquem atentas.
"Lágrimas caem, e os sonhos se vão, a esperança se vai (...) Como, quando, onde e por quê? São questões que me impedem de te ver." Lágrimas, Jotta A.
Aos 26 anos eu já havia enfrentado mais batalhas do que tinha imaginado enfrentar quando era criança. E, acredite, eu sempre soube que a vida não era fácil. Meu pai era um homem cético e detestava mentir ou fantasiar a vida para mim. Esse princípio tem sentido, apesar de eu não concordar muito com ele. Nunca acreditei em Papai Noel, coelho da páscoa ou fada dos dentes. Steve Blackwell dizia que não fazia sentido trabalhar como um condenado o ano todo para dar o melhor para sua filha, e no final entregar os créditos a uma pessoa que nem existia. Aprendi desde cedo que a vida é difícil, injusta e que ela ia querer tirar tudo de bom que você tem, por isso eu teria que lutar com todas as minhas forças contra a maré que só queria me derrubar.
Amadureci cedo, não porque eu queria, mas porque era necessário. Tornei-me a provedora do meu lar no final do ensino médio, quando ninguém tinha mais coragem de dar um emprego a minha mãe. No ano anterior havia passado por tantos altos e baixos que imaginei não sobreviver, no entanto, descobri que existia uma força muito maior dentro de mim. Eu era feita de um material muito mais resistente.
Porém, eu não era feita de aço. Quando Tobias Hoyer deixou-me em algum lugar na Ala Z, ele não tinha devolvido uma mulher apenas cheia de ferimentos. Ele devolveu uma versão covarde, amedrontada e, acima de tudo, quebrada de Lydia Blackwell. Eu não era mais a mesma.
Eu tinha quebrado.
Aquela verdade se tornava real a cada dia que passava. Não conseguia sair de casa e pensar em outras coisas, além do mais, a única pessoa que eu desejava estar perto, eu também desejava que estivesse longe. O meu lar era os braços de Thomas, porém a semelhança dele com o irmão era de um nível tão assombrosa que a insanidade passou a dominar por constantes momentos do meu dia. Quando voltava a vida real, olhar para meu destinado em desolação doía. Eu via a culpa em seu rosto e todo e qualquer progresso que tínhamos em nosso relacionamento parecia estar em suspenso.
As memórias se tornaram um grande emaranhado de fios sem sentido, confundindo-me e machucando-me por dentro. A liberdade e intimidade que eu e Thomas tínhamos havia se esfarelado, tornando nossas conversas cheio de cuidados e delicadezas que antes não acontecia. Ele tentava não me machucar ou reativar a parte psicológica da minha mente que sentia medo de Tobias e eu fingia que não via seu sofrimento refletido nos seus tiques nervosos.
O mundo para mim era apenas a mansão na Ala A. Eu apenas saia para ir em direção a um consultório médico e passei a ter visitas diárias de uma psicóloga. Ainda não sentia pronta para falar sobre nada e boa parte do tempo chorava como uma criança em sua frente, ou ficava calada.
Eu tinha quebrado.
Constatei aquilo mais uma vez quando assisti o noticiário e descobri que os últimos dias estavam sim sendo um completo inferno para Thomas. Havia uma pressão gigantesca em suas costas por causa da liberdade dada de mão beijada a Daniel Fuller e cada vez mais se perguntavam sobre sua verdadeira faceta como membro do judiciário. Ao contrário do que a Lydia anterior faria, não conseguir falar palavras de ânimo para o confortar. Nem mesmo uma abraço eu me sentia capaz de lhe dar.
Foi durante uma ataque de histeria meu em que joguei um prato em direção à sua cabeça, acreditando falsamente que ele não era meu Thomas, que decidi que não dava mais para ficar ali cutucando a ferida com uma faca toda vez que o via. Conforme o tempo passava me sentia mais sobrecarregada emocionalmente, a sensação de que iria explodir culminando a cada segundo que se passava.
A viagem para Cancún tinha sido cancelada e no dia em que iríamos viajar confessei meu desejo. Já havia se passado três semanas desde que Tobias de sofrimento quando chamei-o para conversar.
Thomas entrou na sala de visitas com cautela, os ombros tensos e o terno preto amarrotado. Sentou-se em uma das poltronas ao meu lado e por mais que não estivesse olhando em seu olhos, eu sentia toda a sua atenção em mim.
ー Eu... ー soltei o ar devagar quando percebi que havia perdido toda eloquência que um dia eu possuía ー Thomas, querido, eu... ー minha voz embargou-se ー Não posso fazer você sofrer mais. Não acho que morar aqui vá ajudar em alguma coisa.
ー Lydia, o que você está tentando me dizer?
ー Acho que a gente deveria se afastar por um tempo até eu voltar a sanidade ー sussurrei sem muita coragem de falar aquilo em tom alto.
O silêncio se tornou denso. Aquela decisão era dificílima, mas eu havia me tornado uma ameaça para o amor da minha vida, dono do meu coração e a única pessoa que eu queria ter ao meu lado. Compreender isso me deixou ainda mais miserável.
ー Eu entendo. Não quero, mas entendo ー respondeu desolado.
Olhei para meu destinado e a fragilidade que ele esboçava foi como um soco no estômago. Thomas chorou silenciosamente e eu podia imaginar o que se passava em sua cabeça. Existiam tantos planos e projetos ー tinhamos começado algo tão bonito juntos. Ainda havia tanta coisa para acontecer.
O barulho de alguém entrando na sala me fez pular da poltrona alarmada.
ー Quem está aí?
ー Ninguém, liebe ー falou Thomas mostrando-se cansado de tentar me acalmar.
ー Eu ouvi alguma coisa. ー continuei olhando para os lados com atenção.
A sala estava bem iluminada e não havia muitos lugares para se esconder. Olhei para os cantos até ter certeza que estavamos sozinhos.
ー Onde você vai morar? ー indagou ele percebendo que eu não deixaria meu estado vigilante nem tão cedo.
ー No apartamento que comprei mês passado. Vou pedir pra Jean ficar comigo por um tempo ー expliquei meu plano. ー A doutora disse que eu deveria tentar voltar a rotina, mas acho que minhas reuniões com Daisy vão ser apenas pela internet por enquanto.
ー Me parece um bom plano.
Assenti e fiquei em silêncio. Com uma timidez estranha, desviei o olhar antes de perguntar:
ー Posso ligar pra você nesses dias?
Hoyer riu.
ー Eu ligaria mesmo se você negasse, liebe.
Thomas levantou-se devagar e me abraçou. Eu sentia muita falta do seu toque e desfrutava muito quando estava bem da cabeça o suficiente para recebê-lo. Fechei os olhos com força enquanto mergulhava no cheiro familiar de Hoyer.
Esse é Thomas, seu destinado. Thomas, Lydia. O homem que você ama.
Repeti esse mantra em minha mente até ter coragem de beijá-lo. Thomas pareceu assustado com meu movimento, mas logo se rendeu a carícia cheia de saudade, dor e consolo ao mesmo tempo. Ele tinha os lábios mais acalentadores e doces que eu havia beijado. Era claro que eu não tinha uma vasta experiência, mas eu sabia que poderia procurar no mundo todo apenas para encontrar meu lar ali, com ele.
ー Você vai me esperar? ー perguntei insegura ainda com os olhos fechados.
ー E existe outra opção? Te amo demais para te deixar sozinha. Eu cometi o erro de não protegê-la uma vez. Não vai acontecer de novo.
Abri os olhos apenas para constatar que ele falava a verdade. Dei um passo para trás quando a memória dos olhos de Tobias também atravessou aquela imagem antes imaculada de Thomas.
Balancei a cabeça tentando afugentar aquela horrível sensação e sorri forçado para ele.
Talvez, se eu não estivesse tão perturbada, eu teria visto em seus olhos que ele estava mentindo.
Jean era um companheira ideal, embora fosse curiosa demais às vezes. Minha amiga também não era lá uma pessoa discreta, mas me divertia muito com suas atrapalhadas quando começamos a mobiliar a casa. Apenas contei a ela que havia sido sequestrada, mas os detalhes foram deixados de lado. Até mesmo o fato de que junto comigo estava seu irmão, o qual parecia não ter dito o que havia acontecido. A informação foi o suficiente para que ela ficasse quieta com a presença constante de dois seguranças na nossa porta ou andando pela cozinha. O par se chamavam Claire e Gregory, os dois eram bastante profissionais, porém me faziam companhia quando Jean não estava em casa.
Para Daisy entender meu problema foi difícil, no entanto. Para ela, não fazia sentido não falar com a polícia ou contatar a imprensa, porém minha amiga e sócia preferiu focar no fato de que eu tinha sumido nas últimas semanas e não dado nenhuma notícia. Depois de vários pedidos de desculpas, nós voltamos a falar sobre a saboaria e ela afirmou que já tinha material suficiente para primeira triagem e que em duas semanas estaria com tudo feito. Conversar sobre a empresa e traçar projetos foi o escape que eu precisava para sair do meu ostracismo.
Pouco antes do jantar eu sempre ligava ou mandava mensagem para Thomas. Aquilo me lembrava do começo da nossa amizade, quando eu ainda fingia não sentir-me atraída por ele. Contudo, nossos diálogos não eram dinâmicos como antes. Duas semanas longe foi o suficiente para Hoyer parecer perder o interesse em nossas conversas, mas ele não se esquecia de perguntar ao menos sobre meu bem-estar. Aquela atitude me machucava profundamente, mas eu aceitei porque a culpa era minha também. Eu havia me afastado dele, não o contrário.
Quase um mês depois do sequestro, consegui contar à psicóloga o que tinha acontecido. Lembrava que o lugar onde eu fui levada aparentava ser uma fazenda no meio do nada e tudo era bem limpo. Não parecia um cativeiro que costumamos ver nos filmes. Quando eu fui jogada para dentro do porão, Caio já estava no chão sangrando pelo nariz, com os braços e pernas amarrados e meio desacordado.
ー Se ele tivesse sido inteligente, talvez você não estivesse aqui, Lydia ー comentou Tobias com um olhar de desprezo para Grey ー Sabe, eu havia apenas pedido para que ele afastasse Thomas de você, mas ele fez o contrário, o imbecil. ー cuspiu em cima dele ー Esses ratos das Alas inferiores realmente se acham super heróis, não é?
Tive meus braços e pernas também presos e fiquei boa parte do tempo encolhida na parede entre a expressão de puro terror por não saber o que ia ser de mim nos próximos minutos; ainda tinha o assombro que sentia em ver que Tobias era uma cópia cuspida e escarrada de Thomas. Até mesmo o corte de cabelo era igual, o formato do rosto dispensava detalhes. Se não fosse os músculos que meu destinado não tinha e a malícia presente em todas as atitudes de Tobias, eu teria muito mais dificuldade de diferenciá-los.
Infelizmente, Tobias Hoyer sabia disso. Aquele monstro fez questão de vestir um terno e fazer um teatro para seus subordinados, imitando deliberadamente Thomas. E ele era um ótimo ator. Foi vestido desse jeito que ele gravou vídeos enquanto me batia e eu nunca gritei de tanta dor e desespero como naquela madrugada. Não dormi com medo de morrer nesse meio tempo. O irmão de Thomas fazia insinuações de quão fácil seria colocar-se no lugar dele e quão divertido seria. O momento mais assustador, no entanto, foi quando Tobias tocou meu corpo com insinuações sexuais.
ー Você até que não é feia, cunhada. Apesar de que meu irmão já teve melhor gosto para mulheres ー comentou ele ao tocar deliberadamente em minhas coxas.
Naquele momento, eu quis morrer. Morrer antes de passar por um trauma que nunca iria superar. Caio deve ter percebido isso em meu olhar, pois foi quando ele começou a gritar para que se afastasse de mim, que Fried ー como ele o chamava ー era um sádico, doente e que deveria morrer. Por causa dos seus gritos, Tobias lembrou-se de sua existência, o surrando tão forte que pensei que ele havia o matado.
E em nenhum momento daquelas longas horas Tobias hesitou.
Ouvi um ou outro comentário sobre Daniel Fuller entre os capangas, mas nada concreto. Apenas liguei os pontos quando assisti o noticiário no dia seguinte, quando já estava no conforto do meu lar.
Contar tudo que havia passado no sequestro foi um duro golpe no meu emocional, a ponto de me pego chorando nos braços da psicóloga. Não sei se aquilo era ético ou não, mas me senti muito grata em ser amparada pela doutora Miller, que foi extremamente paciente comigo.
Pensei que era um grande passo para a reconstrução do velho eu, porém a notícia que recebi no dia seguinte fez me ficar perdida, sem saber o que fazer. No dia seguinte ao meu confessionário, Thomas mandou mensagem avisando que estava voltando à Alemanha e não tinha previsão de volta. Iria tirar umas férias, confessou ele.
Eu havia sido abandonada.
Durante meu relacionamento com Thomas, sempre pensei em quão perfeito e intrigante ele era e que eu não o merecia. Depois daquela atitude, comecei a repensar aquilo. Eu o amava ー claro que o amava, mas isso não facilitava as coisas. Eu não fazia ideia do que se passava em sua cabeça desde meu sequestro, porém entendia que algo bem dentro dele mudou. Eu só não sabia se isso era bom ou ruim.
Conhecendo-me como ninguém, Thomas mandou outra mensagem que deixou-me confusa e ao mesmo tempo esperançosa.
"Apenas confie em mim, liebe."
No mês de março quando o frio já estava começando a ser suportável, Caio apareceu no apartamento pedindo permissão para entrar. Jean ficou meio receosa, mas longe de mim ser quem iria afastá-los, ele era seu irmão, afinal, e Grey estava comigo durante as piores horas da minha vida.
Passei boa parte do tempo na varanda sentada e observando a movimentação da rua. Não era tão agitada como na Ala O, onde crianças brincavam a maior parte do tempo, mas as pessoas estavam sempre caminhando por lá e alguns se cumprimentavam, sendo eles velhos conhecidos. Uma velhinha que sempre passava naquele horário desejou-me bom dia e eu sorri para ela. Claro que não era seguro como na Ala A, contudo o bairro era calmo e me dava uma sensação boa de está suspensa no ar.
Caio sentou-se ao meu lado quando Jean foi tomar banho. Ele contou que ela o levaria até a universidade, algo que ele nunca tinha feito antes.
ー Vejo que finalmente está deixando as garras da burguesia lhe prender ー brinquei e ele deu um riso tímido.
ー Ainda não gosto dos colegas dela. São todos uns esnobes. ー dei os ombros.
ー Universitários são assim mesmo, eu acho ー falei e prestei atenção nos lugares de seu rosto que ainda estavam meio amareladas. ー Ainda dói?
ー Um pouco ー replicou ele.
Uma brisa suave invadiu a varanda e ficamos em silêncio absoluto. Apenas uma adolescente passeava com o seu cachorro na rua e o sol dava as caras naquele dia. Depois de algum tempo, Caio se sentiu confortável em falar.
ー Fried... Tobias... Seja lá como aquele desgraçado se chama, era meu chefe na Ala C, o que me contratou para ser jardineiro. ー Caio relaxou os ombros e me encarou ー Você lembra disso? ー assenti ー Pois bem, ele dizia que era um vidente e que eu contei nossa coincidência. Eu falei que éramos destinados e ele confirmou. Eu realmente acreditava nisso. ー soltou um longo suspiro.
ー Hoje me parece bobeira ter acreditado tão avidamente ー comentei como quem não quer nada.
ー Também acho ー ele riu sem humor ー Percebi isso assim que vi Gia pela primeira vez. Nem mesmo lembrei-me de você, do que o falso vidente disse... Lembrei-me de nada. Só queria tê-la.
ー Foi tão avassalador para você como dizem? ー perguntei não sentindo nenhum remorso da nossa história passada.
Era passado, afinal. E passado fica para trás.
ー Sim, foi sim ー disse ele acomodando-se na cadeira. Ele deu um sorriso antes de dizer ー Você fala como ele.
ー Quem?
ー O seu destinado, Thomas, não é? Deve ser a convivência. ー respondeu ele ー Inclusive até hoje fico pensando em quão parecido ele é com Tobias e ao mesmo tempo tão diferente. Que coisa de doido.
ー Por que Tobias lhe sequestrou? ー indaguei a pergunta que mais me perturbou nos últimos dias.
Eu entendia o motivo de ter me levado, eu era a isca para Thomas liberar Daniel Fuller da prisão, mas quem era Caio naquela equação?
ー Ele queria que eu a afastasse de Thomas. Me pagou até quinhentas verdinhas em troca. ー ele sorriu de lado ー Não obedeci, obviamente. Nem mesmo minha mãe me dá ordens, quanto mais um elitista de merda mimado? Só que foi uma escolha burra. Eu não queria ter sido tão babaca contigo, Lydia. Principalmente naquela vez no shopping. Gia passou dias sem falar comigo por causa disso também, mas aquele cara tava seguindo a gente! Ele tava lá, inclusive. Quis fazer você me odiar pra que ele percebesse que não ia obedecê-lo, mas o tiro saiu pela culatra. Aquela não foi a primeira vez que levei uma surra. Tentei fugir por um tempo, mas ele parecia a Interpol. Chegou até a ameaçar Gia, mas graças a Deus nada aconteceu com ela.
Pelo seu olhar desolado pude ver que Caio falava a verdade.
ー Me desculpa, Ly. Acho que podia ter evitado tudo isso se tivesse dito o que tava acontecendo logo antes ー murmurou parecendo pronto para chorar, mas Grey era orgulhoso. Dificilmente iria chorar na minha frente.
ー Tudo bem. ー dei uma tapinha sem força em seu ombro. ー O tapa que lhe dei foi suficiente para perdoá-lo.
E nós rimos.
ー Como ele descobriu que eu era destinada de Thomas antes do prazo? ー indaguei depois de um momento.
ー Todo mundo tem um preço, Lydia. Até um vidente ー disse ele ー Eu tinha o meu, mas ele nunca me ofereceu.
Encarei-o por longos segundos até que anui com a cabeça.
...
Era final de maio quando Daisy conseguiu tirar-me de casa. Claire me acompanhava, porém ela estava vestida como uma pessoa normal, não como uma guarda-costas. Imagine minha surpresa ao chegar no restaurante que ela havia marcado e ter encontrado quase todos os meu amigos da Coral, sendo Mary uma das faltosas.
Gritei animada ao encontrar Franz, Stella e Andrew ー esse último estava muito em noivo e deixou bem claro ao mostrar o anel no dedo. A crise da Coral não havia atingido-os, mas Daisy já havia saído da empresa para dedicar-se 100% a saboaria. Já tínhamos alguns pedidos grandes vindos de primas e tias que conheci no Hoyer's Christmas e que gostaram das amostras que eu enviei. O feedback foi muito bom e a venda dos produtos passou a acontecer gradativamente.
Foi uma das noites mais agradáveis e das mais divertidas também depois de bastante tempo. Claire estava bem reclusa no começo, mas logo se soltou e mostrou-se ser uma pessoa bem interessante. Voltei para casa bêbada pensando em contar todas as atrapalhadas para Thomas, porém a euforia se dissipou quando lembrei que ele não estaria em casa me esperando. Naquele horário era bem provável que ele já estivesse dormindo, mas mesmo assim enviei-lhe uma mensagem.
"Sinto sua falta, Thomas :(. Quando você vai voltar?"
Felizmente, tive minha resposta minutos depois:
"Sinto saudades também, liebe, mas não sei quando poderei voltar... Está tudo bem por aí?"
Enviei-lhe uma positiva e fui dormir chateada, odiando a injustiça da vida. Eu acreditava que estava bem o suficiente para voltar a estar perto dele, contudo, mais uma vez, tive outro pesadelo com Tobias e Thomas e duvidei se algum dia eu pudesse estar perto do amor da minha vida sem o machucar.
Logo minha rotina passou a voltar a normalidade e o projeto para a Saboaria Bardot começou a andar nos trilhos que eu tinha planejado. Tínhamos um site e vários pedidos, sem contar os clientes que estávamos chamando atenção. Tentei aprender a fazer um desses em casa, mas o resultado foi tão catastrófico que finalmente decidi que a produção iria ficar apenas com Daisy. O trabalho dela era complicado por ser braçal, enquanto o meu requeria total atenção na organização de lucros, dos pedidos e do projeto de marketing e propaganda que eu havia proposto. A empresa era formada apenas por mim e ela, então existia muito trabalho a ser feito. No entanto, havia muito tempo desde a última vez que eu fiz algo tão prazeroso. Querendo me aperfeiçoar mais ainda, comecei a titubear se não seria uma boa ideia procurar algum curso de administração de empresas para o próximo semestre.
Diante de tudo isso, as pequenas conquistas que eu conseguia tanto no ambiente profissional quanto emocional e psicológico, o medo ainda pairava sobre mim. Tobias estava lá fora ainda e duvidava que um dia sairia da minha cola. Por outro lado, meu coração diminuía no peito em manter contato com Thomas apenas por mensagem ou ligações ー isso quando o fuso horário batia. Só que no fundo eu sabia que meu destinado tramava alguma coisa e decidi confiar, embora sua falta deixava um vazio tão grande em meu peito que às vezes pensei que fosse enlouquecer.
Como era de costume, eu havia me acordado cedo por conta dos pesadelos. Enrolada no edredom, deitei-me no sofá e liguei a TV que havia comprado. Passava Full House e eu pude me deixar relaxar, imaginando como seria bom morar dentro de sitcoms onde tudo sempre acabava bem e que as famílias eram sempre unidas e superavam suas diferenças juntas.
Amanhecia, os raios solares já adentravam pelas portas de vidro da sacada, quando ouvi um cochicho no quarto de Jean. Na noite anterior, eu havia ido deitar mais cedo e não tinha a visto chegar da faculdade como de costume. Escutei risadas e um pedido de silêncio que pareceu vir da minha amiga. A sala era de frente ao corredor dos dois quartos do apartamento e aconteceu de que a porta de Jean estava bem no meu campo de visão, então não foi difícil vê-la sair de ponta de pés junto com um homem alto, cabelos cacheados, atraente e de pele escura. O acompanhante dela deveria estar na faixa dos trinta anos, mas ao ver que eu os peguei no flagra, seu embaraço foi igual a de um adolescente.
— Oi, Lydia. — Jean deu um sorriso amarelo e ela corou da cabeça até os pés.
— Eu não vi nada — repliquei voltando à televisão e contendo o sorriso.
O homem apareceu minutos depois com os cabelos úmidos murmurando uma desculpa e escapando do apartamento como se estivesse fugindo da polícia. Jean foi mais covarde e só apareceu mais tarde, quando eu já havia terminado de preparar panquecas para nós duas.
— Então... Quem era aquele cara? — perguntei assim que vi que ela não falaria sem pressão.
— Ah, o Matt? Ele é ninguém. — desconversou ao beber o copo de café que havia preparado.
— Ninguém, é? — levantei a sobrancelha nem um pouco convencida — Pois não deveria ter trazido ele para casa. Não é seguro trazer ninguéns para passar uma noite agarradinha, querida.
Mais uma vez Jean ficou vermelha até a raiz dos cabelos e fechou a cara diante do meu excesso de franqueza.
— Eu não estava agarradinha.
— Longe de mim julgá-la, Jean — murmurei achando divertida a sua atitude.
Queria eu estar agarradinha com uma certa pessoa agora, completei mentalmente.
— Juro que pensei que você ainda estivesse dormindo — disse parecendo culpada. — Você sabe que eu nunca fiz isso, não é? É que está aqui dá uma sensação de liberdade...
— Jean, deixe de besteira. A casa também é sua. Se você quer ter encontros e trazê-los aqui, é só me dizer antes. Não é muito divertido dar de cara com gente desconhecida às quatro da matina no corredor da minha casa.
Ela assentiu ainda envergonhada e começou a cortar a sua comida.
— Então, onde se conheceram?
— No hospital.
Senti uma dor de cabeça de repente, temendo a resposta da pergunta que iria fazer:
— Ele é o médico que você tinha falado? — ela balançou a cabeça concordando — Jeane Helene Grey!
— Somos discretos, ok? — ela se defendeu — Ninguém do hospital sabe!
— Jean, seja sincera comigo. — sentei-me à sua frente e olhei o fundo de seus olhos amendoados — Isso é só uma aventura?
Ela mordeu o lábio, indecisa.
— Não sei. Eu gosto dele, sabe? Muito — sussurrou com um sorriso pequeno o rosto — E ele gosta de mim também.
— Diante da minha experiência pré-destinado, não recomendo nenhum envolvimento antes do fim do prazo — comentei sentindo uma leve impressão que aquilo não ia dar certo. — E se ele tiver uma destinada maluca que quer exterminar todas as exs dele?
Jean riu enquanto balançava a cabeça.
— Matt é viúvo da destinada dele, Ly. Ela morreu há sete anos — respondeu ela — Não lembro de você ter se tornado a ativista do destino. Um dia desse se negava a ter um destinado.
— A questão é que conheço diversas histórias reais e apenas uma ou outra deram certo. Era por isso que eu odiava tanto o sistema, porque ele funcionava. — ao constatar isso, fiz uma careta — Pensando melhor, isso nem faz sentido. Eu só odiava a sensação de não ter controle sobre a minha vida.
— É o que eu sinto agora, Lydia! — exclamou ela parecendo exausta — Eu não quero esperar tanto tempo.
Encarei-a por alguns segundos antes de perguntar:
— Qual é o seu prazo, Jean?
Com hesitação, minha amiga mostrou o relógio, mas eram tantos números que minha cabeça deu um nó. Eu era boa em matemática, porém havia um motivo para existência da calculadora.
Percebendo minha confusão, Jean me respondeu.
— São dezoito anos.
Meu olhar se encheu de compaixão e compreensão. Uma coisa era eu receber esse tempo, alguém que antes pouco se importava com o relógio, outra coisa era alguém cheia de sonhos como minha amiga.
— Eu vou ter trinta e nove, Lydia. Se eu quiser ter filhos, como vai ser? Uma gravidez de risco? Vou passar todos esses anos sozinha? — indagou mostrando-se perdida — Eu não quero esperar.
Assenti e levantei-me para abraçá-la, embora no fundo sentisse que era melhor esperar, por mais difícil que fosse. Desejei que o olhar de desolação de Jean sumisse.
— Sem contar que nós apenas estamos juntos, não é como se eu fosse me casar com ele — Grey dei uma risada nervosa após se justificar mais uma vez.
— Só você sabe o que é melhor pra você — respondi com um sorriso.
Apesar de ter sido uma manhã tensa, foi aquele assunto que impulsionou uma conversa de mais de dois minutos com Thomas. Apesar de estar na Alemanha para descansar, sua voz sempre soava rouca como de alguém que não dormia bem há muito tempo, algo que estava me deixando preocupada. Ao ouví-lo percebia cada vez mais que era completamente diferente da do seu irmão, embora o tom era igualmente barítono. Hoyer não possuía maldade velada e inebriava-me, de forma que às vezes nem sabia do que ele falava, apenas desejava ouvi-lo falar qualquer coisa.
— Poxa, entendo a situação dela — comentou ele após meu monólogo — Não se aguentaria esperar por você durante quase duas décadas. É uma tortura.
— A espera valeria a pena, com certeza — respondi com desenvoltura e ri logo depois.
— Cada segundo ia valer a pena — ele disse seriamente. Senti um arrepio correr na minha espinha e, se ele estivesse na minha frente naquele momento, eu o beijaria.
— Amor, quando você volta? — indaguei da forma mais suave que consegui, evitando demonstrar a ansiedade que sentia.
Thomas demorou tanto tempo para me responder, que imaginei que a ligação tinha caído.
— Lydia...
— Sim? — repliquei ansiosa.
— Eu não vou voltar da Alemanha.
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A sede da Saboaria Bardot era bem pequena, mas tinha um toque de sofisticação esperado de uma saboaria artesanal. Nossa linha de produtos já havia aumentado bastante e possuíamos uma gama de clientes fiéis.
Tínhamos já dois funcionários ajudando Daisy na produção e uma assistente que me ajudava a não perder a cabeça. O que era engraçado, levando em consideração que há pouco tempo atrás eu estava no lugar dela.
Era final do verão quando Philip de Lucca veio me procurar no meu escritório. Ele não tinha mais o olhar afável de antes, mas tão pouco foi hostil. Vê-lo mais uma vez me lembrou a constante ideia que eu tinha que ele era parecido com alguém que eu conhecia, então, percebi que ele tinha as mesmas características da minha mãe. Ainda lembro de ter me mexido inconformada no meu assento por ter pouquíssimos traços de Letícia Blackwell em meu corpo, enquanto aquele homem era inegavelmente seu parente.
— Acredito que deve saber o motivo da minha vinda — começou ele assim que sentou-se a minha frente.
— Pois saiba que está equivocado. — encostei-me na cadeira giratória. — É algo em relação a Saboaria.
Ele negou com a cabeça.
— Na verdade, a ideia era conhecer sua mãe, Lydia. Como eu posso falar com ela? Tem algumas coisas que não deixei claro desde que te conheci — explicou Philip.
— Ela faleceu ano passado, Philip — repliquei com pesar — Do que se trata essa conversa?
— Sinto muito, Lydia. A verdade é que somos primos. Sua mãe era minha tia — disse ele e eu não esbocei nenhuma reação — Quando me aproximei de você foi para conhecê-la, você e sua mãe. Uma pena que o destino tenha sido tão maldoso com você.
Tentei entender o que ele queria dizer com o destino e fiquei em silêncio por um momento.
— Vovó está morrendo, Lydia. — adicionou ele — É questão de tempo para que o câncer a mate. Primeiro foi vovô, e agora... — ele apertou os lábios como se engolisse o choro — Ela queria pedir desculpas a sua mãe e a seu pai. Se reconciliar.
— É muito tarde para isso — repliquei — Os dois morreram, Philip. Só sobrou eu.
— Então, acho que ela vai querer te conhecer mesmo assim — De Lucca deu um sorriso forçado — Afinal, você também está inclusa na herança.
— Eu não a quero — disse automaticamente.
— Oras, por que não? — indagou ele, cético pela minha atitude.
— Talvez porque em todos esses anos ninguém da sua família apareceu para ajudar-nos por causa desse preconceito idiota que vocês tem com a minha Ala? — argumentei — Mamãe morreu aos poucos, Philip, e ninguém me ajudou a comprar remédios ou cuidar dela. Nem mesmo se dignaram a procurar saber do bem estar da minha mãe durante os últimos anos e se não fosse o ataque de consciência da sua avó, talvez nunca iriam procurar saber da sua existência e incluir-me na herança. — fitei seus olhos azuis, aqueles que lembravam tanto Letícia Blackwell — Eu irei visitá-la, mas não aceitarei seu dinheiro.
Minutos mais tarde, eu estava ainda sentada na cadeira, dessa vez sozinha, segurando o cartão com endereço da minha avó e pensando se eu deveria mesmo ir e se rejeitar a herança era apenas um ato de orgulho impensado.
O encontro que eu tive com Genevieve De Lucca não foi o do mais confortáveis, mas me permiti perdoá-la porque sei que era o que minha mãe desejaria que eu fizesse. Meses depois, quando a matriarca De Lucca faleceu, a briga novelesca pelo dinheiro deles foi tão exaustiva de olhar que fiquei feliz em não estar no meio e com prazer deixei para trás a parte De Lucca do meu sangue.
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O celular tremeu na minha coxa e dei uma rápida olhada quando parei no semáforo. Bufei ao ver mais uma mensagem de Thomas e pedi para Clarie, que estava no banco passageiro, segurar.
Ela levantou a sobrancelha loira para mim, mas ficou calada, provavelmente vendo que meu mau humor daquela semana não havia passado. Meu outro guarda-costas estava no banco de trás também quieto. Graças a Deus ele tinha desistido de tentar me dissuadir a não ir pessoalmente pegar minhas coisas.
Desde a última conversa com Thomas, onde ele disse que não iria voltar, fiquei dividida entre a tristeza e a raiva. Eu respondia algumas mensagens dele, porém no momento não estava nem um pouco a fim de ouvi-lo agir como o fato dele ficar na Alemanha não fosse atingir nosso relacionamento. Na verdade, àquela altura eu imaginava se ainda existia um relacionamento.
Senti meus olhos marejarem, mas segurei as lágrimas para não fazer uma cena. Como para me desafiar, a rádio passou a tocar All I Want In This Moment do Donald Stark e desliguei com brusquidão. Não o suficiente, eu estava voltando para Ala A, na mansão de Thomas, pois a polícia havia enviado a segunda via de vários documentos meus para lá. Iria resolver de vez minhas pendências para mudar de ala.
Entrei na cozinha junto com meus guarda-costas e tentei não prestar atenção em como não tinha mudado em nada. Havia se passado quase seis meses, porém eu ainda poderia ver Thomas chegar com seu ar cansado, beijar meu rosto e perguntar como foi meu dia. Aquelas memórias me pertubaram o suficiente para que eu subisse as escadas até meu antigo quarto com pressa.
As coisas ainda estavam no lugar, apesar de parecer bem mais vazio que antes. Abri o closet e encontrei alguns dos meus casacos mais pesados que acabei deixando na mudança. Parei quando encontrei o agasalho que Thomas tinha me dado e segurei com força.
Eu sentia muito a sua falta. O casaco não tinha mais seu cheiro e sim o de amaciante e um odor típico de roupa guardada, porém, lá dentro da minha cabeça ainda tinha o cheiro típico oriental, as oscilações entre baunilha e amadeirado que ele sempre usava e me senti uma grande idiota quando comecei a chorar. Por que estávamos passando por aquilo? Por que éramos tão teimosos para lutar de verdade para estarmos juntos?
Desci decidida a comprar passagens e ir à Alemanha encontrá-lo ainda naquele dia, embora não tivesse certeza se meu orçamento cobriria. Eu tinha gastado bastante dinheiro nos últimos meses e a Saboaria ainda não era tão rentável para mim e Daisy. Também havia investido bastante na empresa, porém tinha ideia que esse dinheiro só iria retornar em dois ou cinco anos. Provavelmente eu teria que tirar do dinheiro que eu estava poupando para fazer alguns bons cursos de alguns meses na Universidade da Columbia, mas valeria a pena.
Eu me sentia menos ansiosa diante da ideia, de modo que não percebi a agitação que acontecia na cozinha. Estanquei na porta quando eu vi um homem de terno de costas, os cabelos loiros em um penteado mais jovial e os ombros mais relaxados. Abri a boca para chamar seu nome, surpresa, mas quando ele se virou, minha garganta fechou em pavor.
O homem que estava diante de mim não tinha as maçãs do rosto menos acentuadas, a magreza conhecida ou mesmo os olhos mais escuros. Ele não possuía a bondade velada no rosto ou o sorriso de quem iria fazer uma piada infame; ele não me olharia com veemência, como se eu fosse a única pessoa que importasse no cômodo.
Aquela foi a primeira vez que realmente encontrei as diferenças entre um irmão e outro na superfície da aparência, sem que minha mente me traísse. Engoli o seco quando Tobias veio em minha direção de braços abertos, agindo como se fosse meu destinado, uma falsa emoção em seu semblante.
— Querida? Meu Deus, quanto senti sua falta! — dei um passo para trás, nervosa, calculando o tanto que eu deveria correr para fugir dali.
Tobias perdeu o brilho, estranhando minha atitude, os ombros caídos.
— O que houve? Por que está me olhando assim?
Uma pequena parte lá no fundo do meu cérebro indagou se talvez não fosse mesmo Thomas e toda aquela sessões de terapia que passei foram em vão. Fiz uma careta confusa, mas mantive-me longe sem saber o que fazer diante daquela situação.
Então, ele segurou meus ombros. As mãos eram mais pesadas e o sorriso muito largo como o gato de Alice No País das Maravilhas. Tremi de medo quando ele beijou minha testa e me senti incapaz de fazer qualquer movimento de puro terror.
— Não esperava encontrá-la agora. Estava indo a seu apartamento para fazer uma surpresa. Quer sentar? Acho que minha cozinheira deixou alguma coisa comestível guardada. — tagarelou enquanto se afastava em direção ao armário.
Tobias arrumou o terno e pude ver uma arma de relance guardada na cintura.
O que eu ia fazer, meu Deus?
N/a: Ainda não consigo acreditar que estamos a um passo para acabar OWC. Uau. No próximo sábado, teremos um capítulo final e o epílogo. Sabe-se lá o que vai acontecer, quem vai morrer, quem vai viver, por isso peço que mantenham suas expectativas.
Conversando com as meninas do grupo do Facebook, resolvi fazer uma live na noite da última atualização. Vai ser de noite, porque é o horário que estou livre no sábado e ficaria muito feliz se vocês participarem! Para entrar no grupo é só mandar solicitação em Maraíza Santos - Fanfics. Há um link direto no meu perfil.
Bem, acho que são só esses os recados de hoje. Até breve!
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