Capítulo 21
"Estrelas quando brilham, vocês sabem como eu me sinto. Aroma do pinheiro, você sabe como eu me sinto. Oh, a Liberdade é minha e eu sei como eu me sinto." - Feeling Good, Nina Simone.
Era cedo quando eu acordei naquele sábado na cama de Thomas, sem os sapatos e o cinto do meu vestido. Meu destinado me abraçava com tanta segurança e conforto que fora difícil levantar, mas eu precisava terminar os últimos detalhes do meu projeto.
Havia mais empregados do que o habitual na mansão e Rose estava lá cedinho fazendo um bolo bem elaborado para Hoyer. Sentei-me na ilha digitando enquanto ouvia os passos e murmúrios entre os funcionários.
Meu destinado apareceu coçando os olhos quando eram quase dez horas da manhã. Segurando o bolo cheio de glacê vermelho e branco, os empregados de Hoyer fizeram um coro em uníssono cantando parabéns para você. Talvez eu entrasse na cantoria se não estivesse tão compenetrada na resposta de uma pesquisa que havia feito na internet.
Com a cara inchada de sono, Thomas agradeceu a todos com um discurso clichê, mas honesto. Logo, sentou-se de frente a mim e eu me esforcei para parecer o mais desinteressada possível.
— Feliz aniversário, Thomas. — desejei dando um sorriso rápido e voltando ao notebook — Bem que havia suspeitado da fartura dessa mesa. Não poderia ser para mim com toda certeza.
— Obrigado. — disse ele meio tímido, meio decepcionado pelas felicitações sem graça que eu fiz.
— Vai sair hoje à noite para comemorar algo?
Ele balançou a cabeça em negação enquanto servia-se de café.
— Na verdade, eu estava...
— Tem como me levar lá na Clínica hoje às sete? — o interrompi — Nelson vai estar de folga e preciso de companhia. — justifiquei segurando ao máximo não parecer entusiasmada com a ideia.
— Tudo bem. — murmurou.
Como ultimato, levantei-me segurando o notebook e fui para outro cômodo.
Eu sabia muito bem a rotina de Hoyer para aquele dia: ele iria ao terapeuta e voltava às duas, depois ficava o tempo todo ziguezagueando a casa. Enquanto isso eu confirmava nossa participação com Ivanna para a festa temática que ocorreria na Clínica naquela noite.
Ao contrário do que eu esperava, Thomas passou o dia fora e só voltou às seis da noite com cara de poucos amigos. A ideia inicial era não contar nada sobre a surpresa, mas seu rosto abatido fez meu coração diminuir no peito. Meu objetivo era surpreendê-lo, não fazê-lo se sentir um lixo.
Vestida com uma saia godê vermelha na altura do joelho e um casaco azul, encontrei-o deitado no sofá da sala mexendo no celular.
— Querido, acho que você deveria ir um pouco mais arrumado. — comentei ao vê-lo de calça jeans e moletom.
— Eu não vou sair do carro. — replicou ele, confuso.
Respirei fundo antes de dizer:
— Quero te mostrar uma coisa, mas você precisa estar com uma roupa mais social. — tentei explicar sem expor totalmente meu planos.
Thomas sentou-se no sofá desconfiado.
— E confortável. — acrescentei — Uma roupa formal de dança, talvez. E sem seguranças, pelo amor de Deus.
— Uma roupa formal de dança? — repetiu, não entendendo o que acontecia — O que você está aprontando, Lydia?
Fiz a minha melhor cara de inocência.
— Nada, ué?
Ele se vestiu do jeito que eu pedira, mas, em troca disso, Thomas começou a fazer perguntas, logo após jantarmos. A maioria delas foram respondidas com um "lá você descobre" ou "só digo na presença dos meus advogados". Aquilo o deixou intrigado o suficiente para que aquela sombra escura do desânimo sumisse por um tempo.
Ainda quando passávamos horas no telefone conversando, Thomas falou o dia do seu aniversário. Já tinha uma ideia das músicas que ele gostava e a sua preferência eram jazz e blues dos anos 70, 80 e 90. Com isso em mente, ao ver que o baile dos anos de ouro da Clínica seria no mesmo dia em que meu destinado completaria 29 anos, percebi que era uma oportunidade perfeita.
Era difícil achar um presente bom para alguém que tinha tudo o que o dinheiro poderia comprar e os últimos acontecimentos da minha vida me fizeram esquecer completamente de ter reservado duas entradas para aqueles evento. Se Ivanna não ligasse no dia anterior perguntando se eu ia, talvez não me lembrasse mais.
Com passos hesitantes, Thomas saiu do carro observando as luzes que vinham do salão de festas da clínica. Alguns grupos de pessoas, em sua maioria adultos, andavam animadas até as portas iluminadas de pisca-pisca. Na fachada tinha o letreiro: "7° Baile Anual dos Anos de Ouro".
Segurei na mão de meu destinado e puxei-o para que andasse com mais firmeza.
— Quero dançar The Beach Boys com você — falei e senti-o apertar meus dedos com sua palma morna.
— O que é isso exatamente?
Expliquei como funcionava e pude ver a animação de Hoyer florescer com a perspectiva de dançar como se voltasse no tempo.
Quando eu vi a felicidade reluzir no rosto de Thomas ao entrar no salão de festas da Clínica, o mundo pareceu fazer sentido mais uma vez. Ele tinha um sorriso tão lindo e alegre que podia ver rugas novas atrás dos olhos.
Havia mais gente do que eu imaginava naquele lugar. A grande maioria eram casais de meia idade, aqueles que eram novos demais para serem chamados de idosos e velhos demais para serem chamados de jovens. Isn't she lovely de Stevie Wonder passou a tocar e logo Thomas puxou-me para dançar.
Uma das suas mãos estava em minha cintura e a outra segurava a minha esquerda. Ele me conduzia enquanto cantarolava a música, rodopiava-me pelo salão e eu sentia que estava flutuando. Era como estar dentro de um filme dos anos 70, dançar assim era muito mais prazeroso do que imaginei. Não havia sensualidade exacerbada, ela existia, no entanto, nos pequenos toques trocados. O homem constantemente retratado como simpático, mas reservado diante do público, deu lugar a uma pessoa muito mais calorosa, incentivado pela regra de proibição de câmeras e celulares no recinto, a não ser dos organizadores do evento. Era bem verdade que o grupo de pessoas de lá eram bem menos sem frescura para falar, mas vê-lo envolvido com um grupo de idosas e logo depois repetindo uma coreografia de Cherrybomb dos The Runaways era de se espantar Enquanto isso eu ria em deleite, a sua felicidade me dava uma densa calidez no peito.
Hoyer não poderia estar mais feliz e me arrastava junto sempre que podia, apresentando-me para diversas pessoas que eu não conhecia, mas que via andar pela clínica periodicamente. Ivanna apareceu, sendo ela uma das organizadoras, e foi uma daquelas raras vezes que ela não demonstrou um grande mau humor.
Eu tomava água enquanto via Thomas conduzi Hazel Bridgestone, uma das mulheres que estava em início de Alzheimer. Nos próximos meses, a memória desse momento iria desintegrar até ser reduzido a nada em sua mente, mas isso não importava. Com destreza, Hoyer segurava sua mão direita e mantinha uma postura de príncipe. God Only Knows tocava e Hazel sorria com as bochechas coradas, uma reação clara de flerte. Eu o via murmurar algumas coisas em seu ouvido e ela ficou vermelha como um tomate. Tomei um gole da minha bebida e suspirei sentindo-me intensamente apaixonada.
Aquele homem incrível que amava jazz, tinha problemas para decorar horários e possuía uma sagacidade própria era o que o destino havia preparado para mim. Se eu soubesse que o sentimento de plenitude me sucumbiria desta maneira, não tinha relutado com a ideia de destinado.
Os feixes de luzes laranja e amarelo davam uma aura mágica no local. Peguei uma garrafa de água e entreguei para meu destinado quando ele finalmente parou para descansar. Estava frio lá fora e o aquecedor não era um dos melhores, mas, por causa da sua constante movimentação, Thomas já havia desabotoado os primeiros botões e estava com as mangas da camisa dobradas.
— Não sabia que Vossa Excelência era tão talentoso na dança. — comentei.
— Talentoso? Você quis dizer desengonçado, não? — perguntou segurando-me pela cintura, deixando-nos mais próximos.
— Bem, não vi você pisar no pé da pobre Hazel.
Depois de dar um longo gole da sua água, Thomas sorriu, divertindo-se como ninguém. Passei meus braços em seus ombros para abraçá-lo.
— Feliz aniversário, meu amor.
Ele beijou-me na bochecha e sussurrou:
— Obrigado, liebe. Esse foi o melhor presente que ganhei em anos.
Acariciei seu rosto memorizando cada detalhe de sua feição. Através de seus olhos, eu podia ver que aquele agradecimento era real. Como fora os seus últimos aniversários? Será que ele passara todos esses anos comemorando sozinho?
— Como é estar mais perto dos trinta? — indaguei brincando com seu colarinho.
Hoyer franziu o cenho.
— Me diga você, já tem vinte e seis.
Dei língua para ele e fui puxada para pista. Come a Lit Bit Closer dos The Americans estava na metade e não evitei fazer a dancinha segurando suas mãos e gargalhei me sentindo a mulher mais sortuda do mundo. Logo, o som de Frank Sinatra invadiu o salão. Fly me to the moon era uma das minhas favoritas, pois era a música dos meus pais. Embora tinha acontecido apenas uma vez, ainda possuía uma fresca lembrança de ver os dois abraçados na minúscula cozinha enquanto essa música tocava na rádio.
Com a cabeça encostada no ombro de Thomas, me senti melancólica de repente. Durante muito tempo estive presa nas lembranças dos dois e admirei-os pela cumplicidade, paciência e, sobretudo, o amor que sentiam um pelo outro.
Quando a música Feeling Good de Nina Simone, ele segurou-me perto em um balanço mais lento, nossos corpos tão perto que o seu calor dava uma sensação de frescor em mim.
Infelizmente, tão logo como começou, o evento terminou. Lá fora caía um pé d'água, deixando as estradas muito mais perigosas do que já eram. Ivanna aconselhou que procurássemos o hotel Morada Azul para passarmos à noite, pois a previsão era de chuva até de manhã. Enquanto fitava Thomas correndo até o carro para pegar seu guarda-chuva na mala da Frontier, Ivanna se posicionou ao meu lado.
— E aí? Muito cansada? — perguntei apenas para iniciar a conversa.
— Só preciso encostar a cabeça e irei dormir — disse massageando o pescoço — Já você ainda tem uma longa noite esperando, hein?
Senti todo o meu rosto esquentar e fiquei muda. Em resposta, Ivanna soltou uma das suas gargalhadas escandalosas, zombando da careta que eu havia acabado de fazer.
— O que há de tão engraçado? — indagou Thomas ensopado, mas segurando o guarda-chuva preto com firmeza nas mãos.
— Nada. Nada. Boa noite, Ivanna. — falei quase o empurrando antes que minha amiga dissesse mais alguma coisa que me deixasse mortificada.
O hotel era a menos de 2 quilômetros da clínica, o que facilitou nossa chegada. Muitos dos hóspedes eram familiares que acompanhavam os pacientes da clínica e não conseguiram vaga para acompanhante de graça. O recepcionista era um homem de vinte anos e mexia no celular, totalmente entediado. Thomas teve que chamá-lo ao menos três vezes para que fôssemos vistos.
— Sheisse. — xingou Thomas ao ver que até sua carteira foi molhada. Meu destinado pegou um dos cartões e acrescentou: — Qual é o melhor quarto que vocês têm?
Levantei as sobrancelhas, me perguntando se algum dia eu falaria algo parecido sem ficar com a consciência pesada. Se eu estivesse no lugar do Thomas perguntaria "qual é o quarto mais barato?"
Com os dedos entrelaçados, meu destinado me arrastou acompanhando o passo do recepcionista, o qual pareceu bastante solícito assim que percebeu que Thomas era de uma ala mais elevada. A única vantagem do quarto era de que ele era grande e tinha os dois aquecedores funcionando, pois a pousada era destinada aos moradores de bairros mais pobres, os quais não exigiam nada além de um lugar confortável para dormir.
Sentei na cama enquanto vi Thomas entrar no banheiro para se enxugar. Ele apareceu em minha frente passando a toalha no cabelo, comentando algo sobre o quanto se divertiu na festa.
— Fico feliz em saber isso. — repliquei enquanto tirava as sapatilhas — Meus pés estão doendo, mas a experiência valeu a pena.
Ele olhou para mim com um dos seus melhores sorrisos, aquele que fazia os meus joelhos amolecer.
— Você é incrível, Lydia, eu já te disse isso? — elogiou sentando ao meu lado. — Obrigado mais uma vez.
Pus minhas mãos em seus ombros ainda úmidos. Os dedos correram pelo seu pescoço e rosto e vi o arrepio que se alastrava através de meu toque. Seus olhos brilharam, uma luz atrevida cruzou sua íris quando massageei seus cabelos molhados com carinho.
— Não me encha de elogios, amor. Apenas... — suspirei — Apenas quero vê-lo feliz.
Lembrei-me dos nossos diversos momentos juntos, inclusive, quando o disse que não era um fardo. Eu queria aqueles momentos e muito mais. Queria sua alegria, sua vivacidade, seu cheiro impregnado em mim. Queria que ele fosse amado.
— Eu amo você. — as palavras escorregaram da boca tão naturalmente que não percebi que havia dito até tê-lo feito.
Naquela manhã, quando os funcionários bateram palma, pesquisei o significado da frase que ele me ensinou. Não sabia muito bem o que fazer com aquela informação antes, mas, naquele momento, eu soube. Porque, assim como ele, eu também estava apaixonada.
— Ichi liebe dich. Amo você. — falei.
Como em um clique, senti meu coração encher de uma calidez voraz, a qual não podia suportar no peito. Era intenso demais para uma pessoa só. Eu o amava. Cada pedacinho que fazia ele ser quem ele era, cada fio de cabelo daquele homem.
— Eu te amo. — replicou ele aproximando-se e segurou meu rosto com suas mãos. Os olhos escuros brilhando com algo tão bom e agradável, quase sobrenatural. — Eu te amo com todas as minhas forças, liebe.
Thomas mordeu meu lábio inferior fazendo-me soltar um gemido involuntário. Logo, ele encaixou suas boca na minha com voracidade, acomodando me em seu colo. Seu corpo era duro e voluptuoso abaixo de mim, a excitação nos envolvendo de forma incontrolável.
O frio da noite se dissipou dando o lugar do calor produzido pelo atrito nos nossos corpos. Após retirar sua camisa molhada, meus dedos deslizaram sobre suas costas macias, descobrindo cada detalhe de seu corpo que antes não conhecia. Os lábios de Thomas dominaram meu colo e com cada beijo ele marcou minha pele. Escutei-o sussurrar palavras em alemão e, apesar de não conhecer os significados delas, cada uma delas despertava um nova necessidade de tê-lo perto de mim.
Entre carinhos, gemidos e promessas, nossos corpos se uniram em um só. Gostaria de falar mais daquele noite, de como foi estar nos braços de quem eu amava com todos os detalhes sódicos, mas esse momento tão especial, e íntimo apenas ele, eu e o destino saberemos.
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Era quase oito horas da manhã quando saímos da Morada Azul e fomos para casa. Eu me sentia exausta pela noite mal dormida e Thomas parecia tão cansado quanto eu. Ao entrar no carro, meu destinado massageou o pescoço com uma careta.
— Nunca mais piso aqui — resmungou ao ligar o automóvel — Aquele colchão acabou com as minhas costas. Dormi muito mal essa noite.
— Sim, foi o colchão com certeza — disse eu com sarcasmo.
Hoyer me olhou inocentemente antes dizer:
— Se não foi isso, então, o que seria?
Dei-lhe um empurrão e começamos a rir como alunos da quarta série. Peguei-me fitando sorriso tão bem desenhado de Hoyer e a sensação da certeza de amá-lo ainda estava lá.
Passei boa parte do domingo na sala de estar envolvida com o projeto da Coral. Minha ideia para a empresa não estava exatamente na linha de produtos oferecida, mas acreditava que a novidade ia chamar atenção dos donos da Coral. Só de pensar que aquilo valia meu emprego, o estômago esfriava.
Estava tão compenetrada no notebook que só percebi a presença de Thomas quando o flash brilhou bem no meu rosto, assustando-me.
— Droga! — resmungou ele — Pensei que tinha desabilitado isso.
— Tem a discrição de um elefante em um ataque de diarréia. — repliquei digitando mais uma nota ao lado do slide. — Tsc, tsc, tsc.
Thomas sentou-se ao meu lado e tirou outras fotos. Na última, virei-me para ele e sorri com exagero. Aparentemente, meu destinado não queria me deixar trabalhar. Com o queixo apoiado no meu ombro, ele tirou outra fotografia de nós dois, mostrando-se estar se divertindo com aquilo.
— Amor, eu tô ocupada.
— Eu sei, mas já faz horas que vejo você aí digitando... — respondeu, porém não parou de fazer sua sessão particular de fotos. — Estou entediado, Lydia.
— Estou vendo. — repliquei com os olhos semicerrados — Por que não lê um livro? Vê um filme? Você pode pintar ou jogar video game.
— Cansei dessas coisas. — murmurou abraçando-me e deixando a câmera de lado — Preciso de um novo hobby.
— Por que não toca um pouco de sax ou piano, hein?
Ele pensou um pouco, afastou os cabelos da minha nuca e beijou ali. Um calafrio atravessou meu corpo e a boca secou em antecipação.
— Pode ser. — disse, mas Thomas não se mobilizou para fazê-lo. — Na realidade, quero tocar outra coisa.
Soltei um gemido involuntário quando suas carícias passaram a ser na minha orelha, queixo e rosto. Hoyer tinha uma delicadeza própria, como a de um artista que conhecia a técnica do desenho com perfeição.
— Thomas... — embora o objetivo era adverti-lhe, o tom saiu mais como uma súplica do que outra coisa. — Eu preciso trabalhar. — resmunguei afastando-me dele. — Não é uma boa hora pra ser seduzida.
— Toda hora é uma boa hora para ser seduzida. — contrapôs Thomas em seu sorriso ladino, de predador, cheio de segundas intenções.
Ele era absurdamente atraente. Desde os cabelos encaracolados ao queixo masculino. Ao abrir os olhos, uma nova excitação acendeu em mim ao ter suas íris negras em minha direção. O brilho prateado estava lá, forte como nunca, a boca entreaberta... Sua personalidade também deixava-o mais bonito e pensar em suas qualidades fazia com que seus defeitos se transformassem em nada.
— Você precisa mesmo trabalhar agora? — indagou ele.
— Sim! — repeti com mais ênfase.
— Sua apresentação vai ser segunda? — indagou de repente.
— Sim, isso mesmo — repliquei — Como sabe?
Ele deu um sorriso, aquele que sinalizava esperteza, e a resposta pareceu óbvia. Então, nós dois falamos em uníssono:
— Carter.
— Ele me convidou para ver sua apresentação — adicionou ele — Tudo bem se eu for?
— Claro — respondi sem pensar muito. — Agora, preciso ficar sozinha.
— Isso mesmo, me expulse da minha própria sala de estar — disse ele levantando-se meio desajeitado — Vou andar um pouco, qualquer coisa estou no jardim.
Olhei para a janela e pude ver a extensão de árvores sem folhas e a imagem sem graça do jardim por causa do inverno. Dei os ombros, lhe dando um selinho antes de vê-lo sair.
A segunda-feira chegou e com ela o nervosismo. Eu já havia lido as anotações o suficiente para decorá-las e repeti-las de trás para frente. Meu estômago revirava de ansiedade e sentia vontade de vomitar a qualquer momento. A movimentação do carro também não me ajudava muito.
Percebendo que não me sentia bem, Thomas segurou minha mão.
— Suas mãos estão frias — comentou — Vai dar tudo certo, liebe.
— Eu não sei, Thomas — repliquei olhando para a janela do carro. Como estávamos indo para o mesmo lugar, não fazia sentido usarmos dois carros diferentes — Estou com uma sensação ruim.
— Não fique assim — disse ele abraçando-me de lado e beijando minha testa — Você é talentosa e vai se sair bem. Eu vou estar lá pra te dar apoio.
Balancei a cabeça em concordância sentindo-me mais aliviada em tê-lo na apresentação. Ao menos alguém estaria torcendo por mim. Lembrando daquela conversa estranha que tive com os diretores executivos da Coral, abri a boca para comentar, mas o carro parou subitamente.
— Pronta? — indagou Thomas segurando a porta para que eu saísse.
Soltei um suspiro e murmurei uma afirmação. Nós dois entramos lado a lado na Coral, embora sem nos tocarmos, e enquanto marchei até a recepção, Hoyer subiu até o andar da sala de reuniões como de costume. Não esquecendo, é claro, de piscar para mim antes de ir.
— Amigos, hein? Mais amigos que vocês só dois de vocês — comentou Daisy com sarcasmo logo depois me desejar bom dia.
— Nem tão amigos assim, suponho — respondi com um sorriso — Hoje vai ser um grande dia.
— Felicidades pra vocês — desejou Mary sem muita vontade.
— Obrigada — agradeci incomodada com sua atitude.
Estranhamente todos os CEOs estavam na empresa à espera da apresentação. Todos os cinco estavam sentados em suas respectivas cadeiras quando entrei na sala de reunião para arrumar o datashow. Thomas também estava lá e me deu um sorriso discreto de motivação. Logo eu estava pronta para apresentar o projeto.
Engoli o seco ao ver o rosto nada simpático de meus chefes, mas me agarrei as palavras de Thomas. Vai dar tudo certo.
Comecei falando da concorrência e de seus avanços os produtos, mostrando estatísticas e propagandas das empresas que disputavam seu lugar no mercado. Expliquei que não havia nada de novo nas outras empresas, a não ser, é claro, do desenvolvimento de plataformas de estudo individual, sendo a maioria focada em anotações de aulas e organizações de agenda. Foi aí que entrei na ideia de criação de um aplicativo que toda uma escola pudesse utilizar, onde os professores controlariam e disponibilizaram as atividades e estariam conectados com os alunos. A novidade seria uma parceria com empresas de livros didáticos e professores da área para o desenvolvimento dos exercícios complementares disponíveis no aplicativo. A ideia inicial era o uso para educação básica para depois atingir as áreas mais complexas da educação. Defendi meus argumentos a partir de alguns estudos científicos e pesquisas sobre a facilidade que as crianças mais jovens tinham para o uso da tecnologia.
Expliquei cada mínimo detalhe do projeto para tirá-lo das margens da dúvida. Foram duas horas e meia de falatório em que eu parava apenas para beber água e responder perguntas dos diretores executivos.
Então, quando concluí, um pesado silêncio pairou no ar. Entrelacei meus dedos, nervosa, e encarei um ponto atrás dos donos da Coral, incapaz de olhar em seus olhos.
— O que acha da ideia, Thomas? — indagou Cassandra virando-se para meu destinado.
— Um pouco arriscada, mas tem grande chance de dar certo. — respondeu com simplicidade, mostrando-se orgulhoso.
— Essa ideia é sua, senhor Hoyer? — perguntou Shawn. Eu e meu destinado franzimos o cenho com essa pergunta. — Levando em consideração que tem estado perto demais da empresa, duvido que tenha vindo da sua destinada.
— O quê? Do que diabos está falando? A ideia é de Lydia, oras. Nosso relacionamento não tem nada a ver com sua vida profissional — replicou Hoyer irritado com aquela insinuação.
— Thomas não tem nenhuma relação com meu projeto, eu... — argumentei.
— Silêncio. — disse Carter com seu tom cortante, sem olhar para mim. Albert virou-se para Thomas com as sobrancelhas erguidas — Realmente achou que não iríamos descobrir que está morando com sua destinada, Thomas? Que não íamos perceber seu intuito de tomar a empresa de nós?
— Que baboseira. Você mais do que ninguém sabe que dirigir empresas nunca foi meu desejo, Carter — replicou Thomas confuso.
— Você sabe, senhor Hoyer, que espionagem cancela todo contrato que nós estabelecemos há alguns anos atrás, não é? — perguntou Hunter, parecendo um domador de leões com sua arrogância.
Comecei a suar frio, lembrando-me de ter sido acusada de ser espiã há uma semana.
— Mas o que... — Thomas interrompeu-se ao olhar no meu rosto e pude ver pela sua expressão que ele entendeu — Isso é rídiculo. Lydia trabalha com vocês há anos e nunca trairia a confiança de ninguém só por causa de mim.
— Ah, é? Isso explica a vontade de crescer na empresa depois de ausência 5 anos trabalhando do mesmo jeito? — replicou Cassandra — Aliás, senhorita Blackwell, seu trabalho está feito aqui. Pode passar no RH para pegar sua carta de demissão. Temos que conversar a sós com o nosso acionista.
O sangue fugiu do meu rosto e senti a língua pesar na boca. Não consegui falar nada, apenas olhei para os CEOs da Coral. A sala parecia cada vez menor, o ar sumiu os meus pulmões. Desde o momento que eles me disseram para apresentar o projeto, a demissão já estava à caminho. Eles só aguardavam a presença do meu destinado para ver a minha humilhação.
— Isso é injusto! — exclamou Thomas alterado — Estão acusando Lydia, uma inocente, com falsos pretextos, sem nenhuma prova, apenas achismos seus.
Sai da sala lentamente, segurando-me para não desabar na frente daqueles lobos, mas parei subitamente ao abrir a porta.
— Acreditem vocês ou não, nunca traí a Coral ou fui espiã de Thomas. Mas, diante desse ato tão estúpido, infantil e sem escrúpulos que os senhores cometeram, acredito que esse é o momento para lhes dizer que, de acordo com a última pesquisa, a que saiu hoje de manhã minutos antes de vir até aqui, a Coral caiu para a décima colocação das melhores empresas de materiais escolares. — expliquei com uma frieza crua e difícil de digerir. — Boa sorte com a nova crise que irão enfrentar.
Com cuidado, fechei a porta e andei devagar em direção ao elevador. Não derramei uma lágrima sequer até sair do prédio com a carta amassada em minhas mãos e uma caixa com os meus pertences. Tive que devolver o meu celular e o notebook, obviamente, e inventei uma desculpa qualquer para evitar as perguntas da Daisy, que me viu caminhar segurando a caixa de papelão.
Só quando cheguei no carro deixei as lágrimas externar a sensação de decepção e raiva que me dominava. O sentimento de ser injustiçada era tão ruim quanto comer algo estragado.
— Carlos, você pode me levar para casa e depois vir buscar Thomas? Por favor. — pedi com um fiapo de voz.
O motorista de Thomas obedeceu sem me responder e me levou até a Ala A. Ao chegar em casa, Rose percebeu pela minha expressão que nada estava bem, mas não insistiu quando eu disse eu não queria falar do assunto e desejava ficar só. A cozinheira me ofereceu o último pedaço de bolo que ainda tinha na geladeira e eu passei uns bons 40 minutos encarando a tela da TV desligada da cozinha.
Thomas chegou com passos pesados depois de quase 1 hora desde que eu havia voltado para cada. Ele estava vermelho e seu cabelo se mostrava todo desarrumado.
— Diga-me, pelo amor de Deus, que você leu antes de assinar a carta de demissão.
Senti um calafrio na espinha quando eu percebi que havia apenas passado os olhos, sem prestar atenção nas palavras que lia, e assinado sem pretensão alguma.
— Cassandra disse que você sabia que tinha sido acusada de espionagem. É verdade? — sua voz mantinha uma raiva contida e seus olhos pareciam duas lâminas afiadas.
— Sim. — respondi culpada — Mas eu pensei que pudesse resolver sozinha.
— Por que você não me contou?! Meu nome tava envolvido! Eu merecia saber disso! — sua voz aumentou duas oitavas de histeria.
— Baixe seu tom para falar comigo, Hoyer — disse com frieza e sem medo — Eu posso ter errado, mas isso não lhe dar o direito de gritar comigo.
Thomas pôs as mãos no rosto, parecendo cair a ficha do que estava sendo dominado pela raiva e não pensava com clareza. Sua voz perdeu a agressividade, mas estava carregada de mágoa e de desolação.
— Se você tivesse dito alguma coisa, eu teria resolvido a situação. Mas quando chegamos juntos na empresa eles entenderam como um deboche — disse ele como se não acreditasse no que acontecia — E o pior que toda a história que eles criaram faz a porra do sentido.
Hoyer puxou os cabelos para trás e a culpa se instalou firmemente no meu peito.
— Eu sei que não sou perfeito, Lydia, mas... — ele soltou um riso sem humor — Minha destinada não confia em mim e meu tio acabou de dar uma punhalada pelas costas. Ótima forma de começar uma segunda-feira.
Logo, quando abri a minha boca para me desculpar, seu celular tocou. Ao olhar para tela, ele coçou os olhos incomodado e atendeu.
— Pai? Sim, senhor. Preciso de sua ajuda, Carter quer pôr as mãos na herança de vovó.
Franzi o cenho sem entender. Então, tudo aquilo era um plano maior do que eu havia previsto? Por isso ele parecia tão transtornado? Havia muito mais dinheiro envolvido? Eu era só mais um peão naquela jogada?
Thomas resmungou afirmações até desligar o celular.
— Depois conversamos.
E foi embora, deixando me confusa, ressentida e com metade do pedaço de bolo ainda no prato.
N/a:
Ah, esses dois. Até quando dá certo, dá errado. Sei não, viu?
Estamos na reta final de OWC e posso dizer que as coisas começarão a se encaixar. Se preparem!
No mais, quero desejar um feliz ano novo para todo mundo que acompanha a história! Que 2018 seja um ano repleto de bons momentos e experiências para todo mundo.
Dia 10 de janeiro sairá o capítulo 22 de certeza. Agora que estou de férias, vou tentar me organizar para criar um calendário de atualizações. Não prometo nada, porém.
Deixem sua opinião e uma estrelinha para ajudar a autora aqui! Espero que tenham curtido esse capítulo e as reviravoltas que ele deu.
Lembrando que podem fazer perguntas ao pp no ask.fm/Thomashoyer e para a pp no ask.fm/lydiatb.
Também estou com um Twitter novo: @themaraiza
Me sigam lá!
Para quem quer acompanhar notícias sobre as minhas histórias, spoilers e etc, tenho também o grupo no FB: Maraíza Santos - Fanfics
Até mais!
Att: falhei no script e acabei esquecendo de citar sobre o aniversário de Thomas antes. Queria dizer que a culpa foi do estagiário, mas ainda não cheguei nessa pretensão KKKKK anyway, peço desculpas. Prometo que logo após a revisão, vou resolver isso.
Espero que tenham gostado mesmo assim ❤
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