Capítulo 20
"Eles dizem: Você é um pouco demais para mim. Você é um fardo (...) Então eles recuam, fazem outros planos. Eu entendo, sou um fardo." - Liability, Lorde.
Eu fitava Andrew, mas não entendia o que ele dizia. Observei-o clicar em uma janela no computador, fazer uma piada e rir na sequência. Dei-lhe um sorriso, mesmo sem entender o porquê da sua risada. Pela quarta vez olhei para o relógio no canto da tela e o tempo parecia estacionado no lugar. Maldição! Por que as horas não passavam?
一 ...não é, Lydia?
一 Sim, isso mesmo. 一 afirmei balançando a cabeça para reforçar a ideia que era desconhecida por mim.
Andrew mirou-me com o olhar cético.
一 Você acabou de concordar com o fim dos filhotes de panda.
Pus a mão no rosto envergonhada.
— Só estou meio distraída hoje, desculpa.
— Você não é de ficar distraída. — comentou ele com os olhos semicerrados. — O que aconteceu?
— Nada não. — respondi constrangida.
Não admitiria tão facilmente que a fonte da minha distração era a iminente chegada de Hoyer. Havia se passado dias, mas pareceram meses!
— Lydia, o que é? — indagou irritado.
Ignorei-o deliberadamente e me voltei para a apresentação que estávamos montando. Queria fazer algo simples no PowerPoint, mas Andrew disse que conhecia um aplicativo muito mais eficaz e que daria uma nova cara ao projeto. Topei fazê-lo no horário do almoço, então, apenas comi uma maçã para estar no setor quase vazio fazendo aquele trabalho. Apesar de adorar trabalhar na Coral, algo naquele projeto estava errado. Não sabia o que era, mas sentia lá no fundo que a pressão advinda do meu chefe e seus sócios continha algo muito estranho.
O dia foi marcado por várias ligações para o pessoal da organização da festa anual da Coral que ia acontecer na sexta-feira à noite. Carter, como sempre, desejava que tudo estivesse impecável e me perguntava constantemente sobre o bufê e à decoradora.
Voltei para casa após passar no hospital. Jack estava com a perna enfaixada e mais uma vez agradeci aos céus por vê-lo tão bem. A bala tinha dilacerado apenas parte dos músculos da batata da perna e a recuperação dele tinha uma chance gigantesca de dar certo.
Cheguei na mansão de Thomas com uma sensação de ansiedade dominando o estômago. Meu rosto deveria estar expressando isso já que assim que pus os pés na cozinha, Rose disse sem delongas:
— Hoyer está lá em cima no quarto de jogos desde que chegou. Mande ele descer, fiz uma sopa de legumes maravilhosa.
Subi as escadas de dois em dois degraus e tropecei um par de vezes por causa da minha afobação. Encontrei-o sentado no sofá do quarto de jogos matando zumbis no videogame. Hoyer estava jogado desajeitadamente no móvel e apertava os botões do joystick como se sua vida dependesse disso. Ele usava um casaco moletom da Columbia University e uma touca que cobria toda sua cabeça.
Toquei em seu ombro e ele olhou para trás por puro reflexo, voltando rapidamente para a tela da TV. Como se apenas reconhecesse meu rosto depois, Thomas pausou o jogo e virou-se pra mim de súbito.
— Mein Liebling. — disse ele sorrindo ternamente.
Ele veio até mim e abraçou-me como tanta vontade que pensei que ele me partiria ao meio; mesmo assim, sentir o calor tão perto do meu destinado era como estar finalmente em casa, protegida e cheia de conforto. Thomas cheirava a baunilha e aproveitei para afundar meu rosto em seu peito.
Não dissemos nada por dois longos minutos, a sensação de estar com ele me acalmava. Naquele abraço, eu lembrava quão real Thomas era. Seu corpo se encaixava perfeitamente ao meu.
Thomas beijou o lóbulo da minha orelha e, em resposta, tremi. Com os braços apoiados em seus ombros largos, fitei seu rosto tão familiar a mim; quando ele sorriu, pude ver as rugas que formavam no lado dos olhos e as covinhas discretas e quase imperceptíveis que Hoyer possuía. E havia seus lábios rosados, os quais aparentavam como a coisa mais desejosa no momento.
Não demorou muito para que ele me beijasse e eu agarrasse em seu corpo com desespero. Thomas não foi delicado, porém eu gostava da rudeza em que sua boca invadia a minha, explorando-a e reivindicando-a como se fosse sua. Seus dedos cravados nos meus quadris encontraram uma pequena parte exposta da minha pele e acariciava-a com a delicadeza de seus nódulos. Embora tivesse mãos estritamente masculinas, elas eram macias, sem calos e mantinha a leveza de um bom músico.
Embora ele tenha desgrudado nossos lábios, Thomas ainda mantinha o nariz roçando na minha bochecha. Meu destinado tinha os olhos fechados e a respiração pesada, então, prestei atenção nas suas novas olheiras. Ao fitar-me diretamente percebi as nuances de quem estava abatido.
Preocupada, afastei-me um pouco para perguntar.
— Está tudo bem? Aconteceu alguma coisa?
— "O que não aconteceu?" deveria ser sua pergunta, — resmungou — mas por certo estou muito melhor agora.
Hoyer falou da sua viagem e que tivera o vôo cancelado na ida; também contou sobre a correria em que sucedeu os seus dias na capital, pois o mesmo saía e entrava em diferentes sessões a cada três horas. Mal dormira nos últimos dias, disse ele.
No meio da conversa nos jogamos no tapete felpudo do salão, a cabeça de Thomas apoiada em meu colo enquanto lhe fazia cafuné com as costas apoiadas no sofá. Comentei que seu cabelo estava grande e ele disse que já havia ficado careca por um tempo — o que não perdi tempo de tirar uma com sua cara. Hoyer sem cabelo deveria continuar bonito, mas isso não significa que não seria algo muito estranho.
— Como está aquele garoto? Você já o visitou? — perguntou em meio aos bocejos.
— Ele está bem, sim. — respondi — Obrigada por financiar o tratamento dele, Thomas. Realmente não precisava.
— Precisava sim. — afirmou com um sorriso. — Não quero ver você preocupada quando eu posso resolver suas preocupações apenas passando um cartão. Sem contar que acalmou minha consciência.
Eu ri. Thomas segurou minha mão e beijou a palma delicadamente.
— Bem, então é sorte que você seja milionário, porque essa deve ser a terceira vez que você gasta dinheiro com a saúde de alguém que é importante para mim. — comentei.
— Segunda vez. — corrigiu. — Inclusive, li em um artigo esses dias que mal de Alzheimer pode ser passado de pai pra filho, é verdade?
— Não, ao menos não funciona assim. — replique — Os filhos podem herdar os genes defeituosos e ter maior probabilidade adquirir a doença, mas é relativo. Nem todos herdam isso.
Ele inclinou um pouco a cabeça para me tirar diretamente.
— Você tem?
Balancei a cabeça afirmando.
— Já fiz tratamento quando era criança, mas tenho que voltar a fazer quando tiver aos trinta anos.
Thomas ficou calado parecendo bastante perturbado em ter aquela informação. Não deixei de ficar tensa, também. A perspectiva de passar por isso era a sombra de um pesadelo que, embora eu adiasse, uma hora chegaria. Era inevitável.
O silêncio que se instaurou não era confortável como de costume, mas não se caracterizava como desconcertante. Quase pude ver as engrenagens do cérebro de Thomas funcionando e tentando resolver a situação, como ele sempre fazia, no entanto, aquilo estava longe do seu alcance. Imaginava quão frustrante deveria ser para alguém calculista como ele lidar com uma situação que dependia exclusivamente do destino.
Hoyer ergueu-se o suficiente para abraçar minha cintura com firmeza e beijou minha barriga. Acariciei seus cabelos sentindo uma mensagem silenciosa de incerteza compartilhada entre nós dois. Sua linguagem corporal falava o que as palavras nunca poderiam me dizer com exatidão.
Quando lembrei de chamá-lo para comer, apesar de eu mesma não sentir fome, Thomas dormia apoiado em mim. Fiquei com pena de acordá-lo, então, apenas apoei minhas costas com o travesseiro do sofá jogado no chão e tentei dormir também.
Acordei ainda de madrugada com uma forte dor nas costas e uma vontade enorme de ir ao banheiro. Hoyer ainda mantinha-se na mesma posição de antes parecendo estar mais mergulhado no seu sono.
— Thomas, preciso me levantar. — pedi balançando-o suavemente.
Meu destinado abriu os olhos, se levantou devagar e se jogou no sofá para dormir de novo. Sorri com aquela cena tão simples, mas que marcava uma intimidade que compartilhávamos. Havia muito mais do que apenas desejo e atração entre nós dois.
Por fim, beijei-lhe a testa antes de correr para o banheiro do segundo andar.
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— O que você tanto procura na geladeira? — indagou Thomas abraçando-me por trás.
Era manhã e o sol havia dado as caras. O clima estava bem mais atraente do que antes, apesar de ainda fazer bastante frio. Mesmo não dormindo como uma princesa, me sentia animada para começar o dia.
— Alguma fruta. — respondi pegando um melão. Virei-me para ele e o olhei confusa ao vê-lo vestido como um reles mortal — Não vai trabalhar hoje?
— Estou de folga. — disse pegando a jarra de suco dentro do eletrodoméstico — Meu único objetivo hoje é vagabundear pela casa.
— Ser funcionário público deve ser uma maravilha. — comentei sentando na ilha.
Rose colocou um prato de torradas a minha frente e disse:
— Concordo. Funcionário público é cheio de regalias.
— E ainda acham pouco. — completei puramente para irritá-lo.
— Você não tem que estar na Coral antes das sete, não? — Thomas — E Rose, você está demitida.
A cozinheira, em resposta a sua piada, deu uma gargalhada alta, estridente e que parecia muito com um porco enquanto saia da cozinha.
Troquei o olhar com Thomas e tentamos segurar o riso sem sucesso. A risada me deu dores de barriga depois, mas valeu a pena. Aquele dia começou muito bem.
Passei boa parte do dia acompanhando os decoradores andar pelos lados e supervisionando seu trabalho. Conheci bastante pessoas novas e os ajudei quando era preciso. Nos pequenos intervalos, eu mandava uma atualização por mensagem para Albert explicando o que acontecia e alimentando seu jeito controlador de ser; às vezes pesquisava algo sobre o projeto já que àquela altura ainda não tinha o produto inovador pedido por Carter. Cada vez que os dias se passavam a ansiedade me dominava e a quase demissão jazia as portas.
Com quase tudo pronto no espaço alugado por meu chefe, Albert ainda achou na última hora do meu expediente um horário propício para comprar remédios para enjôo para Carol Carter, sua mulher. Estava voltando para empresa apenas para dar-lhe o remédio, bater ponto e buscar um par de sapatos que pedi emprestado a Daisy, quando de longe presenciei uma cena suspeita.
Mary descia a escadaria deserta da Coral desconfiada. Por estar descendo do lado esquerdo, ela não me viu subindo pelo lado oposto e observando-a. De repente, uma Ranger Rover branca saiu do estacionamento do prédio e parou em sua frente. Ela abriu a porta do passageiro, falou algo com o motorista e entrou rapidamente. Fitei o carro com o coração acelerado até ele sumir do meu campo de vista.
Só havia uma pessoa em todo aquele prédio que possuía uma Ranger Rover branca: Garry Fordnelly.
A perspectiva de que Mary, a mulher que sempre se mostrou feliz com o seu casamento, estivesse traindo o esposo me perturbou intimamente. Ela sempre fora uma pessoa de caráter "elevado" ao meu ver, embora estivéssemos afastadas, desde o escândalo que havia ocorrido no final de semana.
Minha expressão facial denunciava alguma coisa já que, ao me ver, Daisy franziu o cenho preocupada.
— Está tudo bem, Lydia?
— Sim, está sim. — murmurei — Hmm... é... Você tem ouvido falar do Robert? Ele arrumou um emprego, não foi?
— Mary disse que sim e que é um que ele passa a maior parte da semana viajando — replicou ela — Eu não sei como ela consegue realmente. Morro de saudades do Mark se ele passa mais de dois dias viajando a trabalho.
— Ah, sim. — falei balançando a cabeça para evitar tirar qualquer conclusão precipitada — Cadê os sapatos maravilhosos que você disse que tinha?
O rosto de Daisy brilhou como uma árvore de Natal e rapidamente o assunto mudou.
Voltei para casa apenas para trocar de roupa e estar presente no local da festa antes dos chefões da Coral para ajudar na recepção dos convidados e funcionários da empresa, então, corri para o quarto sem parar para conversar com Rose.
Usando um vestido de inverno que estava ainda com a etiqueta da loja e os sapatos meia pata, azul de veludo de Daisy, uma maquiagem um pouco mais elaborada do que eu usava todos os dias, saí do quarto mexendo o celular quase descarregado.
— Sheisse. — me ouvi xingando, embora não fizesse ideia do que aquela palavra significasse, ela parecia bem pertinente para aquele momento.
— Não sabia que tinha aprendido a falar palavrões em alemão.— Thomas comentou atrás de mim e virei-me para vê-lo.
Hoyer estava usando roupas de malhar e tinha testa suada. Ao me checar em toda minha pompa, uma sombra prateada cruzou seu olhar deixando-o parecendo um predador. Um arrepio atravessou minha espinha.
— Uau. Você está linda. — elogiou — Para onde está indo?
— Festa de comemoração de doze anos da Coral. — repliquei com um sorriso — Pensei que você fosse também.
— A festa é hoje? — indagou confuso — Sheisse. Passo um dia sem Ms. Snyder e fico desabilitado de lembrar de qualquer compromisso.
— Bem, você tem tempo. O evento só começará daqui a duas horas.
— Ótimo. — falou — Então tenho tempo para entregar-lhe uma coisa.
Franzi o cenho confusa.
— O que é?
Segui Thomas até o seu quarto — o qual era tão bagunçado quanto um porão de uma casa abandonada — e o vi sumi dentro do seu closet.
— Pode entrar, Lydia. — chamou de longe.
O closet de Hoyer tinha o tamanho suficiente para ser um segundo quarto e ternos o bastante para vestir metade dos advogados do país. Algumas portas estavam abertas revelando gravatas espalhadas, assim como meias e camisas sociais.
— Aqui está. — disse ele segurando uma caixinha pequena de veludo vermelho.
— O que é isso? — perguntei alarmada.
— Uma amiga me disse uma vez que mulheres não deveriam andar sem joias e eu sei que você não tem muitas. — comentou um pouco constrangido — Ela me ajudou a escolher esse par de brincos e acho que combina com você.
Aproximei a caixa ao meu olhar e vi o símbolo da Lower na fechadura de modo discreto. Abri com cuidado para encontrar um par de brincos pequenos, azuis e parecendo duas gotas d'água. Sem palavras olhei para meu destinado também às fitava em minha mão.
— Isso é diamante? — indaguei maravilhada. Só havia visto um desses na TV. Ele assentiu com a cabeça — Não posso aceitar.
— Não só pode como irá aceitar. — advertiu Thomas segurando-me pelos ombros.
Olhei para eles pensando que nunca imaginaria ganhar joias daquele nível e que talvez eu não fosse digna de usar algo tão precioso. Aquilo era um pouco demais para mim.
— Deixa eu te ajudar. — disse Thomas direcionado-me para frente de um grande espelho de seu closet e segurando meu cabelo solto para trás.
Sua mão era leve e a carícia delicada sob meu couro cabeludo fez minha pele arrepiar de um jeito prazeroso. Hipnotizada, levei os brincos até os lóbulos das orelhas. Hoyer observou cada movimento com a perícia de um profissional, como se tivesse medo de perder qualquer detalhe da cena.
— E aí? O que acha? — sussurrei.
— Perfeita. — ele respondeu e tivesse certeza que não falava sobre a joia.
Quando Thomas retirou o acalento do seus dedos para que eu me virasse senti a sensação estranha de fim do encanto. No entanto, meu destinado inclinou meu queixo com delicadeza e encaixou sua boca na minha.
Embora eu tenha beijado Hoyer uma dúzia de vezes, cada uma delas foi uma novidade para mim. Naquele momento ele me seduzia como se os movimentos tivessem sidos calculados para me agradar, derramando uma onda de encantamento sobre mim.
Ele riu de alguma coisa, os olhos escuros se tornando meio cinzentos ao fitar os pequenos detalhes de meu rosto.
— Acho que você tem que ir.
— Concordo. — falei, mas não sai do lugar.
Foi difícil voltar em órbita depois daquele encontro com Thomas. Durante os primeiros dez minutos, apesar de ter o ponto eletrônico no ouvido e as anotações com a logística da recepção, passei boa parte do tempo andando como barata tonta pelo salão da festa até finalmente começar a trabalhar.
Não havia nenhuma desordem pelas equipes que contratei. Elas eram eficientes e tinham sido bem instruídas com suas determinadas funções.
Os convidados mais ilustres chegaram primeiro em seus carros de luxos e andaram no tapete azul royal preparado para pousarem diante das câmeras. Figuras políticas, empresários de outros ramos e parceiros da Coral estavam entre as celebridades que faziam parte do círculo de amizade dos diretores executivos da empresa. A festa anual era sempre glamourosa e digna de algumas matérias em revistas de moda.
Os funcionários da Coral apareceram, também, mas não tinham a mesma recepção que os ilustres convidados. Nem todos chegavam a ir, apesar do convite se estender a empresa em peso, apenas os mais antigos e importantes apareciam. Porém havia um trio de fotógrafos contratados que cuidavam das fotos dos empregados, não os deixando de lado.
Naquele ano, por estar responsável pela organização, eu não tive o privilégio de me divertir naquela noite. Em todas as festas anuais corriam boatos, escândalos e fofocas por meio dos funcionários; alguns se davam a liberdade de beber além da conta, mas costumavam carregar a carta de demissão no dia seguinte.
Carter chegou com sua esposa, a qual estava deslumbrante. Sua barriga estava apenas um pouco protuberante, no entanto sua roupa disfarçava a gravidez. Ela deu dois beijinhos na minha bochecha e pude sentir o cheiro doce que adveio dela.
— Lydia, querida! É tão bom vê-la de novo. Thomas veio com você? Estou tão feliz em saber que agora somos família! — Carol desatou em falar — Temos que ir às compras antes do Hoyer's Christmas, afinal, agora você é quase minha sobrinha.
Olhei para ela alarmada. Toda aquele monólogo que sugeria uma adição dentro de uma família que não conhecia me deixou aterrorizada. Tendo em vista que isso aconteceria um hora ou outra, a perspectiva de conhecer não só os pais de Thomas, como toda a família me dava medo.
— Vamos deixar Lydia trabalhar, querida. — advertiu Carter puxando sua mulher para o lado — Após a festa você pode conversar com ela.
— Claro, claro. — afirmou a mulher — A festa está magnífica, querida.
— Obrigada, senhora Carter. — agradeci embaraçada.
Depois de perceber que sua esposa estava suficientemente distraída em meio a uma conversa com Cassandra, Carter veio até mim para checar se tudo corria realmente bem.
Respondi suas perguntas com monossílabos, do jeito que sua personalidade prática preferia. Satisfeito, meu chefe saiu para seu grupo de amigos após andarmos pelo salão observando se as mesas estavam cheias de petiscos. Foi aí que encontrei Thomas entre dois homens desconhecidos. Ele usava um terno azul escuro e colete da mesma cor por dentro; em seu apogeu, meu destinado mantinha sua postura que exalava autoridade e arrogância. Embora segurasse uma taça de champanhe como a maioria dos convidados, ele nunca levava-o a boca e durante a conversa apenas assentia.
— Blackwell? — ouvi a voz de George, responsável pelos garçons, através do ponto eletrônico.
— Sim?
— Um dos garçons se acidentou e preciso levá-lo ao hospital ou ficaremos sem pessoal. — avisou ele.
— Espere um minuto que eu vou resolver seu problema. — respondi indo em direção à cozinha.
Vi Carter direcionar seu olhar para mim como se tivesse sentido o cheiro de confusão. Sorri como se nada tivesse acontecido e andei com mais cautela.
Um garçom havia quebrado uma das taças de champanhe em sua mão direita e o ferimento era feíssimo, por isso eu entendia a preocupação de George. Pedi para que uma das garçonetes o leva-se a uma enfermaria que tinha nos arredores e expliquei que deveria direcionar-se ao hospital pela conta da empresa, se necessário. Troquei dois funcionários que estavam responsáveis a lavar os pratos para a ajudar na distribuição de comidas, no entanto, arrumar uniforme que coubesse neles eram outros quinhentos. Para não acumular trabalho para eles, decidi ajudar na cozinha. No começo George não gostou da proposta — eu estava bem vestida demais para botar a mão na massa — porém nada que o tirar dos saltos e o vestir de um avental não resolvesse.
Depois de quase uma hora de correria, meu pescoço doía de tensão. Pela fresta da cortina pude ver Carter rindo com Daniel totalmente alheio aos problemas que enfrentávamos. A cozinha, como era de se esperar, era um caos, mas organizado. Havia muito burbúrio de conversa, mas os cozinheiros se davam bem e sabiam o que estavam fazendo. O jantar logo começaria, então, as comidas deveriam estar bem cozidas a tempo.
Senti um par de mãos segurando meus ombros e virei-me alarmada para descobrir quem era. Felizmente, o dono delas era Thomas, o qual sorriu do pequeno sobressalto que dei.
— Carter está começando a sentir sua falta. — comentou ele massageando o local — E eu também.
— Já estou indo. — respondi enxugando as mãos e retirando o avental.
Foi então que percebi que a cozinha tinha sido tomada pelo silêncio. Os cozinheiros fitavam-nos com curiosidade e trocavam cochichos explicitamente, como se não os víssemos.
— Senhor Hoyer. — uma das mulheres chamou-o.
— Avalon. — respondeu meu destinado com um leve assento. A mulher sorriu encantada e todos os funcionários passaram a relaxar os ombros. Olhei para Thomas confusa, mas ele apenas piscou para mim antes de sair da cozinha.
Quem me viu andando pelo salão naquela hora não deve ter imaginado quão cansada eu me sentia. Pus meu melhor sorriso falso e cumprimentei meus colegas de trabalho, os quais estavam famintos. Depois disso, voltei as rodas de conversa dos convidados VIPs indagando se eles precisavam de alguma coisa.
— Lydia Blackwell. — chamaram-me segurando em meu cotovelo.
Virei-me um pouco surpresa, mas suavizei a expressão ao ver Phillip de Luca com seu receptivo sorriso.
— Lydia, que bom vê-la outra vez! Estava falando de você agora mesmo com minha esposa. — disse ele.
Fitei seu olhos azuis e a familiaridade que ele me olhava deixou-me desconfortável. Philip era igualzinho a alguém que eu conhecia, mas não consegui associar ninguém no momento.
— Olá, Phillip. — cumprimentei-o — Espero que esteja gostando da festa.
— Sim, com certeza. — falou ele olhando para os lados à procura de alguém — Está vendo aquela moça de rosa? É a minha esposa.
Procurei-a com o olhar e não evitei parecer surpresa ao ver quão linda aquela mulher era. Ela usava um vestido rosa claro de mangas longas que dava-lhe um ar de ninfa. O cabelo loiro brilhava como ouro e seus olhos azuis reluziam como diamantes. Nunca imaginaria que Phillip — um homem tão comum — tivesse ao seu lado alguém que possuísse uma beleza tão acentuada como ela. Claro que aquela era só minha constatação puramente artificial.
Percebendo que era alvo dos nossos olhares, a mulher de De Luca veio em nossa direção.
— Oi, Lydia. Como vai? Phillip falou muito sobre você! — disse ela em uma animação calculada.
— Essa é Heather De Luca, também conhecida como minha esposa. — apresentou-a Phillip com orgulho.
— Prazer em conhecê-la, Heather. — cumprimentei-a sentindo que seu nome era conhecido por mim.
— Digo o mesmo! Você tem dado o que falar na TV ultimamente.
Observei-a achando estranho sua colocação, mas abstive-me de qualquer comentário.
— Foi mesmo? Achei que tinha sido uma ou outra menção. — repliquei modestamente.
— Ora, claro que não! — disse ela segurando meu cotovelo e quase atropelando seu marido. Heather cheirava a rosas. — Você é a destinada de Thomas Hoyer! Sabia que o conheci quando éramos adolescentes?
— Ah, vocês eram amigos?
Ela hesitou, sua face mudando em um lampejo meio culpado, no entanto, rapidamente a mulher de Philip voltou em seu falatório frenético.
— Vamos dizer que sim. — disse ela jogando o cabelo para trás. — Ele continua sendo muito intenso?
— O que quer dizer com isso? — indaguei na defensiva.
— Ah, você sabe. — ela deu uma risada nervosa — Thomas às vezes é um fardo grande demais para carregar.
— Heather.
Virei-me para trás no automático assim como Philip, mas a esposa dele ficou pálida e incapaz de procurar pelo dono da voz que o chamou. Atrás deles estava Thomas com o maxilar trincado e os olhos mais negros do que o usual.
— Manter-se fiel é um fardo pesado demais para carregar, Heather? — indagou Hoyer.
A mulher continuou muda, incapaz de responder além de um vermelhão que dominava seu rosto de pura vergonha. Percebendo o quão perturbada sua esposa estava, naturalmente, Philip se pôs de frente ao meu destinado.
— O que você está insinuando com isso? — interpôs ele com a voz mais alta.
— Acredito que eu fui bem explícito.
As pessoas ao nosso redor passaram a cochichar e prestar atenção na agitação que acontecia. Com um sorriso amarelo segurei o braço de meu destinado afastando-o do casal De Luca.
— Não vamos fazer uma cena, sim? — sussurrei tranquilamente para Thomas.
— Você ouviu o que aquela mulher disse? — ele perguntou visivelmente alterado — "Intenso demais" é a vontade que eu tenho de...
— Hoyer, estamos em público.
Ele levantou as sobrancelhas cético. Ao dar uma olhada ao seu redor e perceber a atenção que começou a receber, Thomas trincou o maxilar contrariado.
— Tudo bem. — replicou a contra gosto.
Se a situação não fosse tão trágica, talvez eu riria da inversão de papéis, pois, dias antes, Thomas estava falando de quão era importante manter-se a margem de novos escândalos.
Os comentários rodeavam-nos como fantasmas e as olhadelas passaram a me incomodar mais do que o normal. Estressado e à beira de um colapso, meu destinado sumiu dentro da cozinha. Fui até a banda que havia contratado e pedi para que fosse cantada um dos hits que mais tocavam na rádio, uma tentativa bem sôfrega para desviar a atenção dos convidados.
Heather e seu marido, no entanto, não pareciam muito a fim de esquecer o episódio. De longe pude-os ver conversando com Cassandra e Shawn com expressões amedrontadas e um tanto inocentes demais para meu gosto.
Minutos depois, logo após liberar o jantar, recebi um recado de Hoyer avisando que havia ido embora antes mesmo de que eu tivesse tempo de o procurar.
No resto da noite fiquei entre a vontade de correr para casa e conversar com Thomas e a responsabilidade de conduzir a festa até o final. Pedi o celular emprestado de George para mandar mensagem para meu destinado, porém ele não o respondeu. A preocupação me dominava e evitei trocar mais do que conversas fiadas com quem monopolizava minha atenção durante a festa e desviando de qualquer comentário que citasse Hoyer. O casal De Luca saiu mais cedo também alegando cansaço de uma semana turbulenta, como se nada tivesse acontecido, o que acendeu uma ira levemente adormecida dentro de mim.
Embora tivesse que ficar até que o pessoal da limpeza transformasse o salão novinho em folha, fugi para casa em um táxi ansiosa e torcendo para Thomas estivesse realmente lá.
Encontrei-o no seu escritório. Sentado em sua cadeira, Hoyer estava olhando para a janela que dava para o jardim — e não conseguia ver nada além das frestas que a lua proporciona, já que estava muito escuro. Em sua mão direita tinha um copo de vidro com um líquido marrom, o qual ele mexia para um lado e para o outro, repetindo e repetindo.
Não tinha total certeza do que fez Thomas ficar alterado, mas achava que fora a junção de tudo. O comentário de Heather foi desnecessário ao extremo e, tendo em vista seu histórico de infidelidade, encontrar quem antes era sua esposa não deveria ser uma das melhores sensações. Ainda assim havia a parte egoísta que se perguntava se meu destinado não tinha superado a ex.
Percebendo minha presença por causa dos meus passos, Thomas perguntou como a festa terminou.
— Bem. — repliquei — Na medida do possível. Posso beber com você?
— Isso aqui é suco. — disse ele, amargo, e virando-se para mim — Nem sofrer direito posso.
Acomodei-me em uma das poltronas que ficavam de frente de sua mesa sentindo meu coração diminuir no peito. Ele estava com uma cara horrível, parecendo muito mais cansado do que quando chegou da capital.
— Você está bem? — indaguei, embora a resposta fosse óbvia.
Thomas negou com a cabeça e manteve-se calado. Eu não sabia o que dizer, mas tão pouco queria continuar naquele silêncio constrangedor. Foi quando eu vi quão importante Hoyer tinha se tornado para mim; vê-lo abalado daquele jeito me doía muito mais do que eu desejava admitir.
— Eu namorei Heather no final do Ensino Médio. — começou ele — Ela parecia perfeita: bonita, simpática, gentil, paciente... Era a personificação da mulher ideal. Heather gostava das mesmas coisas que eu e ela me fazia feliz. Nós éramos um ótimo casal. — ele pausou para beber o suco — Volta e meia uma paixão de adolescente se tornou algo muito maior do que eu esperava. Eu fiquei enfeitiçado por ela, cheguei até enfrentar nossos pais e minha avó que não apoiavam o namoro. Me entreguei por inteiro. Foram quatro anos de namoro até que a pedi em casamento. Sempre fui impressionável e acreditava que ela era a mulher da minha vida. Hoje percebo que desde antes ela não estava realmente querendo estar comigo. Ela não quis fazer festa e nunca contou ao seu pai que estávamos casados. Para eles, apenas tínhamos passado a morar oficialmente juntos. Heather é uma arquiteta, sabia? Ela viajava muito. Logo depois que voltamos da lua de mel, Heather passou a ficar estranha. Voltava tarde para casa e parecia... — ele engoliu o seco — Parecia que ela tinha nojo de mim. Eu não entendia o que estava acontecendo e Heather não me contava, embora eu perguntasse. Ela sempre estava cheia de trabalho e eu entendia, mas às vezes passava dias sem vê-la direito. Então, falei que não dava mais para ficarmos assim, visando que ela agisse para salvar o casamento que havia começado há pouco, mas, em vez disso, ela me jogou a bomba que já conhecia o destinado fazia meses e que estava confusa. Por muito tempo tentei conquistá-la de novo, mas Heather nunca esteve confusa. Ela não queria continuar casada comigo e deixou isso muito claro quando disse que eu era um fardo para ela.
Mordi os lábios para não soltar um palavrão e esperei que ele continuasse.
— Heather me conhecia e sabia que aquele tinha sido meu mantra por anos. — lágrimas desceram em seu rosto. — Eu não quero ser um fardo, Lydia. Eu cansei de ser um fardo. Fui um fardo para os meus país, pra minha avó e logo depois pra minha esposa! Sempre fui distraído demais, burro demais, intenso demais!
Corri em sua direção e o abracei, ainda que meio sem jeito. Thomas chorava em meu ombro como uma criança e não pude deixar de me comover. Quão ferido por dentro ele estaria? Durante todos esses anos, o que o fez acreditar tão pouco em si mesmo? Hoyer era um dos homens mais bem sucedidos e bondosos que eu conhecia! Ele não conseguia enxergar isso?
Segurei o seu rosto com firmeza para que em seu olhar estivesse bem focado em mim antes de dizer:
— Você não é um fardo, meu amor. Você nunca foi. — falei em um sussurro — Não conheci sua avó, mas se ela o considerava um fardo, ela teria se livrado de você na primeira oportunidade. O que Heather disse só foi algo que ela repete para si mesma apenas pra justificar o que ela fez. Você não tem que se sentir culpado.
Thomas tentou se desvencilhar para contrapor, mas continuei firme ao dizer.
— Querido, você é um presente pra mim, não um fardo.
Com isso, meu destinado me encarou por um longo tempo. Não fazia ideia do que passava por sua cabeça, mas foi suficiente para que ele beijasse meu nariz com ternura.
— Ich liebe dich. — murmurou com um sorriso.
— Odeio quando você fala alemão comigo. — resmunguei — O que isso significa?
Ele riu e balançou a cabeça.
— É um agradecimento.
Repeti a frase que Thomas falara e ele segurou riso, parecendo uma pessoa totalmente diferente da que eu havia encontrado naquela madrugada. Como se ele fosse uma criança com medo, conduzi-o até seu quarto e esperei-o dormir.
Antes de finalmente pegar no sono, refleti cada palavra que eu dissera e vi que, de fato, era apenas uma pequena porção do que sentia.
n/a: Olá, pessoinhas! Como vocês estão? Espero que tenham curtido esse capítulo da história. Thomas ainda carrega muitas inseguranças que vamos descobrir ao decorrer de OWC e espero que estejam curiosos para conhecê-los!
O que vocês acham que vai acontecer no próximo capítulo? Será que esses dois vão se acertar de verdade? E onde estão Jean e Ivanna? O que será que Mary está aprontando? Será que Lydia vai ficar na Coral?
Perguntas e mais perguntas.
Anyway, vejo vocês no próximo capítulo! Lembrando que podem faxer perguntas ao Thomas no ask.fm/Thomashoyer e para Lydia no ask.fm/lydiatb.
Também estou com um Twitter novo: @themaraiza
Me sigam lá!
Para quem quer acompanhar notícias sobre as minhas histórias, spoilers e etc, tenho também o grupo no FB: Maraíza Santos - Fanfics
Hmm, acho que é só isso. Não esqueçam de comentar e dar uma estrelinha. Até breve!
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