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Capítulo 2

"É apenas eu ou o mundo ficou doido ultimamente? O que está acontecendo?" - Love's on the way by Sebastian Kole.

4 anos depois, dois meses antes do fim do prazo.

Lorenzo Martin era um dos maiores empreendedores espanhóis que existia atualmente e fazia jus a sua fama. Quando a notícia de que ele estava interessado pelas ações da Coral estourou pelo prédio, a empresa entrou em um caos generalizado. Aquela reunião era de suma importância, pois seria nela que Lorenzo decidiria se ele compraria as ações ou não. Tê-lo como um dos nossos acionistas seria a peça chave que Coral precisava para poder competir de verdade com a liderança de vendas em artigos escolares e finalmente sair da terceira posição.

Qualquer pessoa poderia sentir em um raio de 1 quilômetro a tensão que todos exalavam na reunião. A sala estava escura e fria, era apenas iluminada pelo retroprojetor demostrando a vídeo conferência que Lorenzo fazia. Albert estava uma pilha de nervos aquela semana, já que ele era quem conduziria aquele encontro. O nosso tradutor oficial passou as mãos no rosto exausto depois daquelas longas três horas sem sair para lugar algum.

Eu devia ficar em pé perto da mesa prontificada à espera de algum pedido de meu chefe, entretanto, minhas pernas doíam. Assim como a maioria das outras secretárias, encostei-me à parede e tentei me concentrar no que o espanhol dizia.

Era a primeira vez nos últimos anos que eu entendia o espanhol de alguém sem precisar recorrer a um intérprete ou dicionário e estava muito orgulhosa de mim mesmo em relação a isso. Logo quando tive oportunidade, comecei a fazer um curso de espanhol pela internet. Mal tinha tempo para dormir depois daquilo, mas o resultado estava ali mostrando que valia a pena.

Mais meia hora se passou e senti como correntes puxassem minhas pernas para baixo de dor, mas ignorei assim que percebi que o que Lorenzo estava falando era a conclusão de tudo. Deixei minha mente vagar em pensamentos sobre o resto da minha noite com os pés apoiados na parede no alto deixando o sangue circular normalmente, quando percebi o que realmente Martin dizia.

Ele não iria comprar as ações da Coral.

Meu chefe ficou mortificado com aquela notícia, mas, por ser profissional, apenas insistiu mais um pouco para que ele reconsiderasse a ideia, entretanto, Lorenzo foi impassível. Disse que a empresa não tinha o potencial especulado e que ainda era cedo para uma ''parceria'' como aquela. Depois de se despedirem e a imagem do espanhol desparecer do telão, as luzes foram acesas. Os rostos denunciavam a insatisfação, era uma mistura de cansaço e fracasso que me deu nos nervos apenas de observar.

O senhor Carter veio em minha direção e me preparei psicologicamente para aguentar o resto da tarde com seu velho mau humor, porém, me surpreendi, pois ele apenas me pediu para que repassa-se a ata da reunião que eu havia feito para os outros diretores executivos e seguiu para sua sala em silêncio.

Obedeci, mesmo sem entender muito bem, e fui até a minúscula sala da copiadora com a ata em mãos. Enquanto a impressora fazia seu trabalho, sentei em uma cadeira que havia naquele compartimento relaxando as pernas. Fechei os olhos pensando se dá uma cochilada ali seria errado.

Assustei-me no momento que Mary entrou na sala como um tornado e trancou a porta  para que ninguém a visse. Ela deu um salto assustado à medida que me viu e tentou enxugar seu rosto para que eu não percebe-se que ela chorava. Seus cabelos loiros estavam bagunçados e seus olhos vermelhos a denunciavam. Embaraçada, Mary desviou o olhar para o chão antes que eu dissesse alguma coisa.

- Ele de novo, não foi? - Perguntei solidariamente.

O casamento de Mary e Robert não estava em seus melhores momentos. Depois que ele foi demitido, e já faziam dez meses, ele tentava arrumar um novo emprego e nada.

Estabilidade não existe, disseram uma vez para mim.

Era verdade. Não era comum encontrar uma pessoa formada em engenharia sem um emprego, principalmente alguém tão jovem quanto ele. Robert tinha o ego inflamado e ser sustentado pela esposa não estava em seus planos de vida nem em um universo paralelo. As brigas só começaram quando ele resolveu descontar suas frustrações na bebida e ter começado a ameaçar se matar.

- Eu não sei o que fazer, Ly. - Ela entrou em prantos. - Tenho medo de que dessa vez ele se mate de verdade.

- Primeiro você tem que se acalmar - falei. - Tem algum problema ir ao apartamento só dá uma olhadinha...?

Mary balançou a cabeça concordando.

- Estamos ficando sem dinheiro, não posso sair de novo - ela disse colocando o cabelo por trás da orelha. - Em questão de tempo vamos acabar caindo para Ala M, e nos tornaremos pobres! Seria um desastre! Deus me livre! - e riu nervosa.

Olhei para ela com cara de poucos amigos e ela entendeu quão ofensivo aquilo soara. Era normais as pessoas subirem ou descerem de alas, eu mesma era de uma ala menor que ela, mas não significava que aquilo era o fim do mundo.

- Não, não quis ofendê-la, Lydia - falou rapidamente.

- Tudo bem. - Deixei aquilo passar e peguei os papéis que acabaram de serem impressos.

- O que eu faço, Ly? - ela perguntou segurando na minha mão livre esperançosa.

Mary era uma das mulheres mais maduras que já conheci, porém, quando era algo relacionado ao seu destinado, ela perdia a cabeça e parava de pensar sensatamente. Mesmo com aqueles problemas, ela amava demais Robert e nunca, em hipóteses alguma, o abandonaria.

- Ligue para a mãe dele passar por lá, pra dá uma olhada, distraí-lo e afins - expliquei. - Depois acho que você vai ter que parar de dá qualquer dinheiro ou cartão de crédito para ele, aliás, já devia ter feito isso muito antes. Vai mantê-lo sóbrio por um tempo.

Ela assendia atenta.

- Daí você irá divulgar o currículo de seu marido na internet e orar para o deus dos desempregados. - Acrescentei e ela abraçou-me forte quase me quebrando ao meio.

- Ótima ideia, Ly. Obrigada, obrigada, obrigada! - ela disse e logo me soltou.

Murmurei um "por nada" e voltei para a minha mesa. Eu estava com um humor de merda e isso me fazia me tornar mais ranzinza do quê o normal.

Senhor Carter não saiu de seu escritório o resto da tarde. O prédio ficara em um silêncio fúnebre a tal ponto que eu conseguia ouvir o barulho do trânsito em alta intensidade mesmo que estivesse no sétimo andar.

Não consegui entender exatamente o porquê de não ter Lorenzo Martin como acionista poderia ser uma perda tão grande a Coral, mas decidir ficar quieta. Quando meu horário acabou, fui até a sala de Albert perguntá-lo se gostaria que eu fizesse algo ou ficasse; ele negou com a cabeça e disse que não precisaria da minha ajuda mais naquele dia.

Saindo do prédio, pude ver Daisy entrando no carro esportivo de seu esposo fotógrafo. Foi um susto para ela ter um destinado da Ala N, mas Mark era um homem bastante talentoso no que fazia. Claro que ela não aceitaria estar com alguém de uma Ala tão inferior a dela, mas aquele charme irritante dele a comprou. Questão de tempo e ele conseguiu subir duas Alas depois de "magicamente" começar a receber modelos ricas e famosas em seu estúdio, fazendo seu sucesso aumentar gradualmente.

A festa de casamento deles aconteceu em um pub não muito conhecido e muitos se assustaram por verem a noiva com um vestido colorido, não o casual branco. Não me pergunte do resto - estava bêbada demais para lembrar. Só sei que foi a última vez que tomei um porre para me divertir, aquela ressaca quilométrica me fez quase me tornar uma anti álcool de carteirinha.

Estávamos em uma sexta-feira e, para variar, eu dei umas cochiladas no ônibus. Sentia-me exausta e só queria chegar em casa, receber uma massagem nos pés e dormir o final de semana todo. Infelizmente, só conseguiria realizar meu primeiro desejo.

A verdade era que eu estava ficando velha e no momento a tpm estava em seu auge - 25 anos nas costas pesava como 35. E há tempos estava começando a desejar um parceiro ou alguém para compartilhar meu dia. Antes, Jean, Ivanna e minha mãe eram minhas confidentes, porém desde que a primeira começara a faculdade de enfermagem, depois de muito esforço para conseguir a bolsa de estudos, fiquei sozinha com minha mãe que aquela altura não conseguia mais falar ou fazer qualquer coisa sem auxílio. E ainda tinha Ivanna, minha segunda mãe, que apenas a via uma vez por semana e olhe lá.

Até procuraria alguém para ser meu namorado e jogar todas as minhas frustrações nele, mas a promessa que eu havia feito a minha mãe tinha que ficar intacta.

Quando tinha completado 15 anos e a situação da minha mãe começava a preocupar, Leticia Blackwell me fez sentar à sua frente e prometer duas coisas. Uma delas era que eu devia fazer faculdade em vez de trabalhar depois do ensino médio e a segunda era que deveria me guardar totalmente até encontrar meu destinado - se iria me apaixonar ou não, ela não poderia controlar, mas até conhecê-lo deveria ser assim.

Sobre a primeira promessa fiz questão de quebrar, porque, sinceramente, aquela merreca que o governo chama de ajuda de custo mal dava para pagar os remédios que minha mãe toma o mês todo, porém a segunda era mais fácil de manter. Sempre tive a curiosidade pra saber como era beijar ou transar, mas por causa da minha insegurança em saber se eu iria fazer direito ou não achei a promessa da minha mãe um pretexto pra que fugisse dessas pressões da adolescência.

E lá estava eu, uma mulher de 25 anos que nunca beijou alguém na vida. Patético.

Balancei a cabeça sem entender o porquê de ter cogitado a ideia de entrar em um relacionamento quando, claramente, eu andava sem tempo para isso.

Assim que faltava apenas uma palavra para terminar as palavras-cruzadas do dia, o ônibus parou no meu ponto. Desci do veículo já olhando para os lados atentamente, pois nos últimos anos, depois das novas eleições, meu bairro passou a ser mais perigoso.

Apressei um pouco o passo para chegar logo em casa quando a voz - agora grave - de Jack me fez parar subitamente.

- Hey, Lydia, não fala mais não?

Aquele garotinho carequinha tinha completado seus 14 anos a poucos meses. Sua voz estava mudada assim como seu corpo estava reformulando e conquistando novos músculos.

Precisava urgentemente descobri o que estão colocando na água desse bairro.

Ele ainda mantinha seu corte de cabelo meio careca e estava rodeado de adolescentes de sua idade. Havia boatos pela rua de que ele tinha se envolvido com drogas, mas segundo a conversa que tive com o tal há algumas semanas, isso não passava de fofoca.

Queria muito acreditar nele, mas Jack era o tipo de garoto propenso a se envolver com isso: seu pai, um cretino, diga se de passagem, o abandonou porque estava fugindo da polícia, sua família era um pouco mais pobre do que a minha, ele vivia nas ruas e tinha uma meia irmã pequena. Ah, e seu ex padastro, por sinal, abandonou sua mãe também. Sem uma figura paterna e naquelas condições, se ele se envolvesse com o tráfico de vertigo seria ''justificável" - uma pena, porque, como um dia disse a ele, Jack tinha potencial para ser um grande líder.

Sorri fracamente, constrangida por não ter falado com eles.

- Oi gente! - Cumprimentei. - Estava apressada, não os vi aí.

- Relaxa, pô! - Foi a vez de Jack sorri.

Fitei a pequena fachada de casa com uma careta. A tinta de baixa qualidade estava debotando e os fungos a fizeram ficar cheia de manchas pretas. Estava um horror, precisava mudar aquilo.

Entrei dentro de casa e encontrei Jean segurando um livro grosso no colo enquanto fazia anotações. Ela mordia a tampa da caneta e parece concentrada. Cruzei os braços e me apoei na parede a observando. Jean tinha se tornado uma mulher linda e sexy deixando qualquer uma do gênero feminino - inclusive eu - com inveja.

- Estudando para as provas? - Perguntei fazendo-a sair de seu transe e olhar para mim.

- Sim, esse semestre está uma merda. - Ela comentou frustrada tirando o livro do colo e começando a arrumar suas coisas. - Sua mãe dormiu hoje sem precisar dos remédios. Provavelmente ela vai acordar no meio da noite agitada, então, trate de dá-los, ok?

Concordei com a cabeça.

- Jean, chame seu irmão pra vir aqui, por favor. - Pedi quando olhei para cima e vi que mais uma vez o teto da sala estava vazando água. - Preciso que ele me faça um orçamento.

Ela assendiu e foi em direção a sua casa.

Dei uma conferida no meu quarto para ver se minha mãe ainda dormia, tirei meus sapatos e deitei no sofá com os pés para cima. Fechei os olhos para relaxar enquanto sentia uma sensação fria e boa descendo nas minhas pernas. Programei, então, o que fazer naquela noite: Falar com Caio, tomar banho, comer e dormir.

Ouvi três batidas conhecidas na porta e o barulho dos passos foi ouvido. Sentei-me ereta no sofá e tentei arrumar meus cabelos.

- Ly, já cheguei. - Ele avisou e em seguida apareceu na porta da sala.

Caio usava uma camisa preta e uma calça jeans de lavagem clara - todo sujo de tinta rosa e branco. Ele sorri para mim fazendo as pequenas rugas em seus olhos aparecerem e um brilho dourado incendiou seus olhos claros.

Engoli o seco ao senti uma sensação de desconforto me dominar. Havia tempos que a presença de Caio deixara de ser tão indiferente para mim e eu odiava admitir isso. Seria bem mais fácil se ele fosse um pouco mais feio.

- Por quanto você faz pra pintar a frente de casa e arrumar esse teto? - Apontei para cima e ele acompanhou meu movimento.

- Você vai querer que eu traga a tinta ou..? - Ele perguntou se aproximando e sentando do meu lado.

- Vou comprar na sexta. - respondi me afastando alguns centímetros. - E esse vazamento?

- Olha, Ly, vou ser bem sincero... - Ele passou a mão pelos cabelos pretos. - Acho que isso só se concerta com um novo cano e vai sair caro.

Passei a mão no meu rosto já vendo os zeros à esquerda da minha conta aumentar.

- Eu faço um preço bom pra você, está bem? - Ele disse ao ver minha cara.

Murmurei um agradecimento pensando em que conta mirabolante teria que fazer para poder pagar o concerto.

- Você vai amanhã levar sua mãe pra clínica? - Puxou o assunto e eu concordei com a cabeça.

- Só de pensar no dia de amanhã fico cansada - comentei e ele riu.

- Parece que minha mãe vai pra lá também. - Ele disse casualmente. - Vem cá, você tem a noite livre amanhã?

- Não, vou ficar com minha mãe. - respondi estranhando sua pergunta.

- Ah... Estava pensando se nós poderíamos sair... Um encontro, sabe? - Ele coçou a nuca e desviou o olhar para o chão. - Eu posso falar com Jean se você quiser.

Encarei-o sem entender exatamente aquilo. Mesmo que Caio já tivesse se declarado para mim, ele nunca tentou uma aproximação de verdade como me chamar para um encontro; lembro-me de ter deixado bem claro que não sentia o mesmo.

O que o fizera, depois de anos, ter tentado apenas agora?

- Caio, acho que já falamos sobre isso. - falei, mas pela primeira vez não tive tanta certeza sobre minhas palavras.

Caio disse que me amava quando eu tinha uns 20 anos e foi justamente no dia em que ele havia pegado seu prazo. Desde então nós nos afastamos e nossa amizade mudou, mas só nos últimos anos comecei a perceber que estava sentindo falta dele mais do que deveria e uma sensação estranha começou a me corroer quando as pessoas falavam seu nome.

Algo de muito errado estava acontecendo comigo.

- Me dê um bom motivo para sair com você. - Pedi desafiando-o.

Ele deu um sorriso esperto e seu olhar me revelou que já esperava por aquela atitude minha. Calmamente ele pegou meu pulso esquerdo onde estava meu relógio com o Prazo e o pôs paralelo ao dele. Quando me deparei com os números dos nossos relógios exatamente iguais prendi a respiração.

- Você é minha destinada. - Ele sussurrou e eu me arrepiei toda com aquela informação.

Era muito fácil esquecer que aquele objeto estava ali pronto para decidir meu futuro, aliás, Ivana me falara diversas vezes sobre como eu deveria ser legal com meu destinado e todo aquele bla bla bla. Agora os números tão iguais que marcava nosso prazo cruzavam também o nosso caminho.

Caio era meu destinado.

Olhei para ele com a boca aberta sem acreditar que eu havia tido a chance de conhecer meu destinado antes do prazo e que ele sempre esteve ao meu lado. Literalmente.

- Mas... Mas... - Tentei formular uma frase coerente, mas não deu muito certo.

- Eu queria esperar até o dia para provar pra você, mas, Ly, não consigo aguentar de ansiedade. - seus olhos brilhavam.

Meu coração batia rápido demais quando delicadamente ele acariciou meu rosto com o polegar. Seu olhar fitou meus lábios, mas ele se afastou quando alguém passou buzinando pela rua. Caio se levantou rapidamente e eu fiz o mesmo se entender nada do que acontecia exatamente.

- Venho te buscar às sete. - Avisou sorridente e sumiu do meu campo de visão.

Não sei quanto tempo fiquei no meio da sala em pé tentando absorver aquelas informações. Subitamente o meu lado racional, que havia ficado neutro durante aquela situação, me lembrou que poderia ser apenas uma grande e bombástica coincidência, que talvez Caio não fosse meu destinado. Eu não sabia muita coisa sobre o sistema, mas além de descobrir que nem todo mundo tem um fim trágico por não aceitar seu destinado, também sabia que naquela sociedade não existia coincidências em relação a prazos.

Eu tinha quase 99% de chance de ser a destinada dele.

Um barulho vindo do meu quarto me tirou de meus devaneios e eu corri para ver o que era. Minha mãe se debatia na cama com os olhos arregalados e estava ofegante. Aproximei-me e segurei seus ombros para que ela relaxasse.

- Está tudo bem, foi só um sonho ruim. - falei calmamente e a ajudei a sentar na cama.

Retirei seus cabelos ralos da frente do rosto e coloquei atrás de sua orelha. Seus olhos azuis me miravam atentamente enquanto eu massageava seus ombros.

Letícia Blackwell estava magra e parecia ser mais velha do que sua idade apontava. Tornou-se perceptível o quanto a doença a atacara - nem mesmo andar ela conseguia mais. Esperei-a parar de se agitar e lhe dei um calmante recomendado pelo médico. Sentei em seu lado para que ela deitasse em meu ombro e comecei a acariciar seus cabelos enquanto falava sobre meu dia e o quão confuso fora. Provavelmente ela não entendia, mas o tom da minha voz a fazia se concentrar em mim.

Minutos depois minha mãe dormia calmamente ao meu lado. Beijei sua testa e sussurrei "eu te amo". Antes que eu percebesse também estava dormindo, não seguindo o programa que havia feito para aquela noite.

Mas quem se importava? Era bom demais dormir abraçada com minha mãe.

.

Às 10 horas da manhã a van oferecida pelo governo buzinava na frente de casa. Junto com Jorge, levei minha mãe nos braços e a cadeira para conduzi-la sem problemas quando chegasse à Clínica San Tomaz.

A Clínica San Tomaz era uma das melhores e maiores instituições públicas do país em tratamento de doenças, onde atendia desde a viciados em drogas a pessoas com Mal de Alzheimer como minha mãe. Quase toda semana eles desenvolviam algum trabalho social para as crianças e adolescentes da cidade tirando muitos do bombardeio da violência que culminava em meu bairro.

Lá era um dos poucos lugares onde a Ala não importava; havia pessoas desde A a Z vivendo em uma harmonia que chegava a ser utópica. Entretanto, a verba que ia para a clínica tinha sido reduzida desde que Aitofel Hoyer deixou de ser governador do nosso estado, há quase dez anos atrás. Mesmo assim, a clínica não perdeu seu prestígio. Quase toda semana alguns adolescentes se organizavam para fazer peças ou shows de uma banda de garagem para arrecadar fundos tanto para clínica quanto para movimentos sociais. Ali era um dos poucos lugares em que você se sentia igual a qualquer um como dizia a lei - todos nós estávamos unidos pelos nossos problemas.

Naquele dia eu havia acordado muito ansiosa e eufórica. Depois de muito pensar, decidir dar uma chance ao Caio. Ele merecia uma oportunidade e, agora que era quase certo nosso destino, parecia ser o justo a se fazer.

Olhei para a janela da van e percebi que a história de destinado não era tão ruim assim - até conseguia imaginar minha vida ao lado de Caio. Balancei a cabeça quando percebi que estava começando a ir longe demais, nem sabia se realmente daria certo! É bem verdade que quando são destinados a chance de separação é mínima, mas as dificuldades não são iguais para todo mundo. Toda regra há uma exceção.

Despertei daqueles pensamentos quando a van parou à frente da clínica e percebi que as pessoas estavam descendo. Com ajuda de Jorge, coloquei minha mãe na cadeira de rodas e encarei a grande fachada branca com os letreiros azuis da clínica. Pude ver um sorriso feliz aparecer no rosto de mãe ao sentir o vento bater em seus cabelos tão bem penteados para trás.

Os sábados eram um dos poucos dias que eu tinha a oportunidade de ver minha mãe se divertindo. Desde que os sintomas começaram a aparecer, me preocupei bastante com sua saúde emocional e sabia que deixa-la o tempo todo em casa não era o caminho que eu deveria seguir. Às vezes a Organização MedAlzheimer fazia palestras na clínica e por meio destas soube exatamente o que fazer para que a doença não acabasse de vez com a vida de mãe.

Autorizei minha entrada e empurrei a cadeira de rodas pela rampa enquanto olhava para os lados procurando o grupo em que ela normalmente ficava. De longe podia ver as pessoas sentadas na grama conversando, idosos andando de braços dados com suas enfermeiras e crianças reencontrando seus entes queridos. Aquela era a única parte onde não era dividida entre os casos, mas nem todas as pessoas poderiam ficar por lá já que algumas ameaçavam a boa convivência. Aproximei-me de um dos painéis com a programação para pessoas com Mal de Alzheimer e escolhi o teatro de fantoches da Sala 12 que desde sempre minha mãe gostava.

- Acho que você vai adorar a história de hoje, dona Leticia. - A voz de Ivanna chamou atenção de nós duas e viramos o rosto para vê-la.

Ivanna não tinha mais do que 44 anos e exalava uma jovialidade que poucos tinham, entretanto, seus familiares a consideravam um fardo. Ela teve problemas na formação de seu corpo durante a gravidez de sua mãe a fazendo ter suas pernas atrofiadas. Sua família é da Ala C e ter uma herdeira de uma boutique famosa cadeirante foi assustador para todos eles, era previsível que não saberiam como lidar com essa situação. Não era surpresa que a fizessem se sentir culpada por ter nascido assim e, como consequência, ela se tornou uma mulher depressiva - uma ótima desculpa para seus parentes a internarem na Clínica. Felizmente, ser internada foi a melhor coisa que aconteceu para com ela; mesmo que Ivanna não estivesse mais doente, insistira para continuar ali e ela não teve nenhuma dificuldade para ficar.

Foi quase automático fazer amizade com aquela mulher. Ela era divertida e sabia rir de si mesma, logo, ganhei uma segunda mãe que amava costurar roupas em nível de grife para mim e a melhor conselheira de todas. A família de Ivanna não sabia a preciosidade que estavam perdendo com medo do diferente. Tenho certeza que se eles não tivessem a rejeitado e a deixado tomar conta do que era para ser dela por direito, em questão de tempo a boutique faria mais sucesso e, quem sabe, eles não chegassem a ser da Ala A.

Minha mãe a respondeu com o cenho franzido não entendendo exatamente o que ela dizia. Ivanna colocou os cabelos curtos para trás da orelha e se aproximou mais com suas mãos nas rodas sem nenhuma dificuldade.

- Como você está, menina Lydia? - perguntou a mim quando começamos a ir em direção a Sala 12.

- Muito bem e você? - Perguntei e ela concordou com a cabeça.

- Está mais radiante. Aconteceu alguma coisa nova que não estou sabendo? - Ela indagou assim que chegamos a frente da sala.

Sorri, mas demorei alguns segundos para respondê-la.

- Acho que encontrei meu destinado.

Confesso que esperava que ela comemorasse por finalmente ter parado de lutar contra meu destino. Pensei que Ivanna ia fazer milhares de perguntas sobre meu destinado e iria me parabenizar por ter sido sortuda o bastante em encontra-lo antes da hora, mas, em vez disso, ela fez uma careta de desaprovação.

Arrumei um bom lugar para ver a peça e me sentei entre minha mãe e Ivanna. No momento que me sentei diminuíram a iluminação e a apresentação de bonecos teve seu início. Minha mãe agarrou meu pulso, como sempre fazia quando ficava escuro, mas permaneceu quieta observando show de cores. Mesmo não sendo recomendável uma chuva de mensagens para pessoas com Mal de Alzheimer, aquela apresentação conseguia fazer, de alguma forma mágica, que as pessoas vidrassem no que acontecia. Minha mãe era uma dessas pessoas.

- Me explica essa história de você ter encontrado seu destinado. - Ivanna sussurrou para mim.

- É o Caio. - respondi. - Comparamos nossos relógios, estão iguais!

- Isso me parece muito estranho. - Ela comentou ranzinza. - Cuidado, menina.

- Claro, Ivanna. - Garanti e virei-me para prestar mais atenção no teatro de fantoches.

Pensei que a parti dali nossa conversa tinha acabado. Não podia estar mais que remotamente errada. A verdade é que Ivanna era uma das pessoas mais desconfiadas que eu conhecia e, geralmente, sua desconfiança fazia sentido. Aliás, fora ela que tirou da minha cabeça a maldita ideia de que as pessoas colocavam a vida de seus destinados em risco caso não acreditasse no sistema - coisa que Daysi pôs em minha mente.

Estávamos indo ao refeitório pegar um lanchinho quando ela abordou o assunto. Era perceptível que Ivanna estava querendo falar alguma coisa há muito tempo, pois que ela mantinha aquela carranca de quem comeu e não gostou.

- Vocês dois vão sair juntos? - Ela indagou subitamente.

- Hoje à noite. - respondi tentando ao máximo não parecer nervosa.

- Você tem certeza que ele é seu destinado? - Ivanna me encarou séria.

- Tinha, até você começar a me fazer desacreditar. - Minha voz saiu baixa e constrangida.

Antes que ela replicasse um dos novos cadeirantes passou como um jato pelo corredor. Assustamo-nos e logo Ivanna constatou que era um dos garotos problema que era empurrado por outro encrenqueiro na maior velocidade pelos cantos. Eu conhecia o garoto que estava na cadeira de rodas, Josh era o nome dele; desde que ele chegara havia arrumado confusão fazendo-o ser restrito de vir para Clínica por algumas semanas nos meses atrás.

- A mãe desse menino já falou pra não andar com o Josh! - disse Ivanna irritada. - Ela já falou pra ele parar de andar com esse aleijado!

Foi automático. Troquei um olhar de apenas alguns segundos com ela e caí na risada. Ivanna também ria logo quando percebeu exatamente o que tinha acabado de dizer.

- O sujo falando do mal lavado. - Ela murmurou ainda rindo.

Minha mãe nos olhava alheia ao que acontecia. Ao entrarmos no refeitório e encontrarmos um lugar confortável, Ivanna abriu o jogo para mim.

- Apenas tenha cuidado. - Disse solene. - Não quero que você se machuque.

Suspirei.

- Acho que já passei tempo demais com medo de me machucar, Ivanna. - Respondi.

Ela acenou concordando com o que eu disse e não voltou a tocar no assunto. Fiquei um pouco pensativa depois do que ela disse, mas, logo quando ela falou sobre um macacãozinho que fazia para mim, deixei meus pensamentos para depois.

.

A noite parecia que nunca chegava e quando deu as caras me vi em um dilema: não sabia o que vestir. Maldizei-me por ter me dedicado a inventar encontros a vivê-los quando podia - é bem verdade que não tinha muito tempo livre durante meu ensino médio onde eu tinha um emprego na Gama Pizzarias como entregadora de pizzas.

Bons tempos, inclusive, eu adorava descobri vários atalhos pelos bairros da cidade em cima daquela Honda amarela.

Depois de dá banho em minha mãe e deixa-la assistindo TV, fui me arrumar rápido, evitando permiti-la ficar sozinha por muito tempo. Escolhi um vestido soltinho de cetim vermelho que usei na festa de fim de ano da empresa há dois anos antes, pois fazia tempo que não o usava, e sapatilhas; caprichei com o que pude com os poucos itens de maquiagem que me pertencia. Eu tinha consciência que não iríamos a algum lugar refinado, porque Caio era tão pobre quanto eu, então, tentei não ter muitas expectativas sobre o lugar onde teríamos nosso encontro.

Quando estava pronta e arrumei uma pequena bolsa com minhas coisas, sentei na ponta da cama e chamei a atenção da minha mãe. Ela abria e fechava a boca, mas não conseguia falar nada. Segurei suas mãos esqueléticas e mirei seus olhos.

- Vou a um encontro agora, mãe. - Sorri pra ela. - Com o Caio. Imagina, eu e Caio? Quem diria?

Ela desviou a atenção para meu vestido, esquecendo-se completamente de mim. Entrelacei nossos dedos e beijei sua mão.

- Jean vai ficar com a senhora hoje, ok? - avisei e quase automaticamente a voz da tal ecoou pela casa.

- CHEGUEI, LY! - Ela gritou e apareceu na porta minutos depois toda despojada.- Caio falou que você pediu para eu ficar aqui com sua mãe. - Ela entrou segurando um livro de capa vermelha ao seu lado.

Concordei com a cabeça e me levantei. Suspirei nervosa e senti meu coração começar a palpitar como uma britadeira.

- Você sabe de tudo, não é? Tem... - interrompeu-me.

- Vá logo, Lydia, você não pode deixar ninguém da empresa a esperando. - Apressou-me.

Olhei para ela com o cenho franzido. Que diabos ela estava falando? Abri a boca para explicar que eu estava indo a um encontro com Caio, mas o barulho de alguém batendo na porta me interrompeu outra vez.

- Deve ser Caio. - disse ela. - Não voltem tarde da noite, não quero que vocês sejam assaltados no metrô.

Fui até a porta confusa com o que Jean havia dito e a abri despreocupadamente. Segurei-me para não abri a boca e começar a babar em cima de Caio. Tentei, miseravelmente, forçar minha mente a lembra a última vez que eu o vi sem está todo bagunçado ou com cara de cansado. Seus cabelos negros estavam bem penteados e ele vestia uma roupa casual - sem tinta - que dispenso detalhes. Apenas me vidrei na sua barba mal feita e o castanho claro de seus olhos esbeltos. Simplesmente me rendi aquele encanto que antes não via e me achei tola por não tê-lo avistado antes.

Meu destinado sorriu e estendeu a mão esquerda com o relógio que já estava unindo nossas vidas para que eu segura-se.

- Pronta?

Encarei-o por alguns segundos sem saber exatamente o que dizer. Eu odiava quando ficava nervosa daquele jeito, porque parecia que meu cérebro virava gelatina e não funcionava direito.

- É... Claro. - respondi, sem muita firmeza.

Segurei sua mão e, nos pequenos segundos em que ele ficou de costas para mim, fiz uma careta desgostosa com minha falta de maturidade em relação a um simples encontro. Na minha cabeça aquilo só significava uma coisa: Essa noite seria um desastre.





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