Capítulo 16
"Diga-me o que quer ouvir; algo que agradará os seus ouvidos. Estou cansado de toda esta insinceridade, então abrirei mão de todos os meus segredos dessa vez" - Secrets by OneRepublic.
Eu estava chateada pelo que Thomas havia dito e depois de uma noite de sono o sentimento havia se misturado com uma tristeza que deixou meu humor muito para baixo. Odiava pensar que estava tão ligada ao Hoyer que ele facilmente poderia atingir meu emocional.
Atrasei-me para não encarar meu destinado naquela manhã da forma mais corajosa que você pode imaginar. Apenas apareci na cozinha quando tinha quase certeza que não iria encontrá-lo.
Tudo era uma grande confusão na minha cabeça e comecei a perceber o porquê sempre quis ficar longe daquela história de destinado. Como forma de lutar contra toda aquela desgraça mental, decidi focar no trabalho.
Só quando sentei junto com as meninas no refeitório da empresa no almoço vi o quanto sentia falta delas. Havia um prazer inexorável em jogar conversa fora sobre um programa de TV, músicas ou uma moda sem noção lançada por uma famosa marca de sapatos. Ouvir a risada singular e engraçada de Stella e Daisy narrando uma história qualquer com seu jeito pomposo era tudo que eu precisava para relaxar.
Escutei-as comentar sobre seus maridos e seus planos para o dia de Ações e Graças. Muitas iam visitar os pais ou os sogros e aquilo me deixou bastante para baixo. Eu não tinha uma verdadeira tradição de um jantar recheado nesse dia, mas minha mãe estava lá, apesar de sua doença.
Então, eu lembrei que aquele seria meu primeiro ano sozinha.
Sempre senti que traía meus pais de alguma forma quando pensava nisso, mas queria saber mais sobre os meus avós maternos e de onde eu vinha. Meu pai trocou de família diversas vezes e nunca teve a oportunidade de ter alguém para chamar de pai ou mãe, então, não conheci meus avós paternos também.
A família era só eu, Steve e Letícia Blackwell e mais ninguém. Éramos suficientes até agora.
Cogitei me oferecer a ir com Thomas para o jantar de sua família, mas, além de ser muito inconveniente, se fosse um tipo de jantar em que juntava todos os Hoyers e antigos Hoyer (como Carol Carter), eu não estava preparada para encarar Albert fora do campo de trabalho e ser apresentada como "a destinada que não quer ser destinada".
Isso soava péssimo.
Sem contar que, bem, eu não estava nem um pouco a fim de sair junto com Thomas. Engraçado ele ter pedido para manter uma amizade entre nós quando não se predispôs a me contar sobre sua vida. Claro que Hoyer tinha seu direito de não querer me dizer nada, mas não faria o seu comentário menos desagradável e contraditório.
Se meu destinado não queria falar, tão pouco eu iria fazê-lo. Me sentia desapontada; idealizei tanto Hoyer como um homem gentil demais para ser real que me esqueci que, assim como eu, ele também cometia erros.
— Parece pensativa — disse Franz com os olhos atentos ao seu iogurte.
— Tenho passado por uns probleminhas, mas nada que se resolva com o tempo. — Respondi — E você? Como anda?
Ela deu um sorriso doce.
— Vai indo. — Franz suspirou — Tem sido difícil abrir mão do meu destinado, sabe? Você estava certa, mas deixar alguém que você gosta ir é doloroso.
Segurei sua mão livre e apertei-a dando lhe apoio.
— Você pode aproveitar esse tempo para conhecer mais sobre você mesma. — Sugeri — Há algo que sempre quis fazer, mas nunca fez?
Franz parou para pensar um pouco.
— Aulas de dança talvez? — Incentivei quando a vi passar os segundos em silêncio.
— Eu gosto de tango. — replicou — Acho bonito.
Sorri para ela.
— Então é isso que você deve começar.
Algum engravatado aumentou o som da TV no refeitório e vi boa parte da empresa prestar bem atenção no que era dito. Não consegui controlar a ansiedade quando vi que era justamente a matéria sobre o processo contra P.A.F.E.R, representado pela L&James e fiquei aliviada em saber que meu nome fora preservado.
Os comentários que vieram após isso foram mistos, mas em sua maioria ouvi boa parte dos trabalhadores — incluindo minhas amigas — que concordavam comigo (a vítima misteriosa). Boa parte das pessoas que desfrutavam do almoço no refeitório eram no máximo da Ala J e continham suas revoltas contra a forma poliearizada que o sistema das Alas funcionavam.
Alguma coisa estava nos eixos naquele dia, afinal.
A viagem para casa foi mais uma vez melancólica. Embora tivesse ignorado os problemas desde que saí da Specter+Litt, eles voltaram com toda força no caminho de volta para Ala A. Esperava com toda a minha força não ser necessário ter que fazer outro depoimento ou mesmo ir a julgamento. Ser mais uma vez intimidada pelos Irmãos Metralha estava fora de cogitação. Existia, também, o projeto pedido por Carter e minha total inexperiência. Observar os outros fazendo era uma coisa, fazer era outra.
E, então, havia Thomas.
Me sentia esgotada quando na mansão. Sendo um dia escuro e frio nada parecia melhorar meu humor. Após Rose falar que Thomas estava em seu escritório e que veio para casa mais cedo, fui direto para o quarto.
Tomei um banho demorado com o sabonete artesanal da Daisy — um dos cosméticos mais cheirosos que eu havia usado, era como vestir um mar de flores — vesti meu pijama quente, comprado no dia anterior, enrolei-me no cobertor e liguei a TV para assistir "The Young and the Restless".
Era a forma mais confortável de se acabar um dia ruim.
Foi no meado do episódio que ouvi as batidas na porta.
— Lydia?
Fui traída pelo meu corpo ao ouvir sua voz familiar. Antes de pensar muito respondi com um hesitante "sim?".
— Posso entrar?
Não o respondi, mas abri a porta. Segurei um suspiro e tentei acalmar meu coração que acabava com a falsa frieza que queria demonstrar. Thomas usava camisa e calça social preta, mas toda dose de segurança parecia ter se esvaído dele. Parecia um cachorro que caiu do caminhão de mudança apoiado na parede. Não cairia naquela postura, no entanto. Cruzei os braços e me encostei na porta.
— Olá. — Falei tentando passar naturalidade e desdém.
— Você ainda está chateada comigo? — Indagou sem delongas.
Direto.
— Acredita que tivemos uma conversa parecida ainda essa semana? — Comentei sarcástica — Parece que foi há anos.
— Lydia... — Ele fechou os olhos cansado.
— Eu mesma.
— O que você quer de mim? — Perguntou transtornado.
— Quero que você seja sincero comigo. — Repliquei — Quero que pare de esconder as coisas de mim como seu eu fosse sua inimiga. Eu confio em você, Thomas. Por que você não confia em mim?
A última frase saiu como um sussurro velado por uma angústia que evitei sentir durante todo o dia. Me perturbava saber que enquanto eu depositava minha crença em Hoyer, ele se recusava a me contar coisas básicas sobre sua vida.
Meu destinado ficou calado por um bom tempo. Estávamos próximo fisicamente, mas havia um espaço colossal entre nós no aspecto emocional. Um mar de segredos que ele não me permitia acesso.
— Isso é tão difícil pra mim, Lydia. — Confessou em um murmúrio — O tempo todo tenho que evitar que algo pessoal caía nas mãos erradas que me esqueço que nem todos querem me ver falhar. — Explicou — Ao mesmo tempo não quero envolvê-la no meu mundo.
Não contenho o sentimento de surpresa quando concluí o óbvio: Thomas tinha inimigos. Constantemente ele parecia estar com tudo sob controle, porque não podia demonstrar fraqueza. Ele era rico, trabalhava no sistema judiciário e era filho de um político famoso — um pacote cheio para ser odiado por muita gente.
Seguro seu rosto delicadamente para que Hoyer olhe para mim. Sua pele era macia e esbranquiçada. Ele se aproxima mais um pouco e nossos cheiros se entrelaçam no ar, um contraste magnético com o clima da conversa.
— Não quero conhecer apenas o seu lado bom, Excelência. Quero conhecer você e seu mundo por inteiro.
Seus olhos, apesar de escuros, abrem a janela de sua alma. A frase proferida por mim foi o "abre-te, Sesámo" para que ele baixasse a guarda. O sorriso que ele tentou conter, sem sucesso, também evidenciava isso.
Lambi os lábios esperando que Thomas dissesse alguma coisa, embora eu meio que entendi a mensagem por sua linguagem corporal.
— Tudo bem. Eu... — Soltou a respiração — Eu direi o que você quer saber.
Sorri para ele.
— Obrigada. — Respondi — Mais alguma coisa?
Thomas retribuiu o sorriso em sua forma sedutora e ao mesmo tempo envergonhada.
— Desculpa por ter sido um insensível com você ontem. — Ele coçou a cabeça constrangido — A verdade é que não sei lidar conosco às vezes. Você é totalmente diferente do que eu esperava.
Levanto uma sobrancelha.
— O que exatamente está se referindo?
— Não sei. Apenas diferente. — Resmungou — Meus primos tiveram destinados superficiais em sua maioria, mas o destino resolveu me surpreender.
Me mexi desconfortável com aquela conversa de destino mais uma vez. Ainda não gostava da ideia que algo controlova o mundo e que minhas escolhas não eram realmente minhas.
Fiquei de lado para que ele entrasse no cômodo.
— Pode começar a contar. — Incentivei.
Thomas suspirou e caminhou até minha cama como se estivesse no corredor da morte. Ele deitou-se na cama deixando as pernas fora. Imitei-o e quase pude ver a briga que travava internamente.
— Não sei por onde começar. — murmurou.
— Comece pelo começo — respondi simplesmente.
Thomas virou seu rosto para mim com o olhar distante lembrando de coisas que tentava constantemente esquecer.
— Você já recebeu alguma mensagem ou recado estranho para repassar a Carter? Vindo de um banco desconhecido ou empresa que não existia? — Perguntou de súbito — Algo que parecia... errado?
Franzi o cenho tentando pensar naquilo. Relembrei, então, de um email de dois anos atrás. Vinha de um remetente desconhecido durante as férias de Albert; quando repassei a mensagem automática, o recado voltou, pois o email era inexistente.
Ao perguntar sobre, Albert disse que não era para se preocupar com isso.
— Talvez. Era algo sobre "uma transação de suma importância", mas não vinha de banco algum. Acho que foi engano. — Repliquei depois de um tempo. — Por quê?
Hoyer soltou um bufo de quem estava decepcionado.
— Não sei porque estou impressionado. São todos iguais.
— Pare de falar em código. Seja mais coerente. — Resmunguei apoiando-me pelos cotovelos.
— Na ala A não se sobrevive sendo honesto. — Ele iniciou — A partir do momento que você é passado para a mais alta ala consegue inimigos automaticamente; inimigos geralmente vindo da concorrência. Às vezes eles chegam antes que cresça seu negócio na verdade. Até mesmo a Coral teve seus momentos de tensão.
Continuei em silêncio interessada naquela conversa.
— Há um grupo que organiza os pequenos furtos, as pequenas propinas e transações estranhas que podem ser consideradas "aceitáveis". Mas esse grupo também é responsável por coisas muito ruins.
Segurei sua mão e apertei o incentivando a continuação daquela explicação. Seus olhos escuros estavam assombrados.
— Eles são constantemente chamados para limpar a sujeira e cobram caro para isso. Assassinatos, tráfico de drogas, repartição de propinas... São conhecidos como a Shadow e eles trabalham apenas para Ala A.
"Não há uma alma viva ou morta que é da Ala superior que nunca contratou os seus serviços. Se você não o fizer, corre o risco de morrer e perder toda a sua família. Se acha a Ala O perigosa, não sabe o que é ser um rico que sabe que pode morrer a qualquer momento mesmo tendo o seu próprio exército à disposição. Ter inimigos é ruim, mas quando eles são da Ala A tudo se torna pior."
Se aquela história que ele contava era para me assustar, Hoyer tinha conseguido com sucesso. Pensei nos seus guardas-costas que lhe rodeiam e que mesmo eles não o deixavam seguro. O que era segurança, afinal?
— E é aí... — sua voz me quebrou no meio.
Aquilo tudo o afetava tanto que quis protegê-lo do mundo. Embora se mostrasse sempre bem, imparcial e até distante, Thomas era influenciado pelo ambiente que vivia.
Pigarreando, meu destinado recomeçou a sentença.
— E aí que entra meu irmão.
Arregalei os olhos.
— Seu irmão foi dado como morto? A Shadow está atrás dele? — desatei em indagar ansiosa.
— Não, Lydia. — Sua voz saiu sofrida e sentir meu coração encolher no peito.
A perturbação de Thomas me fazia pensar no pior. A demora para dar a informação que eu queria também foi agonizante; segundos que me pareceram mil anos.
— Ele é da Shadow. — Disse ele finalmente. — Meu irmão é um criminoso, Lydia. E Tobias gosta disso. Não, não: ele ama o que faz.
Um arrepio passou pela minha espinha ao pensar que estive tão perto de alguém assim. Me sentei na cama tentando digerir toda as informações que Thomas tinha me dado. O que mais me deixava agoniada era imaginar que pessoas como Carter não eram honestas como eu pensava e que as falsidades das alas altas não se limitavam a ignorância de ser elitistas.
Ninguém era santo.
Pigarreei nervosa.
— E você? Já se envolveu com isso?
Thomas se levantou tão subitamente que quase caiu com o pé enrolado no lençol, embora ele estava mais preocupado em mostrar sua raiva. Vi que escolhi mal as palavras quando Hoyer apresentou-se vermelho e ultrajado. Aliás, ultrajado era eufemismo. Ele estava puto.
— Como você pode sugerir que eu possa ser desonesto a esse ponto?
Com cuidado me aproximei dele.
— Você falou que ninguém na Ala A é inocente.
Entendendo que se perdeu em suas próprias palavras, Thomas desviou o olhar.
Sempre vi meu destinado como um poço de racionalidade, maturidade e paciência. Aquela foi a primeira vez que o vi frágil daquele jeito.
Toquei seu ombro devagar e apertei sem muita força.
— Não estou aqui para julgá-lo, Thomas. — eu disse.
Talvez não fosse saudável pressioná-lo a dizer, mas além de estar super curiosa, aqueles segredos estavam destruindo-o por dentro. Havia um peso que incomodava meu peito ao pensar no tempo em que Hoyer esteve guardando tantas informações.
Seus olhos escuros se mostravam estranhamente pálidos, puxando para o prata de um oceano profundo convidando-me a mergulhar. Antes de dizer qualquer coisa, Thomas me convidou a jogar-me em seu mundo.
E eu me lancei sem hesitar.
— Eu não sou o Pequeno Hoyer.
Encarei-o como se ele estivesse maluco. O que diabos ele estava falando?
— Quando saí da Alemanha vim fazer o ensino médio — explicou — Ninguém, além da família, sabia da minha existência. Pedido da minha avó, ela odiava holofotes tanto quanto eu. — acrescentou com um gosto amargo na boca — Meu irmão estava iniciando, entrando na Shadow e precisava de algo que provasse que ele era bom no que fazia. Meu pai apoiava aquela loucura; ter um filho na Shadow era uma vantagem que pouquíssimos tinham. A ideia de Tobias era bastante... Como eu posso dizer?... Era pretensiosa. Sumir do mapa com um novo nome quando até pessoas desconhecidas o conhecem é impossível. Eles precisavam de alguém que ficasse no lugar do filho do futuro governador do estado e facilitasse o trabalho de Tobias. Eu era perfeito para isso.
Ele soltou uma risada seca, sem humor.
— Com quatorze anos tive que escolher entre aceitar o acordo deles ou não haveria ninguém para pagar minha faculdade. Hoje percebo que era besteira e eu poderia me virar, porém quem eu quero enganar? Se eu o fizesse teria poucas chances de estar vivo.
— Meu Deus. — Falei, pois foi a única coisa que me veio em mente.
Eu me sentia enojada e machucada no lugar de Thomas. Fazer aquele tipo de terrorismo mental para um garoto de quatorze anos era tão errado quanto um pai alimentando a psicopatia do filho por puro egoísmo e pensamentos calculistas. Estava totalmente decepcionada com o ótimo governador, mas péssimo pai que Aitofel Hoyer foi.
O que mais me intrigava era pensar que um jovem de apenas quatorze anos pensava de forma tão horrível como Tobias e lembro de Jack, que tem a mesma idade.
Meu destinado passou as mãos pelo rosto tentando clarear as ideias e eu sentei mais uma vez na cama atônita.
— Você tinha medo que eu mudasse o que penso sobre você se soubesse isso?
Eu tinha consciência que era uma pergunta um tanto estúpida, mas aquela pulga atrás da orelha incomodava.
— Não, porque você nunca quis ver-me através dos olhos dos outros. — disse com um sorriso cansado — Isso é uma das coisas que mais gosto em você.
Ele sentou mais uma vez ao meu lado e ficamos um bom tempo em silêncio. Eu tentava digerir tudo aquilo que descobri e as coisas começaram a se encaixar em minha mente, enquanto outras perguntas se afloraram.
— É difícil de acreditar nisso, não é? — Comentou Thomas — Parece teoria da conspiração de blog apocalíptico.
Sorri concordando com a cabeça.
— A sua indicação para ser desembargador tão novo foi obra da Shadow? Para acobertar Tobias?
— Felizmente não. — Respondeu — Minha indicação vem de uma crise do judiciário e descrédito da população nos mesmos. Eles precisavam de um bode expiatório, alguém jovem que demonstrasse um caráter perfeito na mídia. Alguém para manipular e que pense que sabe alguma coisa.
Não gostava do tom que Thomas usava; aquilo tirava todo crédito que ele tinha em sua profissão.
— Não seja tolo, você é bom no que faz. — Elogiei, embora não soubesse muito do seu trabalho.
— Obrigado. — Agradeceu soltando um sorriso genuíno.
Abracei-o de lado e apoiei meu queixo no seu ombro. Apreciei aqueles segundos de silêncio e fechei os olhos para me concentrar naquele estranho momento de paz; o corpo de Thomas quente perto do meu e seu cheiro eram embriagantes.
— Sinto que só agora estou começando a conhecê-lo de verdade — falei.
— Não gosto muito dessa parte de mim. — Resmungou ele enlaçando seu braço ao meu redor.
Me aconcheguei em seus braços e uma boa sensação de segurança me dominou. Ao contrário do que ele disse, eu estava começando a simpatizar com aquela parte "suja" do Hoyer. Ali ele se mostrava um ser humano vulnerável e não o super herói indestrutível que sempre quis parecer ser. Ainda havia tanto para aprender sobre meu destinado e aquele covil de cobras que era a Ala A...
Thomas beijou meus cabelos cuidadosamente e o peito aqueceu com familiaridade.
— Mein Gott, você está muito cheirosa. — Elogiou ele descendo o nariz até meu pescoço. — Mal consigo me concentrar na nossa conversa.
O corpo tremeu com o seu hálito contra a minha pele e fico feliz em ter usado os sabonetes artesanais naquele dia.
Daysi, te amo.
Infelizmente ele se afasta de repente quando sua barriga ronca de fome.
Nunca o vi tão vermelho como naquela vez. Eu apertei os lábios um contra o outro tentando conter o riso quando ele me chamou para jantar lá embaixo desconfortável. Era uma pausa definitiva naquele pequeno interrogatório e tive mais tempo para refletir.
Confusa, parei de andar de repente quando vi um buquê de flores e uma caixa de bombons em cima do balcão na cozinha. Estavam ali antes?
— Sheisse, eu esqueci! — Reclamou Thomas colocando a mão no rosto.
Ele os pegou e constrangido me entregou devagar.
— São para você, Lydia.
Aceitei apesar de não entender o porquê de me dar só agora. Percebendo minha cara confusa, Thomas desatou em falar.
— Tecnicamente eu deveria ter lhe dado no almoço enquanto eu implorava por desculpas, mas tive uma videoconferência de emergência para fazer essa tarde e acabou complicando tudo. — falou um pouco rápido demais que o normal — Minha memória é uma merda, então acabei esquecendo de mandar.
Deus, como ele era fofo!
Abracei as flores com um sorriso e as depositei em cima do balcão novamente. Abri a caixa de bombons ansiosa, pois devo ter comido um daqueles apenas uma vez na vida. Eles eram caros demais para a maioria dos mortais, inclusive eu.
— Se você tivesse me dado só o chocolate nem precisaria pedir desculpas. — Comentei ao comer aquele doce feito pelos deuses.
— Vou anotar para futuros problemas — Ele disse enquanto procurava algo na geladeira — Tem frango frito aqui, você quer? É só esquentar.
Assenti e sentei na ilha para comer, esperando o microondas deixar a comida no ponto.
Provavelmente aquela era a primeira vez que vi Thomas comendo voracidamente. Parecia que não se alimentava há dias — nem tive oportunidade de puxar conversa. Eu não estava com muita fome, mas me forcei a comer alguma coisa.
Prestei um pouco mais de atenção em meu destinado e vi um pequeno desleixo em sua aparência. Seus cabelos não estavam penteados com gel e os cachos grossos o deixavam com ar de um anjo. Havia alguns pelos loiros em seu rosto, demonstrando que ele não se barbeou naquele dia.
Hoyer deve ter tido um dia tão ruim quanto eu afinal.
Depois de terminar de comer e colocar os pratos na lavadora, tive aquela sensação de precisar puxar algum assunto; o silêncio se tornou algo bastante desconfortável.
— Sempre quis ter uma dessa. — Falei me referindo a máquina de lavar pratos.
— Acredita que minha avó odiava esse tipo de tecnologia? — Comentou Thomas com um sorriso nostálgico — Ela dizia que por causa disso nos tornamos uma geração de preguiçosos.
— 'Tá aí uma preguiça que eu gostaria na minha vida. — Repliquei sorrindo — Sempre quis saber como é ter uma avó. Pelos seus relatos ela devia ser uma mulher interessante.
— E ela era. — Disse com satisfação — Se não fosse Chaia Hoyer eu não teria uma infância tão boa e saudável, longe da Ala A.
Franzi o cenho.
— O nome dela era Chaia? Que nome esquisito! — Comentei, mas logo me arrependi. Estou falando do nome da avó de alguém, pelo amor de Cristo!
Todavia, agindo diferente do que imaginei, Thomas soltou uma gargalhada.
— Ela odiava o nome também! Embora sua mãe tenha colocado o nome por causa do primeiro livro que leu aos trinta e cinco anos, quando aprendeu a ler. — Hoyer me lançou um olhar cheio de significado — Chaia significa vida.
Sorri com o coração descompassado. O olhar que Thomas me dava aquecia por dentro e por fora e não consegui evitar ficar fascinada com meu destinado.
— Venha, tem uma coisa que quero lhe mostrar — falou de repente e segurou minha mão.
Com Hoyer entrelaçando nossos dedos me senti avoada e ele aproveitou para roubar um bombom que estava em cima da ilha dando sopa.
Ele soltou um suspiro parecido com o meu minutos antes ao comer o primeiro chocolate.
— Eu tenho muito bom gosto. — Se gabou e eu o empurrei para o lado, rindo.
Thomas me levou até o andar onde havia o seu quarto de música, a sala de jogos e um lugar em que achei algumas pinturas; no final do corredor havia uma imensa janela que dava para ver o jardim parcialmente. Eu gostei da familiaridade que ele segurava a minha mão; sua pele era macia, bem cuidada — uma mão que nunca fez trabalho pesados.
Paramos na última porta do corredor a esquerda, a única do andar que mantinha um sistema de segurança parecido com o escritório. Depois de colocar a senha e sua digital, a porta abriu com um clique e fiquei deslumbrada com o quarto de luz vermelha.
Parei na entrada de súbito um pouco apreensiva e Thomas saiu procurando o interruptor ligou a luz branca. Minha boca se formou em um grande 'o' quando eu vi um grande mural de fotos, organizado como uma linha do tempo. Me aproximei lentamente percebendo nas imagens o rosto conhecido do meu destinado e de pessoas semelhantes a ele, ou seja, sua família.
— Vovó gostava de organizar tudo. Era um TOC na verdade. Ela começou a fazer o mural e eu terminei — disse ele. — Gosto de tirar fotos também como hobby.
No canto da sala havia uma mesa com notebook e impressora e outra com duas câmeras profissionais, uma Polaroid e algo parecido como uma câmera da Idade da Pedra.
— Não sei se fico mais impressionada com isso — apontei para o painel de fotos — ou com o fato de que você mantém hobbies demais para um adulto normal.
Ele soltou uma gargalhada.
— Estou falando sério — repliquei um pouco ressentida, mas ainda curiosa — Você é músico, tem videogame de última geração e até encontrei uma sala com algumas telas de pintura. — apontei — Agora, você também é metido a fotógrafo. — adicionei — Como você consegue manter todos esses hobbies?
Thomas sorriu sedutor.
— Sendo ruim em todos. — respondeu simplesmente — Menos como músico; nisso eu sou bom sim.— Ri de seu comentário e ele continuou — Não costumo fazer tudo ao mesmo tempo, a verdade é que enjoo fácil demais de qualquer atividade. Era assim também na escola, sempre estava fazendo uma coisa diferente.
Eu nunca participei de nenhum clube ou atividade extra curricular na escola. Na época apenas cheguei a participar no grupo de líderes de torcida por dois meses, mas não consegui organizar o tempo para isso e os cuidados que devia a minha mãe.
O mural era datado com letras miúdas em baixo; havia fotos de Thomas desde que era um bebê. Na primeira imagem da linha do tempo sua mãe segurava duas crianças idênticas, apesar de que, para mim todos os nenéns têm cara de joelho. No começo as fotos eram sempre com os dois irmãos juntos, no entanto, já se mostravam diferentes de alguma forma. Podia apostar que o menino sempre acuado era o Thomas.
— Quem é quem aqui? — Perguntei tentando provar meu ponto.
— Esse aqui. — Apontou para a criança mais extrovertida.
Encarei-o surpresa.
— Sério?
Ele concordou com a cabeça.
— Eu era um pestinha, não parava quieto. — Comentou com um sorriso ladino.
As fotos depois dos três primeiros anos passaram a ser mais dele com a vó. Chaia era Carol Carter mais velha e com o rosto mais severo; nas fotos sempre usava roupas de montaria em uma fazenda, uma propriedade digna de filmes. As imagens passaram a ser mais da paisagem do que de Thomas a partir de seus dez anos. Eu me vi sorrindo abobalhada quando cheguei aos seus dezesseis anos onde ele tocava saxofone com um chapéu de Papai Noel. Meu destinado era muito encantador quando mais novo e tinha certeza que se eu estudasse na mesma escola que ele, me apaixonaria facilmente.
Em algum momento Hoyer avisou que ia em seu quarto e que eu poderia checar alguns vídeos da família no notebook. Não me surpreendi ao descobrir que a senha do seu PC era Berlim assim como a do celular.
Thomas estava claro como água para mim. Cada vez que via suas fotos e conhecia parte de sua história, mais me encantava com quem ele era. Não consegui evitar achar um pouco estranho saber que ele me deixara sozinha dentro de um quarto cheio de memória suas, mas me senti muito feliz em saber que Hoyer confiava em mim o suficiente para isso.
Abri uma pasta com vídeos de anos anteriores no Natal. Havia diversos com crianças correndo, pessoas montando a árvore natalina e adultos cantando algo em alemão — muitos estavam claramente bêbados. O que mais gostei foi um vídeo em que tocava All I Want For Christmas da Mariah Carey. Tudo começa escuro e reconheci o toque da música em um instante. Congelei quando Thomas aparece em uma posição um tanto feminina e dublava como se fosse a própria artista. Em cada frase aparecia uma mulher diferente, fazendo então um grupo de quatro; a dança me lembrava Meninas Malvadas e soltei uma gargalhada ao ver Thomas Hoyer, meu destinado, exalando mais femilidade que aquelas mulheres juntas.
Minha barriga doía de tanto rir e coloquei o video para repetir. Thomas fazia um rebolado meio estranho, mas mostrava estar se divertindo muito, até mais do que todo grupo. No final, eles se juntava para mais próximo da câmera e diziam juntos: "Feliz Natal, nós amamos vocês!".
— O que está vendo aí? — Indagou Thomas ao voltar no cômodo de repente.
Ele vestia um pijama xadrez azul e aparentava ter saído do banho. Não consegui prender a risada quando, escutando o barulho da música, mudou de expressão como se tivesse visto um fantasma.
— Meu bom Deus.
Ele fechou a tela do notebook em alarde, como se aquilo apagasse o que vi de alguma maneira.
— Você precisa me ensinar essa dança! — Falei assim que controlei minha crise de risos — Espera, deixa eu ver se aprendi.
Apontei para ele e cantarolei a música imitando sua performance que deixava a própria Mariah Carey no chinelo.
Thomas cobriu o rosto vermelho com as mãos e falava frases um pouco desconexas. Entendi algo como "o que eu fiz para merecer isso?" "nunca confiar" e "criei um monstro".
— Oras, não fique assim, Excelência. — Disse me aproximando dele — Aquele show foi digno de uma diva.
— Odeio você.
Ele me olhou raivoso.
— Odeia nada! Vai até me ensinar a rebolar desse jeito. — Respondi tirando suas mãos do rosto. — Quem diria! O desembargador discreto tem seus momentos de Drag Queen.
— Ah, pelo amor de Deus. — Reclamou ele se afastando fingindo que sairia da sala.
Aquilo só me atiçava mais, só meu destinado que não tinha percebido.
— Ei, espera! — Chamei tentando parecer séria.
Hoyer recuou e olhou para trás em uma carranca.
— O que é?
Joguei o cabelo para trás e apontei para frente.
— Era assim que você fazia?
Como um simples mortal, Thomas não aguentou a pressão e riu. Eu amava o jeito que ele desviava o olhar toda vez que o gargalhava, como se não quisesse que eu o visse.
— Você precisa de um pouco mais de molejo. — Comentou com o sorriso no rosto fazendo exatamente como o vídeo.
Imitei-o e nós caímos na risada.
— Não é fácil para principiantes. — Ele deu os ombros se aproximando mais uma vez.
— Um dia serei tão boa quanto você. — Repliquei pousando minhas mãos em seu peito.
— Não sonhe muito alto, criança. — Ele piscou.
Com um sorriso, abracei-o pela cintura.
— Obrigada por confiar em mim me mostrando tudo isso. — Sussurrei.
Thomas me enlaçou e apertou-me com força contra seu corpo. Seu calor me dava uma sensação reconfortante e deixei-me soltar um suspiro.
— Quero que você me conheça por inteiro, Lydia. — Disse Thomas enquanto afagava meus cabelos.
Levantei a cabeça e pude ver seu olhar recair sobre meus lábios. O abraço mudou de significado quando o imitei. Observei com atenção como sua boca era rosada e aparentava ser um grande marshmallow. Ela implorava para ser beijada.
Thomas posicionou suas mãos até minha cintura, os dedos desenhando minha pele. Os nossos sentidos estavam aflorados, o ar estava carregado repleto de um mistério novo. O coração palpitava no peito pedindo para que eu avançasse e fizesse alguma coisa.
Eu iria beijá-lo. Eu necessitava beijá-lo.
Quando o vi lamber os lábios, arfei por antecedência.
Quando o vi abaixar um pouco a cabeça, fechei os olhos.
Quando seus lábios tocaram os meus, o mundo se tornou um grande silêncio.
Algo em mim desacordado por muito tempo se levantou com um estrondo.
Meu sangue corria quente em meu corpo gelado pelo inverno; uma adrenalina louca possuiu todo meu ser e quase entro em pane. Entreabro os lábios e Thomas desliza sua língua em minha boca. Seu gosto é predominado pelo chocolate devorado mais cedo e deixei um pequeno gemido sair.
Era bom. Era maravilhoso. Era inebriante.
Derreti-me, as pernas já perderam toda a força que tinham. Apesar de ser extremamente delicado com o beijo, os dedos de Hoyer encravados em minha cintura sugerem algo diferente. Posso sentir quase todo seu corpo indo a loucura e minhas mãos nervosas encontram seus cabelos ainda úmidos do banho. Puxei-os com menos força que previa e arranhei sua nuca. Meu destinado arfou e apertou-me contra ele quase fundindo-os a ponto de sermos um.
Se a mansão caísse sobre minha cabeça, eu não sentiria.
O chão poderia se abrir debaixo dos meus pés e eu não me importaria.
Ali, nos braços de Thomas, eu estava segura.
Eu era uma sem teto, mas naquele momento eu estava em casa.
Os lábios de Hoyer estavam inchados quando nos afastamos e deduzi que devia estar no mesmo estado. Nossas respirações estavam descompassadas, mas ele ainda mantinha os braços em volta de mim com firmeza.
Ele temia que eu saísse, que fugisse dele.
Olhei-o nos olhos e pude ver uma chama prateada em sua íris escura e meu íntimo estremeceu. Estava zonza, atônita, sem saber o que fazer ou como reagir.
Ficamos em silêncio, pois nada era preciso dizer.
Main Gott.
Eu estava perdida.
[Deixei seu grito de surto aqui]
n/a:
THE KISS FINALLY HAPPENNED
Após essa série de confissões e a criação de mais uma dúzia de perguntas, o otp finalmente se beijou!!!!!!!!!!!
E aí? O que vocês acharam da cena mais esperada de todos os tempos (cof cof)?
Ok, sei que tá todo mundo eufórico, mas preciso perguntar sobre os segredos que Thomas abriu mão. A parte da Shadow é uma das coisas mais interessantes de 12DDV e quis trazer pra fic também! O que acham do Tobias agora? Será que ele é tão ruim quanto Thomas diz?
Deixem seu comentário e me digam o que achou! Sua opinião é super importante!
Não esquecendo de agradecer a annestengel que corrigiu esse capítulo! Muito obrigada mesmo pela revisão ❤
Não se esqueçam que Thomas e Lydia tem ask. Deixem suas perguntas a eles nos links:
ask.fm/thomashoyer
ask.fm/lydiatb
Pra quem quer ler spoiler e acompanhar minhas outras histórias tem meu grupo no FB: Maraíza Santos - Fanfics.
Até breve, mozões!
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