Capítulo 15
Sujeito a alterações
"Quando você está na meia luz não é você que eu vejo. (...) E você pode se livrar disso? Você pode se livrar disso por mim? Quando você está na meia luz eu não gosto da metade que vejo." - Half Light by BANNERS.
Por causa da rotina acordei às quatro da manhã sentindo meu corpo mole de cansaço; descobrir que tinha duas horas para dormir foi uma benção, porém ainda assim não estava descansada o suficiente. Evitei não pensar no que aconteceu na noite anterior, mas o fato de estar debaixo do mesmo teto de Thomas não me ajudou muito.
A razão dizia que existia aquela possibilidade de que o desejo de Hoyer nunca tenha sido dito e a cena que acontecera tenha sido fruto da minha fantasiosa mente.
Não havia certeza de nada, no entanto.
O nervosismo me contornava quando saí do meu quarto arrumada para mais um dia. Eu tinha que gravar um depoimento e mesmo assim a ansiedade não vinha da expectativa de expor os abusos de Adolf, mas sim de olhar para Thomas.
Abotoando o único casaco fuleiro que possuía desci as escadas com passos lentos. Eu saberia se o que foi dito era real ou não de acordo com o comportamento de Thomas.
— Faz 10 graus lá fora com a sensação térmica de 5. Não pensei que o inverno fosse chegar tão rigoroso.
Foi o comentário de Rose naquela manhã. A mesma usava um suéter verde e sorriu me cumprimentando assim que entrei na cozinha. Thomas e mais um par de seguranças — que eu não conhecia — responderam "bom dia" em uníssono. Meu destinado apenas me deu um aceno enquanto bebericava o seu café.
— Você parece nervosa. — Comentou ele segurando seu caneco entre as duas mãos.
— E estou. — repliquei — Isso tudo de depoimento me assusta.
Mentirosa.
Quer dizer, não é como se eu desse depoimentos em que denuncio empreiteiras toda semana, mas meu nervosismo não era por causa disso.
Me dê um sinal que aquilo aconteceu mesmo, por favor.
— Ah, vai dar tudo certo. Só seja firme no que falar e escute as instruções de Harvey. — Me tranquilizou. — Diga a verdade. Toda ela.
Assenti e me sentei ao seu lado para comer o café da manhã.
— Dormiu bem? — Indaguei tentando arrancar alguma informação que me desse ideia se nossa conversa tenha existido ou não.
— Não tanto quanto gostaria, mas você parece que sim. — Respondeu ele com um sorriso. — Antes de terminar de tocar a música já estava babando no sofá.
Mirei-o indignada.
— Calúnia!
— Foi sim! Na metade do refrão de All I Want In This Moment você já dormia.
— Espera, a gente não conversou depois da música?
Ele olhou para mim com o cenho franzido e negou com a cabeça.
Aquela frase que me perturbava era um sonho. Um sonho!
Com a conclusão do que aconteceu, beirando entre alívio e desapontamento, fui me alimentar.
Rose começou a falar algo sobre fazer compras e acabei pegando seu número para mandar coisas que precisaria que ela comprasse no mercado. A ideia de ter alguém para fazer isso para mim, no entanto, era um pouco desconfortável.
E ainda tinha a estranheza de que minha roupa ia para uma lavanderia chique em vez de ser lavada com sabão em pó de uma marca barata em casa mesmo.
Escutei alguns comentários sobre as notícias da manhã vindas do Thomas que assistia ao noticiário atentamente. Ele falava para ninguém em particular do cômodo, entretanto seus seguranças soltavam resmungos de concordância totalmente desleixados. Hoyer nem parecia querer uma segunda opinião na verdade.
Me levantei ainda com a boca cheia quando Thomas fez menção de sair, como por hábito.
— Me espera, quero pegar carona. — Falei inocentemente.
Vi um dos seguranças soltar uma risadinha que foi repreendida por um olhar duro de Thomas.
— É só chamar o Bälmer e ele lhe levará à Specter+Litt. — Explicou Hoyer — Você não precisa de carona para ir a qualquer lugar, Lydia. Todos desta casa estão a sua disposição, inclusive os carros e motorista.
— Eu posso dirigir? — Perguntei com os olhos brilhantes.
A perspectiva de pegar no volante outra vez me animava. Fazia tanto tempo que eu tinha a maravilhosa sensação de estar em controle de algo que era provável que eu ficasse andando em círculos em um automóvel apenas para ter certeza que eu o controlava.
— Você dirige? — Ele arqueou a sobrancelha cético.
— Sim e sou uma ótima motorista se quer saber. — Respondi orgulhosa.
— E é? — Falou ainda desacreditado — Você conhece os bairros daqui? Acha que pode ir até à advocacia sem problemas?
— Precisaria do GPS. — repliquei com os ombros encolhidos.
— Tudo bem. — Titubeou um pouco com os dedos nervosos batendo em seus lábios. — Hoje à noite iremos fazer um teste. Apesar de confiar em você, quero ter certeza que não terei prejuízo com nenhum dos meus carros. Agora o Bälmer vai lhe levar, OK?
— Justo. — Disse sem delongas.
— Ótimo. — Ele sorriu como quem faz um bom negócio. — Te vejo mais tarde então?
Balancei a cabeça em concordância e peguei minha bolsa que me acompanhava para cima e para baixo. Ela era preta e não tinha muitos detalhes, entretanto era enorme. Embora fosse cara, foi um investimento que valeu a pena. Mesmo estando meio acabadinha, durou seis longos anos de muito pivô.
— Oh, senhorita — disse Bämler entrando pedindo licença ao Hoyer em um sotaque carregadíssimo — Está indo agora? Quer que eu pegue seu casaco?
— Não, eu vou com esse daqui mesmo.
Rose, que se mantivera calada aquele tempo todo, virou para mim horrorizada.
— Como assim? Criança, está congelando lá fora! Quer pegar uma hipotermia? — Falou indignada.
— Meus casacos não existem mais, vamos dizer assim. Esse é para vida e para morte. — justifiquei tentando não pensar nas roupas banhadas de tinta que deixei para trás na Ala O.
Eu apenas percebi que Thomas retirou seu sobretudo quando ele se aproximou por trás de mim e pediu para que eu abrisse os braços. Eu era relativamente alta e de salto batia na linha da sobrancelha de Thomas, mesmo assim o agasalho ficou grande em mim.
— Mas... — tentei protestar, contudo ele me interrompeu.
— Não quero ver você passando frio quando eu posso facilmente resolver isso. — explicou sorrindo — Iremos comprar algumas roupas de frio mais tarde e insisto em pagar. Sem objeções.
Eu replicaria alguma coisa se o cheiro que exalava do casaco não fosse tão Thomas. Minha intuição dizia para que eu mergulhasse o nariz na gola como uma adolescente apaixonada, mas não ia fazer aquilo pois era ridículo.
Ao menos era ridículo fazer isso na frente dos outros.
— Obrigada, Excelência. — murmurei com um sorriso e beijei sua bochecha sentindo um comichão quente no peito de alegria.
Mal rocei os lábios em sua pele, quase não sentindo seu aroma, porém isso não impediu que Thomas ficasse paralisado e extremamente vermelho. Seria a coisa mais fofa do mundo se não estivéssemos em público, o que contribuiu para seu embaraço.
— Eu... Hm... Vou pegar outro casaco. — Enrolou-se a dizer e saiu como um relâmpago para fora do cômodo.
Quando olhei ao redor percebi que os empregados de Thomas fingiam fazer alguma coisa e não ter visto aquela cena peculiar de nós dois.
E, então, foi minha vez de ficar vermelha.
Ainda na garagem vi que Rose estava certa em me alertar sobre o frio; Carlos olhava alguma coisa no capô da BMW e sua respiração fazia uma fumacinha que para mim era melhor marcador de temperatura que muitos termômetros.
Me enrolei no casaco como se fosse um manto e andei com passos apressados até o automóvel. Apenas quando já estávamos saindo do bairro luxuoso da Ala A mergulhei o nariz no colarinho do casaco e fechei os olhos para me concentrar no cheiro. Ele era levemente amadeirado, mas tinha uma predominância mais exótica. Parecia baunilha, mas não tinha certeza; só sabia que era excepcional.
Constatei o olhar estranho para o casaco que a secretária de Harvey direcionou, mas a mesma não comentou nada. Passei alguns minutos conversando com Mike e ele me deu as últimas orientações para o depoimento. Quando entrei na sala de reuniões senti o ar mais pesado e um olhar superior vindo de um trio de advogados da empreiteira que eu estava processando; havia uma loira, um gordinho e um cara que parecia um personagem de Gotham, o Charada.
Uma pena para eles que aquele olhar arrogante não me abalasse. Já recebera tantos tratamentos hostis por vir de onde vim que no mínimo sentia desprezo por pessoas que tinham um pensamento tão antiquado.
Recebi um assentimento de coragem de Harvey e respirei fundo quando eles ligaram a câmera e o microfone. Do outro lado da mesa havia uma mulher digitando tudo que era falado por os advogados da empresa e os meus.
As primeiras frases e perguntas eram padrão para identificação do processo e serviram para me fazer relaxar. Respirei fundo antes de dizer calmamente meu nome completo.
Lydia Taya Blackwell.
— Então, senhorita Blackwell — chamou me uma mulher loira, a advogada do Trio Satanás — é verdade que a senhora passou três meses sem pagar o aluguel em diversos períodos nos últimos seis anos?
— Sim. — respondi evasiva — Mas todas elas foram pagas com juros adicionais. Não devo mais nada.
— Hm, e por que tal procedimento foi constante na sua vida? — indagou o Charada — Se não podia pagar a conta, por que não mudou de Ala?
— A minha cliente está na Ala em que deveria estar. — Interviu Harvey — Com a média de um salário mínimo por mês em uma casa com 2 ou 3 pessoas é destinada a Ala O, como vocês devem saber.
— A minha pergunta não foi respondida, Specter. — Falou mordaz.
— Havia meses em que minha mãe precisava de remédio extra para sua doença. Ela tinha Mal de Alzheimer. — Falei tentando não sentir um bolo na garganta.
— Você falou "tinha"? A doença é curável agora? — Perguntou o gordinho.
Olhei para ele com a certeza que ele era um palerma.
— Ela morreu. — Expliquei.
— Não vejo como isso possa ser importante para o caso, senhores. — Falou Mike olhando os seus 'inimigos' com desafio.
O Charada pôs os cotovelos na mesa e me olhou como se eu fosse um ratinho de esgoto.
— Você é destinada de Thomas Hoyer?
Apesar de todos me reconhecerem como tal, não pude evitar sentir meu corpo gelar. Peter, Havey e Mike, ou até mesmo os empregados de Hoyer, tinham essa informação, mas aquilo não era público para qualquer um. Como isso chegou ao ouvidos deles?
Ross e Specter se olharam com um ar conturbado e balançou a cabeça para que eu respondesse.
— É... sim. Eu sou.
— Você é consciente que um dos tios do seu destinado, Jacob Hoyer, é dono de uma das empresas que concorre ao trabalho de cuidar dos lares das Alas M-P e que a mesma nunca conseguiu aprovação do Estado para isso?
Mirei-os com confusão.
— Não sei do que você está falando.
— Ah, não sabe? — perguntou cinicamente a mulher — Se eu lembrar que parte do dinheiro que vem do seu destinado, um desembargador bilionário, vem dessa empresa? E que o tipo de acusação que você está fomentando pode acabar com a reputação dos nossos clientes apenas para que a de Thomas Hoyer acabe com a concorrência?
— Protesto. — Interviu Harvey antes que ela falasse mais alguma coisa — O que destinado da minha cliente faz com o dinheiro dele não tem nada a ver com o caso. São os abusos que sua empresa tem com ela durante os últimos anos que está em pauta aqui.
— E o que não nos garante que a senhorita Blackwell inventou toda história para favorecer a empresa do destinado? — Investigou a mulher loira. — Sabe que calúnia e difamação é contra lei e que você pode se dar muito mal por isso, não é?
Eu quis pular em cima daquela mulher e esmurra-la por insinuar que eu estava mentindo. Se não tivesse um pingo de autocontrole meus dedos já estariam marcados naquela cara coberta de reboco.
— Isso é uma ameaça? — Indagou Harvey com puro deboche.
— Não, estamos apenas falando sobre uma lei aleatória. É um aviso. — inquiriu o Charada.
— Têm poucos dias desde que descobri que estive pagando mais do que um cidadão da Ala O deveria. — Falei com firmeza — Tenho a cópia de todas as contas que paguei e posso provar isso, apesar de ter perdido quase tudo da minha casa por uns vândalos. — pus o cotovelo na mesa e os encarei — Acredita que eles usaram as cores do brasão da sua empresa? Muito conveniente.
— Isso é uma acusação? — Indagou o gordinho — Sabe que...
— Oh, céus, pare de ficar lembrando as leis — reclamou Mike.
— Não é uma acusação, senhor. — Harvey respondeu por mim com o ar de deboche que ele carregava naturalmente — É um aviso.
Apertei os lábios tentando não sorri vitoriosa quando Specter disse aquilo. A admiração que eu tinha por ele cresceu quase vinte por cento.
— Alguma pergunta a mais para fazer a minha cliente? — Indagou Mike olhando diretamente para Trio a nossa frente.
— Tenho sim. — Disse a mulher parecendo pronta para mostrar a sua última carta na manga. — A quanto tempo está casada com seu destinado?
Deixei minha cabeça cair para o lado sem entender.
— Eu não sou casada, muito menos com meu destinado. — respondi obviamente.
— Então por que moram juntos? — abri a boca para responder, mas ela continuou — Como funcionária de uma multinacional como você ganha só um salário mínimo por ser secretária de um CEO? Não faz sentido você continuar pagando impostos como se fosse da Ala O. Você desconhece a multa para quem comete esse crime de fraude, senhorita Blackwell? Roubar os direitos dos pobres é amoral e crime.
Com o sangue fervendo e com os palavrões tão bem aprendidos por mim na Ala O fazendo minha língua coçar.
— Escuta aqui, sua...
— Chega. — Interrompeu Harvey com uma calmaria calculada. — Esse depoimento não está chegando a lugar algum.
Ele se levantou e abotoou o terno cirurgicamente.
— Espero que não se sintam constrangidos quando forem dar a notícia que o acordo foi duplicado. — Falou enquanto assentia para que desligassem o microfone e a câmera. — Em contrapartida se insistirem em ir a julgamento com argumentos de calouros de direito, espero que estejam preparados para falir seu cliente.
Quando saímos da sala de reuniões e com uma conversa franca com Harvey resolvi estender um pouco mais o prazo para conseguir um acordo. Havia a remota possibilidade de não ganhar um bom retorno se o caso fosse a julgamento e era claro que a oposição queria nos levar até lá para apelar para o juiz. A secretária de Specter avisou a Thomas sobre nossa decisão de segurar mais um pouco e, embora não gostasse muito da ideia, ela era bastante sensata. Além disso, ele estava para jogar a notícia no jornal para o dia seguinte — porém ele ocultaria o seu nome enquanto eu estava disposta a arriscar-me ao me expor. Não pensei muito quando o fiz, mas ao ir ao trabalho percebi que Hoyer não parecia preocupado na minha privacidade, a não ser a parte em que ele se envolvia.
E eu, como de costume, fiquei bastante desconfiada.
Ao passar no RH para entregar o ofício que justificava minha falta, mesmo depois de falar com Carter eu havia esquecido de levar aquilo no dia anterior, descobri que um estagiário ia encaminhar-se para ser meu assistente. Achei estranho, pois nunca precisei de ajuda extra para fazer meu trabalho, entretanto assim que li o sobrenome do chefe entendi o que se tratava.
Bryan Carter tinha a cara de adolescente rebelde sem causa, mesmo já estando com seus vinte e um anos. Fiquei um pouco mais aliviada em saber que a semana seria de treinamento para os novos funcionários e que eu não ia precisar lidar com ele no momento.
Depois que acomodei-me na mesa de sempre, foquei em cumprir minhas tarefas anotadas em post-its com a letra apressada do chefe. Aos poucos meu rendimento começou a voltar ao normal e pude me concentrar no trabalho.
Era quase fim do horário de almoço quando Daisy apareceu segurando uma sacola artesanal e uma fruta enrolada em papel alumínio. Quanto mais ela se aproximava um cheiro delicioso de coco, lavanda e outras especiarias dominava o andar.
— Alguém está com fome? — ela ofereceu a fruta para mim — Por que não desceu para o refeitório?
— Trabalho acumulado — respondi — Aliás, obrigada.
— A mesa fica tão chata sem você e Mary — comentou — Sabia que agora ela começou a fumar?
Franzi o cenho.
— Como ela nos faz um discurso inspirador sobre quanto negligenciamos nossa saúde e começa a fumar? — indaguei confusa.
Daisy deu os ombros e sentou-se em cima da minha mesa.
— Só sei que ela anda muito estranha ultimamente. — disse — Mas, mudando de assunto, estou fazendo sabonetes artesanais e queria que você testa-se. As meninas são muito frescurentas e estão com medo de ter uma reação alérgica — Bardot revirou os olhos.
Cerrei os olhos para ela desconfiada.
— Caraca, é cheiroso demais! — comentei quando abri a bolsa que ela ofereceu — Chega a ser enjooso.
Peguei três pacotes e fiquei encantada com os que escolhi. Eles eram um pouco maiores que os comprado em supermercado; os de coco e melancia davam vontade de comê-los. Daisy me explicou que ela estava pensando em abrir uma saboaria.
— Minha vida toda trabalhei para alguém e estou pensando seriamente em ser empreendedora — Disse ela — Como Mark, sabe? Claro que metade da fama dele vem dos meus contatinhos...
Soltei uma risada.
— Se ele escuta isso...— falei antes de dar uma mordida na pêra em minhas mãos.
Ela deu os ombros como de quem não liga.
— Falando nele, acredita que o idiota não quer pagar um plano de saúde? — reclamou — Acha que vai viver pra sempre.
— Homens... — falei balançando a cabeça.
Aquela situação me lembrava um pouco Thomas e como gatilho lembrei da nota fiscal que achei no dia anterior.
— Daisy? — A chamei hesitante.
— Sim, Ly?
— Você conhece o Hospital Lenox Hill?
— O hospital de tratamento de câncer?
Não se desespera.
Calma.
Isso não significa nada.
— Lydia? Tudo bem? — Indagou Daisy. — Você ficou pálida de repente.
— Tudo sim. Só uma náusea. — Repliquei.
Desviei do assunto e falei que deveria voltar ao trabalho. Quando percebi que estava sozinha me permiti desabar na cadeira.
OK, Thomas apenas esteve em um hospital especializado em câncer. Ele podia estar visitando alguém, certo?
Respirei fundo tentando pôr esta justificativa em mente, mas logo me lembrei da sua constante falta de apetite e diversos comportamentos estranhos — inclusive ele falou que tomava remédio controlado. Não pude evitar lembrar das vezes que percebi seu olhar cansado e só pensei no pior.
Fechei os olhos com força para não chorar. Eu ainda não tinha certeza se era aquilo, mas a remota ideia de que Thomas estaria morrendo aos poucos me dava calafrios. Cheguei a procurar seu número no celular para tirar minha dúvida, mas não sabia como abordar aquele assunto.
"Ei, eu estava fuçando o bolso dos seus casacos e vi que você esteve em um hospital de câncer. Devo me preocupar?"
Como um lembrete de onde eu estava e do que deveria estar fazendo, Carter apareceu junto com Daniel saindo sua sala. Eles estavam enclausurados no escritório fazia horas e ainda sim saíram conversando sobre algo aparentemente muito importante. Jones comentou sobre o cheiro bom que estava no lado de fora do escritório e falei que era um dos sabonetes artesanais de uma amiga que eu guardei na bolsa. Assim que ele saiu do meu campo de visão, Albert pediu para que um email urgente deveria ser enviado aos quatro diretores da empresa para uma reunião emergencial para o dia seguinte; e, claro, ele refrescou minha memória sobre a viagem ao México que tivemos e minha responsabilidade de entregar um projeto para ele.
Embora mais concentrada no trabalho, não pude deixar de sentir um comichão no peito. Sempre que eu me distraía, minha mente teimava em pensar nisso.
Voltar para a Ala A nunca foi tão desejado por mim.
Assim que cheguei em casa mal cumprimentei Rose e perguntei sobre Thomas. Ela deu os ombros e disse que ele chegava em meia hora mais ou menos. Resolvi, então, ir tomar um banho e fingir estar esperando pacientemente.
Vi que estava com um problema quando percebi que eu havia apenas mais uma combinação de roupa limpa pra vida e a morte — e pra piorar, era o último vestido de verão que Ivanna tinha feito para mim. Definitivamente teria que ir às compras.
Escondida dentro do casaco que Thomas me deu para não tremer de frio, comecei a andar pela casa a fim de conhecê-la melhor. No terceiro andar havia a sala de música, como eu soube no dia anterior, e mais três quartos para hóspedes. Descobri uma sala de pintura e fiquei encarando quadros bem medianos, no mínimo. Havia um quarto enorme para jogos, com três tipos diferentes de aparelhos de vídeo games e uma estante repleta de DVDs deles.
Como Thomas conseguia ter tantos hobbies era uma questão que eu desconhecia a resposta.
Para passar o tempo, voltei a pesquisar mais sobre Thomas na internet. Não me sentia nem um pouco confortável em ter que fazer minha própria investigação para conhecer meu destinado, mas ele não cooperava.
Hesitante joguei no search "Thomas Hoyer e namorada".
A principio achei uma foto antiga dele com uma moça de cabelo verde, mas duvidava muito que fosse essa com quem ele se casou; além de não parecer com a que vi meses atrás em minha pesquisa, a foto não indicava nada romântico — para ser sincera, eu diria que ela foi cortada e havia mais mais amigos na imagem.
As imagens interessantes só vinheram mais embaixo onde Thomas e uma mulher loira desciam do carro basicamente em todas elas. Os dois sempre usavam boné e óculos claramente tentando se esconder — sem muito sucesso. Não dava para reconhecê-la, no entanto. Mesmo em uma foto em que Thomas está com o rosto a mostra dentro do carro, saindo de um hotel na Califórnia, ela cobre o rosto com um casaco verde.
Seja lá quem era essa mulher, ela era ótima em se esconder.
Encontrei um artigo em que cogitava a possibilidade dele estar noivo, pois em um julgamento, na época que ele atuava como advogado, era possível ver uma aliança na mão direita. No entanto não houve mais nenhum "incidente" como esse e ele não se pronunciou sobre isso.
Depois de um tempo enrolando finalmente desci para ir até a cozinha. Encontrei Thomas sozinho comendo um pretzel encostado no balcão. Por causa da minha teoria de que ele estivesse doente, esperei vê-lo com o ar cansado e abatido, mas o que me deparei era totalmente diferente: ele parecia uma criança que acabou de ganhar um doce, com direito a farelo e açúcar sujando o terno.
— Tudo certo para irmos? — Indagou Hoyer limpando a boca com o pulso.
— Tudo sim, mas e você? Como vai? — Perguntei tentando soar casual.
Ele cerrou os olhos para mim não comprando minha interpretação de amiga despreocupada.
— Eu vou bem, obrigado. Aconteceu alguma coisa?
— Tem certeza que está bem? — me aproximei dele visivelmente perturbada — Digo: não se sente mal, algum problema de saúde..?
Thomas me olhou como se eu fosse louca.
— Do que você está falando? Minha saúde é ótima! — explicou-se — Não escute o que Rose fala, ela ama exagerar.
— Mas...
— Estou bem, Lydia. — reafirmou — Se lhe faz se sentir melhor: eu visito um médico regularmente.
— E não deu em nada?
Era claro que minha tentativa de ser discreta falhou miseravelmente.
— Nada. — respondeu — Sou o homem mais saudável que você conhece.
Relaxei os ombros aliviada sentindo um fardo enorme saindo de minhas costas. Mordi minha língua quando me vi quase perguntando quem ele visitara na noite anterior e para que era o remédio que tomava regulamente.
— Vamos antes que o motorista congele lá fora. — Chamou-me estendendo a mão em minha direção.
Segurei sua mão morna com firmeza e o deixei me puxar para frente.
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— Primeiro que advogado nem é gente. — Falei para Thomas assim que entramos no carro para voltar para casa.
Expor toda sua indignação de modo divertido foi a forma que encontrei de contar o episódio do depoimento sem sentir vontade de mergulhar na miséria emocional que andava vivendo nas últimas semanas.
Ele deu uma risada.
— Diga-me, então, senhorita Blackwell, como deixei de ser um Homo Sapiens na sua lógica. — brincou ele ao colocar o cinto.
— Ah, Vossa Excelência conseguiu burlar a evolução dos advogados. — Garanti tentando soar intelectual — Quase foi canonizado pelas minhas amigas.
— E você fala sobre mim para suas amigas?
— Não, mas elas comentam sobre você toda vez que você dá uma passadinha na empresa — respondi. — Posso dirigir daqui?
Hoyer trocou um olhar pensativo com o motorista.
— É, vamos aproveitar que a rua está deserta e o máximo que pode atropelar é um poste.
Dei-lhe um tapa no ombro.
— Você vai morrer pela boca. — Ameacei trocando de lugar com o motorista que para variar não decorei o nome.
A ida até uma loja de artigos de inverno não foi tão difícil como pensei. Havia pouquíssimas pessoas no estabelecimento e os que estavam lá pareciam apressados para voltar a suas casas. Era um lugar aconchegante, moderno e não parecia o tipo de loja que imaginei que pessoas da Ala A fazem compras. No caso, não havia paparazzis e fãs loucas do Hoyer — algo que inconscientemente imaginei acontecer, mas lembrei que, apesar de famoso, ele era um desembargador e não um astro do rock.
Durante todo tempo bati papo com a atendente universitária enquanto Thomas esperava sentando e ria de algo em seu celular. Distraído, meu destinado não percebeu quando passei o cartão em seu lugar e parcelei seis vezes sem juros (depois de pechinchar um descontozinho, claro). Apesar desse ato amaciar meu ego, tinha dor de cabeça só em pensar nas contas mirabolantes que teria que fazer para pagar. Fazia tanto tempo que não comprava roupas que era estranho vestir ao que não fosse Made In Ivanna's.
— Do que você tanto ri aí? — Indaguei curiosa carregando as sacolas que havia comprado.
— Hã? — Respondeu atônito — Disse alguma coisa?
— O celular. — Expliquei — O que é engraçado?
— Ah, não é nada. Só estou falando com a Sarah. — Disse se levantando.
Quem é Sarah?, Pensei em perguntar, mas segurei minha língua. A chance da frase soar como namorada ciumenta era enorme e não estava a fim de prestar a esse papel.
— Aqui está a notinha. — ofereceu a atendente com um sorriso — Volte sempre!
— Ah, obrigada. — Sorri para ela em agradecimento.
Thomas olhou para nós duas não entendendo o que estava acontecendo.
— Espera, já pagou os casacos?
Me virei para ela balançando a cabeça em negação.
— Homens. — revirei os olhos.
Então, se sentindo contrariado e enganado por mim, Hoyer fez questão de comprar um cachecol horroroso apenas para não dizer que não pagou nada.
Homens.
E daí que chegar nossa conversa no carro. Assim que sentei no banco do motorista ajustei-o a minha altura. Thomas sentou no passageiro e fiquei pensando em quão estranho era estar com um segurança no banco traseiro do carro.
— Então, sabe como dar partida no carro?
Olhei para ele desgostosa.
— Eu tenho carteira, gênio. É claro que sei.
Ele deu os ombros.
— Vai que você estivesse mentindo?
Como resposta ao seu comentário, dei a partida do carro e devagarinho tirei do estacionamento. Embora aparentasse muito concentrada na estrada, prestei bem a atenção nos olhares zombeteiros de meu destinado ao nosso guarda-costas.
Assim que entrei na avenida quase deserta troquei de marcha e pisei no acelerador.
— Caso você não saiba, não estamos em um filme de Velozes e Furiosos. — Falou ele apertando o cinto. — Pode diminuir a velocidade por gentileza?
O ignorei e mantive a mesma aceleração. Liguei o rádio e fiquei feliz em saber que tocava um blues que eu conhecia bem.
Fiz algumas perguntas diretamente ao motorista sobre a direção em que deveria ir. Ignorei Thomas durante todo o trajeto até a garagem de casa.
— Pode me dar um segundinho com seu chefe? — Pedi ao motorista e ele saiu prontamente.
Virei-me para frente e dei o suspiro.
— O que eu fiz agora? — perguntou ele.
Neguei com a cabeça.
— Nada. Apenas... — respirei fundo — Não gosto que me subestimem.
— Tudo bem, foi mal.
Dei os ombros e ficamos em silêncio.
— Eu não dirigo bem se isso a alivia. — Confessou ele.
— Ah, é? Então por que estava me zoando?
Thomas abriu um sorriso.
— Gosto de irritá-la. — Replicou — Você parece tão racional às vezes...
— Excelência, acho que você deve procurar outro passatempo. Irritar mulheres não me parece sábio.
Meu destinado bagunçou o cabelo deixando-o voltar para os cachos loiros ainda com o sorriso na face.
— Mas algo está lhe incomodando. — afirmou ele depois de um tempo.
— OK, Professor Xavier. — brinquei apesar dele estar certo.
— Por que perguntou sobre minha saúde mais cedo?
E eu, iludida, pensando que isso era passado. Pressioná-lo a responder as perguntas que rondavam minha mente nos últimos dias era tudo que eu queria fazer, mas não era o momento certo.
— Nada.
— Eu sei que não é "nada", Lydia. — rebateu. — Você sabe que pode dizer qualquer coisa para mim.
— Estou pensando no que os advogados da P.A.F.E.R. disseram, só isso. — respondi — Não sei como eles descobriram que somos destinados. Pensei que essas informações eram confidenciais.
— E são. — afirmou Thomas — Irei conversar com Harvey e vamos tentar descobrir, apesar de não ter muito que fazer.
— Obrigada. — Murmurei.
Hoyer virou a cabeça de lado me avaliando.
— Ainda acho que não é exatamente isso que lhe preocupa. Você sabe que não precisa ficar com medo de...
Não querendo escutar um sermão chato sobre confiança, deixei uma das minhas inúmeras perguntas escapar.
— Quem é seu irmão?
— Não quero falar sobre isso.
Revirei os olhos.
— O que descarta a ideia de que ele existe. — Concluir — Você sabe que não precisa mentir para mim, não é? Estar no México com uma ou dezenas de mulheres não influencia muita coisa. Agora eu vejo que foi infantil da minha parte ter bloqueado seu celular, afinal, você não tem nenhum compromisso comigo. Ter sido você ou não naquele dia não muda nada.
— Eu. Não. Estava. No. México — repetiu impaciente.
— E sua ex mulher? Quem era ela?
Hoyer olhou para mim como se eu fosse um alien.
— Definitivamente não vou falar dela para você.
— Isso não foi um empecilho quando estávamos no parque.
— O que falei foi para ajudá-la e nesse momento não vejo como isso vá ajudar em alguma coisa.
Deixei meus ombros caírem em cansaço.
— Sabe, Thomas, o tempo todo você me pede para confiar ou seguir seus conselhos. Você deve saber até o horário do meu nascimento e não posso saber quem diabos é o seu irmão gêmeo?
— Você fala as coisas para mim porque quer. Eu não tenho nenhum dever de dizer tudo sobre meu passado. — retorquiu impaciente.
Olhei para ele por longos segundos sentindo que ele havia acabado de me dar uma facada e me empurrado para longe de qualquer que fosse a aproximação que eu estava querendo ter com ele.
— Verdade. — murmurei — Você não tem nenhuma obrigação de dizer as coisas para mim. Me desculpe por isso. Não vai acontecer de novo.
Saí do carro me sentindo estúpida. Por que eu tive que abrir a minha boca grande? Eu era errada da história, afinal. Não tinha o direito de pressioná-lo a contar seus segredos daquela forma. Ao mesmo tempo não queria ser invasiva nem nada; apenas desejava conhecer o homem que o destino disse que era perfeito para mim. Em nenhum momento quis entrar sem permissão em sua privacidade.
Eu sabia que o destino errava às vezes. Os divórcios pós-casamentos com destinados estavam ali para provar, mas não esperava que quando isso acontecesse me sentiria tão vazia. Seja lá o tipo de relacionamento que eu e Thomas estávamos construindo foi interrompido, sem previsão de volta, assim que deixei seu casaco no sofá e tranquei-me no quarto.
n/a:
Thomas, assim não dá pra te defender!
O que vocês acharam desse capítulo? E o mistério dos Hoyer? Quando Thomas vai desembuchar?
E o trio de advogados? A T R I B U L A D O S
Ah, e esse papo de que Hoyer ser 100% saudável? Eu acho suspeito... HAHSUAHS
Quer fazer uma pergunta diretamente ao Thomas? O Ask é askfm/thomashoyer
E a Ly? ask.fm/lydiatb
Instagram: @owcollide
Mais informações no grupo do Fb "Maraíza Santos - Fanfics".
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