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Capítulo 12

Capítulo sem revisão e sujeito a alteração.

"Você não precisa ser tão corajosa essa noite." - Brave, The Shires.

Eu ganhei a primeira bicicleta um mês depois do meu aniversário de sete anos. Ela era rosa, cheia de figurinhas e tinha uma buzina branca um tanto dura para se apertar por ser nova. Steve Blackwell, meu pai, me ensinou a andar sem rodinhas, embora sempre estivesse cansado do trabalho quando chegava em casa. Minha mãe costumava nos acompanhar nas tardes em que íamos ao parque, porém ela nunca interveio no nosso momento pai e filha - ela apenas nos olhava com um sorriso pequeno e doce que poucos da Ala O conseguiam esbanjar. Mesmo depois de não precisar da guarida de meu pai o tempo todo, eles ficavam de longe mantendo o olho em mim. Os dois.

Meus pais estavam lá toda vez que eu virava para observá-los. Eu nunca estive sozinha.

Mesmo quando meu pai morreu de forma tão cruel, eu nunca estive sozinha.

Mas as coisas na vida são incertas, não é? Depois de dois anos descobrir que os constantes esquecimentos da minha maior defensora não eram normais. Eu tinha quinze anos na época. Assistir à Letícia Blackwell morrer aos poucos era uma das dores mais insuportáveis que já tive. Ver uma mulher forte, que abriu mão de seu conforto para viver uma história de amor, se debilitar aos poucos me fez passar muitas noites chorando durante a adolescência, entretanto não demorou muito para eu perceber que navegar em lágrimas não me daria as soluções que precisava. Como a aflição era rotineira, ela se tornou suportável. Não que eu não tivesse crises, mas já não era mais uma novidade. Quando a situação é irreversível, você acostuma. Não era como se eu tivesse outra opção.

Eu entrei na Coral pela minha mãe e por causa disso não pude estar ao lado dela no seu último dia de vida. Tentei afastar aquele pensamento de mim e repetir que não era culpa de ninguém, porém era quase impossível. Durante o voo de volta para casa segurei as lágrimas. Chorar na frente de estranhos não me agradava, assim como o rosto cheio de compaixão de Andrew passou a me incomodar. Acho que não tinha digerido a notícia direito, pois quando encontrei Jean esperando-me com o carro de Caio e abracei-a, comecei a soluçar.

Algo tinha sido arrancado de dentro de mim; a realidade me atingiu ao ter que organizar um enterro. Lembranças da minha infância e adolescência pareciam estar em todos os lugares que eu andava na Ala O. A sensação de uma guerra perdida massacrava meu corpo e tudo que eu queria era me afundar na tristeza, mas negava fazê-lo antes de dá um funeral digno a minha mãe.

O silêncio raro e as carinhas tristes das crianças do meu bairro ao pedir que mandassem recado para seus pais sobre a morte da minha mãe dilacerou o coração.

A pior parte, entretanto, foi o enterro. A pior segunda-feira de todas.

Me preparei apenas para escutar as frases confortantes que, no fim, não mudaria nada e o olhar de pena que sempre evitei receber desde pequena, mas não para o resto.

Encontrei algumas amigas da minha mãe que se mudaram para longe ou estavam preocupadas demais com suas vidas para visitá-la com frequência. Uma delas se chamava Sarah e tocou em meu rosto do jeitinho que ela fazia quando eu era criança.

- Ela está em um lugar melhor agora.

Aquilo transpassou o peito e lhe dividiu em dois. Por que aqui, do meu lado, não pode ser o lugar dela? Eu não era suficiente? Eu não podia cuidar dela? Por quê?

Qualquer coisa que segurou minha sanidade evaporou quando a vi deitada no caixão. Eu tinha evitado pensar em seu corpo frio dentro daquele ataúde. Letícia Blackwell estava com um vestido rosa - sua cor favorita e parecia muito como ela era antes da doença. Minha mãe podia muito bem estar dormindo.

Tampei a boca com a mão querendo soltar um grito de desespero. Ela não podia ir embora. Ela não podia me deixar ali sozinha.

- Mamãe, por favor, acorda! Não me deixe, por favor. - implorei - Fique, mamãe. Eu preciso da senhora.

Em algum segundo depois de dizer essas palavras, senti dois pares de braços me segurar para não cair e me sentaram em uma cadeira dentro da capela do cemitério. Uma enxaqueca me atingiu como se alguém estivesse espremendo minha cabeça. Cobri o rosto com as duas mãos enquanto soluçava. Estava tão abalada que mesmo quando um abraço que antes era aconchegante para mim e cheirava a uma colônia que eu podia muito bem odiar no momento, não me afastei. Não neguei abraço de ninguém, apesar de nenhum deles me preencher.

E pela primeira vez na vida eu estava sozinha.

.

A primeira noite foi a mais difícil.

Voltar para casa vazia e entrar na cozinha fez meu estômago revirar enjoado. Recebi muitos pratos de comida dos que vieram ao funeral e eles ofereceram como uma forma de dizer "eu sinto muito"; com ajuda de Jean e Hope guardei parte da comida na geladeira e dividi para as duas levarem para casa. Eu definitivamente não estava com fome e mesmo se estivesse era muito provável que a comida se estragasse.

Já não fingia estar controlando a situação; tomei um banho demorado em uma sensação de torpor que fiquei desde que saí do cemitério. Vesti um longo casaco e uma calça moletom e deitei-me na cama esperando Jean aparecer para dormir comigo naquela noite.

Uma dor espalhou-se pelo peito quando sentir o cheiro da minha mãe pelos lençóis. Enxuguei algumas lágrimas que caíram no meu choro baixo e abri o armário. Devagar toquei em suas roupas e sem pressa comecei a observar os aparelhos que a mantiveram viva nas últimas semanas.

O pessoal do hospital me falou sobre a infecção pulmonar que levara minha mãe a óbito. Aquilo era normal, eles disseram, pessoas com Alzheimer geralmente morrem disso. Os exames que infelizmente atrasaram poderiam ter adiado a situação, disse Brandon. No final, nenhuma daquelas informações me confortou igual a de Hope: "ela não sofreu muito, Lydia. Ela foi em paz.".

Peguei um lençol com um cheiro forte de naftalina que quase nunca usávamos e troquei a fronha do travesseiro. Me arrastando pela casa, fui até a sala e deitei no sofá voltando ao estado vegetativo que estava antes. A Grey chegou minutos depois e perguntou se eu estava bem e se queria mesmo dormir em cima de algo tão desconfortável.

Neguei com a cabeça a primeira pergunta e dei os ombros para a indagação seguinte. Estranhando meu silêncio e me entendendo melhor que muita gente, Jean murmurou.

- Vai ficar tudo bem, amiga. Você vai ver.

Mas eu duvidava muito que ela estivesse certa, mesmo quando Jean deitou no colchão no meio da sala, perto de mim, e começou a falar bobagens sobre seu curso. Era algo chato, tedioso, porém distraía mais do que o silêncio ensurdecedor que eu pretendia passar o resto do dia.

Jean roncava durante o sono. Não era como se eu nunca tivesse dormido com ela, mas sempre que estivermos fazendo festas de pijama eu era a primeira a capotar na cama. Vagamente lembrei de ouvi-la dizer que tinha carne crescida no nariz e por isso tinha dificuldade de respirar às vezes. Era possível que essa era a razão de está com a boca aberta no meio do breu da minha sala enquanto fazia um barulho de ronco.

Dormi no máximo duas horas naquela noite. Cochilei por alguns momentos, mas ao relembrar que o remédio para minha insônia estava a sete palmos abaixo da terra, eu voltava a chorar.

Quando eu não conseguia dormir sempre recorri ao quarto dos meus pais. Recordo muito bem de me enfiar em meio aos lençóis a noite e ser abraçada por eles. Os Blackwells protegem uns aos outros de todo e qualquer mal, até mesmo os que viviam debaixo da cama, brincava meu pai.

Durante a madrugada pude ouvir os sons que costumava ignorar na minha noite de sono. Ouvi algumas garrafas de vidro sendo quebradas e de longe uma briga aos gritos entre um casal. Retratos de um bairro que cada dia ficava decadente. Não entendo ainda como éramos considerados Ala O quando já havíamos baixado o nível há décadas.

Eu não tive muito o tempo que queria para aproveitar meus pais, principalmente meu progenitor. Nem me dei trabalho para chorar sua morte também, pois alguém teria que ser forte pela minha mãe.

Antes mesmo de descobrir o avanço da doença, eu ouvia minha mãe chorar pelo seu destinado todas as noites. Lembro de escutar clandestinamente Sarah aconselhar a ela ser forte, pois eu ia precisar dela. Acabou que o contrário aconteceu.

Todavia, não tinha mais motivo ou qualquer coisa que me impedia de sofrer pela morte dele. Eu não precisava ser forte e finalmente tentei digerir o dia em que minha vida começou a desmoronar.

Só consegui dormir de verdade às oito horas da manhã naquela terça-feira. Tentei não pensar que ganhara duas semanas de folga do trabalho porque Carter esperava me ver renovada e pronta para recomeçar.

Mal ele sabia que eu só voltaria para Coral se estivesse em mãos minha carta de demissão.

- Lydia, você precisa se alimentar. - Insisitia Jean quando me levantei ao meio dia.

Balancei a cabeça concordando embora não sentia muita fome. Abri a geladeira e peguei um pedaço de torta salgada para descongelar. Belisquei a comida mais do que pretendi e fiquei olhando para o nada por um bom tempo.

Jean parecia relutante em deixar-me só em casa, mas assegurei que não me suicidaria enquanto ela estivesse fora. Mama Grey iria aparecer mais tarde, avisou minha amiga com um sorriso.

Graças a Deus a Annie era mais maleável. Insistiu para que eu fosse comer, mas não me fez perguntas estúpidas como "você está bem?". Com a televisão ligada em um canal que só passava filmes e seriados antigos, alguns até mesmo em preto e branco, passei o dia tentando me distrair e encher minha cabeça de besteiras.

Jean dormiu em casa na terça-feira também, mas passou a maior parte da madrugada na cozinha fazendo um trabalho que valia 25% da sua nota. Para variar, apenas cochilei algumas horas e acordei cedo. O cansaço estava começando a acumular e me deixar quase inválida em cima do sofá - só saia para usar o banheiro e tomar uma ducha.

Na quarta-feira recebi a visita de Jack. Foi bom para mim ter notícias de Bonnie e percebi que ainda não tinha morrido de vez por dentro; ouvir o adolescente falando que mandou dinheiro para sua irmã e ter consciência que não era de algo honesto também me deu aquela sensação de nervoso.

No dia seguinte alguém bateu na porta, mas eu fiquei enrolada no lençol no sofá. Chovia e mentalizei para que qualquer que fosse a pessoa ela desistisse de falar comigo.

Não aconteceu, é claro.

Quando tive a impressão que iriam quebrar minha porta, resolvi abri. Abri a boca surpresa quando vi um homem de aparente trinta anos, com pinta de taxista, moreno, baixinho e barrigudo segurando uma Ivanna mau humorada e protegida por um grande guarda-chuva que a mesma segurava.

- Você por acaso é surda?

A forma como ela me tratou conseguiu arrancar um sorrisinho da minha cara que não acontecia desde domingo. Após lhe oferecer uma toalha e ela despachar o taxista, Ivanna me olhou feio.

- Por sua culpa perdi o funeral. Só fiquei sabendo da morte de Letícia ontem. - Ela cruzou os braços - Essa é a consideração que você tem por mim?

Olhei para ela envergonhada.

- Eu me esqueci. Desculpa.

Ela soltou um suspiro triste.

- Sinto muito pela sua perda, meu amor. Sei que deve está passando por um momento difícil e eu estarei aqui para o que você precisar, viu? - Ela disse segurando as minhas mãos frias.

- Obrigada. - Respondi no automático e troquei de assunto para não começar a romper em lágrimas - Como vai a clínica?

- Não mudou muita coisa desde a sua última visita. - Disse parecendo entender minha vontade de mudar de assunto - Agora estamos com peças semanais que falam sobre inclusão social, mas me barraram porque eu falei que a vaca da figurinista era mais inútil que minhas duas pernas e elas se ofenderam. Vê que coisa sem sentido! Eu sou a aleijada, eu que deveria me sentir ofendida!

Dei uma risada, apesar de achar errado rir daquilo.

- Por que você xingou ela? A figurinista fez algo errado?

- Ela queria me fazer vestir roupa de fada. Fada, Lydia! Eu tenho quase quarenta anos, pelo amor de Deus! Eu sei o meu lugar. - Reclamou altiva.

Continuei a rir com a sua tolice.

- Que besteira. - Comentei - Eu mesma me vestiria de fada e ainda soltaria glitter para a platéia.

- Quero ver se você vai pensar assim quando chegar na minha idade. - Resmungou.

A conversa acabou sendo a melhor coisa que tinha acontecido na semana. Comemos o bolo de chocolate quase intocado na mesa e conversamos sobre tudo e nada ao mesmo tempo. Ouvi várias histórias sobre as pessoas da Clínica San Tomaz e tive impressão que conhecia todas elas depois de três horas de segredos não tão secretos sendo revelados por Ivanna.

Sim, nós estávamos falando da vida dos outros e isso me fazia uma completa hipócrita, mas no momento realmente não importava. Se me divertir daquele jeito era a única forma que tinha encontrado de sair do meu estado de calamidade, era isso que eu iria fazer.

Me senti bastante triste quando ela avisou que teria que ir e o taxista gordinho apareceu na frente de casa. Assim que o silêncio voltou a dominar o recinto, desisti de tentar fazer qualquer coisa e voltei a dormir.

Eu acordei perto das sete da manhã com um barulho atípico na minha cozinha. Levantei-me devagar e prendi meu cabelo que havia se soltado durante a noite.

- Você não sabe cozinhar porque não quer aprender. Nem venha com desculpinhas para cima de mim. - Jean resmungou de longe.

O gargalhada que a respondeu congelou meu ossos por um segundo. Cerrei o punho assim que a raiva começou a transformar cada camada do meu corpo em fonte de fúria.

Como ele ousava entrar na minha casa?

Andei em passos pesados até a cozinha e ao entrar, um silêncio tenso se instalou no ambiente. Jean, alheia a nossa intriga, sorriu para mim animada do fogão.

- Bom dia, acordou cedo hoje!

- Bom dia. - Falei friamente e me virei para Caio. - Saia da minha casa.

Minha amiga arregalou os olhos com aquele comportamento anormal meu. Eu olhava para meu ex namorado com um desprezo e nojo que nunca pensei sentir por alguém algum dia.

- Por quê? - Ele perguntou.

Revirei os olhos impaciente.

- Insinuar na frente de um monte de pessoas desconhecidas que eu sou uma prostituta é o suficiente para você? Deixa eu desenhar: saia da minha casa e da minha vida. - Cruzei os braços - E de preferência do bairro também.

- Ah, Lydia, foi só uma briguinha boba. - Ele balançou a mão em desdém - E você me xingou também.

- Se você não sair da minha casa agora vou dar o murro que você ia ganhar naquele domingo. - Ameacei dando um passo para frente.

- Caio, vai. - Ordenou Jean - Não quero confusão.

Dando os ombros em uma cara cínica, observei Grey sair da cozinha e logo ouvi o barulho da porta se fechando. Emburrada, fui até a pia pegar um copo de água.

- Não precisava ser tão grossa com ele, Ly. - Repreendeu Jean.

- Experimenta ser tratada como lixo na frente de todo mundo e talvez você mude de opinião. - Repliquei com mau humor.

- Nossa, não precisa ser tão idiota comigo. Caio deve ter feito...

- Vê só, moça. - Virei-me para ela - Quando eu fui ao Safira, seu irmão fez questão de gritar para todo mundo que estava com algum ricaço pra pagar o tratamento da minha mãe. Bem capaz de até ter alguma coisa na internet pra todo mundo ver. Se ele ao menos tivesse um pouco de respeito por mim, não me humilharia daquele jeito.

Jean ficou calada por alguns segundos e desligou o fogo da comida. Devagar ela enxugou as mãos. Seu silêncio me fez me sentir mais nervosa.

- Por que você não me disse antes? - Indagou ela magoada - Por que você nunca me conta as coisas quando eu confio cem por cento em você, Lydia? Nem o nome do seu destinado você quer me falar quando você sabe que... Esquece.

Fiquei calada sem saber o que dizer. Ela estava certa, afinal.

- Olha, Jean, não é que eu não confie em você. - Justifiquei - Meu destinado pediu que não contasse a ninguém sobre nós e eu...

- Ah, e o que aconteceu no Safira? - Ela cruzou os braços - Seu destinado pediu sigilo também?

- Não, eu só...

- Esqueça. - Me interrompeu e começou a andar em direção à porta da cozinha - Depois a gente conversa.

Quis falar qualquer coisa que a fizesse parar, mas eu sentia que tinha engolido uma bola de pelos. Jean saiu de casa e no automático quis pedi conselho a minha mãe, como sempre fazia no começo da adolescência. Mesmo quando estava esquecendo das coisas, mamãe nunca me desamparou. Não que eu tivesse vários problemas, mas ela era a quem eu recorria.

Eu devia fazer qualquer coisa para reverter o estado de inércia que começava a se tornar a minha vida. Deitei-me no sofá mais uma vez e desejei não ter acordado. Rapidamente, algo que eu tinha esquecido sobre meu final de semana veio à cabeça: a cena grotesca de Thomas com aquela mulher na Cidade do México. Abafei o travesseiro em minha cara e soltei um grito de frustração. Por que tudo começou a desmoronar em minha vida? Por que eu não podia voltar a minha pacata rotina?

No sábado recebi Daisy, Mary e Franz que souberam da notícia na sexta-feira. Lembro-me muito bem de ter me remexido desconfortável no sofá quando eu as vi olhar para minha sala extremamente modesta com um ar avaliativo demais, porém foi bom tê-las perto de mim.

Só depois de uma semana desde o velório eu tive coragem de entrar no quarto da minha mãe novamente. Como estava sozinha, me dei o direito de chorar enquanto me agarrava em seus suéteres antigos e os organizava em uma caixa. Troquei os lençóis da cama e finalmente deitei para dormir. Jean continuou checar se eu estava bem, mas era fácil perceber que algo tinha mudado.

Eu não fazia ideia de como resolver aquilo.

Tomei coragem para abrir uma caixa repleta de fotos antigas. Muitas delas estavam mofadas e as fotografias já perdiam a tinta. Um aperto forte se apoderou no peito quando achei uma foto do meu primeiro ano.

Meu pai usava barba e se assemelhava com um lenhador. Os olhos e o cabelo eram marrons, donos de um ar de mistério. Ele não sorria, mas tinha uma expressão relaxada que só podia ser vista quando estava perto de sua família. Já Letícia, minha mãe, tinha um sorriso que não cabia em seu rosto. A minha personalidade comunicativa tinha vindo dela, com toda certeza. Seus olhos claros ficaram vermelhos por causa do flash e eu abraçava seu pescoço com uma feição tão radiante como ela.

Cada foto que eu achava me dava uma pressão diferente no peito. Queria tanto ter aproveitado o tempo que tive com eles. Por que eu só tive tão pouco tempo com eles? Por que meu pai não teve a oportunidade de me ver virar uma mulher? Por que minha mãe esqueceu tudo que a fez ser quem era?

Eu não dormir naquela segunda. Com a internet desligada, fiz minha carta de demissão. Talvez estivesse errado, mas eu não podia continuar na empresa. Eu não precisava mais da Coral.

Foi no começo da noite daquele dia que Jean chegou com as novidades: ela havia conseguido seu estágio.

- Hope me indicou e já vou começar a trabalhar na quinta! - Disse animada - Vai ser apenas de manhã em uma clínica particular da Ala G, mas vai ser muito bom. Não vejo a hora!

Abracei-a compartilhando da sua felicidade e sendo levada junto quando ela começou a pular de entusiasmo. Mordi o lábio inferior tentando segurar minha língua e não dizer que eu tinha falando com Steel sobre ela.

Afundei em seus braços finos e enterrei meu rosto em seus cabelos.

- Parabéns, amiga. Eu acredito muito em você.

Ela olhou para mim emocionada e disse que iria jantar comigo - embora ela devesse ir pegar o ônibus para chegar cedo na faculdade. A convenci a não ficar para não prejudicá-la e um sorriso feliz ficou grudado em minha face.

Algo estava dando certo, afinal.

Aos poucos comecei a voltar a rotina. Na quarta limpei em boa parte da casa, no dia seguinte a esse joguei as comidas que se estragaram e fiz uma limpa na cozinha. Meu armário estava vazio, então, fiz uma lista de algumas coisas que eu precisava comprar. Tentei não pensar que o dinheiro que estava em minha conta, em sua maioria, não pertencia a mim, mas foi quase impossível. Entretanto, preferi empurrar aquila preocupação com a barriga por um tempo.

Na sexta-feira tudo que fiz foi escutar uma rádio que tocava apenas jazz na cozinha. Eu não tinha ânimo para nada e não tinha vontade de olhar para futuro. Por muito tempo o presente foi a única coisa necessária em minha vida e até mesmo ele estava escapando por entre meus dedos.

Com as mãos no rosto verbalizei o que pensava.

- O que eu vou fazer?

Sonhei com meus pais na noite de sexta. Eles dois estavam sentados no sofá, abraçados e sussurravam um para o outro. Parecia muito com a imagem que eu costumava ver todas as noites antes de dormir. Sempre quis entender aquela intimidade que os dois tinham - talvez não tinha sido tão mágico como minha cabeça infantil idealizara, mas houve alguma coisa.

Eu os chamava, mas ninguém me respondia. Uma força estranha me puxava para cada vez mais longe e eu gritava "Mamãe! Papai!", porém eles estavam tão mergulhados em sua bolha que não podiam me escutar. Tudo ficou escuro de repente e, então, eu acordei.

Só voltei a dormir quando já estava claro. Annie me acordou daquele jeito todo calculista e resmungou que me chamava fazia dez minutos.

- Pensei que tinha morrido. - Ela disse.

- Quem dera. Quem dera! - Respondi, mas a mãe dos Greys me ignorou explicitamente.

- Você não quer chamar Jean para morar logo com você? Ela vive mais aqui do que em casa. - Falou desgostosa.

- Longe de mim roubar sua filha, dona Annie. - Respondi, mesmo achando aquela uma ótima ideia. 

Ficar sozinha por muito tempo me aterrorizava.

O almoço se resumiu em Jean falando sobre seus primeiros dias de trabalho, sua mãe fazendo comentários sarcásticos e eu assentindo enquanto mastigava. Apesar de ter um momento bastante agradável com as duas, minha nova natureza reclusa me pediu para deitar e ficar pensando no maldito sonho que tive.

Com o cabelo úmido, calças leggings e um casaco preto fiquei encarando o teto por um bom tempo. Lembrei, então, que minha mãe comentara que tocava jazz na rádio para que eu dormisse e por causa disso eu me amarrava em um som de saxofone. Fechei os olhos tentando capturar a imagem de Letícia Blackwell mais jovem e antes da doença. Mesmo quando começou a esquecer, ela continuava sendo minha rainha e a mulher mais linda que eu havia visto.

- Lydia?

A forma como meu corpo respondeu a sua voz foi ridícula; um tremor transpassou minha espinha e pude sentir um calor bom e tranquilizador dominar meu corpo. Enxuguei as lágrimas e rapidamente me sentei.

Faziam exatamente duas semanas desde que o vira e ao observá-lo deslocado por está na porta do quarto fez meu coração se acelerar. Aos meus olhos Thomas era quase um deus da beleza, mas, como uma observadora experiente, poderia dizer que ele não estava passando pelos melhores dias: seus olhos estavam cheios de olheiras e seu cabelo sempre arrumado parecia ter sido atacado por um bando de passarinhos - ainda continuava usando um daqueles ternos que deveriam custar meu rim, contudo. O observando por aqueles longos segundos nunca tive uma vontade tão absurda de abraçar alguém.

E eu iria - com certeza iria, se não me lembrasse de seu olhar prepotente em minha direção na Cidade do México ao beijar uma loira desconhecida.

- Como você entrou aqui?

Thomas pareceu surpreso com minha atitude rude, mas se recompôs rapidamente.

- Uma mulher lá da sala disse que eu poderia entrar; que você estava aqui e que não tinha problema. - Justificou. - Eu sinto muito pela sua mãe. Estou tentando falar com você há dias.

Cruzei os braços me mantendo firme para não ceder no seu falar manso.

- Deveria ter falado comigo quando estávamos no México. - Alfinetei - Ia pegar a notícia quentinha.

Ele franziu o cenho como se eu tivesse falando uma língua diferente da sua.

- Do que você está falando? Pensei que estava ocupada trabalhando. Não queria te distrair com minhas ligações. - Respondeu entrando no quarto.

- Eu vi você no México com uma "amiga". - Repliquei - Não precisa mentir, de verdade.

- OK. - Ele falou devagar - Eu não estava no México. Pra ser sincero não piso naquele país faz dois anos.

O miro com os olhos cerrados, não entendendo o porquê da mentira. Isso me decepciona mais ainda e fico me perguntando se ele teria mais a esconder. Agora sabia exatamente o que Jean devia sentir quando eu ficava dando informações evasivas para ela.

- Olha, eu vou precisar de dez meses para conseguir pagar todo o dinheiro que você me emprestou. - Falei mudando de assunto - Ainda hoje vou passar mais da metade, já que não tivemos muito tempo para aproveitar...

- Não se apresse para dá o dinheiro, você sabe. - Advertiu tranquilo - Não preciso do dinheiro para ser sincero, mas aceito de volta porque sei que é muito orgulhosa.

Ele fez menção de levantar os cantos da boca, porém não pude acompanhá-lo. Fiquei de pé sentindo o estômago revirar com os pensamentos que Thomas não era tão meu amigo quanto ele queria que eu visse.

- Agora que estamos resolvidos quanto a isso. - Suspirei cautelosa - Acho que deveríamos nos afastar. Não está dando certo essa amizade se não há confiança. Por que você não confessa que estava no México? Meu Deus, eu só...

- Lydia, por tudo que é mais sagrado, - ele puxou os cabelos loiros para trás - o que diabos você está falando? Eu passei aquele final de semana jogando FIFA em casa. Na minha casa aqui, nesse país.

Bati o pé ficando nervosa.

- Eu vi você, Hoyer. - Repliquei estarrecida - Você não precisa negar nada para mim! E daí se você estava acompanhado? Nós não somos nada além de amigos. Ao menos eu achava que éramos.

- Agora foi que deu! - Ele começou a bater o pé no chão - Você ver um cara loiro aleatório de terno com uma mulher e acha que sou eu.

- Escuta aqui, engomadinho: se tem uma coisa que eu tenho que é perfeito é a minha visão. - Respondi irritada. - Seja homem e confesse!

- Por acaso você está em algum estado traumático que faz as pessoas verem coisa? - Indagou ele parcialmente preocupado.

- Agora eu sou louca? Vai me dizer que não tem tatuagem também? Aliás, não sabia que juristas podiam ter tatuagens. - Minha voz subiu o tom e senti que estava a ponto de sair do meu auto-controle e entrar em uma crise histérica.

Ao contrário que eu esperava, Thomas parou por um segundo para pensar.

- Eu não tenho tatuagem nenhuma, Blackwell. - Falou com a voz mansa.

- E você vai me dizer que eu...

- Me descreva exatamente o que você viu. - Pediu ele me interrompendo.

Cruzei os braços e revirei os olhos.

- Se quer saber como você é de roupa de banho, vista uma sunga e se veja no espelho, oras!

Hoyer colocou a mão no rosto estressado. Ele já estava ficando vermelho de raiva.

- Você ainda vai me fazer perder a cabeça, mulher! - Reclamou - Eu posso provar que não tenho tatuagens.

Abri a boca para replicar, mas fiquei muda quando o vi começar a tirar o paletó. Comecei a gaguejar algo parecido com "o que você está fazendo?", mas antes que terminasse ele já estava tirando a gravata irritado. Thomas quase arrebentou todos os botões de sua camisa azul clara de primeira linha e abri a boca surpresa quando ele abriu-a para que eu visse seu peito.

Thomas Hoyer estava tirando a roupa no meu quarto, pessoal! What a time to be alive.

- Feliz? - Perguntou ele exasperado.

A primeira coisa que eu pensei ao ver o peito de Thomas era que ele necessita urgentemente de ir à praia. Sua pele era branca do tipo que implorava por um pouco de sol. A segunda coisa foi que o destino sabe o que faz, realmente, porque meu destinado não era musculoso como Caio. Ele era magro, mas não do tipo esquelético e sim o ideal. Não tinha uma barriga cheia de gominhos, mas era sequinha como uma pessoa do peso normal. A única coisa que evidenciava alguma atividade física era seus ombros extremamente largos que nunca tinha prestado atenção.

Que homem!

A terceira coisa e última que prestei atenção era a mais importante obviamente; não havia nenhuma tatuagem no corpo de Thomas.

Mas que merda?

- Talvez eu esteja louca. - Afirmei em resposta.

Thomas riu e balançou a cabeça. Escondeu aquela linda visão que tive com a camisa novamente e sentou na cama como se estivesse muito cansado daquela discussão.

- Só não entendo porque eu vi alguém igualzinho a você no México. E ele olhou para mim e tinha os mesmos olhos...

Hoyer se enrijeceu enquanto colocava os últimos botões da camisa. Meu destinado fechou os olhos sem acreditar.

- Você lembra qual era a tatuagem que ele tinha no peito?

Franzi o cenho tentando relembrar daquele dia, apesar de ser um borrão na minha cabeça. Tanta coisa aconteceu naquele dia.

- Acho que era uma serpente.

Minha resposta não pareceu agradar-lhe. Thomas colocou as mãos no rosto e ficou calado por um tempo. Sentei ao seu lado e pus afaguei seu ombro. Estranhamente, eu estava o confortando quando a que acabara de se tornar órfã ali não era Hoyer.

- Você tinha razão.

Sorri debochada.

- Eu sempre tenho, mas o que foi exatamente que acertei dessa vez?

Ele olhou para frente e depois para os dedos da sua mão.

- Não há confiança em nós. - Ele disse - Eu não lhe contei tudo.

- Vai me dizer que você tem um irmão gêmeo do mal que estava no México? - Brinquei lembrando de ter assistido uma novela parecida com isso.

A brincadeira morreu quando Thomas olhou para mim sofrido sem dizer uma palavra.

Putzgrila.

- Você... Você... Você tem um irmão gêmeo? - Arregalei os olhos - Por que isso não tá no Wikipedia?

Ele riu triste.

- Porque para o mundo ele simplesmente... Sumiu. - Respondeu e pude ver que era um assunto delicado.

- Ele é seu irmão mais velho? O que você tinha me dito mês passado?

Thomas concordou com a cabeça.

- Nossa. - Falei me sentindo mais magoada do que deveria - No mesmo dia que você disse que queria minha amizade. Estou vendo agora no que ela é baseada. Vai me dizer que seu nome não é Thomas também?

Ele levantou-se irritado.

- OK, eu posso ter errado por ter omitido essa informação...

- Uma informação muito importante, devo dizer. - Resmunguei.

- ...Mas você também está escondendo coisas de mim.

Olhei-o ultrajada.

- Minha vida é um livro aberto. - Gritei.

- Então me diga como seu pai morreu. - bradou em resposta e estremeci com suas palavras - Me diga porque você nunca se preocupou em procurar os pais da sua mãe quando ela adoeceu!

A tensão era quase palpável e as lágrimas teimosas começaram a se acumular atrás dos olhos. Não era justo ele jogar aquilo no meu rosto, simplesmente...

- É algo muito pessoal para mim. - Sussurrei.

- Muito bem. - Vi seus olhos marejar - Minha família também é um assunto delicado para mim.

Ficamos sem fala por um bom tempo, um olhando para o outro esperando alguém ceder. Eu, entretanto, não podia jogar esse jogo por muito tempo.

- Você não sabe o quanto me doeu não ser você a me abraçar no velório. - Falei assim que comecei a chorar. - Eu senti sua falta e pensar que você tinha mentido para mim... Doeu. Muito. Sei que nós não temos nada, mas...

- Você é minha destinada, Lydia, e não há nada no mundo que possa mudar isso. - Ele me interrompeu - Eu não falei sobre meu irmão, porque é algo muito complicado para mim e espero que compreenda, assim como eu compreendo você.

Enxuguei as lágrimas que molhavam meu rosto.

- Desculpe por ter bloqueado você no celular. - Pedi - Foi infantil da minha parte.

- Desculpe por não ter contado sobre meu irmão gêmeo. - Ele disse.

Sem mais delongas joguei-me em seus braços e o apertei com força. O calor do corpo de Thomas me conforta e tirava aquele medo de não parecer forte.

Eu não precisava parecer forte.

E com esse pensamento chorei em seus braços as lágrimas que deixei de derramar no funeral da minha mãe.

...

Fazia anos desde que eu fui mimada por alguém. Mesmo com Jean me ajudando com os afazeres de casa, era mais porque ela gostava de se ocupar com coisas da casa do que com livros. Eu não entendia, realmente, mas cada um é cada um, não é? Apesar disso, nunca Jean foi uma empregada dentro de casa. No geral, eu fazia minha parte e ela apenas cozinhava.

Pareceram horas, mas no fundo sei que não foram mais do que minutos que fiquei aninhada nos braços de Thomas. Era uma sensação tão gostosa que já não queria deixá-lo tirar sua mão masculina, mas leve, de meu cabelo e afastar o calor do seu corpo contra o meu.

- Quem lhe avisou que minha mãe morreu? - Indaguei depois de um tempo com a voz fanhosa.

- Quem mais seria? - Sinto seu peito tremer quando ele riu.

- Carter é um fofoqueiro. - Afirmo.

Rimos e eu afastei minha cabeça para olhar para ele.

- Dê a ele crédito. Ele demorou cinco dias e um suborno para me dá uma resposta.

- Ah, é? E que suborno foi esse? - Perguntei curiosa.

- Logo logo você vai descobrir.

- Vou sentir falta dele e de sua chatice do dia a dia. - Comentei como de quem não quer nada.

- Te mudaram de setor e já tem um novo chefe? Que milagre você fez na conferência? - Indagou surpreso.

- Não, eu vou me demitir.

Hoyer me olhou como se eu tivesse acabado de dizer que a Terra era quadrada.

- O quê? Por quê?

- Não dá, Thomas. - Falei olhando para meus pés - Eu só entrei na Coral pela minha mãe e agora que ela se foi, eu não sei.

- Então, dessa vez, faça algo por você e não deixe o emprego que você ama. - Aconselhou ele com a mão no meu ombro. - Ao menos converse com Albert antes de mais nada, está bem? Não é bom fazer escolhas assim depois de uma perda como a sua, Lydia.

Balancei a cabeça concordando meio confusa com as palavras de Thomas. Será que eu me arrependeria se saísse da Coral? Passei as mãos no meu rosto tentando acordar para realidade. Parecia que tinha desaprendido a fazer escolhas importantes.

- Vou pegar uma água na cozinha, posso? - Perguntou de repente.

- A casa é sua. - Garanti mesmo estranhando aquela pergunta - Se Jean ainda estiver aí peça para ela ajudá-lo. Ah, e pense bem em uma desculpa para essa camisa molhada. Vou pra sala daqui a pouco.

- Sim, senhora. - Respondeu com um sorriso.

Depois de lavar o rosto pós-choro, comecei a pensar no que Hoyer tinha falado sobre continuar na Coral. Com certeza não teria problemas para voltar a qualquer dos meus primeiros empregos, mas as vantagens de trabalhar na Coral eram muito maiores. Eu devia fazer uma decisão e logo.

Foi por causa daqueles pensamentos e a extrema atenção que eu dava a pasta entregue por Albert a mim há algumas semanas que me impediram de ouvir a discussão de primeira. Quando consegui escutá-los, segui até a sala com passos de gato. O que diabos estava acontecendo?

Ai, meu Deus do céu. Que merda.

Foi as primeiras frases que surgiram na mente ao ver Caio e Thomas discutindo na sala. Quis gritar para que Grey saísse de minha casa, porém nem ele nem Hoyer parecia ter notado minha presença. Apesar do meu ex ser maior que meu destinado, Thomas falava com uma frieza tão calculista que quase não acreditei que era a mesma pessoa perdida que debatia comigo a uma hora atrás. Mesmo todo bagunçado, ele tinha sua pose arrogante de sempre, uma mão no bolso e a cabeça inclinada para esquerda como se Caio falasse alienígena; por outro lado, estava Grey já vermelho de raiva pronto para uma briga.

E, sentada no sofá, Jean assistia tudo de camarote como se fosse a briga do século.

- Você não tem direito de pisar nessa casa sem a autorização da dona, não interessa quanto dinheiro você tem! - Gritou Caio - Seu carro zero não me impressiona.

- Me admira você esperar que eu compre alguma coisa para impressioná-lo, senhor... - Thomas tocou no lábio dramaticamente - Como é mesmo seu nome?

- Escuta aqui, seu... - Replicou com os punhos cerrados.

- Sem ofensas, por favor. - Disse Hoyer sem se abalar - Sem violência também, Lydia não vai gostar de ter que limpar sangue do chão.

- Quem é você para dizer alguma coisa sobre a Lydia? - Indagou ele incrédulo - Ela vai ficar é feliz por ter tirado você da casa, seu corrupto de merda.

Vi uma veia saltar do pescoço de Thomas e ele deu um passo para frente quase esbarrando em Caio. A raiva pairava sobre o cômodo e eu quase a sentia em meus poros.

- Você não me conhece e não vai querer conhecer meu pior lado, Caio. - Ameaçou - Se você entrar na vida da Lydia mais uma vez para machucá-la, vou lhe massacrar tanto que você irá pedir para entrar no inferno mais cedo. Aliás, sou Thomas Hoyer, o destinado da Lydia.

- Ah, com certeza você é o destinado dela. - Zombou Grey descrente - Só porque veio se aproveitar da situação frágil dela já se acha o dono quando eu cheguei primeiro.

Thomas o olhou ultrajado e abriu a boca para retrucar, porém falei primeiro.

- Uau, por essa eu não esperava.

E vi os três (incluindo Jean) olhar para mim.

Sorri para eles e me aproximei de Caio. Segurei seu rosto em uma posição reta ainda com uma expressão amável.

- Se você se aproximar dessa casa ou mesmo olhar para ela, deixarei meu destinado fazer o que ele quiser de você. Sabe por que, Caio? Eu não dou a mínima. - Falei e o tapa prometido foi direto em seu rosto. - Saía! Agora!

Nunca o vi tão humilhado assim como nunca tinha sentido uma raiva tão descomunal como aquela. Se eu fosse mais um pouquinho corajosa eu lhe dava um soco, porém ainda tinha amor a minha vida - qual é? O cara dava dois de mim.

Olhei para Thomas e o vi com a boca aberta com minha atitude. Ele deve ter se sentido decepcionado em saber que sua destinada não era uma lady. Coitado.

- Onde está a água? - Perguntei quando o barulho da porta ressoou na casa.

- Não tive tempo de buscar. - Respondeu Thomas ainda embasbacado.

Direcionei-me até a cozinha como se nada tivesse acontecido, mesmo minha mão estando ardendo. Jean e Thomas me seguiram calados e nós nos sentamos ao redor da mesa quase que sincronizadamente - depois de pegar a água, é claro. Não conversamos sobre aquela discussão totalmente sem sentido para mim. Não queria saber como Caio entrou mesmo depois de tê-lo expulso da minha casa, mas tive certeza que precisava trancar as portas com mais frequência. Já estava virando bagunça isso.

- Bem, Jean, esse é o meu destinado. - Apontei para ele - Thomas, essa é a minha melhor amiga.

Eles estenderam as mãos e apertaram diplomaticamente.

- É um prazer, Thomas. - Falou Jean - Você é o advogado, não é?

Modestamente, meu destinado respondeu que sim, mas não atuava como tal, e logo eles começaram a falar de algo que eu não prestava atenção.

O barulho de alguém batendo a porta quase me fez gritar um palavrão em voz alta, mas sua insistência me deixou preocupada. Andei rapidamente até a entrada e abri esperando uma visita qualquer para me dá os pêsames.

Qualquer sentimento de indiferença que me dominava passou ao ver Adolf quase Hitler na minha frente. Ele tinha um bigode horroroso e era alto. O magricela tinha sua própria cara de assassino e ele me dava nos nervos desde a adolescência quando ficou responsável em cobrar o aluguel das casas do meu bairro.

- Parece que ainda está de luto. - Falou ele sem cumprimentar-me - Falta quantos dias até você começar a mendigar?

- O que você quer? - Perguntei com os dentes cerrados e apertando a maçaneta em minhas mãos.

- Meu dinheiro. - Ele respondeu com o seu sorriso sem dois dentes de baixo.

- Em um sábado? - Levantei a sobrancelha sem entender.

- Operários também trabalham no sábado, caso você não saiba. - Replicou rude - E já que você subiu oficialmente duas alas, vim trazer seu novo carnê.

Segurei o carnê temerosa e arregalei os olhos quando vi que, agora que eu era da Ala M, teria que pagar mais que oitenta por cento do meu salário na Coral.

- Isso é um absurdo! Eu não vou me mudar. Vou continuar com uma casa da Ala O, por que tenho que pagar por ela como se fosse de outra Ala? - Reclamei.

- Regras são regras, minha querida. - Disse sarcasticamente.

- Que regras? - Indagou Thomas aparecendo por trás de mim. Pulei de susto quando o vi se inclinar para ver o carnê.

- Isso é o que vale na Ala O? Não me admira que as pessoas estão começando a empobrecer cada vez mais nessa cidade. - Comentou ele ao ver o valor em minhas mãos.

- É da Ala M, na verdade. - Respondeu Adolf - Aliás, quem é você?

- Thomas. - Ele disse simplesmente - E de acordo com o Artigo 12 da Lei da Casa Própria de 2020, encontrada na Lei da Divisão por Alas, isso não é legalmente aceitável a não ser que ela compre o imóvel de...

- Ora, ora. - O interrompeu Adolf - Parece que alguém arrumou um namoradinho que sabe ler. Quem sabe você não explica a ele que ninguém liga para o que a lei diz, hã? Deve ser novato, coitadinho...

Vi Thomas apertar os lábios tentando controlar o ódio e olhei compartilhando do mesmo sentimento.

- Estou sem dinheiro aqui. Irei pagar no dia que vencer, Adolf. - Avisei altiva - Tenha uma boa tarde.

E, delicadamente, fechei a porta em sua cara.

- Preciso da cópia das últimas três contas que você pagou, Lydia. - Falou Hoyer enquanto me seguia até a cozinha - O mais rápido possível.

- O que aconteceu? - Perguntou Jean curiosa.

- A mãe do Adolf não o abortou quando teve chance, foi o que aconteceu. - Resmunguei rancorosa.

- Quanto você paga de aluguel todo mês, Jean? - Pesquisou meu destinado.

- Para o que você quer saber? - Indagou desconfiada.

- Apenas me diga: vocês pagam mais que vinte e cinco por cento da renda mensal no aluguel da casa? - Investigou persuasivo.

- Entre trinta a quarenta por certo. - replicou ela.

- Sabia! - Ele comemorou e eu sorri com sua animação quase infantil - Por causa do número de pessoas, não é verdade?

Ela assentiu entendendo tanto quanto eu: nada.

- Lydia, tenho que ir. - Thomas falou já em direção à porta da cozinha.

- Aonde vai com tanta pressa? - Indaguei confusa.

Hoyer sorriu para mim e meu coração deu um pulo.

- Tenho um processo contra uma seguradora de imóveis para abrir. - Respondeu e sumiu logo de vista.

Jean olhou para mim e eu olhei para ela. Demos ombros juntas.

E aquele foi o dia mais estranho que já tive.

...

Olhar para a fachada da Coral depois de todo aquele tempo em casa me deu a sensação que não pisava lá a séculos. Eu havia determinado o tempo de um mês até decidir se queria ou não ficar na empresa - Hoyer estava certo, precisava pensar.

Pude sentir os olhares de pena em minha direção, mas não me importei. Cumprimentei menos gente, é claro, pois minha animação estava negativa naquela segunda-feira; graças a Deus havia total de zero pessoas no meu andar além de Albert, que fora super compreensivo em me dá mais uma semana para fazer o relatório da conferência. O dia foi morno e passei a maior parte do tempo calada digitando algo no notebook.

Tentar voltar a rotina não foi fácil. Até mesmo fazer caça-palavras não me distraia e eu só desejava entrar dentro de casa, tomar banho e dormir. Eu estava oficialmente na fossa.

Enquanto chegava perto de casa, senti o celular vibrar avisando que a transferência do dinheiro que devia a Thomas foi efetuada. Faltava alguns meses para quitar toda a dívida, mas já estava em um bom começo.

Percebi que havia algo errado quando vi que a porta estava aberta. Com o coração acelerado, andei devagar pela casa escura segurando minha bolsa para usar de arma. Liguei a luz preparada para o pior e vi minha sala toda revirada e pintada de vermelho e azul. O horror cruzou meu rosto quando vi que nem mesmo o banheiro havia sido poupado, mas a maior dor foi ao entrar no quarto da minha mãe.

"Fique calada"

Estava escrito em vermelho e azul na parede e embaixo da mensagem todas as coisas da minha mãe que coloquei em uma caixa estavam banhados de azul.


n/a: Se eu só chego atrasada nos lugares? Sim, senhora. Peço perdão por não ter conseguido publicar ontem, mas aqui está o capítulo quentinho para vocês! E ai? O que acharam? Para quem dizia que Thomas tinha um irmão gêmeo: acertou mizeravi ahaaha Estou doida para explorar o lado familiar dos Hoyer, pois é a parte mais controversa e interessante de se escrever (para mim, no caso). E quem deixou aquela mensagem? O que acham? Gente, a Lydia não tem sorte mesmo, hein? Coitada. rs.

Esse foi um capítulo muito difícil de ser escrito, mas necessário para entender a transição da Lydia.

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