Capítulo 11
N/a: Esse foi um dos capítulos que mais me deixaram ansiosa para escrever. Aqui é o que chamo de ponto de partida para tudo que quero fazer com OWC e a perspectiva me assombra, pois não sei se irão gostar. Seja o que for, peço paciência para as coisas que vou fazer. Há segredos e mistérios que a maioria dos leitores ignoram que irei trazer à tona. Se preparem, pois esse capítulo é longo e bem arrasador.
Não diga que eu não avisei.
"Se você vai me decepcionar, me decepcione com cuidado. Não finja que você não me quer. Nosso amor não são águas passadas." - Water Under the Bridge, Adele.
Estava fazendo um copo de leite na cozinha quando o barulho da porta atiçou minha curiosidade. Eram quase cinco horas da manhã quando encarei Jack, com duas mochilas cheias, sentado nos degraus da minha casa.
— Errou de casa? — Perguntei a ele chamando sua atenção.
Jack coçou os olhos e bocejou.
— Bonnie tá acordada?
Balancei a cabeça negando.
— Provavelmente somos os únicos seres humanos acordados a essa hora na cidade.
Olhei no final da rua e pude ver o carro do mais velho dos Steel's dobrando a esquina pontualmente.
— E, claro, a Hope também está acordada. Quer entrar? — Acrescentei.
Ele se levantou e limpou a poeira das calças jeans. Olhei para cima, admirada com sua altura. Eu não era baixinha — tinha meus bons um metro e setenta, entretanto ainda sentia a famigerada impressão que vivia em uma terra de gigantes.
— Menino, quando foi que você cresceu tanto, hein?
Ele riu e entrou limpando o sapato no tapete escrito "welcome" na porta. Assim que Hope chegou na frente de casa e nos cumprimentou, Jack explicou sua visita: ele estava levando sua irmã para ficar com um tio em outra cidade. Não pude deixar de ficar triste com a notícia, mas eu sabia que não tinha condições de cuidar de uma criança que necessita da minha atenção cem por cento, apesar de me prontificar para ajudar Jack.
Fomos juntos ao ponto de ônibus e tentei não pensar que estava atrasada. Abracei-os e me segurei para não chorar. Odeio despedidas.
— A gente vai se ver logo, Ly. Não se preocupe. — Garantiu Jack com um ar risonho.
— É, tia Ly, a gente vai se ver logo. — Repetiu Bonnie enquanto eu beijava sua testa.
— Cuidado, mocinha. Obedeça seu tio e qualquer coisa deixei meu número anotado dentro da sua bolsa. Você sabe o que fazer.
Bonnie assendiu. A menina parecia animada com a perspectiva de encontrar o tio e eu não pude deixar de sofrer por antecipação quando entrei no primeiro ônibus e acenei para eles. Na primeira metade do caminho eu estava pensando em como os dois iam se virar e como Charli iria reagir ao ter ao chegar e ter sua casa vazia — se ela voltasse. Ainda não entendia como seu senso de responsabilidade não foi suficiente para fazê-la ficar ou simplesmente não deixar sua filha de sete anos sozinha.
Na outra metade do caminho, entretanto, me vi preocupada com o horário que chegaria na empresa. Por algum milagre celestial cheguei a tempo. Olhei a fachada colorida da Coral torcendo pra que Carter não tivesse tido um surto e acordado cedo naquela segunda-feira. Ao me aproximar da recepção, a primeira coisa que Daisy perguntou foi como eu estava.
— Estou bem sim. — Respondi com um sorriso fraco — Obrigada por perguntar.
— O que aconteceu? — Indagou Mary alheia a nossa conversa.
— Depois te conto. — disse Daisy piscando o olho. — Tenha um bom dia, flor.
Dez minutos após da minha chegada, o meu chefe apareceu com seu terno sob medida e com a cara de quem tinha sido arrancado da cama à força. Albert pediu — na verdade ordenou — que eu enviasse sua agenda o mais rápido possível e as informações para a viagem programada para o próximo fim de semana.
A manhã foi cheia, embora não fiz nada de diferente do que faço nos últimos cinco anos. Liguei para o hotel e confirmei o vôo para ter certeza que tudo estava certo, mandei e enviei emails programados para o dia. Ainda esperava as informações que meu chefe prometera, mas eu sabia que ficar em seu caminho em seus dias de mau humor era suicídio.
— Bom dia, Tia Blackwell. Vim ver o papai.
Levantei o olhar do computador e sorri ao ver a pequena Layla de dez anos junto com sua babá, a qual sempre me perguntei o porquê de sua extrema magreza e o fato de ser muito introspectiva. Layla era a cara da Carol Carter: loira, olhos claros e nariz arrebitado, oorém as semelhanças paravam por aí. A menina desde bebê era bastante quieta, tinha uma forma calculista de olhar para os lugares e sempre teve os cabelos bagunçados. Coisa de Albert, com certeza.
— Sim, meu amor. — Sorri para ela — Vou chamá-lo rapidinho.
Liguei para meu chefe e prendi o olhar no relógio digital do computador; era hora do almoço e a agenda de Carter dizia que ele buscaria sua primogênita na escola e a levaria para almoçar.
E ele, estranhamente, estava atrasado.
— Lhe falei para me esperar na escola, Layla. — Foi a primeira coisa que ele disse ao vê-la — Eu já estava saindo...
— A menina insistiu, me de-esculpe, senhor. — adiantou-se a babá nervoda.
Carter balançou a mão em desdém.
— A gente esperou por meia hora, papai. Tenha piedade. — Argumentou a menina emburrada e pude ver uma pequena adulta nela.
— Vai andando na frente, vai. — Mandou a empurrando delicadamente para a porta e virou-se para mim — Entre em contato com Andrew Grimmes e esteja junto com ele às 14 na sala de Daniel. Não se atrase de jeito nenhum.
— Sim, senhor. — Repliquei sem conseguir conter a animação.
Andrew se aproximou de mim durante o almoço quando estava escutando atentamente as meninas comentarem uma cena de The Young and the Restless, a novela que elas costumavam acompanhar. Eu também queria assistir, mas por causa da distância de casa ao trabalho nunca consegui pegar mais do que dez minutos no final do capítulo. Embora preferisse assistir seriados antigos — aqueles que acompanhavam risadas e reações do público — eu gostava daquele tipo de drama.
— E aí, Lydia?
Apesar de provavelmente ter ensaiado uma entrada relaxada e natural, aquela frase soou estranho demais para alguém antipático como Grimmes. Seu quase dois metros de altura e jeito desengonçado era chamativo o bastante para interromper a conversa que tínhamos e todas as meninas se viraram para ele sincronizadamente.
Aterrorizante até pra mim, devo dizer.
— Olá. — Respondi com um sorriso.
Andrew pôs a mão no bolso enquanto fitava seu sapato social como se fosse a coisa mais interessante do universo.
— Posso conversar com você? Sozinhos, de preferência.
Assenti com a cabeça e pedi licença as garotas alheias ao que acontecia. Saímos do refeitório e fomos direto à sua sala.
— Hm, o que você quer falar comigo? — Indaguei curiosa assim que entrei no elevador.
Grimmes suspirou e voltou a descer o olhar irritantemente aos pés enormes que ele tinha.
— Daniel quer que eu apresente a coleção de mochilas com a nova tecnologia que minha equipe criou, mas odeio falar em público. — ele voltou a pôr as duas mãos nos bolsos — Queria que você me ajudasse, já que vai estar lá e você fala com todo mundo...
— Primeira coisa: olhe nos olhos da pessoa quando conversar com alguém. — Adverti — Além de ser irritante pode fazer com que o público tenha má interpretações sobre o que você acha sobre eles.
Ele arrumou a coluna rapidamente e direcionou o olhar para mim. Ri, pois ele aparentava ser um animal encurralado. Afaguei seu ombro ao vê-lo tenso e ele soltou um suspiro quando o elevador abriu as portas.
— Você vai sair-se bem, senhor Grimmes. — Falei empurrando-o para fazê-lo andar.
Havia alguns grupos isolados de pessoas conversando no andar 5 que nos miravam interessados em saber o porquê da secretária de um dos chefões da empresa estava conversando com alguém importante do departamento de TI durante o horário do almoço. Eu já havia sido alvo de fofoca na Coral, mas nada que não consiga ignorar. Infelizmente esse hábito era antigo e dificílimo de ser extinto em qualquer lugar, portanto me incomodava um pouco.
— Vou precisar da ajuda da sua assistente também. — Acrescentei ao entrarmos em sua sala — Sheila vai demorar para chegar? Aliás, como está o bebê dela? Faz tempo que...
— Não tenho paciência para procrastinação, Blackwell. — Replicou mal humorado sentando-se na sua cadeira.
— Pois vai precisar que ter se quiser minha ajuda. — Cruzei os braços — Outra coisa que você deve ter em mente é que as perguntas do público costumam vir cheios de enrolação. Se você for impaciente e respondê-los com ignorância, Daniel irá comer seu fígado no jantar.
Todos os nossos diretores executivos eram conhecidos por duas coisas: eram unidos e passivos-agressivos. Daniel Jones não era diferente disso. Muita gente ainda se perguntava se ter cinco pessoas dividindo o maior cargo de uma empresa era uma boa ideia, principalmente sendo elas cães de caça.
Bem, estava funcionando a quase quinze anos e Coral tinha entrado na lista das maiores multinacionais nesse percurso.
— Como é que você sabe tanta coisa sobre isso sendo uma simples secretária? — Indagou Grimmes com a sobrancelha arqueada.
— Não precisa ser um gênio para saber que deve se olhar nos olhos para as pessoas levarem a sério o que você fala. — Dei os ombros — Além do mais nunca tive problemas em falar em público e sou observadora.
— Verdade. Você acaba aprendendo mais do que muito estudante de faculdade porque você vive isso todos os dias. — Comentou afirmando com a cabeça.
Depois de uma longa conversa em que eu puxava constantemente a orelha de Andrew e ele reclamava das "frescuras que o público quer" — palavras dele — voltei para meu trabalho em facilitar a vida do senhor Carter.
Faltando dez minutos para duas horas da tarde, estava eu do lado de fora do escritório Daniel Jones. Não demorou muito para que Faye, a secretária dele, liberar nossa entrada e não me sinto nem um pouco surpresa quando vejo Albert sentado relaxadamente conversando com senhor Jones.
— Boa tarde. — Os cumprimento e cutuco Andrew para que ele faça o mesmo.
Depois de uma conversa de enrolação típica perguntando de como nós estávamos, senhor Jones explicou que iríamos viajar para o México na sexta de tarde e que o evento seria no sábado o dia todo. Logo, Daniel voltou-se para Andrew e dissertou o que queria dele: convença velhos investidores e conquiste novos. A Coral tinha perdido um investidor muito valioso e não podia repetir esse erro.
Acredito que isso não ajudou muito no nervosismo de Grimmes.
E foi aí que eu entrei: Daniel disse que Albert me indicou para o cargo de prepará-lo para falar em público, mas me tranquilizou dizendo que tudo o que Andrew ia precisar fazer era responder perguntas, pois ele apresentaria o produto.
Carter acrescentou que queria que eu comparasse a mercadoria da concorrência com a nossa e que preparasse um relatório com semelhanças e ideias para inovação.
— Seu trabalho essa semana é estudar cada produto da Coral para poder fazer isso. — Concluiu ele me entregando uma pasta grossa.
Percebi os pares de olhos se direcionarem a mim esperando uma reação negativa. Os papéis eram pesados e de acordo com minhas contas havia mais do que trezentos modelos de produto no meu colo.
Sorri para ele.
— Considere feito.
Albert olhou para seu amigo com um ar de altivez enquanto Daniel apenas levantou as sobrancelhas impressionado.
Só quando conferi calmamente o número de mercadoria catalogada que percebi que eu estava ferrada.
Trezentos e quarenta e cinco mais cinquenta produtos que saíram de linha ou chegaram nas lojas danificados.
Alguém, por favor, me mata.
Comecei organizando-os por preço e número de vendas. Coloquei vários post-its e os recataloguei do meu jeito, fazendo com que eu desse mais atenção aos mais importantes.
Estava tão imersa no trabalho que apenas percebi que estava tarde quando Carter saiu da porta.
— Não fique até tarde trabalhando. — Advertiu ele com um sorriso raro em seu rosto.
E foi assim que quase perdi o ônibus para voltar para casa.
...
Quando escureceu e Hope já tinha ido embora, estive a face de uma mulher normal que leva pela primeira vez trabalho para fazer em casa.
Vestida com uma blusa folgada, leggings e meias supostamente novas, sentei no meio da pequena sala. Os papéis da pasta ficavam no meio enquanto o pc com os produtos disponíveis online estavam abertos pela internet móvel — graças a Deus a empresa disponibilizava, a web oferecida pelo governo parecia que era discada de tão ruim!
E, claro, meu telefone estava no viva-voz com Thomas do outro lado da linha.
— Seu tio é um monstro. — Reclamei.
Thomas riu como ele fazia sempre que tocavamos no assunto trabalho.
— Oras, não seja bunda mole. Eu faria isso em dois tempos.
Olhei para o aparelho indignada.
— Venha fazer pra mim então, Vossa Excelência.
— Eu sou pago para ser justo com as pessoas e fazer um trabalho que não é meu dever e não receber por isso me parece algo desonesto. — Replicou ele.
— Odeio quando você advoga pra cima de mim. — murmurei. — Principalmente quando está certo.
Ele riu mais uma vez.
— Se Carter lhe deu esse trabalho é porque acha que você é competente. — Argumentou ele — Aliás, eu tenho uma ideia fabulosa para você usar.
— Sou toda ouvidos.
— Que tal uma caneta que brilha no escuro?
Gargalhei alto como se tivesse ouvido a melhor piada do ano.
— O que tem de tão engraçado nisso? — Perguntou confuso.
— Além de ser um produto inútil, a Coral já faz uma dessas. — Respondi pegando a folha em que as informações da caneta brilhosa existia.
— Bem, está aí o motivo de eu ser o cara que dá o dinheiro e não as ideias. — Replicou Thomas e quase pude ver suas bochechas corando.
Sinto uma tristeza momentânea quando desejei estar perto para vê-lo envergonhado.
Queria que você estivesse aqui, pensei em dizer.
Entretanto fico calada, pois sei que poderia soar mais do que verdadeiramente era.
Ficamos em silêncio e procuro um assunto alheio para fazer com que ele não desligasse e eu pudesse ouvi-lo um pouco mais.
— Deveríamos sair esse final de semana. — Ele sugeriu.
Abri a boca pronta para aceitar, mas rapidamente me lembro da viagem programada.
— Não vai dar, tenho uma viagem a trabalho. — Respondi — Esqueci totalmente de dizer que vamos ao México.
— Ah, então deixa pra outro dia. — Ele soa bastante decepcionado e coça a garganta para mudar de assunto — Já conheceu o México antes?
— Não, e também não acho que terei tempo para aproveitar nada, nem conhecer lugares. — Comentei e soltei um suspiro. — Vai ser legal, apesar de tudo. Acredito que Andrew vai gostar também.
— Andrew? Quem é Andrew?
— O funcionário da empresa que vai conosco. Por quê?
— Nada, só fiquei curioso. — Disse simplesmente.
Franzi o cenho quando lembrei de uma pergunta que rodeava minha cabeça nos últimos dias.
— Você disse que foi criado com a avó na Alemanha, certo?
— Sim. — Ele afirmou.
— Então por que você não tem sotaque?
Thomas faz uma pausa.
— Você é a primeira pessoa que me pergunta isso, sabia? Já fui sendo fluente na nossa língua, então, alemão é a minha segunda. — Explicou ele.
— Ah, entendi. Mas qual das duas você prefere?
— Como tive mais contato com o alemão, é mais fácil pra mim. — Eu concluiu.
— Hm... Thomas?
— Sim?.
— Está livre no próximo final semana?
— Sim, Lydia, sim.
Meu estômago embrulhou com o tenor forte e manso vindo de Hoyer. E foram suas palavras que rodeavam minha cabeça antes que eu caísse no sono naquela noite.
...
Os dias que se seguiram passaram rápido. Minha vida caiu em uma rotina tranquila em que tudo que eu fazia era trabalhar e bater um papo com minhas amigas, quando eu me dava um intervalo para relaxar. Apesar de ter encontrado Jean diversas vezes naquela semana, não esbarrei em Caio, graças a Deus. Minha amiga deu a entender que ele e a destinada estavam brigados, mas eu não poderia ligar menos. Depois da cena de domingo que Grey havia feito, não queria vê-lo ou mesmo saber de sua vida. Embora aquilo tenha acontecido, decidi não contar nada para Jean. Isso podia facilmente abalar a nossa amizade e a relação que tem com o irmão e eu não queria lidar com isso. Não naquele momento.
Na quinta-feira a tarde, quando faltava menos de trinta por cento da pasta para ser analisada, eu tive uma ideia. Já havia visto um padrão: os produtos que mais vendiam eram os que despertavam o consumismo das crianças. Veja bem: elas não queriam um lápis leve e sim um que tenha a imagem da Elsa de Frozen.
Quando a estratégia de venda me veio a cabeça, comecei a escrever como louca. Meu papel de rascunhos estavam todos rabiscados e cheio de notas falando sobre contratos, apoios passados e acordos antigos da empresa. Havia bastantes parcerias para edições limitadas que poderiam se tornar em algo mais sólido. Lembrei vagamente de alguns comentários que li na semana passada no marketing e sabia que estava indo no caminho certo.
A melhor coisa, contudo, era a sensação de gostar de fazer aquilo.
.
— Atrapalho?
Levanto a cabeça do meu celular rapidamente no susto. Encontro Thomas com seu nariz arrebitado já conhecido por mim e o terno azul marinho sob medida. Seu cabelo parecia um pouco maior, mas estava bem contido pelo gel com seu penteado usual.
— Não, não. — Digo rapidamente e escondendo meu celular da sua vista.
Só eu mesma para trabalhar assiduamente o dia todo e nos únicos minutos em que dou uma pausa para entrar no site de perguntas, ele aparece!
Hoyer levanta a sobrancelha para mim.
— O que está escondendo?
— Nada. — Falo empurrando o aparelho para perto da pasta aberta fingindo não dar importância. — Coisa do trabalho.
— Posso ver?
Olho para ele com uma careta.
— Você não é meu chefe.
Ele sorri devagar de um jeito que parecia saber de todas as coisas.
— Na verdade eu sou sim. — Replicou, mas quando abriu a boca para defender seu ponto, eu o interrompi.
— Acredito que não irá o interessar. — Falei e abri o navegador do meu pc, fingindo fazer algo importante. — Tem alguma reunião marcada com senhor Carter?
— Sim, com ele, Shawn, Hunter, Daniel e Cassandra e os outros acionistas. — Afirmou — Aliás, eu acabei de tê-la e já estou de saída, mas pensei em dar um oi.
Aquilo me desarmou e eu deixei meu ombros caírem.
— Isso é muito gentil da sua...
E nessa fração de segundo Thomas esticou o braço e pegou meu celular. Rapidamente estiquei-me para tomá-lo de sua mão, mas não fui rápida o bastante.
— Hm, qual será a senha? — Ele se perguntou se divertindo às minhas custas. Desesperada alonguei-me para alcançá-lo — Opa! Parece que alguém não tem senha.
Por que eu tinha que ser aquele tipo raro de pessoa que não tem senha no celular? Por quê?
— Me devolve! Isso é invasão de privacidade, sabia? — Reclamei quase pulando em cima de suas costas, mas minha mesa atrapalhava.
— Não sabia que você gostava de coisas de adolescentes, Lydia, mas devo confessar que já entrei em um desses. — Ele comentou rindo.
Hoyer esticou o braço para cima para que eu não o alcança-se e mexia rapidamente os dedos lendo as perguntas que apareciam.
— Qual desses gatos você casaria? — Leu ele e soltou uma gargalhada — Esses meninos não devem ter mais que dezoito anos, pelo amor de Deus!
Com o rosto vermelho de vergonha, usei minha cabeça para me vingar. Quando Thomas deu as costas para mim vidrado na tentativa de escapar da minhas mãos, vi seu celular quase cair do bolso traseiro e sem dificuldades me estico sobre a mesa e agarro seu iphone despretensiosamente.
— Hm, qual será a senha? — Repito sua frase maliciosamente — Alemanha?
Thomas virou-se em minha direção alarmado. Quando comecei a digitar o nome, o vi estica-se para pegar seu aparelho, mas eu empurrei a cadeira de rodinhas contra a parede e a mesa o impediu de se alongar mais.
— Você é tão previsível. — Comentei assim que desbloqueei a tela ao colocar "Berlim".
— Ok, Lydia, eu devolvo seu celular. — Ele disse sério estendendo meu aparelho para que eu o pegasse.
Sorri travessa.
— Agora que euzinha estava me divertindo? — Falei deslizando o dedo pela tela. Soltei uma gargalhada e dei uns pulinhos aos ver que ele também tinha o mesmo aplicativo de perguntas que eu. — Veja só quem é o hipócrita. Como seria o seu primeiro encontro perfeito? — Li a frase com um sentimento de triunfo.
— Me dá isso aqui. — Ele disse com uma carranca contornando a mesa, mas eu corri cobrindo o celular com as duas mãos e escondendo debaixo de minha blusa estampada.
— Tenho direito a retaliação. — Reclamei quando Hoyer me alcançou.
Como o meu andar não era tão grande e sim bastante lento, não demorou para que Thomas me alcançasse. Fiquei de costas para ele protegendo o Iphone como se fosse uma bola de futebol americano.
— Nunca mais brinco com você. — Resmungou Thomas rindo — Parecemos duas crianças.
E eu continuaria rindo com ele se seus dedos tateando meus braços em busca do aparelho não fossem tão calorosos e me deixassem arrepiada. De repente o ar mudou e a aproximação do corpo de Hoyer atrás de mim ficou clara. Não relutei quando ele segurou minhas mãos para agarrar o aparelho e pude sentir seus dedos tremendo ao tocar minha pele.
Um pigarro nos fez sair daquela bolha e ao ver Carter com a maior cara de "Preciso de uma explicação ou vou ter um infarto" senti todo sangue subir para meu rosto.
E, para piorar, Thomas não estava nem um pouco diferente.
Entretanto, ao contrário de mim, meu destinado se saiu muito melhor em arrumar uma desculpa e se recompôs rápido.
Ele se virou para mim com os dois celulares na mão.
— Não tem condições de você continuar com esse celular, senhorita Blackwell. — Falou balançando-o em sua mão esquerda — Sei que gosta muito dele, mas o TI pode lhe dar um bem melhor.
— Mas eu gosto desse e ainda vou viajar a trabalho esse final de semana, preciso dele. — Entrei em sua encenação.
— Então espere mais um tempo com ele, porém troque assim que puder. Uma hora isso vai acabar lhe prejudicando. — Ele advertiu e eu balancei a cabeça veemente concordando.
Nunca tinha passado tanta vergonha em toda a minha vida.
Segundos depois meu destinado se despede de seu tio, ainda muito desconfiado, e me dá um até logo formal demais para quem costuma passar as noites conversando sobre nada e tudo ao mesmo tempo.
Enquanto o vejo entrar no elevador fico matutando em como seria nossa relação fora e dentro do trabalho. Apesar de tudo, eu não respondia a Thomas e devia ser profissional durante meu expediente, mas não poderíamos agir como amigos que éramos? Carter ficaria ofendido?
Nossa, imagina só se ele soubesse que somos destinados! Com esses pensamentos, voltei para minha mesa como se nada tivesse acontecido.
— Precisa de alguma coisa, senhor? — Perguntei me esforçando para parecer o mais inocente possível.
— O que está acontecendo com vocês dois? — Indagou ele.
Merda.
— Nada.
Não que eu estivesse mentindo, mas também não estava dizendo toda a verdade.
Albert passou a mão no rosto, os olhos azuis cansados.
— Bem, vou ser bem claro: se tiver algo acontecendo peço que você seja cuidadosa, Lydia. — Aconselhou — Além de não querer ver uma cena desagradável da minha secretária, Thomas ainda não se acertou com a destinada. Receio que se ela se sentir enciumada com você e fazer a cabeça do menino para tirá-la ficarei de mãos atadas. Ele é muito importante para empresa, principalmente agora que está começando a participar ativamente.
Carter pôs a mão no meu ombro e eu apertei meus lábios para não rir. Embora fosse raro uma demonstração de preocupação do meu chefe, aquela possibilidade apresentada por ele não aconteceria. Albert esqueceu de algo muito mais importante: eu era a destinada em questão. Não fazia sentido querer prejudicar a mim mesma.
Ele demorou um pouco com os olhos fitando a marca branca que evidenciava que meu relógio já havia sido descartado.
— Não ponha tudo que conquistou a perder. — Disse antes de voltar para dentro de seu escritório.
...
Naquele dia aceitei o convite das meninas para curtir o happy hour com elas no barzinho ali perto. Ela soltaram gritos animados chamando atenção dos funcionários que estavam saindo e eu ri daquilo. Àquela altura já tinha conversado com Hope e ela disse que não tinha problemas em ficar mais um pouco com minha mãe. Apesar de saber que viajaria no outro dia e deveria estar descansada, senti falta de estar com as meninas e beber alguma coisa.
O bar era bastante sofisticado e estava cheio. Havia trabalhadores de todas as firmas e empresas do bairro, mas todos tinham o mesmo sentimento de cansaço e relaxamento de terminar o expediente. Sentei-me perto de Daisy, Mary e Stella, uma das funcionárias do RH, enquanto procurava alguma bebida forte que não custasse muito caro no menu. Aqueles preços eram salgados demais pro meu gosto!
— Você acredita que a velha ainda teve coragem de falar que não era a mulher certa para ele? — Stella disse prendendo as mechas coloridas em um coque — Meu amor, eu esperei oito anos por aquele paspalho e ela me veem dizer que não o mereço?
— Graças a Deus nunca tive problemas com minha sogra. — Comentou Mary bebericando seu Martini. — Inclusive ela conseguiu um emprego agora para meu marido e deu um sermão nele. Tá todo mansinho desde sábado.
Daisy ri.
— Nada como a progenitora para colocar um homem nos trilhos. — Falou ela assim que pedi uma cerveja para o bartender. — E seu destinado, Lydia? Deu algum sinal de vida?
— Ele me pareceu bem na última vez que o vi. — Respondi dando os ombros fingindo fazer pouco caso.
— Vocês já se esbarraram muito desde o dia do prazo? — Questionou Mary.
— Mais do que eu esperava. — Murmurei — Eu gosto dele, apesar de não achar que vá rolar nada.
— Não tem nem uma química entre vocês? Nenhuma faísca? Nada? — Perguntou Stella desconfiada.
Lembro das vezes que tive sensação de estar em uma bolha quando estou perto de Thomas e a extrema sensação de calor que sentia ao me aproximar dele.
— Talvez... — Dei os ombros.
As meninas se olharam cheias de segundas intenções e me preparei para replicar qualquer uma das suas insinuações, no entanto, elas mudaram de assunto.
...
Na sexta-feira eu estava menos animada do que esperava. Minha pequena mala estava devidamente arrumada e Jean não parava de me encher de preocupação com o vôo. Seu medo de avião estava quase se materializando quando a pedi pra me ajudar a fazer a mala.
— Por favor preste bem atenção no que a aeromoça dizer e...
Fechei os olhos e contei até cinco.
— Se você falar mais alguma coisa sobre esse vôo vou bater em sua cara, Grey. — Ameacei e ela me abraçou forte.
— Traz alguma lembrancinha para mim, hein? Não esquece. — Ela disse me esmagando com seus braços.
— Sim, senhora. — Respondi rindo — Você pode ajudar Hope enquanto eu estiver fora? Ela vai dormir aqui, mas pode precisar...
— Com certeza!
Minha conversa com Hope, entretanto, foi um pouco mais profissional. Repeti o horário de todos os remédios e pude ver quão impaciente ela estava comigo tentando ensiná-la a fazer seu trabalho.
— Eu entendi isso na quinta vez que você me disse, Lydia! — Reclamou Steel — Não precisa ficar tão nervosa.
Deixei meus ombros caírem.
— É a primeira vez que fico tão longe dela. — Murmuro.
— Oh, meu amor... — Ela afagou meu ombro — Amanhã o doutor vem pra cá examinar sua mãe, não é? Ela nunca estive tão bem cuidada. Não se preocupe.
Assenti tentando enfiar aquelas palavras dentro da minha cabeça.
— Além do mais você tem que crescer profissionalmente! — Acrescentou — Tenho certeza que sua mãe ficaria orgulhosa se a visse agora.
Meus olhos encheram de lágrimas e eu a abracei.
— Obrigada, Hope. De verdade.
A parte mais complicada foi falar com minha mãe. Seu cabelo acobreado já havia se tornado um mar branco em algumas mechas e os olhos azuis estavam cada vez mais cinzas. Segurei sua mão ossuda e ela deixou seu olhar cair para meus dedos quando sentei na beirada da cama. Havia um monte de fios e aparelhos que faziam seu corpo funcionar bem e meu coração diminuiu no peito em pensar na mulher vigorosa que era antes.
— Estou indo para o México a trabalho, mãe. — Comecei — Vou passar apenas esse final de semana e isso pode ser um marco para o começo de uma carreira promissora. Sei que quebrei as promessas que um dia fiz para senhora. Pareceu certo quando eu o fiz. — Suspiro triste — Mas eu vou reparar meus erros. Quando voltar procurarei algum curso profissionalizante e terminarei o curso de espanhol, tudo por você. Eu prometo. Te amo, mãe.
Beijei sua testa.
— Até logo. — Me despedi com um sorriso.
No aeroporto me encontrei com meus chefes e Andrew. Como era esperado, eu e Grimmes ficamos nos assentos comerciais enquanto Jones e Carter sentaram no seu lugar confortável da primeira classe. Ainda me perguntava o porquê deles não estarem usando o jatinho particular da empresa, mas preferi ficar na minha.
Antes de pôr meu celular no modo avião, recebi uma mensagem de Thomas desejando uma boa viagem que me arrancou um sorriso escancarado.
Eram apenas algumas horas de viagem e decidi usá-los para reler as anotações que fiz sobre as mercadorias da Coral.
Sentei-me ao lado direito de uma velhinha e Andrew que entrou mudo e provavelmente sairia calado do avião. Ele lia e relia o texto que preparara no tablet e batia o pé impacientemente no chão — e não consegui evitar de lembrar de Hoyer que sempre parecia fazer isso. Depois de decolarmos e a sensação de ser arrancada da Terra passou, aquele barulho passou a me irritar mais que o usal.
— Acalme-se, Grimmes. — Resmunguei — Vai abrir um buraco no chão do avião se continuar assim.
— Não estou com humor para papo, Blackwell.
Levantei as mãos como se me rendesse.
— Grosso.
A velhinha do meu lado nos olhou curiosa.
— São namorados? — Perguntou puxando assunto.
Ai, credo.
— Não, somos só colegas de trabalho. — Respondi tentando não transparecer o desgosto de ser confundida com a namorada do Andrew. Ew. — Primeira vez que vai ao México?
Ela negou com a cabeça.
— Estou indo visitar meu segundo neto. — Respondeu animada — Deixa eu lhe mostrar as fotos...
A partir daí minha pasta foi ignorada assim como a TV que havia nos assentos. Descobri que o nome da velhinha era Eunice e tinha dois filhos. Um deles estava a uns bancos atrás e era "filho da sua velhice", como disse ela, por isso ainda era um adolescente. O pai dos meninos morreu fazia já alguns anos, mas ela ainda assim parecia bastante abalada com isso. Eles se amavam muito pelo jeito.
— E vocês eram destinados?
Ela concordou com a cabeça.
— Mas não pense que isso significava que sempre dávamos bem não. Ele era um homem muito esquentado, o Fábio. — ela suspirou recordando — Demorou um tempo até que eu aprendesse driblar sua personalidade e ele de ser menos rude. Com Fábio aprendi que não devemos casar por amor e sim para amar, pois com isso a gente aprende como entender as diferenças do outro.
Balanço a cabeça enquanto tentava memorizar aquelas palavras. Eu adorava conversar com pessoas da terceira idade, porque eles destilavam uma sabedoria que eu gostaria de ter qualquer dia desses.
Quando chegamos às nove horas na Cidade do México, me senti nervosa para passar na alfândega. Quando era pequena, minha mãe fez questão de tirar todos os documentos necessários e eu sempre lembrei em deixá-los em dia. Por causa do bloco econômico que compartilhávamos, não era necessário visto para entrar no país.
Depois de entrar com meu espanhol arranhado e receber elogios de Albert que não sabia dessa minha habilidade, passei a viagem de carro até o hotel admirando a cidade. Era uma pena que eu não teria chance de conhecer os pontos turísticos.
Ao chegar no hotel recebemos a programação para conferência e Albert pediu que estivéssemos na recepção às sete da matina, enquanto Daniel apenas resmungava que odiava aviões.
Com um pouco de dificuldade na língua fiz o check-in sem ajuda, me despedi e fui direto para meu quarto. Não tinha prestado atenção no luxo que eu estava até entrar no cômodo que dava duas da minha casa.
Explorei cada canto e gaveta do quarto com uma animação quase infantil. Liguei a TV digital e deixei em um canal que passava clipes de música pop mexicana enquanto me jogava em uma cama de casal mais confortável que já tinha me deitado. Fiquei meio ressentida por está em um bom quarto de hotel no momento em que minha mãe sofria em uma cama dura, mas logo esqueci disso ao ver a banheira enorme.
Eu nunca tinha tomado banho de banheira e logo preparei-me para me deliciar com todo aquele luxo. Qual é? Eram apenas dois dias com um conforto que nunca esperei ter na vida!
Depois de baixar os ânimos e finalmente ser vencida pelo cansaço, mandei uma mensagem a Hope para que ela avisar-se que eu havia chegado em paz para Jean; agradeci o sms de Hoyer e disse que já estava na Cidade do México. Após pedi comida no quarto e me alimentar, capotei na cama como se não tivesse dormido nos últimos sete dias.
...
Eu vestia um vestido mais leve que costumava usar no outono, mas continuava sendo bastante profissional e quente. Ele era vinho e justo, porém que descia até abaixo do joelho, sem nenhum decote, e um blazer preto básico; também havia os saltos que peguei emprestado de Jean. Era bom ter como fada madrinha uma estilista talentosa como Ivanna.
Passei um bom tempo esperando até que Andrew apareceu segurando um copo de café e parecendo que não dormiu nada.
— Noite difícil? — Perguntei.
— Não dormi nada e você?
Sorri.
— Dormi como um bebê.
Não que eu não estivesse nervosa, mas nunca tive problemas para conseguir aquela proeza. Sendo uma pessoa adulta que cultiva apenas cinco a sete horas de sono, não ia perder a chance de dormir a noite inteira quando ela apareceu.
Nossos chefes se apresentaram logo depois e nos cumprimentaram com um "bom dia" formal. Depois de tomar café, ao entrar no carro, eles desataram em falar sobre o que deveríamos fazer. Andrew parece que vai ter um colapso e Daniel tenta acalmá-lo.
— Sabe o que fazer, não é? — Indagou senhor Carter para mim quando me viu lendo a programação em minhas mãos.
— Fazer amizades e prestar atenção na concorrência.
Ele balançou a cabeça afirmando.
— Seu trabalho hoje não é ser minha secretária e sim representante da empresa. Vou lhe dar uma semana para vir com uma proposta de mercadoria. — Ele deu um sorriso contido — Estou apostando todas as minhas fichas em você.
Em vez de me deixar lisonjeada, sua frase me deixa mais nervosa. Soltei o ar que segurava com força e dei um sorriso sem graça.
A conferência aconteceu em um auditório enorme que continha diversos stands. Havia muita gente bem vestida e nunca vi tanto ricos internacionais por metro quadrado. Intimidada pelos olhares e roupas luxuosas, andei devagar até a entrada.
— Apareça no palco daqui a três horas para dar apoio a Calças Molhadas ali. — Falou ele apontando discretamente para Andrew — Misture-se e seja você. — Disse Albert — Você conquistou Carol Carter, então, isso aqui é mamão com açúcar.
Sorri para ele por ser um mentor atencioso, mesmo achando que a simpatia de Carol por mim não fizesse sentido.
Com um crachá indicando meu nome e empresa, andei daquela forma confiante que aprendi nos últimos anos lidando com pessoas ricas e soberbas. Vi meus chefes e Andrew andarem pela multidão e tentei não ficar desorientada com o barulho de diversas línguas no local. Pude identificar o inglês e espanhol como principais e procurei os lugares em que elas eram mais evidentes.
Não demorou muito para que eu me familiarizar-se com o espaço. Conversei sobre um robô que "tomaria o lugar dos professores" com uma mulher elegante e discutimos se aquilo era evidência de que a tecnologia poderia ir longe demais. Encontrei três ou duas pessoas que perguntaram de que empresa eu era, mesmo carregando o símbolo da Coral no meu peito, os respondi prontamente. Foi divertido conversar sobre alianças de outras empresas como uma verdadeira erudita — será que se aqueles homens britânicos soubessem que tudo que eu sabia era observando e não estudando em glamourosas empresas, eles me dariam crédito?
Por algum motivo desconhecido, pensar nisso me dava vontade de rir.
Não vou dizer que sempre me dei bem nessas conversas. Havia momentos em que eu não fazia ideia do que eles falavam, mas consegui mudar de assunto ou apelar para o sotaque carregado de alguns deles. Observei os produtos daqueles que seriam nossa concorrência, fiz anotações no meu celular e tirei algumas fotos de forma mais discreta que pude.
As três horas passaram-se voando e quase me esqueço de procurar o resto da "equipe". Quando os procurei segurava pelo menos cinco cartões de visita de empresários sendo alguns por puro flerte e outros porque se interessou em conhecer mais sobre a Coral. Claro que eu passaria o pente fino entre eles antes de entregar a senhor Carter.
— Acho que vou vomitar. — Disse Andrew assim que me aproximei.
Impaciente, segurei seus ombros e o chacoalhei.
— Se recomponha, homem! Você já falou sobre esse produto há duas semanas atrás na frente da empresa quase toda.
— Mas não tinha nem cinquenta pessoas, aqui tem quase dois mil! — Rebateu e eu ignorei o fato de ter menos do que isso no auditório.
— Olhe pra mim durante o discurso. — Falei apontando para meu rosto — Esqueça tudo ao redor e apenas explique o produto para mim.
— E como isso vai me ajudar? — Ele levantou a sobrancelha.
— Confia em mim. — Eu disse voltando a olhar para a programação amassada em minha mão e como resposta Grimmes bufou.
Quando Daniel entrou representando a Coral não precisei de muito tempo para entender porque geralmente era ele que presenciava esse tipo de evento. Jones era simpático e fazia você ficar levemente impressionado com suas ideias. Isso era seu forte.
Eu não conseguia imaginar Carter fazendo algo assim.
A mochila em questão era voltada a crianças de 7 a 10 anos; continha um formato diferente, inovador e um estofado que trazia mais conforto para elas. Durante esse tempo apenas fitei Andrew ao seu lado com as costas tensas e o olhar voltado ao Daniel. Grimmes relaxou um pouco, tão encantado com o discurso de Daniel como o resto, porém voltou a ficar apreensivo quando seu nome foi citado pelo mesmo.
Andrew me mirou com desespero e levantei o queixo em arrogância. Sem entender minha atitude, o homem franziu o cenho e pareceu voltar ao mau humor habitual.
— E o estofado não deixa a o material mais pesado? — Um sul coreano perguntou-lhe.
Todos os olhares se voltaram para Grimmes que ainda me fitava.
— Claro que não, se o fizesse não havia porque ser considerado mais confortável. — Respondeu ele — Na verdade...
Sorri vitoriosa quando o vi virar-se para quem fez a pergunta com naturalidade.
Andrew não funcionava com palavras fofas de conforto. Ele gostava de ser desafiado, só assim as coisas funcionavam.
— Você parece feliz.
Notei-me o tom familiar da voz e admirei surpresa o homem de olhos azuis que havia conhecido semanas atrás.
— Philip De Luca? — Apertei sua mão — Não imaginava encontrá-lo aqui.
— Nem eu, Lydia Blackwell, mas vender e comprar empresas sempre foi meu hobby predileto. — Ele disse passando a mão entre os cabelos cor de cobre. — Conhece aquele ali?
Apontou discretamente para Andrew que mexia de forma exagerada as duas mãos.
— Colega de trabalho. Então, você está à procura de algo para investi? — Perguntei interessada.
— Não exatamente, estou apenas dando uma olhada. — Replicou — Meu chefe não gostaria de saber das minhas olhadas, contudo.
— Seria muito intrometimento perguntar quem é seu chefe?
Ele riu charmoso.
— É um espanhol, talvez você conheça. Lorenzo Martin, o nome.
— Oh. — Respondi assim que lembrei que Lorenzo foi o quase acionista da Coral que fizera nos perder tempo no começo do semestre.
— É, eu sei. Grande homem, não é? — Comentou ele pomposo — Bem, estou de saída. Espero encontra-la de novo, Lydia. Sinto que minha destinada iria adorar conhecê-la.
Dei um sorriso que considerei gentil assim que vi a aliança em sua mão esquerda.
— São recém casados?
— Estamos juntos há três anos e meio, mas a conheci fazem quatro anos. — Ele respondeu com os olhos brilhando.
— Bem, eu vou adorar conhecê-la. — Eu disse achando aquele começo de amizade muito proveitosa.
À tarde depois do almoço foi marcada por conversas entre possíveis sócios que Carter estava de olho. Muito elogiaram Andrew pela performance que de forma muito humilde respondia que era exagero deles. Durante tais encontros passei a maior parte do tempo dando informações bestas que Albert sabia, mas precisava de alguém para confirmar e dar crédito ao seu discurso. Jones apenas sentava e acenava, já que aquela área não era sua praia.
Ao entrar no meu quarto à noite eu estava exausta e tomei um banho demorado, algo que eu não tinha me dado luxo há muito tempo. Depois de vestir meu pijama surrado e coronha, deitei-me na cama como se estivesse no céu. A TV estava ligada em um canal de novela, e como uma grande fã desse tipo de programa, pus-me a assistir.
Estava começando a cochilar quando ouvir o barulho de alguém bater em minha porta. Meio desorientada por ter levantado rápido demais, abri a porta sem checar quem era.
Andrew andava para os lados como uma barata tonta. Ou um louva-deus, se você pensar em suas pernas igualmente longas. Enfim.
Cruzei os braços tentando esconder o fato que eu estava sem sutiã e com cabelo de quem havia acabado de acordar.
— Quem morreu? — Resmunguei.
— Não sei, mas se você não me ajudar, será eu. — Disse desesperado.
Sem perca de tempo, meu colega de trabalho puxou a manga esquerda do seu casaco e mostrou o relógio do prazo marcando apenas quinze minutos.
Eita merda.
— E você só viu isso agora? — Falei com um olhar repreendedor, embora sabendo que fiz a mesma coisa no dia do meu prazo: eu simplesmente esqueci.
— Eu nem sei para onde ir, o que devo fazer, ou eu....
— Quieto! — Aumentei o tom de voz. — Deixa eu te dar uma olhada...
E era pior do que eu pensava: Andrew usava um casaco listrado dentro da calça jeans, óculos de leitura e tênis All Star. Seu cabelo dividido ao meio gritava NERD em um raio de quinze metros.
— É o que tem para hoje. — Murmurei — Bagunça esse cabelo e vamos descer para a sala de jogos. Só deixa eu parecer apresentável.
Vesti um moletom vermelho e dobrei a minha calça até o joelho para disfarçar que era um número menor do que eu usava — eu o possuía desde minha adolescência. Com Andrew quase tendo um derrame do meu lado, pois faltavam apenas sete minutos, acabei saindo correndo atrás dele ainda de meias que, graças a Deus, não estavam rasgadas.
Escorreguei um par de vezes e caí uma tentando acompanhar Grimmes. Entramos no elevador ofegantes e não deixei de rir com a cara dos hóspedes olhando para meu estado. No cubículo tocava uma música good vibe do Coldplay e achei bastante propício para o momento.
Quando chegamos no andar do salão de jogos, Andrew saiu atropelando todo mundo para chegar até lá. Pedi desculpas por ele no caminho e recebi muitos olhares de lado por isso.
— Falta quanto tempo? — Perguntei ao chegar do seu lado na porta do salão ainda tentando normalizar a respiração.
Olhando o relógio como sua vida dependesse disso Grimmes começou a contar.
— ...Cinco, quatro, três, dois, um.
Não aconteceu nada nos próximos segundos e eu senti meu coração apertar no peito. Eu havia aprendido ainda criança que a consequência de atraso para pegar seu prazo poderia afetar com o encontro do seu destinado e senti pena dele automaticamente.
— Andrew, eu sinto tanto.
Entretanto ele não me ouvia. Seu olhar estava vidrado em alguém que estava mais adentro. A visão que tive foi de uma mulher morena de camisa branca segurando um taco de sinuca paralizada. Os dois pareciam hipnotizados por algo invisível e me senti desconfortável por estar atrapalhando esse momento. O barulho dos relógios caindo ao chão despertou a consciência deles e a sensação de dejavú me engoliu tão forte que tive a impressão de ver Thomas no aglomerado de pessoas admiradas com o fim de um prazo que tinha acabado de acontecer.
— Acho que essa é minha deixa. — Dei dois tapinhas no ombro de Grimmes, mas ele nem lembrava da minha existência.
Enquanto voltava para meu quarto, não parei de pensar em Thomas e no dia em que nos conhecemos. Parecia que tinha passado anos desde aquele dia. Quantas coisas aconteceram! Apenas paro de pensar nisso quando cheguei no corredor do meu quarto que estava vazio.
Escorreguei pelo chão do hotel como se fosse uma criança e começo a rir com minha besteira.
Lembrando que eu tinha vinte e seis anos.
Penso em ligar para Hoyer e contar sobre o desespero de Andrew e como me diverti sozinha com minhas meias em um hotel que custava mais que minha própria vida, mas não consigo achar meu celular e estou cansada demais para uma conversa.
Em meia hora estou babando no travesseiro.
...
Acordei no domingo com batidas violentas na porta. Iria soltar um palavrão por me acordar assim, mas a voz de Carter me fez gelar até os ossos.
— Se você não descer em dez minutos será uma mulher morta!
Sei que ele estava blefando, mas me visto tão rápido que tenho certeza que quebrei algum recorde naqueles minutos. Me xingo assim que percebo o motivo do alarme não ter soado: meu celular estava descarregado dentro da bolsa de roupas sujas. Como ele chegou lá? Não faço ideia.
Deixei-o carregando e desci com meu notebook. Carter esperava na recepção de pernas cruzadas em uma poltrona olhando para o relógio.
— Faça isso outra vez e a coloco pra trabalhar com os estagiários. — Ameaçou ele.
Daniel, que estava ao seu lado, revirou os olhos.
— Lopez vai chegar aqui em meia hora, Carter, relaxa. — Ele passou a mão no rosto e bocejou — Por que estamos aqui tão cedo? Fico imaginando se você fosse britânico. Ia ser o inferno trabalhar para você. — resmungou — Blackwell, se for demitida pode me mandar um currículo. Carter sempre fica com as secretárias mais competentes, é incrível.
Albert balançou a cabeça ignorando seu amigo e me deu um cartão de crédito.
— Imprima os arquivos que enviei para a pasta compartilhada. A secreta. — Ele ordenou e apontou para Andrew — Grimmes vai ajudá-la.
Andrew andou até mim sem reclamar e me senti um tanto culpada por não ter percebido-o, todavia ele não estava com a habitual carranca.
— Buenos días, chica.
Levantei a sobrancelha achando sua atitude muito estranha.
— Tudo bem com você? — Perguntei com cuidado e ele assentiu. — Tá de bom humor hoje...
— Impressão sua. — Disse sorrindo.
Alerta, Terra. Iremos dá de cara com uma chuva de meteoro. Não era possível que Andrew Grimmes estivesse sorrindo de verdade. E era um sorriso bonito, cheio de dentes brancos e brilhantes.
— Uau. — Falei, mas fui fazer meu trabalho antes que meu chefe fosse cortar uma tira de couro das minhas costas.
Quando eu soube que a reunião com Lopez, um dos fornecedores de papel para Coral, seria no restaurante do hotel, suspirei de alívio, pois não tinha comido nada. A comida mexicana era muito melhor feita no país de origem do que nos restaurantes de esquina que tínhamos na Ala O, embora fosse a maior fã das comidas do meu bairro.
O restaurante era enorme e continha uma decoração característica do país. Havia mariachis cantando em um pequeno palco, mas nada que impedisse uma boa conversa. Nós estávamos separados por uma grande janela de vidro da área da piscina e podíamos ver de crianças a adultos brincando na água. Eu constantemente olhava os invejando por aproveitarem um dia raro de sol no outono.
Agi como backup durante toda a reunião e não entendi o porquê de está ali. Talvez Carter queria me ensinar algo que ainda não tinha aprendido, porém não fazia ideia do que era.
Foi em um desses momentos entediantes em que Carter e Lopez se levantaram para ir ao self-service que o vi na piscina. Franzi o cenho e olhei para os lados tentando situar-me e ter certeza que estava na Cidade do México. Thomas parecia outra pessoa sem toda aquela pompa que ele usa; seu cabelo está modestamente seco e cacheado. Seu corpo é musculoso e me assusto ao ver tatuagens no seu tórax que são facilmente escondidas pelo terno que ele usa no dia a dia.
Como mesmo no domingo em que encontrei-o no parque o vi vestido de moletom, nunca tinha tido oportunidade de ver que seu corpo era todo marcado e me indaguei se juristas podiam ter tatoos. Pensei até que tinha o confundido, mas quando Thomas olhou para mim através do vidro sei que é ele: o maxilar, o nariz e os olhos escuros são inconfundíveis.
Ele franzi o cenho do mesmo jeito que eu e me olha como se não me reconhece-se. Embora sei que ainda estou em um ambiente de trabalho, levanto a mão discretamente e dou um tchauzinho.
Ainda estou extremamente confusa por saber que ele estava aqui. Se vinha para o México, por que não me disse quando citei a viagem? Não que ele me deve-se alguma explicação, mas...
Thomas olha para trás parecendo meio perdido, mas sorri para mim de uma forma maliciosa. Sinto um arrepio na espinha e minhas mãos suam, entretanto não de um jeito bom. Remexo na minha cadeira desconfortável.
Segundos depois entendo o motivo dele não espalhar sua estadia na terra latina.
Uma mulher loira saiu da piscina jogando suas madeixas para os lados, como se estivesse em um filme. Seu corpo era tão perfeito que chegava a ser artificial e passei a cogitar que ela comia ervilhas de café, almoço e jantar para conseguir uma cintura tão fina. Foi em direção ao meu destinado como uma felina e ao ver que ele me encarava, a mulher desconhecida piscou para mim e o beijou.
Algo dentro de mim se quebrou quando vi que Hoyer olhava para mim enquanto basicamente desentupia a boca da mulher, como em desafio. Um sentimento de decepção, nojo e principalmente de repulsa me atingiu. E no momento que o vi descer suas mãos pelas costas dela quase grito para que ele parassem de sem vergonhice na frente de todo mundo — havia crianças lá, pelo amor de Deus.
Virei o rosto e tentei apagar a imagem nojenta que tinha presenciado e ignorar um sentimento de grande decepção. A sensação amarga de traição me doía mais do que deveria; uma sensação que eu não tinha nenhum direito de sentir.
— Senhor Jones, acho que a comida mexicana não me fez muito bem. — Menti — Tudo bem se eu subir um pouco? Tenho que falar com Carter...
Ele balançou a mão em desdém.
— Também não me dei muito bem com a comida na primeira vez que estive aqui. Eu falo com Carter, não se preocupe. — Tranquilizou-me simpático — Só não vai atrasar para pegar o vôo, tudo bem? Daí eu não posso te ajudar.
Sorri amarelo e me despedi deles rapidamente.
Corri para meu quarto assim que lágrimas brotaram em meus olhos e não pude acreditar em quão burra eu estava sendo. Por causas dos recentes acontecimentos eu havia posto Thomas no pedestal e isso não era certo. Lá estava eu de novo colocando minhas expectativas em alguém que não merecia.
Fechei a porta do quarto e encostei a cabeça na parede. O choro veio sem mais delongas e eu não podia acreditar nisso. Não aguentava mais chorar, não aguentava mais ter que passar por situações desnecessárias.
Eu era uma mulher, não uma menina, pelo amor de Deus! Thomas não me devia nenhuma satisfação, nem eu a ele, então por que senti como se alguém me esfaqueasse pelas costas?
— Eu não devia está chorando, inferno! — Gritei e assim escutei o barulho do meu celular vibrando.
Cambaleando e com a vista embaçada, procurei o aparelho que carregava e o chequei. Meu coração foi a mil quando vi trinta e duas ligações de Hope, mas ao abrir a tela uma mensagem de Thomas perguntando se eu estava online brilhou na tela. Por pura birra e infantilidade bloquei seu número e liguei rapidamente para Hope.
Ela atendeu no segundo toque.
— Oi, Hope, aconteceu alguma coisa?
Minha voz saiu calma, apesar de sentir que iria explodir na montanha russa de sentimentos que vivia.
— Oi, Lydia. Por que você não atendeu o celular ontem de tardezinha?
Sua voz é delicada e sento na cama bagunçada para me recompor.
— Estava sem bateria e me esqueci de carregar. — fungo e enchugo as lágrimas das minhas bochechas — Está tudo bem? Doutor Brandon foi aí?
— É disso que eu queria falar, Lydia. — Respondeu — Atrapalho? Podemos conversar outra hora se...
— Não, não. Pode falar. — Afirmo me sentindo relaxada com seu tom de voz.
— Ele viu os exames e ficou muito preocupado. Sua mãe estava com uma infecção grave e foi necessário interná-la imediatamente. Você sabe que não dá pra saber essas coisas quando a pessoa não pode falar, não é? Por isso lhe liguei ontem: Para avisar. — Explicou.
— Ah, em que hospital a internaram?
— Santa Mônica. — Falou cuidadosa. — Hoje de manhã ela passou mal, Lydia e...— Hesitou — Ela não resistiu, meu amor. Sua mãe faleceu. Sinto muito, meu anjo.
E meu mundo ruiu de vez.
N/a: Postei e saí correndo.
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