Capítulo 20: A Vila Secreta
~ Sora ~
Acordei com uma dor de cabeça inquietante, enquanto um doce aroma de chá-verde entrava em minhas narinas. Abri os olhos lentamente e suspirei aliviado ao ver que ainda estava vivo.
A vasilha de chá começou a apitar, indicando que o chá estava pronto. De repente, uma senhora de idade avançada entrou no cômodo correndo às pressas para retirar a vasilha do fogo.
Quando ela me viu, tomou um leve susto e perguntou: — Nossa! Então você finalmente acordou?
— Onde estou? — perguntei, sem responder sua pergunta.
— Ah! Você terá muitas perguntas, mas agora não é hora de respondê-las, você deve estar faminto, pois está dormindo há uma semana...
Ao ouvi-la, dei um pulo da cama e rapidamente levantei.
— O quê? Eu fiquei desacordado por uma semana?! — Perguntei, assustado.
— Sim, mas tenha calma, as suas feridas irão abrir novamente! — Ela falou, preocupada.
Decidi ouvi-la, já que há alguns dias eu estava prestes a morrer, então me sentei na cama e me acalmei.
— Me diga, quem é você e o que aconteceu comigo? — perguntei.
— Eu me chamo Ayu, peço que me perdoe, mas eu não sou a melhor pessoa para lhe contar o que aconteceu, peço que aguarde, irei avisar o nosso líder e ele lhe contará tudo sobre seus amigos. — Disse ela.
— Amigos? — Perguntei confuso.
Logo a velha Ayu saiu da barraca e foi chamar o tal do líder, que não demorou para chegar. Era um homem de meia-idade, de cabelos grisalhos, estatura baixa, trajando um quimono de cor marrom. Quando entrou, sentou-se em uma cadeira velha de madeira e deu um suspiro cansado.
— Se é tão cansativo vir me ver, então por que veio? — Perguntei de forma ríspida.
— Não, meu jovem, não é cansativo lhe ver, mas é cansativo falar sobre luto. Quantas e quantas vezes eu avisei aqueles pirralhos para não irem enfrentar os ninjas, quantas vezes lhes disse que eles estavam caminhando para a morte, que eram jovens e deviam pensar em uma forma melhor de viver, mas eles não me ouviram, fugiram de madrugada e olha no que deu? — Ele desabafou com pesar.
— Do que o senhor está falando? — perguntei confuso.
— Estou falando de seus amigos, oras! — Retrucou.
Olhei para ele e depois para a velha Ayu, muito confuso com o que eles diziam, permanecemos em um breve silêncio até que Ayu perguntou: — O seu nome é Sora, não é?
— O meu nome é... — Parei para pensar e um nervoso tomou conta do meu corpo, minha mente estava um completo breu, nada vinha na memória, nem meu nome, nem família ou amigos, a única coisa que permanecia era o rosto daquela mulher. — Eu não sei, não consigo me lembrar!
— Oh, céus, o pobrezinho perdeu as memórias! — disse Ayu, nervosa.
— Calma, Ayu, ele irá recuperar logo, é só falarmos de seus amigos. — Disse o líder esperançoso.
— Lembra-se de um jovem valente e esperto chamado Kazuma? — Perguntou Ayu.
— Não. — Respondi.
— E de dois baixinhos gêmeos bem engraçadinhos? Eles se chamavam Akira e Kira. — Perguntou o líder.
— Não. — Tornei a responder.
— De um casal amável e feliz? Chamados Yoshi e Yuso. — Perguntou Ayu.
— Não lembro. — Respondi.
— E daqueles dois garotos, um era mulato, parecia estrangeiro e o outro era alto, bonito e muito atencioso. O mulato era Hideki e o outro se chamava Shin. Se recorda? — Perguntou o líder.
— Não me lembro.
— Ah! E tem aquele que vivia estudando as plantas, gostava de ajudar e era muito gentil. — comentou Ayu.
— Sim, lembro dele, ele vivia comentando sobre seu melhor amigo Sora, ele não era alto e nem tão baixo, usava um quimono azul-marinho e seu cabelo era bem engraçadinho, ele tinha um sorriso muito bonito e era alegre em todos os momentos. Qual era mesmo o nome dele?
— Yuichiro. — Respondi sem nem mesmo raciocinar.
— Ah, sim, era esse o nome dele, então você se lembra? — Perguntou o líder.
— Não, eu não sei, eu vivo ouvindo uma voz na minha cabeça que grita esse nome, mas não sei quem é, não conheço nenhum Yuichiro e nem amigos eu tenho! Estou confuso, só quero saber o que houve comigo e o porquê de estar tão machucado.
Então o líder se levantou e me pediu para segui-lo, assim o fiz. Ao sair da casa, vi algo surpreendente: havia inúmeros homens, mulheres e crianças, andando e vivendo uma vida comum. Alguns homens treinavam a arte da espada e outros faziam serviço braçal, mas o que mais me incomodou foi estar tão escuro. O lugar era iluminado apenas por candeias, barracas montadas no chão e alguns buracos que pareciam tocas nas paredes. Foi então que me dei conta de que estávamos no subterrâneo.
— Eu não me apresentei, deixe-me dizer, me chamo Juzo, sou líder dos últimos samurais, aqui vivem os samurais procurados pelo imperador e seu exército, tanto eles como suas famílias, nós resgatamos seus amigos há um mês atrás, eles estavam bem machucados e carregavam um corpo carbonizado de um de seus companheiros, eles foram emboscados por Yunosuke, um ninja de elite bem poderoso, nós os trouxemos para nosso esconderijo e decidimos cuidar deles e tirar de suas cabeças aquela loucura de vingança, todos aqui sabem como é doloroso perder seu lar, seu direito de viver e seus entes queridos, mas tem algo mais importante que tudo isso.
— O que pode ser? — perguntei curioso.
— A vida! — Respondeu. — A vida é um presente precioso dado por Deus, é certo que viver se escondendo e com medo não é a melhor vida que se pode desejar, mas ainda podemos almejar um futuro melhor, estamos sobrevivendo a esses dias só pensando no dia que teremos nosso triunfo contra aqueles ninjas!
— Será que o senhor pode me contar mais sobre os tais amigos desse Sora? O que aconteceu com eles? — perguntei.
Ele não respondeu, apenas começou a andar na frente e eu o segui, subimos uma escada de terra e logo saímos daquele buraco indo para a superfície, estávamos em um bosque, muito bonito, os pássaros cantavam alegres e o sol com o céu azul embelezava ainda mais a paisagem.
"Mas nunca que eu deixaria de viver em um lugar bonito desses para viver naquele buraco!", pensei.
Juzo continuou caminhando para fora do bosque, e eu o continuei seguindo. Saímos do bosque e paramos em um penhasco. Em nossa frente, pude ver lápides de madeira enfiadas no chão. Havia nove lápides e lindos buquês de flores postos diante delas.
— Antes havia apenas uma, que pertencia a Takashi. Kazuma vinha aqui todos os dias e chorava no túmulo do amigo, talvez por isso ele desejasse tanto se vingar. Ele não conseguia ter paz ao ver essa lápide todos os dias. — Começou Juzo. — Eu tentei várias e várias vezes tirar da cabeça daquele jovem maluco essa ideia de vingança, nem nós conseguimos vencer aqueles ninjas, quanto mais simples crianças, ainda em fase de crescimento. Avisei que eles deviam se qualificar mais e pensar mais na vida futura deles do que em vingança, mas nenhum deles me escutou. Yuichiro era o único que me dava um pouco de atenção, mas até que ele dizia que se fosse por seu amigo Sora, ele iria até mesmo ao inferno para resgatá-lo.
— Ele devia ser um ótimo amigo. — Comentei.
— Só foi eles se recuperarem completamente que fugiram de madrugada, fomos atrás deles preocupados e o que encontramos foi uma pilha de corpos fuzilados, o único que ainda respirava era você, agora aqui está o que sobrou deles, somente lápides, e já lhe peço antecipado, por favor, não seja a décima!
— E a mulher? — perguntei.
— Que mulher? — Perguntou ele.
— Uma mulher bonita, de cabelos lisos e pele lisinha, sem manchas ou rugas, ela era tão bela. — Comentei encantado.
— Fala de Yuso? Ela não tinha cabelos lisos, os cabelos dela eram ondulados. — Respondeu.
— Não, era uma mulher de cabelos lisos, que usava roupas estranhas de cor marrom.
— Está falando de uma militar? Militares que usavam roupas estranhas, ouvi dizer que chamam de saia aquele pano estranho que elas usam para cobrir as pernas. — contou.
— Militar?
— Se for uma militar, é melhor esquecê-la, essa gente tem sangue nos olhos e é cheia de maldades em seus corações. — Aconselhou.
Nada disse, apenas tentei lembrar de outras coisas, de repente aquele grito ensurdecedor e agonizante ecoou em minha cabeça, caí de joelhos, apertei meus ouvidos com força e gritei desesperado: — Cala a boca! Para de gritar!
— O que foi, jovem? O que houve? — Perguntou Juzo, preocupado.
— Não grita, eu posso te ouvir, então para de gritar! Afinal, quem é você?! — Esbravejei.
Logo a voz parou e meus ouvidos, que começavam a sangrar, pararam de doer.
— Você está bem jovem? — Perguntou Juzo.
— Me parece que o dono deste corpo está sofrendo, faz mais sentido o tal do Sora ser esse alguém que chora e grita dentro de mim, ele está sofrendo com a perda dos amigos e eu não sei o que faço para amenizar esse sofrimento.
— Está dizendo que você está no corpo do Sora? — Perguntou Juzo, confuso.
— Sim, isso mesmo, lembro que isso já aconteceu uma vez, eu estava em uma prisão sendo chicoteado por aquela mulher e tinha um cara babaca maltratando ela, lembro que adormeci e voltei a acordar naquele dia que a mesma mulher me pediu para sobreviver, e agora acordei outra vez, essas são as únicas memórias que tenho. É estranho saber que toda vez que eu adormeço, outra pessoa toma conta do meu corpo. Eu acho que estou acordado agora porque o verdadeiro dono não quer acordar, é como se ele estivesse... cansado de viver.
— Humm, isso é bem perigoso, se o que diz é verdade, pode ser que quando Sora despertar ele irá querer tirar a própria vida, matando você também.
— Eu sei disso, é por isso que eu não vou dormir, eu quero aprender a lutar com espada e também quero aprender tudo o que o senhor sabe, vou fazer de tudo para me entreter e não dormir! Vamos lá, velhote!
— Eu acho que você não conseguirá ficar tanto tempo acordado, mas posso lhe ajudar ensinando a arte da espada, mas antes disso... É MELHOR RESPEITAR O SEU MESTRE!
— Ah, não grita no meu ouvido! — Reclamei.
(...)
3 dias depois.
Durante três dias eu não dormi, conheci muitos samurais, aprendi algumas técnicas médicas com a velha Ayu e também treinei com o velho mestre Jozu. Ele é um ótimo mestre, sabe ensinar bem e também é bem forte. Ele quase me matou umas cinco vezes, se a espada não fosse de madeira, ele teria feito picadinho de mim. Acabei subestimando muito o velho.
Aprendi muitas técnicas, inclusive aprendi algo que nem pensei que fosse capaz. Todos os samurais se admiraram, falando que essa é a técnica dos ninjas, e do nada começaram a me chamar de "prodígio". Fiquei envergonhado, mas até que eu gosto de ser tratado assim.
Comecei a gostar de ficar com eles, porém os últimos samurais têm um grande problema, seus esconderijos são temporários, eles permanecem em um local só até que ele esteja seguro, e agora, os ninjas de elite estão começando a fazer buscas por essas bandas, e Juzo decidiu que devemos ir embora o mais rápido possível.
Quando estava me arrumando para partir, comecei a sentir sono, peguei minha espada Shinsetsu, a qual ganhei de presente do velho Juzo, e fui visitar os túmulos dos rebeldes de Kibe.
Sentei diante deles e rezei por alguns minutos, meus olhos foram pesando devagar, mas eu insisti em ficar acordado, porém esses três dias foram muito cansativos e estava ficando impossível me manter acordado.
— Droga! Nem permanecer acordado eu consigo! Droga! Droga! Se aquele idiota acordar, ele irá fazer besteira e irá me matar. Eu... não quero morrer!
Dei um suspiro cansado e lembrei das últimas palavras que ouvi antes de adormecer naquele dia fatídico.
— Aquela moça não está aqui para ajudar, então eu peço que você abra os olhos dele, por favor, Yuichiro!
Meus olhos foram fechando devagar e eu caí em profundo sono.
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