Capítulo 15: Tudo Por Eles
~ Sora ~
A rígida e bipolar senhorita Hinna entrou em minha cela e jogou algumas roupas em cima de mim. Sem mais delongas, falou:
— Se troque, o Senhor Yunosuke deseja vê-lo!
— Eu não quero vê-lo. — Respondi.
— Olha, eu não sei se você já percebeu, mas isso aqui é uma prisão e você é o prisioneiro. O seu dever aqui é obedecer e somente isso. Você não tem querer e nem autoridade para dizer que não quer ir! Você deve ir e pronto! — Ela falou irritada e saiu da cela após trancar a porta.
Com dificuldade, vesti as roupas limpas e enxutas que ela me entregou. Em seguida, dois carcereiros vieram me buscar e eu os segui, indo diretamente para mais uma dolorosa tortura.
Caminhamos para fora, no lugar onde vi o homem sendo chicoteado mais cedo. Estavam presentes Yunosuke, Hinna e mais alguns carcereiros que retiravam o homem daquele tronco. O pobre gemia de dor e era arrastado, pois não tinha forças para se levantar.
— Olha só como essa roupa combinou com você! — Disse Yunosuke com um sorriso diabólico.
Fiquei calado, vendo a cara maníaca daquele ser repugnante, enquanto ele dizia que nos divertiríamos noite e dia até eu abrir minha boca.
Enquanto ele falava, minha mente só pensava em uma única coisa: "E se o restante do exército retornou a Kibe?"
Afinal, os que restaram todos pertenciam a Kibe. Então, seria muito óbvio eles retornarem à nossa terra natal. Ela foi destruída, mas com um pequeno esforço, pode ser restaurada.
"Será que eles estão pensando nisso? É provável que não. Kazuma é orgulhoso demais para voltar atrás. Se eu bem o conheço, ele deve estar se preparando para ir à capital."
Lembro de Takashi marcando em nosso mapa duas rotas para a capital. A primeira, e mais fácil, é por Ninshu. Ela é fácil por ser perto da capital, levando apenas algumas horas de viagem até Yoshioka. Só que ela é extremamente vigiada por militares, o que nos levou a um tenebroso confronto.
A segunda rota é por um desfiladeiro, uma rota cheia de bandidos e caçadores de recompensa, além de animais exóticos peçonhentos. Ela é cheia de perigos e também escassa de comida e água, além de ser bem longa e demorar umas duas semanas para chegar à capital. Se por Ninshu não deu certo, então Kazuma tentará pelo desfiladeiro da desconfiança.
— Amarrem-no no tronco! — A ordem de Yunosuke me fez sair de meus devaneios, arrastando-me para a realidade impetuosa.
Os carcereiros retiraram minha camisa com brutalidade e me arrastaram até o tronco, jogando-me de frente para o tronco ensanguentado. Prenderam minhas mãos, deixando minhas costas à mostra.
Vi Yunosuke caminhando até uma mesa que continha alguns chicotes. Havia o normal e outros bem incomuns. Ele passou o dedo por cima dos mesmos, escolhendo um que lhe agradasse. Então, finalmente, escolheu.
Segurou-o pelo cabo e caminhou até minha frente, mostrando-me o que escolhera.
— Olhe! Não é bonito? — Perguntou.
O chicote continha várias tiras de couro presas em seu cabo e, em cada ponta das tiras, havia pregos pontiagudos enfiados no couro.
Não tive coragem para responder tal pergunta, pois meu corpo já doía antes mesmo de ser açoitado por aquele chicote.
Yunosuke caminhou para detrás de mim e fez sua pergunta favorita: — Onde estão os membros do exército rebelde?
As lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto e, com a determinação circulando em minhas veias, respondi: — Eu nunca vou te contar nada!
Ao término de minhas frustrantes palavras, aqueles pregos foram enfiados em minhas costas e, com brutalidade, foram puxados, fazendo minar um rio de sangue e minha carne ser arrancada nas pontas dos pregos. Um alto e agoniante grito foi ouvido por toda Shendow, e gargalhadas mais altas abafaram minha voz.
Era como se meus ouvidos tivessem sido estourados. Não conseguia ouvir minha voz, apenas um zumbido. Porém, inexplicavelmente, ouvia todas as gargalhadas ao meu redor. Yunosuke gargalhava loucamente e se excitava com meus gemidos, enquanto os outros militares e carcereiros riam de como eu chorava feito criança.
"Eu... eu não aguento mais! Por que eu? Por que eu tenho que passar por isso?!"
Meu coração gritava frustrado e furioso. Uma hipertermia tomou meu corpo, elevando minha temperatura a 39 °C. Rangi os dentes com força e comecei a me debater. Com a força circulando em todos os meus sistemas e ligamentos, arrebentei as cordas que me prendiam, fazendo todos ao meu redor se calarem e começarem a se agitar.
Uma voz gritava dentro de mim para torturar todos os que riam da minha desgraça. Antes que realizasse esse feito, vi Hinna próxima à mesa de chicotes, me observando sem reação alguma sobre o que acontecia. Nem ao menos rindo ela estava.
Então fui caindo na real. As lágrimas voltaram a escorrer, e ouvi a voz do meu anjo da guarda sussurrar em meu ouvido: — Por algumas coisas vale a pena arriscar tudo!
A imagem de Yuichiro com aquele sorriso radiante e gentil veio à minha cabeça, e momentos felizes com meus companheiros vieram à tona.
— Ei, ei, Sora! — Chamou Kira, cheia de entusiasmo.
— Olha aqui, olha aqui! — Falou Akira afoito, apontando para algo à sua frente.
— O que foi? — Perguntei, aproximando-me deles. Vi uma borboleta azul-claro pousada sobre uma flor branca. Com um sorriso, falei: — Nossa! É uma borboleta de duas caldas, que sorte vocês têm! Essa borboleta é bem rara!
— Duas caldas? — Perguntou Kira, confusa.
— Mas borboletas não têm caudas, Sora. — Disse Akira, igualmente perplexo.
— Eu sei, elas são chamadas assim porque as pontas das asas delas parecem duas caudas. — Expliquei, tentando esconder meu riso.
— Ahh! — Fizeram eles, entendendo finalmente.
— Vamos tentar pegar ela para mostrar para os outros! — Sugeriu Akira, com os olhos brilhando de excitação.
— Vamos! Vamos! — Disse Kira, pulando de alegria.
A imagem dos dois irmãos felizes naquele dia, ao conseguirem pegar a borboleta de duas caldas, ficou gravada em minha memória.
— Nossa, Sora, você é tão incrível! Fiquei curado rapidinho. Nem parece que tive ferimentos na última batalha. Estou pronto para outra! Muito obrigado, Sora. Nós não seríamos nada sem você! — Disse Hideki, cheio de felicidade, ao perceber que estava curado.
Seu sorriso e sua felicidade, a imagem de seu gênio forte, porém gentil, pairava em minha memória.
— Estou com medo, Sora! — Disse Yoshi, ao ver a agulha de anestesia em minha mão.
— Calma, Yoshi, se eu não te anestesiar, não vai ter como tirar o cartucho. — Expliquei, tentando ser o mais gentil possível.
— Mas eu tenho medo de agulhas! — Gritou Yoshi, entre lágrimas.
— Ah! Para de drama, Yoshi, vai ser só uma picadinha, você não vai nem sentir. — Disse Yuso, tentando acalmá-lo.
— Não é drama, Yuso! — Ele esbravejou, enquanto chorava.
— Ha, ha, ha! Está bem, eu vou parar de te incomodar. — Disse Yuso, rindo.
As brigas sem sentido e os flertes que rolavam entre os dois pombinhos me fizeram sentir saudades. Eram momentos preciosos, que aqueciam meu coração em meio ao caos.
— Ei Sora, será que você pode pedir ao Kazuma para gente parar em alguma casa de entretenimento? — Perguntou Shin, colocando seu braço em volta do meu pescoço.
— Eu ouvi dizer que a Oiran dessa cidade é a mais linda de todo o país! Eu estou louco para me divertir com ela! — Falou Takashi, entusiasmado.
— Mas eu ouvi dizer que o Kazuma estava se preparando para um próximo ataque aos militares. — Respondi, hesitante.
— Ah! O Kazuma tá precisando se divertir. Ele leva o trabalho a sério demais. Queremos encher a cara acompanhados por beldades! Sacou? — Disse Shin.
— Por favor, Sora, amigão! — Implorou Takashi, quase suplicando.
Suspirei profundamente e, por fim, disse: — Está bem, eu vou tentar falar com ele.
— Aêeeh! — Comemoraram felizes, pulando de alegria.
Nesse dia, lembro do Kazuma não ter deixado, e os dois foram escondidos até a casa de entretenimento. Eles voltaram de manhã com uma ressaca das bravas, vomitando e morrendo de dor de cabeça, enquanto Kazuma gritava furioso, dizendo que não iríamos atacar os militares por culpa deles que, ao invés de irem sozinhos, levaram a maioria dos adultos, e estavam todos no mesmo estado.
Naquele momento, lembrei de todos os meus companheiros: Yuichiro, Akira, Kira, Hideki, Yoshi, Yuso, Shin, Kazuma. Me desculpem por ser tão fraco e não poder fazer muita coisa por vocês. No momento, eu só posso suportar essa dor. Por vocês... eu juro que vou suportar tudo por vocês! — Sussurrei para mim mesmo, enquanto as lágrimas escorriam pelo meu rosto.
Agarrei-me ao tronco com força e bradei: — Yunosuke, pode me torturar até que minha carne seja moída, até que meu sangue escorra e não reste nenhuma gota em meu corpo; pode me bater até meus ossos se partirem, mas saiba que nunca trairei meus amigos!
— Ha, ha, ha! Que esplêndido! Eu nunca vi tanta determinação! — Yunosuke pôs as mãos em seu rosto e gemeu, seus olhos brilhando com uma loucura incontrolável. — Eu não consigo suportar, eu não aguento! Tenho que extravasar esses sentimentos! — Ele olhou para mim com um olhar malicioso e lambeu os lábios, uma sensação ruim tomou conta do meu corpo e calafrios percorreram minha espinha. Meus olhos se arregalaram e uma ordem foi dada, me fazendo surtar ainda mais: — Levem-no aos meus aposentos, eu quero brincar com ele.
— Sim, senhor!
— Mais tarde continuamos com a tortura, estão dispensados! — Foi sua última fala antes de se dirigir aos seus aposentos.
Dois militares me agarraram e tentaram me levar, mas me debati loucamente, o desespero tomando conta de mim. Não queria nem pensar no tipo de brincadeira que aquele lunático do Yunosuke gostava.
— Pare de se debater! — Falaram irritados.
Mas eu não parei e acabaram me deixando cair. Outros dois trouxeram algemas e as colocaram em mim, me acorrentaram e começaram a me arrastar no chão quente, cheio de pedras. Meu abdômen ficou em carne viva, ensanguentado e ardendo, cada pedra uma nova tortura, até que finalmente chegamos à pequena parte do inferno, os aposentos de Yunosuke.
— Aqui está o prisioneiro, senhor Yunosuke! — Disseram os homens, suas vozes tremendo de medo.
— Porque demoraram tanto, seus incompetentes! — Esbravejou Yunosuke, sua fúria quase palpável.
— Nos desculpe, é que aconteceram alguns problemas e...
— Eu não quero saber! Sumam daqui agora! — Gritou, fazendo os homens fugirem amedrontados e baterem a porta de imediato.
Yunosuke caminhou até a porta e a trancou, um sorriso maníaco estampado em seu rosto. Veio até mim e se abaixou, chegou perto de meu ouvido e sussurrou: — Vou fazer você se arrepender de não ter me contado sobre o paradeiro dos seus amiguinhos.
E novamente gargalhou, amedrontado, meu corpo não reagiu, estava paralisado pelo medo e agora o pior estava por vir e eu sentia isso, mas ainda não tinha vontade nenhuma de entregar os meus amigos.
Mesmo amedrontado, mesmo covarde, vou continuar suportando tudo, tudo por eles!
(...)
Após Yunosuke se satisfazer, ele mandou me jogarem novamente em minha cela. Com dor em meu corpo e agora uma memória tenebrosa que nunca sairá da minha cabeça, me deitei no chão frio e novamente orei pedindo a morte.
A porta da cela foi aberta e Hinna entrou trazendo consigo uma maleta de primeiros socorros.
— Vim tratar seus ferimentos. — Ela disse ao se abaixar em minha frente, sua voz suave contrastando com o ambiente sombrio.
Com dificuldade, levantei e me encostei na parede, então perguntei: — Onde estão os médicos?
— Yunosuke ficou irritado porque eles estavam alimentando os prisioneiros e matou os dois. Agora temos que esperar a capital mandar outros médicos que sigam as ordens e não tenham pena dos prisioneiros. — Ela explicou ao abrir a mala e começar a pegar os instrumentos que precisaria.
De repente, ela parou por um momento e perguntou: — O que ele fez com você?
Sem emoção, com um olhar frio, perguntei: — Quer mesmo saber?
— Não, eu já tenho uma ideia. Yunosuke sempre me pareceu um lunático mesmo. — Ela respondeu ao soltar um suspiro pesado.
— Eu pensei que você gostasse dele.
— Para alguém que não tem ligação nenhuma com ninjas e militares, é melhor fingir ser uma puxa saco, isso prolonga nossos dias de vida nessa prisão. — Ela respondeu e logo começou a cuidar de meus ferimentos, começando por limpar minhas feridas. — Por que você não entrega eles de uma vez?
— Hã? — Perguntei sem entender.
— Você sabe onde o exército rebelde está, não é? — Perguntou, com seus olhos fixos nos meus, buscando uma resposta.
— Não sei, mas tenho uma ideia de qual passo eles tomarão quando se recuperarem. — Respondi com meus olhos vacilando para não encará-la.
— E por que não conta? Eu sei que provavelmente você não sobreviverá depois disso, mas eu acho que a morte é bem melhor que todo esse sofrimento que você está passando. — Ela insistiu, com sua voz carregada de uma mistura de preocupação e frustração.
— Porque eles são meus amigos, os únicos que tenho. — Respondi com minha voz firme apesar da dor.
— Essa resposta não faz sentido! Pessoas vivem traindo umas as outras, esses seus amigos em que tanto confia podem trair você no futuro ou trair outros, você está sofrendo por eles atoa! — Ela exclamou com sua voz ecoando na cela.
— Não é porque me traíram ou porque traíram alguém que eu tenho que trair também. — Minha resposta deixou-a surpresa e então continuei: — Eu vou continuar suportando até que Yunosuke se canse e me mate.
— Você é ainda mais maluco que o próprio Yunosuke. — Falou incrédula. — Não faz sentido passar por tudo isso só por amigos.
— E desde de quando você se importa com meu sofrimento?
— Não estou dizendo isso porque me importo com você! — Ela esbravejou.
Tentei rir de seu jeito bipolar, mas uma dor em baixo de minha costela me afligiu, me fazendo soltar um gemido agoniante.
— Desculpa, eu estou todo arrebentado, acho que não vou me mexer mais por umas duas semanas. — Murmurei.
— Infelizmente eu não tenho como te ajudar a melhorar essa dor, mas eu posso te mostrar algo que vai te deixar feliz, quer ver? — Ela perguntou sorridente.
— O que é? — Perguntei curioso.
Logo ela fez alguns selos de mão e bateu a palma da mão no chão. Um círculo mágico se abriu e dele saiu uma pequena e fina cobra branca.
— Que demais! É uma criatura de invocação! — Falei, surpreso, com os olhos brilhando.
— Sim, essa é a Su, minha melhor amiga desde a minha infância. — Ela contou enquanto a cobra se enrolava em seu braço, como se fosse parte dela.
— Mas você disse que somente ninjas podiam invocar as criaturas mágicas.
— Eu só disse aquilo porque Yunosuke estava por perto, mas a verdade é que qualquer pessoa pode invocar uma criatura mágica desde que ela goste de você. E como eu conheço a Su desde pequena, foi bem fácil para mim aprender o Jutsu de invocação. — Ela explicou, acariciando a cabeça de Su.
— Que legal, eu também quero aprender, deve ser muito legal ter uma criatura que te ajude a fazer várias coisas. — Comentei sonhador.
— Se você quer aprender, primeiro tem que saber que há duas maneiras de ter uma criatura mágica. Uma delas é o Jutsu de invocação, que leva muito tempo e muita concentração. A segunda é fazer amizade com uma criatura e fazer ela te seguir, assim você terá uma criatura ao seu lado, só que esse método não é muito indicado. — Ela disse com sua voz carregada de seriedade.
— Por quê? — Perguntei com a curiosidade fervendo dentro de mim.
— Porque criaturas mágicas são vendidas por um preço absurdo no mercado, e os mais caros são os youkais. Eles são criaturas que conseguem se transformar em humanos, e estão no topo das mais raras. Se você andar por aí com uma criatura mágica, pode acabar sendo alvo de bandidos que têm contato com mercadores. — Explicou.
— Eu pensei que youkais não existissem.
— Há relatos de muitas pessoas que viram youkais por montanhas ou cavernas. Não sei se são verdadeiros, mas ainda há quem acredite que são reais. — Ela disse, seus olhos ficaram perdidos em lembranças por um instante. — Eu tenho uma tia que disse já ter visto um youkai, mas ela foi diagnosticada como louca.
— Algum dia eu espero conhecer um. Eu soube que há youkais capazes de curar ferimentos fatais. — Falei, ao lembrar de Takashi em seu leito de morte. Talvez se eu conhecesse algum youkai, ele poderia curar o meu amigo naquele momento.
— É, mas não é nada fácil conseguir um contrato com um deles. — Ela respondeu. — Enfim, vire de costas, eu preciso fazer os curativos. — Pediu, e eu obedeci.
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