Capítulo 11: Os Rebeldes de Kibe e o Sonho de Yuichiro
~ Sora ~
Após a tensão, realizamos um enterro digno para Yunosuke a pedido de Shinji, o que me surpreendeu bastante. Fiquei ainda mais espantado com o fato de o garoto raposa ter ajudado sem reclamar ou questionar.
Depois de terminar o trabalho árduo, deitei-me exausto no chão, enquanto Shinji prestava seus respeitos com uma prece no túmulo do inimigo e o garoto raposa colhia algumas flores silvestres para colocar sobre a lápide.
— Ahh! Por que estamos fazendo isso, hein?! — protestei, já não suportando mais aquele gesto de bondade para com alguém que nós mesmos havíamos derrotado.
— Talvez porque sejamos educados? — sugeriu Shinji, como se fosse óbvio.
O raposa, por outro lado, permaneceu em silêncio, apenas trouxe as flores e as depositou diante do túmulo.
— Urgh! Que horror, você está parecendo até o Sora com toda essa gentileza! — exclamei, repugnado ao me sentar.
— Ah, é verdade, você prometeu que nos explicaria, então fale, como você não é o Sora? Você é o irmão gêmeo dele, por acaso? — indagou Shinji, movido pela curiosidade.
— Não, não somos gêmeos, é mais como se fôssemos a mesma pessoa. O Sora desenvolveu um transtorno de múltiplas personalidades devido a alguns eventos traumáticos em sua vida. — esclareci brevemente.
O garoto raposa sentou-se ao meu lado e Shinji fez o mesmo.
— E o que é isso? — perguntou o raposa.
— Não é um termo muito comum, então é compreensível que não saibam o que significa, mas como o Sora vem de uma família de médicos, ele conseguiu lidar com isso tranquilamente...
— Você não respondeu à minha pergunta. — interrompeu ele.
— Calma, filhote de raposa! Você por acaso nasceu prematuro? — respondi, um tanto impaciente. Ele se calou, então prossegui: — Transtorno de múltiplas personalidades é quando mais de uma personalidade coexiste no mesmo corpo, o que significa que agora somos dois: o Sora, covarde e chorão, e eu, lindo, perfeito e charmoso, além de corajoso e popular entre as garotas! — disse, com um sorriso de canto de boca.
— Resumindo, de um lado temos um Sora gentil e do outro, um Sora narcisista — disse Shinji.
— Exatamente! — respondi, cegando-o com meu sorriso radiante.
— Ah, então será que podemos trocar pelo outro Sora? Porque estou detestando este aqui! — ele falou, cruzando os braços.
— Invejoso! — resmunguei, desfazendo meu sorriso.
— Então, como se adquire esse tal transtorno? Fiquei interessado, será que eu também posso desenvolvê-lo? Parece muito divertido! — falou o garoto raposa, pensando em algo maluco enquanto ria.
— Não, isso não é algo que se possa desenvolver assim! — falei, dissipando a alegria do garoto, que fez uma cara triste ao ouvir isso. — Mas, se quiserem, posso contar a história de como nasci.
— É uma boa ideia, mas que tal fazermos um lanche antes? — sugeriu o raposa, cujo estômago começou a roncar alto.
— Ok, vou até a cidade comprar algo para comermos. — falei, pondo-me de pé.
(...)
Depois de sair para fazer as compras, voltei alguns minutos depois para onde os garotos estavam, trazendo uma sacola de papelão cheia de potes de macarrão instantâneo de diversos sabores.
— Aqui está! — disse, colocando a sacola no chão.
— Que maravilha, vou comer até não poder mais! — exclamou o raposa, animado.
— Deixa que eu faço o fogo para esquentarmos a água! — ofereceu-se Shinji, e logo foi fazer o que prometeu.
Acomodei-me no chão, contemplei o céu límpido e soltei um suspiro profundo antes de começar: — Sora vivia numa pequena cidade chamada Kibe. Embora tivesse bons médicos, não era muito relevante para a capital Yoshioka. Antes da guerra, Kibe era um lugar tranquilo e pacífico, e continuou assim após a guerra, pois não havia samurais. Todos achavam que permaneceria assim eternamente e ignoravam as centenas de mortes pelo país devido ao conflito. Contudo, um cidadão decidiu acolher uma família de samurais, e isso chegou aos ouvidos do imperador, que enviou uma legião de militares e um ninja para investigar. Após averiguações, confirmaram os rumores, mas a cidade negou envolvimento com os samurais. O homem responsável foi interrogado incessantemente; por compaixão ao samurai e suas filhas, ele não os traiu, negou até o fim e morreu por sua nobreza. Para encontrar o samurai e sua família, ordenaram a exterminação e destruição de Kibe, desencadeando um pesadelo para os moradores egocêntricos da cidade.
Um sono súbito me venceu, e lentamente fechei os olhos, adormecendo, enquanto minha outra personalidade despertava.
— Não tem lógica alguém que não estava presente contar essa história, então é melhor deixar aquele tolo dormindo. — Comentei ao acordar.
— Espera, vocês trocaram de personalidade? — Indagou Shinji, colocando uma vasilha com água para ferver.
— Ah, sim, a troca ocorre sempre que o dominante adormece. — Esclareci.
— Entendi! — Exclamaram em uníssono, demonstrando compreensão.
— Olha, apesar de não estar à vontade para contar essa história, farei um esforço.
— Não se obrigue a contar se não quiser, só queríamos compreender melhor essa questão das múltiplas personalidades. — Shinji falou, preocupado.
Balancei a cabeça negativamente e inspirei profundamente; então, decidido, disse: — Passei muito tempo tentando esquecer tudo que aconteceu e isso me prejudicou. Ao menos uma vez, eu gostaria de desabafar e compartilhar este pesado fardo com alguém. Estão dispostos a ouvir minha história?
Eles concordaram.
Sequei uma lágrima solitária que desceu pelo meu rosto, talvez fosse uma lágrima de alegria, por finalmente ter alguém com quem compartilhar aquele terrível pesadelo.
Refletindo por onde começar, e relembrando aqueles dias, iniciei: — Eu e meu pai morávamos em Kibe, a cidade onde nasci e cresci. Meu pai era um médico renomado e sempre me encorajava a salvar vidas. Eu aspirava ser como ele, tornar-me um médico tão competente quanto, repleto de habilidades e conquistas. Uma criança feliz e sonhadora, devorava livros e me dedicava aos estudos para alcançar esse objetivo. Meu sonho era atuar como médico na capital e, se possível, atender até mesmo o imperador.
Contudo, uma terrível tragédia se abateu sobre nós. Pela bondade de um homem, Kibe foi consumida pelas chamas e arrasada. Meu pai estava numa casa de cura e recusou-se a abandonar os pacientes enfermos, esforçando-se para salvar todos, sem pensar em si. Os cidadãos, em pânico, só pensavam em salvar-se, e ninguém ajudou meu generoso pai. Preocupado comigo, ele me instou a fugir sem ele, prometendo que ficaria bem.
Os militares executaram aqueles que fugiam, acusando-os de traição por auxiliarem um samurai e por enganarem o imperador. O massacre durou a noite inteira. Consegui escapar com um grupo de jovens; na confusão, nos separamos dos mais velhos e fugimos para longe. Dias depois, retornamos a Kibe e o que encontramos foram ruínas do que um dia fora uma cidade, restavam apenas cinzas e nenhum vestígio de nossos familiares.
— Eles devem pagar! Esses malditos militares vão pagar por tudo o que fizeram! — exclamou Kazuma, o mais velho dos jovens. — Quem está comigo?!
— Eeeehh! — Os jovens lançaram um grito de guerra em apoio a Kazuma.
— Proclamo-me líder e hoje é o nascimento do exército rebelde! Reuniremos todos os inimigos do imperador e daremos início a uma nova guerra! — declarou Kazuma com fervor.
— Eeeehh! Vamos matá-los! Vamos acabar com essa tirania! — gritavam eles, eufóricos.
Recuei para o meio daqueles jovens imprudentes, cujos sonhos eram tão grandiosos que, se percebessem a enormidade de suas palavras, certamente já teriam buscado um adulto para lhes trazer sensatez.
Partiram em busca de armas e provisões, a missão de Kazuma estava clara: recrutar mais pessoas audaciosas como eles para desafiar o imperador que aniquilou os poderosos samurais.
À medida que adentravam cidades e vilarejos, os jovens, autoproclamados rebeldes, combatiam os militares e se orgulhavam ao derrotar seus adversários. Até então, tivemos a sorte de nunca encontrar um ninja, e para mim, esse era o cenário ideal. Assim, pela primeira vez, encontrei coragem para dialogar com aqueles excêntricos.
— Pessoal, não acham que estamos exagerando? — indaguei.
— O que você quer dizer, Sora? — Kazuma questionou, virando uma garrafa de vinho sem álcool na boca.
— Olha, já enfrentamos muitos militares, acho que nossa vingança já foi realizada. Não seria hora de parar? Ainda não encontramos nenhum ninja e, graças a Deus, não tivemos baixas. Talvez devêssemos reconsiderar e buscar uma vida melhor, sem essa obsessão por vingança.
Houve um breve silêncio até que Kazuma cuspiu o vinho e começou a rir, e todos me ridicularizaram.
— Que besteira é essa, Sora? — Kazuma disse entre risadas.
— Deve ter tomado algum remédio vencido! — Takashi, o segundo em comando, acrescentou.
— Mas eu...
— Ha, ha, ha! Você é hilário, Sora! — Shin interrompeu.
Percebi que era inútil discutir e deixei o assunto de lado.
Dias depois, estava na floresta colhendo ervas medicinais para tratar as feridas e doenças do grupo. Era o máximo que eu conseguia fazer, pois tinha muito medo de empunhar uma espada e enfrentar um militar. Em todas as batalhas, eu me escondia onde ninguém pudesse me achar e só aparecia após o término para cuidar dos feridos.
— Ei, Sora! Precisa de ajuda? — Yuichiro me surpreendeu ao aparecer do meu lado enquanto eu divagava, me assustando.
— Ah! Desculpe, não queria te assustar.
— Tudo bem, pode me ajudar a colher esta erva, certo? — respondi com um sorriso, mostrando-lhe a planta.
— Nossa, isso é para remédio? Lembro que minha avó tinha muitas dessas plantas no quintal dela em Kibe. — Ele disse surpreso.
— Sim, é para inchaço e também é um excelente coagulante. É fácil de cultivar e cresce rapidamente, por isso é comum em regiões com muita vegetação. — Expliquei.
— Nossa! Você é muito inteligente, Sora! — Ele exclamou, impressionado.
Ao receber o elogio, baixei a cabeça; afinal, tudo o que sou é inteligente e nada mais. Não sou forte, corajoso ou louco como esses jovens imprudentes.
— Você está preocupado com eles, não está? — Yuichiro perguntou, surpreendendo-me.
Concordei, ainda de cabeça baixa.
— É, o número de pessoas se juntando aos rebeldes está aumentando, e logo isso pode ficar fora de controle. — Ele observou.
— Não entendo como você ainda luta ao lado desses loucos. Você é diferente, sei que não gosta de brigas, Yuichiro! Então, por que continua?
Ele fez uma pausa e observou os pássaros cantando nas árvores enquanto uma brisa fresca balançava nossos cabelos. Com um olhar sonhador e brilhante, ele disse: — Meu sonho é viver em um mundo pacífico, e não vejo outra forma de alcançá-lo a não ser enfrentando o imperador. Enquanto a dinastia Nobuyuki existir, nunca seremos verdadeiramente felizes.
— Será mesmo? Vale a pena nos sacrificar por um sonho de um futuro pacífico? — Questionei.
Com um sorriso largo no rosto, ele me olhou e respondeu: — Há coisas pelas quais vale a pena arriscar tudo!
Não compreendi completamente suas palavras, mas como ele é meu melhor amigo desde a infância e o único que me entende, decidi ficar em silêncio e não discutir mais o assunto.
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