26- Saya
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Fazia exatamente uma semana desde que Emma tinha me beijado pela última vez. Às vezes, no meio do dia, a biblioteca se construía ao meu redor e eu me via novamente ao seu lado. O cheiro forte de seu perfume me envolvendo, seus olhos castanhos passeando pelo meu rosto, seus lábios levemente molhados. Até que alguma coisa me chamava para a realidade e todo aquele cenário se desmanchava. Eu voltava a me ver sozinha com a dor.
Não sabia que ficar longe dela seria tão torturante. Era como se fosse enlouquecer a qualquer momento. Sentia vontade de sair correndo e beijar seus pés implorando por perdão. Estava desesperada. Mas Emma não parecia estar se sentindo como eu. Para falar a verdade, ela parecia bem demais.
Da janela do refeitório, eu observava o mundo lá fora sob o sol quente. Alguns alunos estavam tomando banho de sol sentados no gramado enquanto outros apenas andavam de um lado para o outro. Eu já havia terminado de comer e Pam conversava com os outros da mesa. Não sei sobre o que ela falava, mas deveria ser chato, pois minha atenção foi desviada facilmente por um pássaro barulhento do lado de fora.
Meus olhos passeavam pela paisagem. Queria sair um pouco do refeitório onde o cheiro de comida me sufocava, mas Pam não acharia adequado. Provavelmente diria que o sol iria nos deixar suadas e nojentas. Mas ela não achava isso dos garotos que jogavam na quadra durante o intervalo. Pam achava atraente o jeito que o suor deles deixava a camiseta transparente.
Vários meninos do Ensino Médio jogavam futebol na quadra, enquanto outros invadiam às vezes para arremessar a bola de basquete na cesta. No meio deles, avisto uma silhueta familiar. Cabelos negros, camiseta larga, sorriso alegre e estrelas. Meu coração para. Em um canto da quadra, Emma ria enquanto um garoto passava a bola de basquete de um lado para o outro. O menino era mais alto do que ela e parecia ser magro demais para ser um jogador de basquete. Sua aura era alegre e suas bochechas coravam quando sorria. Os cabelos negros destacavam os olhos verdes. O garoto era bonito demais para que Pam nunca o tivesse notado.
-Para quem você está olhando?- Pergunta Pam desviando a atenção de sua salada de frutas para tentar encontrar quem eu observava pela janela.
Um nó se forma em minha garganta. Eu poderia dizer que estava apenas observando os alunos ou dizer como o dia estava bonito, mas Pam não acreditaria em mim.
-Está vendo aquele menino com uma bola de basquete na mão na quadra? Você o conhece?
Pam analisa por alguns segundos, os lábios comprimidos e os olhos semicerrados. Agora o garoto corre em direção à cesta e dá um grande salto, arremessando a bola. Emma e os outros garotos vibram em comemoração.
-O Samuel?
-Eu nunca o vi por aqui- Comento voltando a mexer o garfo na minha salada tentando não parecer desesperada para saber alguma coisa sobre ele. Não que eu esteja interessada em sua pessoa, mas queria saber o que ele estava fazendo com a garota que deveria ser minha. Bom, a antiga Saya não se importaria com Emma. O foco deveria ser o garoto. Lembre-se.
-Ah, ele é amigo do Jonas. Vive na biblioteca, então não é muito conhecido. Por que quer saber?- Um sorrisinho malicioso surge em seus lábios. Eu sei exatamente o que ela está pensando- Tá afim dele?
Eu deveria dizer que não, firme e forte como sempre. Mas alguma coisa dentro de mim, no cantinho da minha cabeça com muito ódio sussurra para eu dar o troco em Emma por ter me superado tão rápido. Eu sei que a maior parte da culpa é minha por ter me afastado de uma hora pra outra, mas pensei que ela pelo menos viria atrás de mim mais vezes. Também tem um fato do mundo estar cochichando sobre eu ser lésbica. Sendo verdade ou não, isso me deixa desconfortável e não é a imagem que a antiga Saya passava. Não é a imagem que minha mãe gostaria que eu passasse. Eu precisava nadar de volta para ela.
-Talvez. Ele é bonitinho, não é mesmo?- Digo um pouco insegura, enfiando uma folha de alface na boca logo em seguida para me manter ocupada. Já havia perdido a fome há um tempo.
De repente os olhos de Pam se iluminam como nos tempos antigos, quando éramos crianças e recebíamos a noticia de que iriamos passar o dia na piscina. Fazia muito tempo que ela não me olhava cheia de orgulho.
-Eu acho que você deveria tentar. Sério, vocês dois seriam fofos juntos.
-Acho que sim.
Um sorriso enorme surge nos lábios de Pam. Acho que finalmente eu estava fazendo o que ela esperou a vida toda, ver eu me interessar por garotos. Só acho que aquele garoto não se interessaria por mim, principalmente depois de ouvir os boatos sobre eu ser lésbica. Ou, talvez, ele esteja gostando de Emma. Não é muito difícil se apaixonar por ela.
- Eu consigo arrumar um encontro para você. Vou perguntar algumas coisas para Jonas, e bingo! Logo ele vai ser todinho seu.
-E se ele já gostar de outra pessoa?- Digo voltando a olhar novamente para a quadra. Agora Emma que quicava a bola no chão ao passá-la de uma mão para outra. Tenho a impressão de ver gotas de suor se formar em sua nuca e escorrerem pelas costas, entrando no uniforme.
Pam continua olhando para a quadra e finalmente parece reconhecer Emma ao lado de Samuel. Ela volta a se sentar corretamente revirando os olhos e soltando uma gargalhada.
-Olha para ela Saya. Nem parece uma menina no meio daqueles garotos. Aposto que nem os pais delas devem gostar dela.
Alguma coisa se move dentro de mim. Tento empurrá-la de volta ao seu lugar, mas a raiva é mais forte. Pam havia tocado no tipo de conversa que eu mais odiava. O tipo que em que coisas que ela não sabe são apresentadas para o mundo e espalhados como um vírus. Os pais da Emma, por mais que trabalhem o tempo todo, a amam mais do que tudo. Ela tem uma avó maravilhosa e um primo incrível também.
-Ei, Saya- Pam coloca sua mão sobre meu braço, suas unhas longas e pintadas de branco roçam minha pele. A raiva se dissipa levemente enquanto ela me distrai com sua conversa- Você é linda. É óbvio que Samuel vai ficar caidinho por você. No dia do encontro, te ajudo a fazer uma maquiagem para deixá-la maravilhosa. Nem acredito que minha melhor amiga vai namorar!
-Eu ainda nem falei com ele. Tenha calma Pam- Digo rindo. Ela sempre imaginava toda a vida com alguém antes mesmo de dizer oi.
-Mas vai dar certo. Eu mal posso esperar!
Começo a me imaginar ao lado de Samuel. Ele era realmente era muito bonito e se conseguiu fazer Emma sorrir, era porque devia ser uma boa pessoa. Ela só era amiga das melhoras pessoas. Também não seria difícil apresentá-lo a minha mãe. Ela até ficaria feliz de ter um genro em casa. Um homem. Uma filha verdadeiramente hétero. Se eu forçasse bastante minha imaginação, conseguia ver ele em minha frente, colocando uma mecha azul atrás da orelha e pousando a mão em minha cintura. Mas logo a imagem era substituída pelo proibido. Pelo errado.
Sorrio. Pela primeira vez sinto uma conexão com Pam. Estava morrendo de vontade de mostrar a Emma que eu também havia a superado. Também estava sentindo um friozinho na barriga, uma pequena ansiedade por ter dado um bom passo em direção à Saya do passado.
*
Vôlei deveria ser um esporte proibido. Ou ele definitivamente não foi feito para mim. Quem é que achou que seria uma boa ideia colocar seis jogadores para jogar contra outros seis enquanto a bola não pode cair no chão? A quadra é enorme e as tacadas são fortes. Tenho certeza de que se uma bola acertasse minha cabeça, ela seria decapitada na hora.
Agora, sentada na arquibancada com o tornozelo latejando, sinto falta de jogar xadrez. Eu poderia não ser uma das melhores, mas Emma estava me ajudando a melhorar. O ambiente era calmo e não suávamos feito cavalo enquanto jogávamos. E também não havia como nos machucarmos.
Deveria ter pensado melhor quando Pam me chamou para participar dos treinos de vôlei.
-Eu sou um desastre- Choramingo quando Pam chega trazendo uma bolsinha de gelo para que eu coloque no meu tornozelo. A bolsa suava e tenho certeza de que os gelos já estavam virando água por conta do calor. Queria ir embora para a minha casa. A sensação de não me encaixar em nada estava voltando.
- Pelo menos não está torcido, foi só um susto.
O gelo envia uma sensação de alívio quando toca minha pele. Meus músculos parecem relaxar e o calor diminuir. A dor também é anestesiada aos poucos. Meu corpo todo estava dolorido e cansado pelo esforço. Queria cobri-lo de gelo.
-Está tudo dando errado e é só o primeiro dia. Talvez eu deva parar.
-Não está dando tudo errado- Pam olha ao redor para ver se há alguém escutando e se volta para mim- Eu mandei mensagem para o Jonas.
-Mandou?- Ajeito a postura para ouvi-la melhor, chegando mais perto de sua boca- O que ele falou?
-Que você consegue se encontrar com ele na próxima sexta. Parece que nesse dia Samuel fica até tarde arrumando a biblioteca.
Quando falei de Samuel, não achei que realmente ia conseguir me encontrar com ele. Nunca fui boa com pessoas novas. Nunca fui boa em fazer os outros gostarem de mim. Meu coração começa a bater forte no peito quando imagino eu e ele sozinhos. Em completo silêncio. Espero que ele seja do tipo tagarela. Mas a ansiedade tinha outro lado. O lado bom. Eu tinha um encontro com um garoto. A antiga Saya sempre esperou por esse momento. Eu tinha dado um passo para frente. Talvez minha atração por Emma tenha sido temporária. Talvez eu tenha ficado atraída por ela parecer um homem. Por que eu gosto de homens, não é?
-Não está feliz? –Pergunta Pam apertando meu braço com seus dedos gelados. Ela tinha um sorriso enorme no rosto totalmente exposto. Nunca entendi como ela conseguia ficar bonita até descabelada.
-É claro que estou. Acho que até meu tornozelo está melhor. Vamos jogar?
-Com certeza.
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