24- Saya
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-Não deve ser verdade.
Um buraco se formava abaixo dos meus pés, no chão do meu quarto. Eu tinha passado a última hora andando de um lado para o outro pensando em como meus sentimentos são confusos. Minha ansiedade estava a mil. Uma hora eu estava torcendo para que Emma também gostasse de mim, e agora que sei a verdade, torço para tudo seja apenas um sonho. Seria ótimo se uma cratera se abrisse no chão agora porque eu estava a fim de ser engolida.
No início, quando Emma entrou na minha turma, senti uma simples curiosidade por sua aparência. A maioria naquela escola tinha uma forma padrão e ela se destacava ali com os cabelos curtos, a jaqueta bordada e os óculos redondos. Então achei natural me sentir curiosa por uma pessoa diferente. Mas a coisa mudou quando tive minha primeira conversa com ela na aula de xadrez. Naquele dia, Emma tinha sido gentil comigo e mostrado que não era uma esquisita como todos diziam. Tivemos uma conversa leve passando por diversos assuntos e ela me ensinou as primeiras regras do xadrez sem julgar minha falta de inteligência no assunto. Ela também não entortou o nariz quando disse que ainda estava à procura de algo que realmente goste. Na verdade, ela pareceu feliz em saber que estava tentando algo novo.
Depois disso veio o acampamento. Foi quando nosso laço de amizade ficou mais forte e quando eu comecei a sentir algo estranho dentro de mim. Soube que havia algo errado quando senti ciúmes de Joshua ao seu lado. Em como fiquei com medo daquele cara com músculos definidos e um sorriso bonito ser seu namorado. Também aconteceu algo dentro de mim quando soube que ela gostava da minha amizade. Todas as vezes que a gente tinha aquela conversa sobre o medo de uma achar a outra estranha não era normal. Eu nunca me senti assim diante de uma garota. Nunca me senti tão nervosa na frente de uma. Apenas a ansiedade comum de estar conhecendo uma possível amiga.
Mas tudo desabou quando Matias perguntou sobre o tamanho dos seios de Emma. Confesso que fiquei pensando nisso depois que ele tocou no assunto. Fiquei lembrando de suas roupas molhadas coladas no corpo depois que caímos no lago. Fiquei imaginando como seria a sensação de tocá-los ou de saber a cor de seus mamilos. E isso me assustou. Comecei a pensar que não era normal sentir essa curiosidade por uma amiga. Que eu nunca senti tamanha curiosidade por um garoto.
O beijo no dia do campeonato só serviu para reforçar minhas suspeitas. Ainda me lembro do seu cheiro me afogando enquanto meu coração batia forte no peito e seus lábios tocavam os meus. Eu estava descobrindo um lado meu que não fazia ideia que existia. Estava me sentindo tão diferente. No começo foi ótimo. Nunca tinha me sentido tão bem na minha vida, mas depois comecei a pensar no que minha família acharia da minha nova versão. A versão que gosta de garotos.
Essa não era eu, era?
A almofada derruba meu abajur de cima do criado mudo ao ser lançada por mim. Junto dele caem papéis, maquiagem e... Um gemido escapa dos meus lábios. As delicadas flores bordadas por Emma me carregam de volta para aquele dia. Lembro-me de como meu coração saltou do peito quando ela me presenteou.
Por um momento, deixo-me viajar pela curva das pequenas flores, pelas coisas boas. O vislumbre de seu sorriso aparece em minha mente, o mais encantador. Lembro-me de quando nos abraçamos no campeonato de xadrez. Ela foi a única que conseguiu me acalmar. Levo meus dedos até os lábios, os mesmos que ela havia tocado. Eu nunca havia me sentido tanto nas nuvens como naquele momento em que ela se aproximou e me beijou.
-Saya está tudo bem? Eu ouvi um barulho- Minha mãe aparece pela fresta da porta, me tirando do transe. Estava abaixada em frente à pequena mesinha encostando o pedaço de tecido na bochecha. Rapidamente ajeito a postura.
-Está. Eu só derrubei algumas coisas- Digo começando a juntar toda a tralha que estava esparramada pelo chão.
-Amanhã eu não vou poder te buscar no xadrez, então pergunte para a Pam se você pode pegar carona com ela.
-Pode deixar.
Ela fecha a porta do quarto, mas volta a abri-la segundos depois.
-E arrume a zona desse quarto. A Laila arrumou hoje cedo e já está uma bagunça.
-Tá bom mãe.
Enterro minha cabeça na almofada assim que a porta se fecha. Por que isso está acontecendo comigo?
A tela do celular acende. Uma mensagem de Emma aparece na tela. Ela queria saber se eu estava bem e pedia desculpas novamente pelo beijo. Pelo beijo que eu pedi para ganhar. Mais um gemido me escapa. Meu dedo paira acima da tecla de responder. Devo?
Não.
Não Saya. Você está confusa demais. Nem parece você mesma. O que vão pensar de você se souberem o que se passa dentro da sua cabeça?
Olho de novo para anotificação flutuando na tela. Entro no aplicativo de mensagem e consigo ver apequena foto de Emma tirada no espelho do banheiro. Meu dedo paira acima de suacaixa de mensagens, mas tomo outra decisão. Logo abaixo o ícone de Pam mostravanossa última conversa de semanas atrás. Clico e resolvo mandar uma mensagem aela me desculpando sobre tudo o que havia acontecido. Disse também que erámosamigas de muitos anos e que seria triste quebrar uma amizade assim. Talvez comessas palavras e um longo banho quente eu volte a ser a antiga Saya. A Saya queia a festas apenas para conversar. A Saya que gostava de ver famosos seapaixonando e aparecendo em revistas de fofocas. A Saya que não se apaixonada.A Saya que não gostava de garotas.
*
-Tudo bem- Ela tamborila os dedos na capa de seu caderno me deixando mais nervosa- Eu sabia que essa sua fase ia passar.
-Obrigada por entender.
Uma parte de mim sente alívio por Pam ter voltado a ser minha amiga, já que nos conhecíamos há muito tempo e isso também me faz lembrar como eu era antes. Com ela ao meu lado, dizendo o que é certo ou errado, eu voltaria ao normal rapidinho. Todo esse incômodo que eu estava sentindo logo desapareceria.
-Preciso me desculpar por ter te chamado de sapatona... A não ser que você seja.
-Não! Claro que não.
-Ótimo- Pam se ajeita na cadeira abrindo espaço o suficiente para que eu me sente na beirada- Deixa eu te mostrar o vestido que usei na festa de casamento dos meus tios.
-Foi esse fim de semana?
-Sim!
-Caramba! Eu lembro de quando brincávamos na casa deles- A lembrança de mim e de Pam passando as maquiagens de sua tia enquanto eles conversavam com o restante dos adultos na sala invade minha memória. Sentia falta dos tempos antigos. Quem sabe um dia eles possam voltar de outra forma.
Seus dedos deslizam pela galeria do celular até parar e abrir uma foto dela usando um vestido de brilho rosa com uma fenda na coxa. Seus cabelos estavam presos em uma trança com algumas flores decorando os fios. Dava para entender porque muitos meninos vinham atrás de Pam. Ela realmente era bonita.
-Uau. O vestido ficou perfeito e você estava linda.
-Obrigada. Com meu bom gosto é difícil ficar feia, não é mesmo?
Sorrio e assinto. Era bom estar de volta. Algumas coisas dentro de mim pareciam mais normais, mas não certas. Eu tinha certeza que ficaria bem até Emma passar pela porta. Ela ergue o olhar dos pés até a carteira onde costumo me sentar, e quando vê que não estou lá vasculha a sala em busca de mim. Meu coração desmonta quando seu olhar encontra o meu. Imediatamente seu rosto calmo é tomado por uma onda de emoções. Confusão, dor, traição, tristeza... Raiva. Eu gostaria de murmurar um pedido de desculpa para ela. Mas sua expressão é tomada por indiferença rapidamente quando Pam olha para ela e Emma volta a andar para seu lugar.
-A esquisita não para de te olhar- Diz Pam me tirando do meu transe- Ela ainda deve achar que pode ter a sua amizade. Você não deveria ter iludido a coitadinha.
Dar um meio sorriso acompanhado de uma risada abafada é a única coisa que consigo fazer. Acho que se eu disser alguma coisa vou me engasgar com minhas próprias palavras e lágrimas. Com sorte, tudo voltaria ao normal em breve.
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