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Por algum motivo, Saya não aparece na aula de xadrez hoje, então preciso jogar com a professora. Acho que consigo deduzir o motivo por conta de sua choradeira. Eu deveria saber que a opinião de seus amigos ia mexer tanto com ela. Pamela a tem na palma da mão e consegue manipular Saya para que não saia de lá. Para que se afaste de pessoas que ela não gosta e para que faça o que é que ela sinta vontade. Matias era outro babaca que não saia de seu pé. Ele era o responsável em encher a cabeça de Saya com bobagem. Eu o odiava por isso.

A tarde foi muito entediante sem a Saya para falar no meu ouvido ou sem ensinar algo para ela. Nunca esperei tão ansiosamente pelo fim da aula para que eu possa me arrastar até em casa. Para minha sorte Joshua ainda está na cidade e está na minha casa quando chego. Preciso esperar minha avó ir dormir para conversar com ele. Assim que ela faz isso, Joshua aparece no meu quarto e se senta ao meu lado na cama.

- O que aconteceu? Você está mais quieta que o normal hoje- Ele pergunta passando os dedos pelos meus cabelos escuros.

Suspiro e me sento na cama, abraçando uma almofada como porto seguro.

-Foi a Saya que te deixou assim?

-Não. Foram os babacas dos amigos dela.

-O que eles disseram para você?- A expressão de Joshua se torna preocupada com uma ruga aparecendo no meio de suas sobrancelhas. Mesmo assim, sua aura alegre continuava ali. Isso que o fazia ser tão especial.

-Eles disseram que eu e a Saya fomos para o acampamento se beijar. Eles dizem isso principalmente por causa de mim. Se eu não tivesse aparecido na vida dela, não estaria acontecendo isso- Os cantos dos meus olhos começam a queimar, mas pisco várias vezes para conter as lágrimas. Não queria que elas surgissem. Não queria chorar feito uma criança na frente do meu primo. Ainda mais por algo tão bobo.

-Emma não é sua culpa- Joshua pousa a mão no meu ombro e depois desce para minhas costas na tentativa de me consolar. Ele abre a boca para dizer algo, mas eu o interrompo.

-Está bem, aquela Pam também tem uma parcela de culpa. Essa garota espalhou para o colégio inteiro junto com o amiguinho dela, o Matias, que eu sou sapatona. Ele nem me conhece. Não faz sentido algum.

-Emma...

-E isso nem é o pior Joshua. A pior parte nem é os comentários deles, porque você sabe o que eu penso sobre isso. Por mais que machuque, a opinião de alguns babacas não muda nada. Mas, a pior parte- Eu empurro os óculos pela ponte do nariz e enxugo o canto do olho onde uma lágrima ameaça cair- É...

Um nó enorme se forma na minha garganta e meu estômago revira, ameaçando colocar os bolinhos da vovó no cobertor da minha cama. Eu não queria sentir isso. Se tivesse uma forma de arrancar esses sentimentos do meu corpo, eu arrancaria sem pensar duas vezes. Por que é angustiante.

-Eu... Eu acho que eu gosto dela Joshua- Digo e minha barriga dói. Meu corpo treme como se estivesse frio- Algo a mais que amizade.

Uma lágrima escapa e a limpo antes que Joshua veja. Ele deve estar achando tudo isso patético. Olho para seu rosto. Seus olhos estão voltados para o chão e sua expressão não está clara, parece um tanto confuso. Joshua pisca algumas vezes e volta a me encarar, tirando uma mecha escura da minha testa.

-Emma, gostar de garotas não é uma coisa ruim- Ele se aconchega um pouco mais na cama- Deixa eu te contar uma coisa que talvez eu nunca tenha contado. Quando eu era menor, lá pelos meus dez anos, eu me apaixonei pelo líder do meu time de futebol. Como éramos crianças inocentes, não tínhamos medo de andar de mãos dadas por ai. Um dia, eu dei um selinho nele, nada demais, mas para mim foi a coisa mais incrível do mundo. Não demorou muito para os amigos do garoto descobrissem e começassem a fazer bullying com ele. E então nos afastamos e minha mãe brigou feio comigo. Com o tempo, descobri que eu não tinha feito nada de errado. Eu estava apenas amando e sendo amado.

Joshua faz uma pausa para respirar e se perde por alguns segundos encarando o céu pela janela lembrando-se de algo.

-Anos mais tarde eu me apaixonei por uma garota. Confesso que fiquei confuso no começo, porque até então eu curtia beijar garotos. Na internet eu descobri que existe uma coisa chamada bissexualidade. Provavelmente você já deve ter ouvido por ai. E eu me identifiquei. Aos poucos fui me descobrindo e hoje estou aqui- Ele se vira para mim e coloca uma mão em meu ombro- Emma quero que entenda que você não está fazendo nada de errado. Amar não é errado. Não liga para o que aqueles babacas dizem, tá bem? E vai com calma. Tenta descobrir se a Saya sente o mesmo por você. Vão sem pressa.

Fico em silêncio. Porque a mistura de sentimentos era tanto que bagunçava meus pensamentos. A companhia da Saya realmente me alegrava. Não só me alegrava, mas eu ansiava por esse momento todos os dias. O seu sorriso era belo, suas conversas eram engraçadas, o lindo cabelo azul era brilhante e me deixava quase sem ar apenas de lembrar. Eu acho que eu gosto mesmo de Saya.

-Acho que agora eu só quero dormir.

Joshua sorri de forma doce e me abraça em silêncio. Eu não fazia ideia de que ele era bissexual, mas talvez isso explicasse o brilho que ele tinha. Joshua era feliz porque se aceitava. Não sei se seus pais sabem disso, mas parecem aceitá-lo também. Se eu gosto de Saya, quer dizer que sou... lésbica? Parece ser um rótulo tão pesado que eu jamais imaginei ter. Jamais imaginei me sentir ansiosa por algo que eu sou. Algo que ninguém deveria julgar. Algo que me deixa com o pensamento a mil.

Finalmente me encosto nele, fechando os olhos, e acho que adormeço em seus braços, com seu carinho, porque não me lembro de ter me deitado ou de ter o visto saindo pela porta. Naquela noite, sonho com o calor de Saya.

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