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20 - Surpresas

"É o meio da sua historia, que lhe indicará o caminho a seguir. Tudo tem um começo, um meio e um fim".

—Fragmentos dos Registros Druidas, 533 d. 

Em alguns momentos no decorrer de minha vida, questionei-me a respeito de todas as coisas ruins que me aconteceram, e quando estava no fundo do poço, quando parecia que não haveria como me reerguer, em um ato de desespero, passei a resgatar em minhas lembranças, todas as imagens que ainda possuía de minha infância: a primeira palavra que aprendi a ler; minha mãe trajando seu vestido vermelho, surrado, que carregava as marcas de suas delicadas mãos manchadas de farinha de trigo, enquanto seus longos cabelos negros eram embalados pelo vento e um largo e caloroso sorriso se formava em seu rosto ao me fitar com seus cristalinos olhos azuis; Meu pai refletindo silenciosamente à beira mar enquanto as gaivotas cantavam pacificamente a sua volta; Lembrava da primavera e das flores de lavandas cercando nossa casa, assim como da grama verde e macia sob meus pés descalços; E, por último, vagueava em minha cabeça a nítida imagem dos olhos verdes de meu pai fixos aos meus, olhando-me com esperança — não a esperança que um pai tem de ver sua única filha crescer e se casar —, mas sim a esperança de que eu faria algo grande, de que um dia o mundo precisaria de mim. E então eu ressurgia como nas lendas sobre as os pássaros fênix: eis que das cinzas eu reascendia e voltava mais uma vez a viver. Emergia para vida e, ironicamente, sabia que logo estaria no abismo novamente. Um ciclo interminável de ruína e ascensão. Um ciclo que em breve eu romperia.

Todavia, antes de romper com meu fatídico ciclo, eu precisava deixar minha única amiga segura. Pela primeira vez, o destino resolveu trabalhar ao meu favor, pois quando me dirigi a grande biblioteca do palácio de Asgard, tive a sorte de encontrar Acme por lá.

Assim que deixei a Sala de Reuniões, decidi procurar informações sobre o laço do Sacrifício nos livros e pergaminhos da biblioteca. Se alguém, alguma vez se deu o trabalho de anotar algo a respeito de tal magia, ali era um bom lugar para começar a vasculhar.

A biblioteca situava-se em uma imponente estrutura de três andares que tinha acessos interior e exterior ao castelo. Muitos estudiosos entravam e saíam por suas largas portas, assim como alguns trovadores também adoravam perambular por aquela parte do castelo. Já eu, confesso que em tal ocasião seria a primeira vez que colocaria os pés no santuário de letras gravadas em pele que carregavam a história de toda a Asgard e também uma parte dos outros oitos mundos da Yggdrasil.

Logo que adentrei por uma das portas, senti o familiar cheiro de peles e couro invadir minhas narinas. Fechei os olhos, inalei o ar profundamente, e por um instante, tive a sensação de ter voltado à pequena biblioteca que meu pai mantinha no fundo de nossa simplória moradia. Detestava aquela sensação pesarosa que tais lembranças me causavam. Odiava estar em lugares que me faziam lembrar de um passado que só me trazia tristeza e dor.

Respirei fundo, aprumei postura e finalmente abri os olhos. O cheiro parecia ser o mesmo de todas as bibliotecas, mas aquele lugar era diferente de tudo que já havia visto. Nas reluzentes paredes de mármore estavam gravados em esplêndidas e vividas imagens, a história do surgimento de Asgard e dos deuses Aersir. Nas incontáveis estantes havia tantos pergaminhos que, talvez, nem se eu tivesse a eternidade para lê-los, não daria conta.

Comecei a caminhar em direção ao corredor central a medida em que observava a circulação de homens vestidos com mantos cinza, cuja característica indicava que se tratava de estudiosos. Sábios que preferiam a companhia das escrituras ao invés de pessoas. Homens como meu pai. Cheguei próximo a uma estante e li a legenda informando que determinada área referia-se a arte da meditação. Aquilo não me interessava. Percorri subitamente o olhar ao redor e logo percebi que sem ajuda, eu demoraria a tarde toda, ou talvez dias tentando encontrar o que procurava. Não tive outra escolha a não ser interromper um dos estudiosos e pedir informação a respeito da localização de pergaminhos que abordavam a magia do laço do Sacrifício. Recordo-me que o homem pálido de expressão vazia, semicerrou seus olhos de tons amarronzados antes de me informar que eu devia procurar por eles no andar superior, próximo à décima segunda sala de leitura.

Apressadamente, subi a escadas e logo encontrei a estante em que poderia conter as informações que eu necessitava. Eram muitos pergaminhos, centenas deles. Alguns — a vasta maioria — estavam escritos em runas que eu nunca sequer tinha visto. Apenas uma pequena parte fora transcrito na língua dos nórdicos. Peguei-os e parti para sala de leitura com o único propósito de encontrar algo que me ajudasse na missão de me livrar do laço do Sacrifício, sem — é claro — que eu precisasse recorrer ao Loki.

Procurei me sentar no canto mais isolado do ambiente, e quando me direcionava até a último canto recluso da sala, encontrei Acme debruçada em uma das mesas em meio a um aglomerado de pergaminhos.

— Acme? — Chamei-a.

Ela levantou o rosto e me olhou com seus cansados olhos verdes, e em seguida, esboçou um pequeno sorriso acompanhado de um leve franzir de cenho.

— Erieanna, você por aqui? Não sabia que tens o hábito de frequentar a biblioteca. — Sua voz soou desanimada assim como a expressão em sua face.

Observei com atenção os fragmentos de textos sobre a mesa, tentando descobrir o que ela buscava. Todos se tratava de enigmas, ficou óbvio que ainda não desvendara a segunda parte do desafio.

— Digamos que está é a primeira vez que venho aqui. É como dizem... se quer encontrar respostas, não há lugar melhor do que enfiar o nariz em pergaminhos. — Chacoalhei os ombros. — Posso? — Indiquei o acento a sua frente.

— Claro! Sua companhia é sempre bem-vinda! — respondeu um pouco mais animada.

Ocupei a cadeira e coloquei meus pergaminhos junto aos seus que estavam espalhados sobre mesa.

— Ainda não desvendou o enigma? — especulei, embora já soubesse a resposta.

Seu olhar se tornou ainda mais triste. Acme soltou um longo suspiro antes de responder:

— Não. — A voz não passou de um sussurro.

Estiquei os braços e juntei nossas mãos. Seus dedos finos que antes eram delicados, haviam se tornado grosseiros e em breve carregariam pequenas cicatrizes que ela jamais conseguiria esconder.

— Você vai conseguir, eu tenho certeza! — declarei, obstinada, acariciando as suas mãos.

Lágrimas inundaram seus olhos e um leve sorriso foi desenhado em seus lábios.

— Obrigada. — sussurrou.

Permaneci calada. Eu era boa em encontrar as palavras certas para negociar com qualquer pessoa ou deus, assim como sempre sabia o que dizer para me defender ou afrontar aqueles que me acuavam. No entanto, nunca soube o que proferir para tranquilizar alguém. E embora eu quisesse fazer Acme se sentir bem, não fazia ideia do que dizer para ajudá-la. Minhas palavras de nada valiam e por que razão, por um longo momento, apenas segurei suas mãos.

— Como foi em Niflheim? — questionei, por fim.

A jovem desvencilhou do meu toque e esfrego as mãos uma na outra em um gesto inconsciente de nervosismo.

— Assustador! Tão assustador que meus músculos se erigissem por apenas me atrever a recordar de tal situação. — Estremeceu o corpo e os pelos de seu braço arrepiaram-se. — Sabe... você tinha razão... Ela, a Vidente, barganhou comigo, disse que me acompanharia de bom grado se eu lhe desse algo em troca. — Seu olhar vago permaneceu fixo para um ponto qualquer além de mim.

Meu coração acelerou. Desejei de todo meu coração, que minha amiga não tivesse vendido sua alma. Esperei, então, que continuasse a falar e como ficou em silêncio, tive que prosseguir:

— E o que você lhe deu em troca?

Seus tristes olhos verdes voltaram-se para mim. Ela me olhou; somente me olhou sem piscar ou esboçar qualquer misero sinal de expressão facial e depois, num tom sério, respondeu:

— A Vidente aceitou em vir comigo para Asgard, na condição de que, uma semana por ano, por toda minha eternidade, eu governe Niflheim em seu lugar. Portanto, seu eu vencer todos os testes e conseguir a imortalidade, a Vidente terá uma semana da minha vida, até que o Ragnarok se inicie e coloque um fim em tudo.

Fúria borbulhou por todo meu corpo. Tive raiva da Vidente por sua barganha e raiva de Acme por ter concordado com aquela insanidade.

— Merda, Acme! Por que fez isso? — gritei, espalmando as mãos na mesa e tudo que estava em cima dela estremeceu.

Minha amiga, assustada, lançou-se para trás arregalando os olhos. No mesmo momento, murmúrios pedindo silêncio tomaram conta da sala.

Inalei o ar com força e esforcei a manter a calma.

— Eu não tive escolha! — rebateu — Ou aceitava a decisão ou morreria naquele mundo. E afinal, o que é uma semana para quem vai se tornar imortal? Pareceu-me uma decisão simples a ser tomada. — explicou ingenuamente.

Comecei a rir. Não conseguia acreditar o quanto Acme era inocente.

— De que adianta vencer os malditos Testes dos Deuses, se morrerá na primeira semana em Niflheim? Quando aceitou o acordo, você não evitou que morresse naquele lugar, apenas adiou o momento da sua morte. Se travava de uma armadilha e infelizmente, minha cara, você foi pega.

— Você está enganada! Eu vou ser imortal, não poderei morrer! — rebateu entredentes.

Procurei em seu rosto algum indício de que estava brincando comigo, mas nada encontrei. Acme realmente acreditava na suposta imortalidade. Na fantasia de que viveria para sempre.

— Ah, minha querida amiga... A imortalidade de fato não existe! É tudo uma questão de semântica; um jeito diferente para dizer que se pode viver por muitos e muitos séculos. Mas, no fim, deuses, assim como todos os homens, morrem. Será mais difícil de te matar, considerando que sua resistência duplicará e o sangue mágico dos deuses percorrerá sua corrente sanguínea. Entretanto, se acertarem uma flecha em seu coração e não tiver ninguém para extrai-la, ou se degolarem sua garganta e se bestas furiosas te devorarem, então, por mais que sua expectativa de vida seja altíssima e praticamente infinita, você morrerá. — Soltei um pesado suspiro. — Somos imortais apenas nas lembranças daqueles que nos amam. O resto, não passa de uma tremenda ilusão. — Concluí, sentindo no ar o peso desolador de ter dilacerado toda sua ilusão.

— Saia daqui! — pediu ela, de forma ríspida, apontando o dedo na direção oposta à mesa em que ocupávamos. — Você já me fez perder tempo de mais, então saia daqui, agora! — ordenou, contendo a raiva evidenciada por suas narinas dilatadas.

Fiz o que me pediu. Não queria entrar num embate. Juntei meus pergaminhos, levantei-me da mesa, mas antes de partir, falei:

— Como desejado, não tomarei mais do seu tempo, pois tempo, minha amiga, por enquanto, é algo que você não tem.

Após proferir aquela sentença, dei as costas para jovem grega e segui meu caminho. Devolvi os pergaminhos na estante, não tinha mais cabeça para leitura e parti rumo a saída da biblioteca. Quando estava chegando à porta que dava acesso para o exterior do castelo, ouvi Acme me chamar:

— Erieanna, espere, por favor!

Voltei-me de modo olhá-la e percebi que estava eufórica.

Ela se aproximou de mim e me abraçou com força.

— Obrigada! — Beijou minha bochecha. — Muito obrigada! – exclamou empolgada.

— Obrigada pelo quê? — indaguei confusa.

— Porque, graças a nossa conversa, eu descobri a resposta do enigma! — explicou, sem ser capaz de conter o sorriso no rosto.

"Pela Natureza! Finalmente algo bom tinha acontecido!"

— E qual é? — Tentei certificar-me de que ela estava certa.

Acme abriu um largo sorriso e depois respondeu:

— Tempo! Essa é a resposta. — Bateu palmas, sorrindo sem parar. — Tempo é o único que não morre e ninguém sabe como surgiu. Tempo é tudo que não tenho agora, mas terei praticamente ao infinito quando supostamente eu me tornar imortal. A resposta é o tempo, eu tenho certeza! — Vibrou extasiada.

Abracei-a com tanta força que quase esmaguei-a.

— Está esperando o quê? Vai lá contar para Odin que já tem a resposta! Coloque um fim na merda desse primeiro teste!

Acme me deu um último abraço e saiu correndo à procura do deus supremo.

Estava tudo ocorrendo bem. Ninguém poderia me acusar de ter lhe fornecido a resposta, pois minha amiga chegou a conclusão sozinha. E com o fim do primeiro teste, tudo ficaria mais tranquilo. Pelo menos era isso que eu achava. Todavia, soube no mesmo dia, que as inconveniências da vida jamais cessam. O ciclo, para meu desagrado, ainda fluía.

***

Naquele dia, nos reunimos na Arena e presenciamos o retorno da Vidente em solos asgardianos. Acme lhe disse a resposta e ela com uma careta desgostosa, confirmou que a jovem tinha obtido êxito em desvendar o enigma. Contudo, antes de voltar para o seu buraco, para seu mundo obscuro, a velha me olhou com seus olhos negros sem vida e deixou que um leve sorriso maléfico surgisse em seus finos e enrugados lábios. E então eu soube: o enigma era apenas uma farsa, por isso era fácil de descobri-lo. O que realmente importou foi a primeira parte do teste, a barganha para se livrar de Niflheim por pelo menos uma semana. A Vidente estava planejando algo grande, e o arrepio que percorreu por minha espinha, levou-me a crer que tudo estava ligado ao Ragnarök foi ali, parada no meio Arena, cercada por desconhecidos, que eu tive a certeza de que carregava mais um segredo da Vidente em minhas mãos.

Parti junto com todos. Haveria outro momento para comemorar a vitória com Acme. Por ora, eu precisava aproveitar que Loki ainda se mantinha afastado e procurar Heimdall para extrair informações a respeito de magia de desvanecer, pois talvez aquela seria a forma mais segura para fugir de Asgard sem levantar muitas suspeitas.

Sabia exatamente onde encontrar o deus que de tudo sabe. E foi rumo aos portões de Asgard que tencionei a partir, antes de ser interrompida por uma das Valquírias.

— Erieanna. — disse a mulher que trajava a típica armadura de combate. Ela era tão alta em comparado a mim, tive de erguer o rosto para poder olhá-la.

— Diga, Isdrin, o que deseja de mim?

— Freya solicita sua presença em Sessrumnir. Houve uma batalha em Midgard e haverá uma celebração para receber os guerreiros que serão convertidos em einherjar. Em vista disso, ela pediu que esteja presente para recebê-los. — informou, como uma exímia soldada que era.

Revirei os olhos. Eu não tinha a menor vontade de participar de tal banquete, mas já havia negligenciado por demais minhas obrigações como Valquíria, e como não queria levantar suspeitas sobre minhas tarefas pessoais, fui obrigada a confirmar a presença no tedioso evento.

— Informe a Freya que estarei lá, trajando um belo vestido e pronta para fazer os guerreiros felizes. — Abri um sorriso forçado e voltei a seguir meu caminho.

Enquanto caminhava, não consegui evitar em pensar que o clima em Asgard estava mudando, o ar tinha se tornado mais frio e algumas flores já não se mantinham presas aos galhos das árvores. Em algum tempo, o inverno chegaria, mas será que o frio seria tão cruel como nas terras escandinavas? Talvez quando ele chagasse, eu já não estive ali para descobrir.

Andei mais um bocado, até que avistei o imponente portão de Asgard e Heimdall, firme e forte, em seu posto de guarda.

— Parece que alguém resolveu conceder a honra de sua visita. — disse o guardião, sem olhar para trás. Soube que eu estava ali, sem que fosse necessário anunciar-me.

— Nada escapa desses seus olhos de águia, camarada! – Puxei meu vestido azul e sentei-me no chão. A grama macia me causou uma boa sensação. Por um momento, eu me senti de volta em minha casa. Em um vago instante eu era uma garota, e no outro, uma guerreira tentando fugir de Asgard.

— O que deseja, Erieanna? Se estás aqui, tens um propósito, portanto diga e vá embora.

Direto, como esperado, Heimdall demonstrou que minha presença ali não era bem-vinda.

— Eu não posso vir aqui bater um papo contigo? Você fica muito sozinho, achei que precisava de uma companhia. — Pisquei os olhos inocentemente.

Por de trás da barba ruiva, notei que seus lábios se tornaram uma linha fina. Ele segurou o longo cajado com mais força, antes de questionar:

— Loki sabe que está aqui? — Semicerrou seus ágeis olhos marrons que me lembravam terra molhada.

Também semicerrei os olhos antes de responder:

— Dizem que sabe de tudo, então acho que já tens a resposta para sua pergunta. O que me leva a crer que seria perda de tempo respondê-lo.

Heimdall exibiu um pequeno e quase despercebido sorriso.

— Não, Loki não faz ideia de onde está. — afirmou com segurança.

— Acho, meu caro Heimdall, que estamos começando a nos entender. — Sorri com doçura.

O guardião voltou ao seu posto e tornou a recompor sua postura austera.

— O que deseja de mim? Responderei todas as perguntas que tiver ao meu alcance, se isso fazer com que dê o fora daqui o quanto antes. — sugeriu, sem ao menos me olhar.

— Achei que soubesse de tudo, que saberia a razão de eu estar aqui. – Não fui capaz de esconder a frustração em minha voz.

O guardião então fixou seus perigosos olhos em mim e eu não gostei da forma como me olhou.

— Dizem que de tudo eu sei, mas isso é apenas meia verdade. Eu sei onde todos estão, a todo momento, e se tem ou não intensão em deixar Asgard. Mas não sei o que se passa na sua cabeça, ou na de qualquer outra pessoa. O que você guarda aqui... — Levou o indicador em sua têmpora. — Ou aqui... — Colocou a mão sobre o coração. — Isso, minha cara, não me diz respeito. — Tornou a direcionar sua atenção para o portão de Asgard.

Levantei-me da grama e sacudi o vestido derrubando qualquer vestígio de mato seco que ficara grudado em minhas vestes.

— Heimdall, por acaso sabe qual o paradeiro de Loki?

O guardião ficou em silêncio por um breve momento e depois, respondeu:

— Não sei. E antecipando sua própria pergunta... Já se passaram séculos desde que descobrimos que Loki era capaz de ludibriar minhas habilidades e encobrir sua real localização. Ele é o único que eu nunca sei onde está e isso o torna o mais perigoso dentre todos os deuses.

Tomei um instante para refletir sobre nossa conversa. Loki podia ser um deus vivendo em Asgard junto aos Aersir, mas ele, assim como eu, não pertencia àquele mundo. Tínhamos algo em comum, afinal.

— Heimdall, estou aqui à procura de uma resposta e também lhe fazer uma proposta. Dessa forma, como me pediu, serei direta. — O guardião me lançou um olhar de soslaio. Tomei o gesto como sinal para prosseguir: — Muitos me falaram que não é possível desvanecer para fora dos portões de Asgard, entretanto, fiquei intrigada com o fato de que tanto Acme como Thor, assim como a Vidente conseguiram realizar tal proeza às vistas de todos. Como isso foi possível?

O homem soltou um riso curto.

— Você é nova aqui. Não está familiarizada com nossas regras, hábitos, costumes e magia. Por isso não sabe que sim, é possível desvanecer para fora de Asgard na única e irrebatível exclusividade de que Odin, líder supremos dos Aersir e governante de Asgard, permita. É um feitiço bem simples que pode ser conjurado levando em conta o sangue do deus em questão e o nome dos envolvidos. Contudo, há também uma parte minha a ser feita. Odin pessoalmente me procura e eu o auxílio com as palavras do feitiço que somente eu conheço. Assim que retornam, o feitiço é desfeito tudo volta a ser como antes. — Cravou os peculiares e sabidos olhos em mim. — Sua amiga não já pode sair daqui sem que eu permita. O feitiço que lhe garantiu essa possibilidade, já não mais existe. — explicou ele, e me pareceu estar confortável com nossa conversa.

— Entendo. — murmurei contemplativa.

— Presumo que já obteve a resposta que veio procurar. Assim sendo, resta apenas fazer sua proposta. — Olhou-me dos pés à cabeça. — E não me peça para que eu me deitei contigo! Além de pertencer a um outro deus, você é pequena demais para meu gosto. — Riu. Um verdadeiro riso de quem se diverte com a própria piada.

Deixei o riso tomar conta de mim. Fazia um bom tempo que eu não ria.

— Ah, Heimdall! Não se preocupe, ruivos também não fazem meu tipo. — Coloquei a mão ao lado da boca como se fosse contar um segredo. — Dizem que o membro masculino dos cabelos de fogo se parece como uma cenoura: fino e laranja! — sussurrei, caindo na gargalhada.

O guardião não se conteve e riu tanto que se inclinou para frente segurando a barriga. Quando voltou seu olhar em minha direção, notei que havia uma lágrima pendurada numa das linhas envolta de seu olho. Uma lágrima de alegria.

— Qual sua proposta, Erieanna? Creio que não veio aqui para contar piadas. — indagou, ainda respirando ofegante.

— Quero que me ensine a desvanecer. Soube que é o melhor em ensinar essa arte, dizem que foi você quem treinou os filhos de Odin. Então, quero que seja meu instrutor.

— Isso não é possível. — declarou sem titubear. — Peça para que Loki te ensine, afinal, estou certo de que ele lhe tem autoestima. Loki jamais prendeu qualquer mulher a um laço de Sacrifício, e curiosamente, vem se esforçando muito para garantir que não se sinta presa a ele. — Sua voz tinha voltado a típica austeridade.

Enruguei os lábios, contrariada.

— Digamos que, nesse momento, há um certo problema entre proprietário e propriedade e tal inconveniência me impede de dialogar com o deus da mentira. — expliquei vagamente.

— Isso não é problema meu. — rebateu rispidamente.

— Como serei uma Valquíria se nem ao menos sei desvanecer? Para todo lugar que vou preciso que alguém me carregue. Isso é constrangedor! — exclamei indignada.

Heimdall soltou um longo suspiro antes de proferir:

— Não posso concordar em te instruir na arte de desvanecer, porque essa decisão não cabe a mim. Você pertence a Loki e só ele pode decidir se podes ou não ter aulas comigo. — Heimdall parecia estar cansado daquela conversa.

— Eu compreendo. — constatei, resignada, balançando os ombros. — Não tomarei mais do seu tempo. Agradeço por sua atenção.

O guardião acenou levemente com a cabeça. A conversa tinha chegado ao fim.

Comecei a caminhar de volta ao palácio. E mais uma vez, senti o laço do Sacrifício me sufocando, apertando as amarras a minha volta, acuando-me e deixando-me sem saída. O pior é que eu nada podia fazer para dele me salvar.

— Erieanna! — Heimdall chamou-me.

— Sim. — Meneei o pescoço concedendo a ele a devida atenção.

— Se Loki concordar, ficarei feliz em ser seu instrutor. — Um largo sorriso tomou conta dos meus lábios. Então ele prosseguiu: — Mas, tenha em mente, minha cara, que não será uma tarefa fácil, levará cerca de um ano ou mais até que consiga dominar a magia.

Um ano! Eu não tinha um ano! Na melhor das hipóteses, tinha um mês.

Talvez, se eu excedesse a expectativa, teria uma chance de concretizar meus planos. Caso contrário, o que eu aprendesse, teria de ser o suficiente para meu propósito.

— Muito obrigada, Heimdall. Darei um jeito de conseguir a autorização. Virei ao seu encontro assim que tudo estiver de acordo.

Mais uma vez o guardião acenou para mim e então eu parti.

***

Aquela noite, a princípio, nada me pareceu fora do comum. Era uma típica noite de Lua cheia na majestosa Asgard, na qual dois grandes banquetes decorriam em diferentes salões. Foi apenas isso que eu pensei ao caminhar a passos firmes e precisos rumo salão de Sessrumnir. Naquela ocasião, eu trajava mais um belo vestido, tão negro quanto a noite e tão fino quanto o suave vento do início de outono. Encontrava-me tranquila, e em minha plena ingenuidade, não percebi o quanto estava enganada. Aquela não era uma noite qualquer, e os eventos desencadeados em ambos os banquetes, iriam alterar a minha relação com Loki, mas, acima de tudo, moldaria meu destino, colocando-me mais próximo de minha jornada. Mais próximo do fim de tudo.

Ao adentrar no salão, logicamente ergui meu escudo mental. Como de habitual, uma música animada ecoava pelo ambiente, mesclando-se com os sons de homens e mulheres rindo, bebendo e cantando. Uma típica noite de banquete permeada por diversão, glória e luxúria. Em breve homens estariam trepando com guerreiras e Valquírias e então eu estaria longe, dormindo pacificamente em minha cama.

Circundei os arredores do salão, tentando manter distância de toda a agitação. Conforme caminhei por entre as pessoas, homens me olhavam com desejo, mas não ousavam a se aproximar. A dura expressão de seriedade esboçada em minha face, os mantinha longe e assustados o suficiente para não me tocarem.

Peguei uma caneca de cerveja e levei aos lábios. O gosto amargo da bebida despertou ainda mais meus sentidos. Naquela altura, eu aprendera a evitar o hidromel que com seu sabor adocicado fazia-me esquecer dos perigos do álcool. Então tomei o gosto por cerveja cujo amargor cumpria com o propósito de manter minha sobriedade.

— Erieanna! — exclamou Freya, vindo em minha direção. Seu vestido de um tom vermelho escuro tornou sua alva pele branca, um tanto mais clara. Os reluzentes fios dourados de seu cabelo, estavam perfeitamente trançados. A medida em que trocava os passos ao caminhar, a fenda em sua veste possibilitou o vislumbre de suas coxas torneadas. Seu caminhar era seguro e sedutor, como de um cisne cortando as pacíficas águas de um rio. Não era à toa que lhe fora conferido o título de deusa da sedução.

— Freya! — Acenei levemente com a cabeça e bebi um longo gole de cerveja.

— Fiquei preocupada achando que não viria. Mas que bom que chegou, tenho uma surpresa para você! — Segredou enlaçando os braços no meu, levando-me para um determinado canto do salão.

— É uma pena que não gosto de surpresas, se não estaria tão empolgada quando você — repliquei impaciente.

— Garanto que vai gostar dessa! — Lançou-me uma piscadela.

Contive o impulso de revirar os olhos. Não era de minha intensão tornar aquela conversa menos agradável do que já era.

Freya segurou minhas mãos e uniu as loiras sobrancelhas ao centro da testa ao questionar:

— Como se sente, minha querida, em saber que seus dois donos estão, nesse exato momento, celebrando em Valhalla?

Não entendi aquela pergunta de imediato, e desconfiada, semicerrei meus olhos, inclinando a cabeça para o lado, analisando a face da deusa, buscando descobrir suas intenções.

— Não sabia que outro deus havia me pedido em sacrifício, isso é novidade para mim.

A deusa soltou uma gargalhada que estrondou pelo ar, e quando seus olhos azuis se fixaram aos meus, um mal presságio me atingiu.

— Não estou falando de um deus. Você era uma escrava em Midgard, possuía um dono não é mesmo? — Arqueou uma das sobrancelhas.

Naquele momento, que ficou claro que a conversa se tratava do mortal a qual um dia eu pertenci.

Gelei. Inesperadamente minhas mãos começaram a transpirar. Soltei-as do toque de Freya, tentando não parecer abalada com o rumo do diálogo que desenrolávamos.

— Como é mesmo o nome dele.... — Ela levou o indicador aos lábios, olhando para o teto, na falsa tentativa de se recordar do nome que provavelmente já estava na ponta de sua ardilosa língua. — Ah! Me lembrei! Ragad, isso mesmo! Ragad é seu nome. — Fitou-me com demasiada atenção. — Isso soa familiar para você, querida?

Não soube dizer como fui capaz de manter uma expressão de serenidade em meu rosto, mesmo com meu coração batendo duas vezes mais rápido que o normal. Contudo, conjurando todo meu autocontrole, mantive uma voz neutra ao responder:

— Tão familiar que me alegra saber que ele finalmente morreu. — Esbocei meu melhor sorriso malicioso, embora o estômago revirasse dentro de mim.

Freya encarou-me, confusa. Certamente esperava por outro tipo de reação.

Segurei suas mãos da mesma forma que fez comigo antes de despejar seu veneno e olhei diretamente em seus olhos azuis cristalinos.

— Obrigada pela informação, minha querida. Parece que finalmente, começamos a nos tornar amigas. — Sorri amplamente. — Agora, se me der licença, tenho que encontrar um velho amigo.

Não esperei e nem me atrevi olhar para trás na esperança de contemplar a reação de Freya ao me ver caminhar seguramente para o meio do salão e me dispersar por entre a multidão.

Nunca saberei como consegui manter o controle e andar lentamente por entre as pessoas, quando na verdade queria sair correndo porta a fora e despejar num arbusto qualquer, toda cerveja que começou a queimar no meu estômago. Apenas continuei traçando um passo após o outro, respirando automaticamente, sentindo o meu coração bater em um ritmo frenético ao ponto de quase sair pela boca. Os rostos se tornaram um borrão, e no meio de toda aquela maldita gente, avistei um deus qualquer de menor significância. Andei até ele, pus uma adaga em seu pescoço e ordenei que me levasse, imediatamente, para Valhalla. O homem, obviamente, obedeceu. Desvanecemos, então, como fumaça ao ar.

E foi naquela noite, no salão de Valhalla repleto de deuses e guerreiros, que a trama do meu destino começou a mudar. Nada seria como antes e eu sentia a mudança em meus ossos. E talvez fui a única a sentir o que estava por vir. A única a saber que um grande mal recairia sobre todos: deuses e mortais.

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