16 - Impotência
"A vida lhe ensinará que nem tudo estará sob o seu controle, e que, ás vezes, é necessário aceitar que o destino dos outros nunca estará, de fato, em suas mãos".
—Fragmentos dos Registros Druidas, 533 d. C
De todas as sensações que se apossaram de mim no decorrer de minha existência, nenhuma delas me feriu mais do que a impotência. Sim. A maldita impotência foi pior do que ouvir Ragad dizer, em todo seu egoísmo, que me mataria. Foi bem pior do que ter percebido a minha paixão por Loki. Foi uma sensação cruel que quase rasgou minha alma — ou a parte ilusória dela — pois, pela primeira vez, a situação não se tratava de mim; não era eu quem estava em perigo, e sim Acme. Finalmente havia me importado com alguém e eu nada era capaz de fazer para resguardá-la de Niflheim. Apenas assisti o desenrolar de uma cena dramática, como uma espectadora torce para um final feliz. Torcer pelo sucesso de minha única amiga, foi tudo que me restou a fazer.
As trombetas tinham sido soadas, todos em Asgard haviam se dirigidos à Arena que já estava lotada quando eu e Loki chegamos ao local. Aquilo não me surpreendeu. Seria ingênuo da minha parte imaginar que o lugar estaria vazio. Era óbvio que os asgardianos não perderiam o primeiro teste. Até porque, um evento como aquele era raro de acontecer.
— Vamos nos dividir... — Loki começou a recitar um plano, assim que atravessamos os portões da Arena. — Eu vou para um lado e você para o outro. Se algo der errado, nós estaremos separados, portanto teremos mais chances de sobreviver. — Segurou minhas mãos e me fez olhar para si. — Baixe seu escudo mental para mim, iremos nos comunicar por ele. — Lançou-me um olhar penetrante. — Mantenha-se atenta, Coração de Gelo. Ao sinal de algo fora do comum, faça o que for preciso para nos encontramos nesse portão. Te esperarei aqui para que possamos desvanecer juntos. — Por conta de seu tom de voz tenso, soube que Loki realmente tinha medo de que descobrissem sobre o dia em que tentamos burlar os testes dos deuses.
— Não se preocupe, Loki. Nosso segredo permanecerá a salvo. — Tentei em vão tranquilizá-lo.
O deus intensificou seu aperto em meu pulso.
— Prometa para mim que vai se manter atenta. — Pediu com urgência.
Franzi o cenho, achando determinada preocupação um tanto exagerada.
Respirei fundo e virei os olhos.
— Eu prometo. — assegurei, impaciente.
Loki finalmente liberou o meus braço, soltou um suspiro de alívio e partiu para um extremo da Arena. Também tomei meu rumo e caminhei ao sentido oposto do deus da mentira. Fiz questão de me posicionar bem à frente do palco que fora provisoriamente construído para o espetáculo, dessa forma estaria por perto caso Acme precisasse de mim.
Nem Odin e sua esposa haviam chegado, assim como Acme ou Thor também não estavam presentes. O ambiente era permeado de vozes, murmúrios e risos de escárnio de toda aquela gente de Asgard. Estar bem no meio de tudo aquilo, somente contribuiu para que a minha ira se intensificasse.
— Olá, Erieanna, há quanto tempo? — a voz de Balder me fez sair do mar de revolta que estava me consumindo.
— Já faz algum tempo. Mas é como dizem... Os vivos sempre aparecem — Agitei os ombros e voltei a me concentrar no palco vazio à minha frente.
— É o que dizem por aí. Já não se pode afirmar o mesmo dos mortos cujo hábito é o de desaparecer.
Notei uma sútil acusação escondida por de trás daquela frase. Porém, a ignorei. O que foi um erro. Era sempre melhor atacar do que se defender.
— Sabe... — prosseguiu Balder. — O que me deixa intrigado não foi o seu sumiço repentino, e sim o fato de ter sumido no mesmo período em que Loki.
Aquela perigosa acusação, fez com que eu me concentrasse integralmente no deus ao meu lado que prosseguiu:
— Mas é ilógico pressupor que vocês não estariam juntos. Afinal, você odeia o deus da mentira, não é mesmo? — Semicerrou os olhos demostrando claramente sua desconfiança.
Inclinei minha cabeça para o lado analisando Balder com muito cuidado.
— Meu querido Balder, eu poderia mentir e lhe dizer que não estava com Loki, pois me encontrava muito ocupada em meu treinamento como Valquíria. Contudo, sei que me investigou, e, portanto, é de seu conhecimento que Loki interrompeu um desses treinamentos e me levou consigo para um lugar que, com toda certeza, não é de seu conhecimento. Tudo que sabe é que desaparecemos, juntos, mas não tem ideia para onde fomos, e é exatamente essa informação que está tentando arrancar de mim nesse exato momento, mas não a obterá. Não tenho a mínima intenção de entregá-la a você. — Arqueei a sobrancelha, sorrindo de forma maliciosa ao perceber que o deus havia ficado tenso, o que comprovou as minhas suspeitas.
— Não posso lhe contar onde estávamos, porém, posso informar o que fizemos. — Sussurrei, colocando as mãos ao lado da boca. Balder inclinou a orelha para me ouvir com mais precisão. — Nós estávamos trepando. — Segredei sem pudor.
O deus arregalou os olhos, ficando boquiaberto. Então eu completei:
— Era para ser um segredo, algo entre eu e Loki, mas acho que não somos tão bons em ficar fora de alcance de olhos curiosos. — Torci os lábios numa tentativa de demonstrar que estava chateada; ou pelo menos esperava que acreditasse em minha mentira.
Balder uniu as sobrancelhas ao centro da testa, trincando o maxilar.
— Estou confuso, Erieanna. Pensava que nutria um ódio incontrolável por Loki. — Suas narinas se dilataram ao proferir tal frase.
Cerrei o maxilar, tentando com afinco, controlar a fúria que rugiu dentro de mim.
— Por que se importa se eu deixei ou não de odiá-lo?
Balder respirou fundo e passou agressivamente as mãos nos cabelos.
— Porque você era a única além de mim que conseguia ver a monstruosidade que ele é. Apenas você o odiava tanto quanto a mim.
O deus parecia magoado por descobrir que nós não éramos tão parecidos quanto ele imaginava.
— Talvez eu ainda odeie Loki, ou talvez não. Entretanto, é necessário deixar claro que não é da sua conta cuidar dos meus atuais sentimentos, ou aqueles que eu ainda posso a vir a nutrir pelo deus da mentira. Eu sou a única a decidir aquilo que é o melhor para mim. — declarei em tom ríspido.
Balder aproximou nossos rostos e proferiu entredentes:
— Parece que se esqueceu sobre terrível fato de que ele te enganou cruelmente.
Soltei um riso de escárnio. Aquela conversa tomava um caminho espinhoso, e possivelmente, sem volta.
— Ah, Balder. A questão aqui é que todos me enganaram, inclusive você. Disse que se importava comigo, contudo, não moveu um dedo sequer para me ajudar no dia do duelo com a Freya. Esperei que viesse ao meu aposento para me desejar boa sorte antes de eu enfrentar a líder das Valquírias, porém não veio. Esperei que viesse depois e me ajudasse com minhas feridas pós-combate e adivinhe? Você, mais uma vez não deu as caras. Não fui eu quem sumi Balder, foi você! — acusei, apontando o dedo em seu peito largo.
— Isso não significa que eu não seja seu amigo. — rosnou irritado. — Tive de me manter longe, não por escolha própria, e sim porque meu pai pediu! — alegou, tentado me explicar algo que eu jamais entenderia.
— Não somos amigos Balder. Eu não sei muito sobre amizades, ainda estou aprendendo. No entanto, o pouco que sei sobre tal relação, deixa-me certa em afirmar que amigos não abandonam uns aos outros. Nunca, em hipótese alguma, se dá às costas para uma amizade. Amigos fazem o que é preciso para manter em segurança aqueles que se tem em alto estima. Amigos permanecem ao lado nos momentos em que a ajuda é necessária. Amigos não desamparam uns aos outros. Amigos não somem. Amigos são aqueles que estão conosco nos momentos bons, mas principalmente estão por perto quando tudo está desmoronando. — Ao fitar os olhos do deus, notei que eles estavam emaranhados em lágrimas contidas. — Você não esteve ao meu lado quando eu mais precisei. Você não deveria estar aqui agora. — afirmei, sem qualquer indício de rancor ou mágoa em minha voz.
— Eri... — ele começou a falar, porém eu o cortei bruscamente.
— Não me chame de Eri. Você perdeu esse direito! — exclamei indignada. — Apenas saia de perto de mim, Balder. Se não veio ao meu socorro quando necessitei de seu apoio, estou certa de que não fará o mesmo por Acme. — Lancei um olhar ameaçador. — E não fique no meu caminho se eu precisar salvá-la. Ao contrário de você, farei o que for preciso para ajudar aquela com quem me importo. — Retornei o palco que começou a ser ocupado.
Por nenhum instante, desviei meu olhar na direção do deus que foi embora sem proferir mais uma única mísera palavra. Não senti remorso e nem culpa quando parti seu coração. Não senti absolutamente nada, pois ele já havia dilacerado o meu quando me abandonou.
— Seria um momento inoportuno para dizer que ouvi tudo? — a voz de Loki ecoou em minha mente.
Maldição! Havia me esquecido que tinha baixado meu escudo mental para me comunicar com ele.
— Bem, acho que pagou por sua intromissão ao ouvir que não passa de uma monstruosidade. — provoquei, desviando o foco de qualquer assunto comprometedor.
O som rouco do riso de Loki ecoou pela minha mente. O mesmo riso que sempre me tirou do eixo.
— Já me chamaram de coisas piores Coração de Gelo. Além do mais, valeu a pena ouvir da sua boca que trepou comigo. Você tem passado muito tempo comigo, sua mentirosa! — ronronou sedutoramente.
Estava prestes a rebater sua provocação, contudo Odin e Frigga, por mera formalidade, tomaram o assento disposto sobre o palco. O espetáculo, infelizmente, iria começar.
Todos notaram a presença do deus supremo que não perdeu tempo e de imediato se colocou em pé, a medida em que a multidão fez um silêncio sepulcral.
— Deuses e deusas, amigos e companheiros de uma longa jornada. Todos sabemos o motivo de estarmos aqui no dia de hoje; todos esperam testemunhar algo que poucos ousaram tentar. — Fez uma pausa premeditada. — Não posso dizer para que sejam bem-vindos ao primeiro dos Testes dos Deuses, pois essa ocasião não se trata de uma festividade. Hoje veremos uma jovem guerreira lutar pela imortalidade. Nesse dia, sob esse céu, uma mortal dará seu primeiro e árduo passo para se tornar uma de nós. — Encheu os pulmões de ar e lançou um olhar penetrante a multidão que o assistia em completo silêncio. — Hoje nós veremos o princípio da glória, ou, é claro, uma morte! — Finalizou num tom dramático.
Algumas pessoas abriram a boca em expressão de espanto pela última frase que saiu da boca do deus supremo. Um pequeno murmúrio tomou conta da plateia. Já eu, apenas senti que meu coração errou uma batida ao perceber que Acme tinha apenas duas opções: ou venceria o primeiro dos testes, ou morreria se fracassasse.
— Agora devo chamar aquela que aceitou os desafios. — Olhou para trás e estendeu a mão a alguém que todos sabiam de quem se tratava. — Acme, chegou o momento, minha querida.
Minha amiga segurou a mão de infeliz sogro — que também poderia ser o responsável pela sua morte—, e caminhou ao encontro dos abutres asgardianos.
— Abutres asgardianos? — indagou Loki, num tom descontraído.
— Cala boca Loki, você não está ajudando!
Acredito que o deus compreendeu minha advertência, já que o silêncio dos meus pensamentos foi tudo que passei a ouvir.
Acme trajava impecáveis vestes de couro negro e carregava uma espada em suas costas. O cabelo loiro estava bem preso em tranças complexas. E o que mais me deixou aliviada, é que sua face exibia uma expressão de uma verdadeira guerreira. Ela não deixou transparecer nenhum sinal de medo. Apenas se encontrava pronta para enfrentar seu destino, seja ele qual fosse.
Thor também trajava vestes de combate e constatar tal fato me fez compreender que ele ficaria ao lado de sua amada independente do que ela fosse enfrentar. Deveria ficar aliviada, entretanto, não fiquei.
Os olhos verdes de Acme se encontraram com os meus. Queria poder lhe dizer muitas coisas. Queria que nos fosse concedido a possibilidade de trocarmos de lugar. Mas, acima de tudo, queria que ela vivesse.
Assenti levemente com a cabeça indicando que estaria com ela; que lutaria por ela se fosse preciso. Aquela foi sua escolha, portanto passou a ser a minha também.
Odin mais uma vez rompeu com o silêncio do ambiente ao falar gentilmente:
— Frigga, meu amor, pode, por favor trazer a caixa?
Sua esposa atendeu o pedido e lhe entregou uma pequena caixa de cobre que ela segurava desde o início da cerimônia.
O deus supremo ergueu a caixa nas vistas de todos e anunciou:
— Eis aqui, dentro dessa caixa, o primeiro dos testes.
Ninguém ousou dizer qualquer palavra, a tensão era tamanha que todos permaneceram imóveis, inclusive eu.
— Uma magia antiga, tão antiga quanto os deuses é o que separa a morte da imortalidade. Uma magia que também sela um acordo, um juramento inquebrável, um laço. Uma magia de sangue, prenderá, meus irmãos, Acme aos testes. — Ele, então, direcionou seu único olho à jovem que deveria aceitar as consequências de suas escolhas. — Se decidir aceitar os testes, não poderá voltar atrás. Você morre se desistir e morrerá se falhar. No entanto, se vencê-los, a imortalidade lhe será concedida. — explicou Odin, de uma forma clara e precisa.
Acme olhou para seu amado Thor, depois voltou o olhar para caixa e cerrou os punhos ao lado do corpo. Aquilo era injusto, ambos deveriam permanecer juntos, ela não deveria ter de escolher entre o amor e sua própria vida.
— Erieanna, fique calada! Essa escolha não cabe a você! — Loki advertiu, pois já sabia o que eu pensei.
Mas seu aviso de nada serviu. Eu devia pelo menos tentar impedir que os testes se concretizassem.
— Isso é injusto! — bradei furiosa. — Por que eles não podem simplesmente ficarem juntos? Por que isso é tão errado?
Todos os olhares se fixaram em mim, assim como o deus supremo depositou seu único olho em minha direção.
— Nós estamos em Asgard e essas são nossas regras. Regras de um povo que está aqui muito antes de você existir, antes do seu mundo existir. Você pode não gostar de nossos costumes, de nossas ordens, mas faz parte de tudo isso agora e vai aprender aceitar que algumas situações, minha cara, vão muito além da sua concepção sobre o que é certo ou errado. É melhor ponderar seus pensamentos, Valquíria. — alertou Odin, em um absoluto de voz pertencente a um líder que evidentemente não gostava de ser questionado sobre suas ações.
Encarei o deus supremo com tanta ira, que creio eu, todos os presentes sentiram a alteração na atmosfera que nos cercava. Meus instintos praticamente imploravam para que eu subisse naquele maldito palco e dilacerasse Odin com minhas próprias mãos.
Dei um passo a frente. A multidão prendeu o ar.
— Erieanna, fique onde está! Não piore as coisas para sua amiga! — Loki sabiamente me fez lembrar que eu devia ajudar Acme e não atrapalhar.
Inalei o ar com tanta força que meus pulmões arderam como se eu tivesse inalado brasas.
— Está certo, Odin. Acredito que Acme sabe escolher o que é melhor para ela. — Lancei um olhar de desculpa a minha amiga que me retribuiu com um leve sorriso de compreensão.
— Bem, vamos pôr um fim nisso. — Odin depositou seu único olho em Acme. — Minha querida, sabe que não precisa enfrentar os testes. Sempre pode deixar Asgard para trás. — disse ele, num tom sereno que me surpreendeu.
Acme voltou seu olhar para Thor e soltou um longo suspiro.
— Sei que posso optar por ir embora, mas isso significaria que devo deixar Thor e eu não quero deixá-lo. Eu aceito os testes e irei vencê-los! — declarou obstinada.
Meu coração se apertou e um arrepio percorreu toda minha espinha. O peso de uma escolha, havia, naquele momento, determinado o destino de uma vida. Um caminho sem volta que eu esperava que tivesse um bom fim.
— Sendo assim, dê-me sua mão. — Acme depositou sua pálida mão nas de Odin, que com uma adaga, cortou a carne dela, fazendo com que o sangue escorresse sobre a misteriosa caixa. — Diga seu nome em alto e bom tom e informe que aceita os testes dos Deuses. — instruiu.
Ali, naquele palco improvisado, eu e os asgardianos presenciamos uma jovem grega engolir a saliva a seco, antes de proclamar em alto e bom tom:
— Eu, Acme, aceito os testes dos Deuses.
Assim que tais palavras saíram de seus lábios, a caixa começou a iluminar os desenhos das runas que até então estavam invisíveis. Um clarão surgiu no palco quando a o objeto se abriu revelando o que guardava.
— Pegue o manuscrito, querida. Ele pertence a ti. — disse, Odin brandamente.
Acme se apossou do pedaço de papel, desenrolou-o e franziu o cenho ao olhar para suas escrituras.
— Não consigo ler o que está escrito, não é a minha língua. — sussurrou constrangida.
— Não se preocupe, eu faço isso meu amor. — Thor gentilmente pegou o manuscrito de sua mão iniciou a leitura.
— O primeiro teste. — começou ele. — Existe um mundo sombrio, tão escuro quanto a alma de muitos. Um mundo frio, mais frio que o pior dos invernos. Nesse mundo inóspito, vivem criaturas sem alma cuja destruição é tudo que conhecem. Esse é o mundo que se desfez em tantos outros, por isso há uma parte sombria em cada canto do universo e em cada ser, seja ele deus ou mortal, que habita cada um dos nove mundos. Governando esse mundo, está aquela que todos chamam de Vidente, a criatura que de tudo sabe, aquela que conhece o presente, passado e o futuro. Ela é quem detém o primeiro dos testes. Essa é uma missão em duas etapas: será necessário que vá até Niflheim, encontre a Vidente e lhe traga para Asgard. Só então ela lhe dirá a segunda parte do teste. Tens o direito a levar uma companhia para lhe ajudar nessa difícil jornada, escolha com sabedoria. — Thor terminou de ler a instrução e entregou o manuscrito a seu pai.
Ali estava a esperança. Eu ainda poderia salvar Acme. Poderia ir com ela para Niflheim.
— Então, minha cara, quem levará consigo nessa árdua missão? — indagou Odin.
Eu, eu, eu. Diga meu nome! Supliquei em pensamentos.
— Fique calma, Coração de Gelo. Fique calma! — Loki tentou me manter no chão, puxando as rédeas de meu desespero.
— Escolho Thor! — anunciou Acme.
Doeu. Ouvir aquelas palavras foi um duro golpe que assolou meu ego.
— Erieanna, não fique chateada. Thor é um excelente guerreiro, se existe alguém, além de você, é claro, que pode manter Acme a salvo. Esse alguém é Thor. Ele trará sua amiga de volta, pode ter certeza. — afirmou Loki com segurança.
— Dane-se, Loki! Nós podemos quebrar a regra novamente. Vamos sair furtivamente e depois partiremos para Nifelheim. — expliquei meu plano.
— Não, nós não podemos. Isso é loucura! Não podemos burlar as regras com toda Asgard atenta ao maldito teste. Se interferimos, Acme será desclassificada e isso significa que morrerá porque fracassou. É necessário que fique aqui. Terá de esperar que ela retorne com Thor. Essa, Erieanna, é sua única opção.
Uma tensão passou pelo laço da nossa mente conectada. Ela foi o suficiente para me fazer compreender que o deus da mentira tinha razão. Não havia mais nada que eu pudesse fazer, além de esperar pelo desfecho daquela terrível missão.
Observei Acme e Thor desvanecerem. Fiquei parada na Arena de Asgard com a sensação da impotência me consumindo. Odiei me sentir impotente, assim como odiei os deuses que provocaram aquela situação.
— Podem ficar e aguardar pelo retorno dos dois, ou podem voltar para suas casas e esperar que as trombetas sejam soadas novamente, indicando que Acme e Thor retornaram. — anunciou Odin, que se sentou em seu trono improvisado para aguardar o retorno de seu filho amado.
Eu também esperaria, não importava o tempo que teria de me sentar e aguardar. Não sairia dali enquanto Acme não voltasse.
Poucos foram o que decidiram ir embora, a grande maioria não queria perder um detalhe sequer daquele espetáculo.
— Malditos abutres asgardianos, não é? — Loki se sentou no chão ao meu lado.
— Sim! Malditos! — confirmei, olhando para toda aquela gente que pouco se importava se minha amiga teria ou não sucesso em Nifelheim. Aquilo não passava de entretenimento para eles.
E em meio ao mar de raiva que me consumia, o silêncio reinou por um longo e interminável momento. Odin manteve um olhar contemplativo para os portões da Arena e eu permaneci com os olhos fixos no palco, estalando os dedos, imaginando que os sons eram o pescoço do deus supremo sendo quebrado.
A falsa preocupação de Odin me deixou furiosa. Thor voltaria de Niflheim, ele era imortal. Já Acme... Ninguém sabia o que aconteceria com ela.
— Ela vai voltar, Erieanna. Thor a trará de volta. Ele a ama e jamais permitirá que ela morra. —Loki segurou minhas mãos, fazendo-me interromper os estalar dos dedos.
Soltei um grunhido que veio seguido de uma bufada.
— Sei que está certo, mas eu estou tão irritada! — Deixei que meus ombros caírem para frente. — Estou tão impotente. — Suspirei profundamente, encarando o belo rosto do deus da mentira. — Diga-me Loki... Alguma vez já se sentiu imponente?
O deus levou o olhar para o límpido céu azul de Asgard e seus olhos se tornaram mais claros. Um silêncio pairou entre nós. Um silêncio desconfortante. Então ele mordeu os lábios e depois respondeu mantendo o olhar fixo no céu:
— Sim... Eu me senti impotente no último Yule, quando estava na sua casa, deitado em sua cama completamente disfarçado de Thor e você gentilmente me pediu para que eu te ajudasse a fugir daquele Clã e eu tive de negar seu pedido. Me senti impotente, pois tudo que eu mais queria era te arrancar daquele lugar. Me senti impotente, porque mesmo sendo um deus, eu nada podia fazer para te ajudar. Me senti impotente e aquela sensação quase me matou. — Fechou os olhos, permanecendo com eles selados, como se tivesse medo de olhar e enxergar, mais uma vez, a impotência nos cercando.
— Nunca entendi o motivo que te levou a não me ajudar a fugir. Sempre achei que deuses pudessem quebrar qualquer regra. — Minha voz saiu mais ríspida do que desejei. Sem querer, eu estava o acusando novamente.
Inesperadamente, seu olhar encontrou os meus e sua voz tomou minha mente. Percebi, portanto, que ele não desejava que outras pessoas nos ouvissem.
— Ragad procurou uma feiticeira poderosa, tão poderosa que foi capaz de lançar um feitiço que a prendeu junto a ele naquela maldita terra. O miserável temia que você fugisse, por isso fez um acordo de sangue que custou a vida de seu filho primogênito. Se algum dia tentasse fugir, as terras iriam de contra você e te engoliram, te sufocariam, te matariam. Ragad nunca precisou te contar isso, disse que revelaria tal segredo, somente se algum dia você surtasse de vez e decidisse partir. O desgraçado estava bêbado quando me contou do feitiço e ainda riu ao afirmar que, enquanto ele vivesse, você jamais o deixaria, pois pertencia a ele, a feiticeira havia garantido que tu seria para sempre dele. — Loki fez uma pausa para controlar a fúria que tomou conta dele ao relembrar a conversa. — Eu não sabia se o bastardo egoísta estava dizendo a verdade, mas não podia arriscar. Então quando você me mandou embora, eu procurei a tal feiticeira e tamanha foi minha surpresa ao descobrir que ela se tratava de uma das três fiandeiras que tecem o destino dos mortais. Ela é um ser poderoso, sem dúvida, porém eu sou um deus. Todavia, Erieanna, a fiandeira informou o acordo: uma vida pela outra, um destino por outro. Ragad lhe entregou seu filho e elas lhe fundiram seu destino junto ao dele, para sempre, ou em outras palavras, até que ele morresse. A única forma romper o selamento, era se Ragad a entregasse a sacrifício para um deus. Só assim seu destino não poderia mais ser controlado por elas. Apenas um deus pode alterar o destino dos mortais. — Buscou em minha face qualquer expressão que lhe confortasse, no entanto eu estava imóvel, não era capaz de esboçar qualquer gesto, assim como nenhum ruído saia de minha boca. — O resto da história você já conhece. — Concluiu com um leve balançar de ombros.
Milhares de frases e palavras passaram por minha cabeça. Milhares de pensamentos desorganizados que se tornaram apenas uma indagação:
— Está me dizendo que, para me livrar da morte que seria desencadeada pelo feitiço de Ragad, a sua única opção, Loki, foi me matar em ato de sacrifício?
O deus esboçou um pequeno sorriso. Um sorriso que não chegou aos seus olhos azuis.
— Na verdade, eu não a matei. Nunca fui capaz de tirar sua vida, Coração de Gelo e creio que jamais serei. —declarou, entrelaçando os dedos nos meus.
Aquela confissão. A tão esperada confissão; fez com que mundo parasse. E naquele momento pausado no limbo do tempo, uma única palavra imergiu dentro da minha mente. Imergiu de dentro da minha alma. Uma única palavra que se tornou cada vez mais forte e imponente: Viva. Eu estava viva!
O mistério que me assombrava, tinha finalmente chegado ao fim.
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