O altar de sangue
Ⅰ
O colégio Hyosan é apenas mais um como outro qualquer. Uma instituição comum, com professores talvez não tão qualificados e alunos desinteressados, onde todos têm a ilusão de liberdade e de que estão em um bom ambiente para crescer, mas que na verdade não passa de um pedaço do inferno. É assim que os sete amigos enxergam a grande escola, a qual infelizmente cinco deles ainda têm que frequentar e não suportam mais participar desse circo.
— Saiam de cima das mesas! — o inspetor grita, tentando acabar com a bagunça formada onde deveria existir uma preparação organizada para a festa de Halloween da escola, mas a voz dele é abafada pelas outras dezenas de vozes altas e esganiçadas dos alunos.
Jungwon observa os alunos com certo entojo, sozinho no canto da sala enquanto cola os papéis em formato de abóbora nos cartazes da decoração. Ele deveria ter ido matar aula com os amigos, mas já tinha se comprometido com a tarefa de ajudar na decoração da festa que ele sequer quer participar. Quem participa de festas idiotas de escola?
— Yang Jungwon, que ótimo trabalho!
Jungwon levanta o olhar e vê o representante de turma do terceiro ano, a falsa empolgação dele enquanto olha para as abóboras coladas com cola demais e meio tortas.
Ele sorri, um sorriso que mostra as covinhas e o deixa parecendo simpático.
— Obrigado, sunbae! — ele até se curva um pouco, só para receber um sorriso maior ainda do aluno.
— Eu já esperava isso de você, sempre bom em tudo o que faz. Os outros não estão fazendo nada... — o garoto olha ao redor com desgosto, vendo a zona que os outros alunos fizeram na sala e como nem metade da decoração está pronta. — Mas eu já esperava isso deles. Será que você não poderia... — o mais velho faz uma pequena pausa, olhando para Jungwon de cima a baixo, e o garoto mantém o sorrisinho, mas já sabendo que o mais velho irá pedir um favor (porque é só isso que ele sabe fazer). — Ajudar com a organização das mesas e cadeiras também? Estão em alguma sala debaixo das arquibancadas da quadra, então... — ele começa a dar mais instruções, sem nem se importar com o consentimento de Jungwon, e o mais novo suspira.
É por esse tipo de coisa que ele não suporta as pessoas dessa escola. São todos tão cínicos e estão sempre querendo se dar bem em cima de alguém; Jungwon se sente enojado.
— Jungwon — uma voz muito mais desanimada o chama, atraindo também a atenção do representante, este que logo desmancha o sorriso ao ver Kim Sunoo. — O que tá fazendo aqui ainda?
Antes que o mais novo abra a boca para responder, o representante já está se metendo.
— Ele está nos ajudando — Jungwon consegue ler o ''diferente de você'' que fica implícito, e pelo visto Sunoo também consegue, porque revira os olhos.
— Jungwon — o amigo dá ênfase ao nome do mais novo, sem paciência. — Vamos logo que eu tenho mais o que fazer.
— Falta pouco, daqui a pouco eu vou — o mais novo sorri ao ver Sunoo jogando a mochila no chão e se sentando encostado à parede, o esperando. O representante parece ter ficado sem palavras, porque apenas encara o Kim como se o fosse matar. — Desculpa sunbae, acho que não vou poder ajudar com as mesas... — ele finge lamentar, mas o mais velho já está balançando as mãos.
— Tudo bem — a expressão dele diz que não está nada bem, e Jungwon sente vontade de rir. — Só termina esses cartazes ainda hoje, por favor.
E o mais velho sai, sem nenhum resquício da simpatia de minutos atrás, quando ainda queria pedir algum favor. Babaca.
— Que grande babaquice — Sunoo parece ler a mente dele, agora deitado no chão com a cabeça apoiada na própria mochila. — Já te falei pra parar de ajudar todo mundo que pede, a escola tem um Grêmio pra isso. Você não é o empregadinho deles.
Jungwon assente, colando abóboras mal cortadas pelas paredes.
— Você sabe que esse idiota se juntaria aos imbecis que me perseguem se ele não tivesse que prezar pela imagem de representante-baba-ovo, né? — a pergunta dele soa como uma acusação, e Jungwon olha o amigo pelo canto dos olhos.
— Eu não ando com ele — ele lembra do óbvio, caso Sunoo esteja insinuando alguma coisa. — Como você disse, eu sou só o empregadinho.
— Que seja — Sunoo dá de ombros. — Você vem nessa festa idiota? — ele pergunta do chão, quase o desafiando com o olhar. Jungwon acha isso meio engraçado, porque Sunoo está agindo todo marrento enquanto está com um olho meio vermelho e ainda um pouco inchado da surra que levou duas semanas atrás.
— Sei lá. Não tem nada pra fazer — ele mente, porque é engraçado ver Sunoo irritado.
— Entre fazer nada e vir pra cá ficar com esses babacas, você prefere ficar com esses babacas?
Ir até a festa de Halloween da escola serviria apenas para fazer a linha do bom aluno para os pais, mesmo quase ninguém do ensino médio tendo interesse em comparecer ao tão estimado evento. Jungwon sabe que a festa vai estar cheia de alunos do fundamental fantasiados e achando o máximo colocar energético escondido no suco que imita sangue, sem nada de divertido realmente acontecendo. Talvez dentro de uns dois meses apareça alguma aluna grávida, mas esse é o ápice de diversão que pode chegar perto de acontecer nessa escola.
— O que mais tem pra fazer além de vir pra cá? — ele ainda pergunta, sem dar muita importância.
— Qualquer coisa — Sunoo dá de ombros. — Podemos ir pra trás da igreja do centro...
— Não quero ficar olhando o Jake hyung e o Heeseung hyung fumando, obrigado — ele interrompe o Kim, que acaba rindo.
— Mas você tem que admitir que é engraçado ver o Jake hyung meio louco.
Jungwon concorda e ri, lembrando das vezes que eles tiveram que impedir Jake de fazer qualquer idiotice por estar chapado demais. Não que ele precise estar louco de droga pra fazer idiotices, mas pelo menos ele pode fazer sem chamar atenção quando não está com os olhos vermelhos e aquele cheiro distinto impregnado por todo corpo.
— Todos nós ficamos com cheiro de maconha, mesmo sem usar, e é um inferno pra se desfazer do cheiro antes de voltar para casa — o mais novo comenta, e Sunoo concorda.
— Realmente. Meu avô é um pé no saco, ele reclama mais quando eu chego fedendo a maconha do que quando eu chego machucado em casa.
O comentário de Sunoo sai naturalmente, mas Jungwon sente raiva ao escutar. Ele se importa com Sunoo mais que o próprio avô dele, e isso deveria ser inadmissível. Como alguém pode não se importar com o próprio neto chegando machucado em casa?
— Vamos logo — Jungwon fala, colando a última abóbora de qualquer jeito e indo pegar a mochila para saírem. — Vamos atrás do Riki.
Encontrar Nishimura Riki não é difícil. Ele se destaca, não somente por ser muito alto e magro, mas também por estar sempre excluído; basta procurar ele fora das rodas de amigos. Ele não tem uma aparência muito simpática, mas a falta de amigos dele se deve a outros motivos.
— Vamos embora — Sunoo chama o garoto, que acorda assustado com a brutalidade que é sacudido.
— Você tá mesmo dormindo debaixo da arquibancada? — Jungwon nem pode acreditar, tentando entender como o mais novo tem a capacidade de dormir em qualquer buraco ou chão sujo.
— As aulas acabaram? — ele pergunta, desnorteado.
— Não, você tá dormindo durante a aula de educação física da sua turma. Vai pegar suas coisas pra gente ir embora — Sunoo o apressa, sem vontade nenhuma de ficar mais tempo dentro do colégio.
O garoto mais novo se levanta, ainda um pouco torto depois de dormir por tanto tempo no chão, e pega as coisas dele furtivamente para irem embora.
— Cadê o Sunghoon hyung e o Jay hyung? — ele pergunta para Sunoo enquanto disfarçam e saem de fininho da quadra.
— Sei lá. Sunghoon hyung deve estar comendo aquela tal Eunseo em algum banheiro, e o Jay hyung apareceu bêbado de novo. Acho que foi pra direção.
— Ele ainda come aquela garota? — Riki pergunta com uma careta e recebe um tapa no ombro.
— Olha como você fala! — Jungwon o repreende, mas o japonês mantém a careta.
— Tudo bem. Não acredito que o Sunghoon hyung ainda pratica atos carnais com aquela garota — o deboche do mais alto faz Jungwon fingir uma risada, em seguida o dando outro tapa.
— Você deveria parar de tentar se tornar o Heeseung hyung, já tá até falando como ele.
— Quem fala assim é o Jay hyung — Sunoo lembra, e os mais novos nem sabiam que ele estava prestando atenção, o rosto enfiado na tela do celular enquanto caminha um pouco atrás deles.
— Que seja — Jungwon reclama. — Para de querer parecer os hyungs.
— Mas eles são maneiros — Riki dá de ombros, soltando um chiado de desgosto no momento em que abrem a porta para o pátio externo da escola e são recepcionados pelo frio do outono.
Riki sabe que Jungwon tem algo a mais para falar, porque ele sempre tem um sermão cheio de moralismo pronto, mas não ouve nada pelos próximos segundos. Quando ele olha novamente para Jungwon, percebe o amigo encarando alguma coisa, e resolve olhar na mesma direção.
— Aqueles ali não são...
— Vamos voltar — Jungwon fala rápido, mas Sunoo, que continua andando atrás deles, esbarra nas costas de Riki e deixa o celular cair.
— Meu celular! — o Kim choraminga e se abaixa para pegar o objeto, mas quem Jungwon estava tentando evitar os escuta e começa a caminhar na direção deles.
— Vamos embora — Jungwon vira para dentro da escola com pressa e empurrando Sunoo, que não entende o motivo até olhar por trás dos ombros do Yang.
Dois dos garotos que têm como hobby acabar com o dia de Sunoo e de Riki caminham até eles, mas os três amigos não querem arriscar ficar parados para ver no que vai dar.
— O que é que o idiota do Gwinam tá fazendo no pátio da escola a essa hora? — Sunoo choraminga, apressando o passo para dentro do colégio novamente. Ele estava tão perto da liberdade, tão perto de se livrar do ambiente infernal que chamam de escola, que ter que voltar agora é uma tortura.
— Vem cá, não precisa ficar assustado, gracinha — o amigo de Gwinam ri e Jungwon olha para trás enquanto acelera o passo e percebe que eles estão se aproximando.
Eles caminham apressados e para no canto do corredor, ao lado da sala da coordenação. É claro que eles não vão entrar, mas ao menos isso serve para que Gwinam e seus amigos apenas passem por eles, fazendo gestos nojentos com as mãos para Sunoo e Riki — porque eles nunca implicam com o aluno perfeito. Jungwon sabe que ao andar com os amigos, impede que muitas coisas aconteçam com eles. Por saber disso, Riki fica colado em Jungwon sempre que pode.
Jungwon não está olhando, mas consegue perceber o modo como Riki se encolhe na presença dos delinquentes; ele nunca entendeu como o garoto alto e de aparência intimidadora pode ser tão frouxo. Até mesmo Sunoo, que está quase sempre apanhando, tem mais coragem que Riki. Na opinião de Jungwon, Riki é um covarde. Mas tudo bem, porque ele é um covarde com um bom amigo para ajudá-lo sempre que puder.
Ⅱ
Os dias sem aula se tornaram momentos em que os sete amigos se reúnem, às vezes só para fazer nada juntos, já que a maioria deles não têm dinheiro (ou vontade) para fazer algo além de sentar em frente à TV enquanto comem e bebem na casa do único deles que mora sozinho, Jake, que vive em um apartamento tão, mas tão minúsculo, que mal comporta sete garotos, eles que insistem.
Os sete acabaram se conhecendo aos poucos, ao acaso, e formaram uma forte amizade de onde nem eles esperavam alguma coisa. Mesmo antes de tudo, antes de sequer saberem da existência uns dos outros, tinham muito em comum: eram ignorados, humilhados muitas das vezes, sofrendo com comentários imbecis e estavam quase sempre metidos em brigas — que procuraram ou não. Foi em uma época quando Heeseung e Jake ainda estavam na escola que eles começaram a se notar pelas primeiras vezes nos corredores e enfermarias, e naturalmente começaram a apoiar um ao outro quando necessário, se ajudando em dias complicados — ou dias de merda, como Heeseung sempre gostou de falar e Sunoo e Riki rapidamente começaram a repetir.
Juntos, passou a ser muito mais fácil de aturar as merdas na escola. Eles foram se conhecendo melhor aos poucos, e logo estavam se reunindo aos sábados na casa de Jake e também aos domingos, para irem à igreja com o amigo cristão de vez em quando, apenas por diversão, pois Jungwon os assegurou que as pessoas dentro de uma igreja conseguem ser hilárias. Também virou rotina eles se reunirem no lago atrás da igreja para passar o tempo antes de voltarem para as vidas de merda — e logo após um momento edificante dentro da igreja, Jake iria revelar que estava carregando um pouco de erva para fumar ou não, tudo dependeria do humor dele após o culto.
Era muito mais fácil aturar os dias de merda quando estavam os sete juntos, antes de Heeseung e Jake se formarem. Pelo menos Jay e Sunghoon foram burros o suficiente e repetiram de ano, ficando na classe de Sunoo, o que de certa forma aliviou os três mais novos, mesmo que na maior parte do tempo Jay esteja pegando detenção por tentar consumir álcool dentro da escola e que Sunghoon esteja quase sempre aos amassos com uma pessoa diferente, para logo em seguida descartá-la e ir em busca da próxima. Mesmo assim, os mais novos ficam felizes com a presença dos amigos mais velhos.
Sunoo é o que mais fica feliz, sem sombra de dúvidas. Embora os babacas da escola não tenham limites, pelo menos eles parecem ter medo, porque não se atrevem a tocar em um fio de cabelo dele quando Jay ou Sunghoon estão por perto, sempre com expressões nada amigáveis e dispostos a não pensar em nenhuma consequência ao entrar em brigas. Eles até chegaram a tentar ensinar Riki a se defender, mas o japonês revelou ter apenas tamanho e zero habilidades de defesa pessoal.
Mesmo não podendo mais ficar sempre juntos, eles ainda se reúnem quando podem, mesmo que seja para fazer coisas que nem todos gostam, como assistir a casos criminais aos sábados.
Sunghoon e Jay odeiam casos criminais. Se eles pudessem, passariam os dias presos em alguma aula chata da escola, se isso significasse não ter que assistir aos programas que quase sempre terminam com uma morte sendo desvendada. Jake, no entanto, não dá a mínima para o tipo de conteúdo, então não se importa de ficar junto dos amigos em frente à TV e usando o celular.
Enquanto isso, Sunoo, Heeseung e Jungwon simplesmente amam assistir aos casos. Desde breves notícias no noticiário local até escutarem horas de podcast enquanto fazem qualquer coisa, eles amam. Nenhum deles se lembra ao certo de como ou quando começaram, apenas se lembram de que, em algum dia, eles todos estavam se reunindo apertados em frente à TV enquanto pediam para que Jake, por favor, abrisse a janela se fosse fumar, pois ninguém ali queria ficar intoxicado com o cheiro da erva.
— Ainda acho que ele quer me dar — Sunghoon comenta, de costas para a pequena TV de Jake e com as pernas sobre as de Jay, apenas para irritá-lo.
— Você acha que todo mundo quer te dar — o outro Park responde, já sem paciência.
— E nunca estou errado.
O sorrisinho prepotente de Sunghoon faz com que Jay queira socá-lo, mas ele prometeu para Jake que não arrumaria confusão no apartamento de novo, porque o síndico quase expulsou o Shim da última vez — mas ele jura que não bateu em Sunghoon forte o suficiente para que ele fizesse tanto barulho gritando.
— Quem quer te dar? — Riki se mete na conversa, achando muito mais interessante o assunto dos dois mais velhos que os joguinhos de celular.
— Você não deveria falar desse jeito — Jake o repreende com uma careta de nojo, mas RIki revira os olhos.
— Tá bom, mãe.
— Calem a boca — Heeseung pede/ordena, interrompendo qualquer protesto que Jake estava prestes a fazer.
— Mas tá no comercial — Riki é corajoso o suficiente para reclamar, recebendo um olhar feio do Lee.
— Mas não aguento mais ouvir as vozes de vocês.
— Então vai embora — Sunghoon ri, até Heeseung jogar o controle da TV na cabeça dele e ele começar a gemer de dor.
— Meu controle! — Jake se apressa para verificar se o objeto já previamente danificado ainda está funcionando, e Sunghoon o olha, sem acreditar.
— É sério isso?
— Você não tem nada pra fazer hoje? — Riki questiona Jungwon, em meio ao caos de xingamentos que ocorre exatamente aos pés dele, com direito a Heeseung se esticando para pegar Sunghoon pelo colarinho, Jay reclamando da pressão das pernas de Sunghoon sobre as dele e Jake pedindo para falarem mais baixo. Jungwon dá de ombros.
— Não?
— Com sua família? — o japonês insiste, porque de todos eles, Jungwon é o único com uma família normal — papai, mamãe, e até um irmão mais velho legal, diferente da irmã mais velha de Riki, que não gosta de vê-lo e se irrita ao escutar a voz dele. Riki acredita que, se pudesse, a garota o largaria na primeira sarjeta que encontrasse, só para não ter que lidar mais com ele. Talvez ela só esteja esperando ele ficar maior de idade para mandá-lo embora, quem sabe.
— Prefiro vir pra cá — o Yang apenas sorri e dá o assunto como encerrado, porque eles já tiveram essa conversa antes.
Yang Jungwon sempre foi a criança adorável que os parentes se aproximam para apertar as bochechas e elogiar os pais pelo bom trabalho que fizeram na criação dele. É o filho perfeito, que acabou se juntando com os amigos imperfeitos. Diferente do que as pessoas da vizinhança pensam, Jungwon sempre enxergou tudo com outros olhos. Ele sempre enxergou a vidinha medíocre que leva como realmente é, e sempre detestou isso, sempre detestou a gentileza falsa e o desgosto velado das pessoas. Desde criança ele aprendeu como se portar, porque o que as outras pessoas ao redor pensam é muito importante, muito mais importante do que como ele se sente. Ele se acostumou, mas nunca deixou de sentir profundo desprezo por cada sorriso falso, cada elogio com fundo de interesse que recebe. É por isso que ele prefere andar com os seis amigos. Jungwon os achou incríveis desde a primeira vez que se conheceram, porque ele conseguia enxergar a veracidade de cada um.
Riki, entretanto, acha Jungwon um pouco esquisito. Tudo bem, todos eles são esquisitos, mas tem algo no olhar de Jungwon que sempre o deixa intrigado, mas ele não sabe dizer o que é.
— Me solta — Sunghoon ainda está resmungando, mesmo depois de Heeseung o soltar.
Vendo os amigos ao redor, Jungwon sabe que está andando com as pessoas certas. Eles podem não ter as atitudes mais corretas às vezes e terem os piores modos que um ser humano pode ter, mas ainda assim, Jungwon sabe que estão longe de ser falsos como o resto.
Ⅲ
Dos sete, o único que costuma acordar de bom humor (ou fora de órbita o suficiente para não sentir raiva) é Jake. Mas, enquanto procuram um banco vazio para assistirem ao culto, nem mesmo Jake consegue fingir bom humor. Os sete acordaram assustados, graças a um despertador de galinha que Nishimura Riki resolveu instalar. Dizer que o garoto levou alguns tapas e xingamentos antes das sete da manhã nem é necessário.
Mesmo sem o menor interesse na palavra do Senhor, os outros seis se sentam lado a lado, cada um com seu modus operandi ativado. Sunghoon é o mais óbvio de todos, olhando para todos os bancos e encarando garotas bonitas, flertando sem medo de ser feliz. Quando eles começaram a frequentar a igreja juntos, Sunghoon chegou a sair do lugar para se encontrar com alguma garota que trocou olhares no meio do culto, mas depois de Jake o repreender e falar como aquilo era desrespeitoso com a casa do Senhor, ele nunca mais fez nada do tipo — mesmo não acreditando e não dando a mínima, apenas não quis deixar o amigo chateado.
Os hábitos dos outros ao menos são mais aceitáveis. Riki joga qualquer coisa no celular com Heeseung, enquanto Jay dorme deliberadamente, sem se importar com os olhares feios das senhoras ao lado. Sunoo e Jungwon às vezes ficam conversando baixinho, e outras vezes até prestam atenção ao culto para poderem fazer perguntas a Jake depois.
Entretanto, o culto de hoje somente fala sobre pecados. Homossexualidade é um tópico nessa manhã, e até Jake parece desconfortável sobre o banco de madeira. Até Jay, que geralmente só acorda no final quando alguém o agride para levantar do banco, acabou acordando para ouvir o que o homem lá na frente está falando.
— Ele é um babaca — Jay sussurra no ouvido de Sunoo, que afirma com a cabeça. — Não liga pro que ele tá falando.
— Não ligo.
Jungwon segura a mão do amigo e o oferece um sorrisinho, que Sunoo retribui. Jungwon odeia o fato de Sunoo ter que ser punido por ser quem ele é. Já basta tudo que o garoto tem que passar na escola e em casa, ele não precisa escutar essas coisas dentro de uma igreja — a qual ele sequer se importa.
Sunoo sempre foi taxado como o gay. Por muito tempo ele se sentiu triste com o termo, que na maioria das vezes é dito com ódio e nojo, até que chegou ao ponto de não se importar mais. Sim, ele é o gay rejeitado, que foi abandonado pelos pais e até pela irmã mais velha que sempre disse o amar. Os sete ainda não eram amigos naquela época sombria em que ainda vivia com a família, mas toda vez que Sunoo fala sobre a irmã mais velha, os amigos conseguem sentir a tristeza que a voz dele carrega. Sem sombra de dúvidas, Sunoo não esperava a punhalada nas costas que recebeu quando foi rejeitado pela irmã mais velha, alguém que ele sempre acreditou que o apoiaria em toda e qualquer circunstância. Sem pais ou irmãos, o Kim acabou indo morar sozinho com o avô, que é o único outro parente vivo que ele ainda tem e é igualmente homofóbico, mas velho e doente demais para fazer qualquer coisa com ele.
Jungwon foi o primeiro a conhecer Sunoo, na enfermaria da escola. Sunoo estava todo machucado, mas não queria falar o que tinha acontecido, irritado e tratando todos mal. Jungwon só tinha ido até ali entregar uns papéis que o professor pediu, mas acabou sentando na cama ao lado do Kim.
— Tá olhando o que? — o garoto mais velho perguntou irritado, o olhando feio mesmo que estivesse com a sobrancelha cortada e os lábios feridos.
— Você não deveria deixar alguém te bater só porque você é gay.
— Oh, me desculpe, da próxima vez que eles vierem me bater eu vou dizer ''Parem! Eu não permito que vocês me batam!''.
Ele se lembra com clareza de como Sunoo parecia um gato arisco, sem confiar em ninguém, mas doido para se sentir parte de alguma coisa. Jungwon imediatamente quis ser amigo dele, quis se aproximar, mesmo que fosse difícil ganhar a confiança do mais velho. Quando finalmente conseguiu, após muitos dias tendo que praticamente perseguir o Kim pelos corredores e tentar defendê-lo de garotos mais velhos — e até mesmo alguns mais novos —, Jungwon passou a desprezar ainda mais todos daquele colégio, se é que aquilo ainda era possível, pois andar com Sunoo o mostrou como as pessoas conseguem ser mais desprezíveis do que ele pensava.
— Cara, vamos sair daqui — Sunghoon murmura para Jake, já nem um pouco interessado em encarar garotas bonitas.
Os outros garotos concordam, desconfortáveis com a situação, e se levantam juntos para ir embora. Algumas pessoas os olham com curiosidade, mas Jake sequer olha para trás, sem paciência para lidar com religiosos hoje, e com um braço ao redor dos ombros de Sunoo ele sai da igreja acompanhado pelos amigos.
Para acalmar os ânimos após um culto agitado, Jake logo tira a erva do bolso da calça cáqui, assim que senta em uma das pedras próximas ao lago. Heeseung oferece o isqueiro para fumarem juntos, e em minutos Jay e Sunghoon estão de volta com algumas latas de cerveja, e as risadas e vozes altas dos amigos preenchem o espaço entre o lago e as árvores, seguros de que ninguém no terreno da igreja irá escutá-los xingando até a primeira geração de cristãos.
Mesmo com todas as piadas que amenizam o clima, o humor de Heeseung não é dos melhores, mas nos últimos meses quase nunca tem sido. É algo sobre a comparação que os pais insistem em fazer entre ele e o irmão mais velho, como sempre, e para tentar não pensar muito sobre o assunto, o Lee tem passado ainda mais tempo com os amigos mais novos, fumando, enchendo a cara e esquivando dos antigos colegas de classe. A última coisa que ele quer, é que os colegas vejam onde o prodígio Lee Heeseung foi parar.
Toda vez que Jay percebe o humor de Heeseung ficando nublado, ele tenta fazer alguma coisa para melhorar a situação. Não é sempre que ele consegue, mas pagar pela cerveja dele quase sempre dá certo.
— Talvez você devesse parar de se meter em confusão — Riki diz, quando Sunoo está contando a história do mais recente machucado abaixo do olho.
— O que você quer dizer com isso?! — Sunoo rapidamente se exalta, um dedo apontado para o rosto do mais novo. — Eu não me meto em confusão, eles que vêm até mim! Você é idiota?
— Da última vez, você que foi peitar um garoto que é o dobro do seu tamanho! — Riki lembra do ocorrido, quando o avô de Sunoo até mesmo teve que ser chamado na escola porque ele acabou se machucando feio (não que o velho tenha aparecido, de qualquer jeito).
— Claro! Toda vez que alguém fala merda de mim eu tenho que ficar quieto e com medo? Antes eu até ficava quieto, mas agora já sei que vou apanhar de qualquer jeito, então que diferença faz?
A voz de Sunoo é alta o suficiente para qualquer pessoa em um raio de 1km escutar, mas acaba sendo um pouco abafada pelo som de construção insistente que não está muito distante do lago.
— Daqui a pouco você vai dizer que eu deveria parar de ser gay, assim eles parariam de me bater — o Kim continua, se levantando de uma das pedras e Jungwon até acha que ele vai bater em Riki, mas ele logo senta de novo.
— Você é tão exagerado — Riki reclama.
— Vocês não ficam com o Sunoo? — Jake pergunta, apontando para Sunghoon e Jay enquanto sopra para longe a fumaça.
— Sim, mas a gente não nasceu colado — Sunghoon responde com uma sobrancelha levantada. — Não dá pra ficar colado nele o tempo todo.
— Você diz isso porque tá sempre ocupado comendo alguém no banheiro — Jay o acusa, e Heeseung quase engasga com a cerveja.
— Qualquer dia desses, umas duas garotas vão aparecer grávidas e dizendo que você é o pai — o mais velho ri, fazendo os mais novos rirem com ele, menos Sunghoon, que faz o sinal da cruz mesmo não acreditando em nada (uma das manias que pegou de Jake).
— Mas ele só tem levado garotos pro banheiro — Jungwon conta com um sorrisinho de canto, e os amigos fazem um coro de risadas.
— Então a novidade vai ser pegar alguma doença — Jay ri ainda mais.
— Isso não é justo, porque só eu apanho por ser gay? — Sunoo lamenta, porque ele nem aparece com outros garotos e já é perseguido, imagine se fosse para o banheiro com alguém!
— Porque você é o único gay óbvio — Sunghoon dá um tapinha no ombro do mais novo, que forma um bico. — Mas você tá certo, o Jay também é um gay óbvio e ninguém faz nada com ele.
Os garotos riem, menos Jay, que o mostra o dedo do meio e o manda tomar no cú com a mão que não está segurando a cerveja.
De todos do grupo, Jay e Sunghoon são os únicos que já se conheciam, por causa do meio em que viviam. Mesmo a amizade deles parecendo mais agressiva, é por causa da intimidade de tantos anos de convívio.
Eles estavam muitas vezes no mesmo ambiente; jantares e eventos dados para a alta sociedade. Jay, como o filho de um homem rico e influente e Sunghoon, como o atleta reconhecido e cheio de patrocínios. Eles sempre tiveram uma amizade incrível, pareciam quase a mesma pessoa em muitos aspectos, e foi mais ou menos ao mesmo tempo que a vida deles começou a descer ladeira abaixo.
O pai de Jay acabou sendo preso sob diversas acusações de desvio de dinheiro, e o garoto teve que se mudar do luxo em que nasceu às pressas, sem tempo para absorver o que estava acontecendo ou muito menos se acostumar, e do dia para a noite estava tendo que lidar sozinho com a mãe alcoólatra e problemática, enquanto aprendia a viver em uma nova realidade de não ter dinheiro para fazer o que quisesse e morar em um bairro simples. Foi mais ou menos ao mesmo tempo que Sunghoon se feriu gravemente durante uma competição e descobriu que não poderia mais competir, e acabou perdendo todos os patrocínios e a vontade de patinar, e é óbvio que ele e Jay começaram a sair mais do que o normal, agora apenas mudando de ambientes luxuosos para as ruas com a diversão mais barata que encontrassem.
E foi assim que Jay se tornou o estudante agressivo que está sempre disposto a brigar e não abre mão de beber, e Sunghoon se tornou um porre de aluno e filho, tendo como hobby usar as pessoas. Apesar da mudança drástica de personalidades, os dois se tornaram mais amigos do que nunca.
— Que porra de barulho é esse? — Jay reclama do som constante de marteladas e máquinas, dando mais um gole na cerveja.
— Tá tendo uma obra aqui perto — Jungwon diz, e Jay se esforça para tentar lembrar. — Em uma casa, ou algo assim.
— A casa tá quase pronta, mas eles ainda vão fechar um buraco de piscina que tem no chão — Sunghoon conta. — Tão enchendo de pedras e lixo pra poder cimentar depois.
— E como você sabe disso? — Sunoo pergunta, uma sobrancelha erguida.
— Fui lá ontem com a Eunseo — ele dá um sorriso sacana e o Kim finge vomitar.
— Vamos sair daqui, não aguento mais esse barulho.
— Qual é, daqui a pouco para — Heeseung diz com preguiça, os olhos já um pouco avermelhados e a lentidão dos movimentos mostrando que a droga já começou a fazer efeito.
— Mas o barulho tá insuportável — Jay insiste, sendo o jovem de espírito velho que é.
— Relaxa, cara — Jake concorda com Heeseung, estando igualmente lerdo por causa da droga. — A gente não tem outro lugar pra ir mesmo.
Dessa vez Jay não tem como argumentar, porque eles realmente não têm mais o que fazer. Morar em cidade pequena é uma coisa que ele ainda não se acostumou e acha que não vai se acostumar nunca.
— Falando em lugar pra ir, — Sunoo se lembra do que queria comentar com os amigos. — amanhã vai ter uma festa de Halloween...
— Qual é, Sunoo — Sunghoon interrompe o amigo aos risos. — Não acha que tá grandinho demais pra querer frequentar a festinha de Halloween da escola?
— Quem tá grande demais pra isso é você, que reprovou — o Kim não deixa barato, arrancando risadas dos amigos e um revirar de olhos de Sunghoon. — Mas eu não tô falando dessa festa. Só acho que seria legal se a gente saísse no Halloween, já que não vamos ter mais nada pra fazer. Eu pelo menos não quero ficar o feriado inteiro dentro de casa com o meu avô.
— Ahh — Jungwon resmunga com uma careta. — Se eu ficar em casa, meus pais vão me obrigar a ir numa festa de Halloween com amigos de trabalho deles.
— Pelo menos você tem pra onde ir — Riki resmunga.
— Por mim, tudo bem — Sunghoon é o primeiro a concordar, parecendo animado. — Não planejava ficar em casa mesmo.
Se Sunghoon vai, Jay também vai. Se os dois vão, Jake dá de ombros e olha para Heeseung, que também dá de ombros, porque ele usa qualquer desculpa para não ter que trabalhar aos feriados. E, se todos os hyungs vão, é claro que os mais novos vão também.
Ⅳ
Quando resolveram sair para dar uma volta na noite de Halloween, Heeseung pensou que eles fossem pegar partes de fantasias usadas em anos anteriores e fossem para a rua beber um pouco. Não esperava que fosse receber a visita dos amigos mais novos em busca de objetos para complementar a fantasia deles.
— ... e eu lembrei que sua irmã usou algumas coisas na festa de Halloween do ano passado — Sunoo explicou, parado à porta da residência dos Lee.
Heeseung apenas encarou os três com preguiça, mas por fim os deixou entrar. Não é sempre que recebe os amigos em casa — os pais não são as melhores pessoas de se lidar, mas Heeseung também tem alguma noção e não quer colocar os amigos no mesmo ambiente que Hyein, sua irmã mais nova, mesmo com a certeza de que os amigos jamais fariam algum mal à ela (apenas não são a melhor influência para a garota). —, mas por sorte estava sozinho.
— É tudo cor-de-rosa — Heeseung alertou, voltando ao seu quarto com os objetos em mãos.
— Não tem problema — Jungwon murmurou, focado em escolher o que usaria.
Sunoo cismou que seria um goblin, mas a fantasia dele em nada pareceria com um goblin, apenas colocaria uma lente verde em um dos olhos e pequenos chifrinhos pretos que, segundo ele, fariam um ótimo contraste com seu cabelo também cor-de-rosa.
Riki não parou de falar um minuto sobre como seria um alienígena, mas acabou escolhendo uma falsa máscara de gás, e não soube dizer para Heeseung o motivo, apenas que achou a máscara maneira.
Jungwon, entretanto, se empolgou com a ideia de ser apenas um humano.
— Vou colocar uns óculos grandes e carregar uma dessa — ele disse com um sorriso, colocando a grande arma de brinquedo sobre o ombro.
Heeseung não ligou muito para os mais novos se preparando para o Halloween, mas se surpreendeu ao chegar no cubículo de Jake ao fim do dia e se deparar com Jay focado em desenhar veias pelo pescoço, tendo o auxílio de Sunoo e Jake, que já estavam igualmente arrumados demais para a singela noite de Dia das Bruxas.
Jake já estava vestido de preto e vermelho e com um tapa-olho; disse ele estar fantasiado de devil. Heeseung estava tentando dizer a ele que ninguém adivinharia o que era aquela ''fantasia'' quando Sunghoon chegou, vestindo um sobretudo preto e um chapéu, sem falar do coturno pesado. Heeseung suspirou, cansado. Vendo todos os amigos mais arrumados que o necessário, se sentiu sem mais alternativas e tentou dar um jeito nas próprias roupas. Inventou que seria uma múmia e pegou um casaco cinza de Jake, velho e surrado, ignorando as críticas dos amigos, porque queria sair logo dali de dentro e ir para a rua, bem vestido ou não.
Após tanta preparação, finalmente chegam às ruas que rodeiam o centro da cidade, fantasiados e em busca de doces — e travessuras, que são a maior graça da noite. As ruas estão cheias, pessoas fantasiadas para todo lado, e não demora muito até Sunghoon inventar uma desculpa para deixar os amigos esperando, pedindo para Sunoo segurar o chapéu de Grim Reaper dele e dizendo que volta em um minuto. Sunoo nega segurar partes da fantasia do Park para ele se atracar com outras pessoas, e os seis ficam parados na rua mal iluminada enquanto veem as pessoas passando.
— Não acredito que vamos ficar parados atrás da escola pra esperar o Sunghoon comer alguém — Jay é o primeiro a reclamar, checando na câmera do celular se a pintura no pescoço está visível. — Dá pra perceber que eu sou um zumbi? — ele pergunta para Jungwon, que não tem certeza se deve contar que ele está arrumado demais para ser um zumbi, ou se deve mentir para ele ficar de bom humor.
— Ele não vai comer ninguém — Heeseung afirma de braços cruzados. — A não ser que goze em cinco minutos.
Jake e Riki riem, mas Sunoo está impaciente demais para os perdidos de Sunghoon. Qual é, eles acabaram de chegar, ele não poderia esperar mais um pouco pra escolher alguém pra pegar?
Enquanto ajeita os chifrinhos de plástico, Sunoo repara melhor na movimentação atrás da escola. Umas meninas estão por ali, com uma movimentação um pouco suspeita, e ele até imaginaria coisas se não reconhecesse a irmã mais nova de Heeseung. A garota tem o que, quinze anos? E, até onde ele sabe, Hyein deveria estar na festa de Halloween entediante do colégio, e não do lado de fora, fazendo sabe-se lá o que com outra amiga. Jungwon também parece ver as garotas, mas não comentam sobre.
Quando Sunghoon finalmente volta, Jay já está indo para a quarta lata de cerveja. Eles caminham pelas ruas cheias enquanto conversam e observam a vida dos outros, procurando o próprio jeito de se divertir. Uma das coisas que têm em comum é que não são muito de festas e na maior parte do tempo preferem estar sozinhos — um dos motivos pode ser porque ninguém os convida para festas e, quando o milagre acontece, sempre terminam metidos em brigas.
As ruas estão cheias de todo tipo de gente, de todas as idades, mas pegar doces acaba ficando entediante depois das primeiras casas. Eles decidem ir até a praça local que fica em frente à igreja da cidade, onde alguns dos alunos da escola estavam combinando de se reunir e, sem ter mais nada de interessante para fazer, decidem ir para lá perturbar um pouco.
Quando chegam, encontram não somente a praça lotada como também com música alta e muitas barracas de comida, tudo com uma péssima decoração de Dia das Bruxas.
— Não acredito que fiquei com fome até agora, podendo estar aqui comendo desde o início da noite — Heeseung vai direto para uma das barracas, acompanhado pelos amigos.
Eles passam despercebidos pela multidão, e são brevemente notados apenas quando Sunghoon provoca algumas garotas com quem já se relacionou e quase leva um banho de uma bebida qualquer, e Jay implica com um grupo de garotos, debochando e tomando a bebida de um deles, dando um gole apenas para provocar e depois jogando a latinha no chão. Os outros meninos vão atrás de Heeseung, mas sem tirar os olhos da possível briga que Jay pode acabar criando a qualquer momento.
— Vão querer alguma coisa? — Heeseung pergunta aos mais novos, e Riki é o único que aceita algo para comer.
— Quem são aqueles? — Sunoo pergunta, sem tirar os olhos de Jay.
O Park continua implicando com o grupo de quatro garotos, tomando as bebidas deles e os empurrando algumas vezes, claramente se divertindo com o ato de caçar confusão.
Heeseung olha para trás por breves segundos e volta a olhar sua comida, dando de ombros.
— Pouco me importa — é a única coisa que o Lee diz antes de começar a comer, gemendo com o sabor. — Tava com uma fome do caralho. Tá bom, Riki?
— Uhum — o mais novo apenas resmunga, a boca estufada de comida.
— Eles cagoetaram o Jay hyung pro diretor na semana passada — Jungwon responde Sunoo, os dois observando os quatro garotos aos poucos tentando se afastar de Jay, olhando ao redor claramente em busca de ajuda, nervosos, mas ninguém está prestando atenção ao que acontece com eles.
— Por causa de bebida?
— Não exatamente. Ele tava bêbado e vomitou o banheiro inteiro, aí eles foram pra direção contar.
— Então foi por causa de bebida — Riki aponta.
— Foi por causa de vômito.
Sunoo faz uma careta e continua encarando os garotos. Eles não precisavam ter cagoetado Jay por isso, embora provavelmente tenha sido nojento, mas essa escola está infestada de falsos moralistas que não perdem a oportunidade de se meter na vida alheia com dedos apontados, como se também não fizessem coisas erradas.
Sunghoon parece ter desistido de implicar com suas ex-ficantes e puxa Jay para longe do grupo de garotos, o arrastando de volta até os amigos.
— Já colocou medo suficiente neles — ele ri da cara de Jay enquanto debocha. Jay se solta do aperto dele, ajeitando a roupa e desistindo de voltar até os quatro quando os vê andando com pressa para longe.
— Vamos ver se agora eles vão se meter na minha vida de novo — o Park mais velho murmura com uma expressão fechada.
Heeseung acaba pagando algo para Jay comer também, mesmo que ele não queira, porque não está disposto a carregá-lo bêbado antes de a festa acabar. Por isso, o Lee o obriga a comer alguma coisa antes de pegar mais uma cerveja.
— ... e aí é um inferno! — Sunoo está contando aos amigos mais velhos o estresse que os garotos da escola os fazem passar, com gestos largos e curtas demonstrações de agressões.
— Eles bateram em você hoje de novo? — Jake pergunta, checando o rosto do Kim de perto e notando um corte recente na bochecha dele.
— Não, isso foi meu avô — ele revira os olhos, não dando muita importância. — Porque pintei o cabelo de rosa, sabe.
— Mas isso já tem tempo — Riki faz cara feia e Sunoo dá de ombros.
— Mas só ontem ele conseguiu acertar o controle da TV na minha cara.
— E esse velho ainda consegue se mexer? — Sunghoon reclama, exasperado, e os outros riem.
Fazer piada com os problemas do avô de Sunoo faz todos eles rirem. Não é segredo nenhum que o Kim não tem nenhum tipo de vínculo afetivo com o homem de idade, e que se pudesse passar os dias sem precisar ter contato com ele, o faria. Não é à toa que Sunoo passe a maior parte do tempo com os amigos ao invés de ficar em casa.
— Ah não — Jay resmunga, fechando a cara, e Jake não entende.
— Que foi?
— Olha quem tá aqui — ele inclina a cabeça um pouco para o lado e Jake vê Gwinam com os amigos babacas.
— Pelo menos ele não tá fazendo nada com ninguém — o Shim dá as costas para o grupo de delinquentes, disposto a ignorá-los.
Gwinam é um dos garotos que está sempre perturbando eles no colégio, seja se metendo em brigas ou fazendo a cabeça de outros alunos para que briguem com Sunoo e Riki. Jay gosta de falar que ele dá o cú para o diretor para sair sempre impune, mas todos sabem que ele nunca recebe punições por ser filho de um ricaço — e isso atinge Jay mais do que ser chamado de bêbado de merda por Heeseung toda vez que brigam de verdade.
— Ele se acha — a voz enojada de Sunoo combina com a expressão dele, e os amigos concordam, o assistindo agir como líder do bando, como uma espécie de capitão do time de filme adolescente genérico.
— Ele é o mais insuportável de todos — Riki dá as costas para o garoto, enchendo a boca de bungeoppang e falando de boca cheia. — Ele enche o saco até dos alunos da minha sala, e a gente acabou de entrar no ensino médio.
— O que ele anda fazendo? — Jake fica curioso, embora já tenha uma ideia do que costumava acontecer quando ele ainda estava na escola, e Riki revira os olhos ao lembrar.
— Fica ameaçando e dando ordens, e quando não tem ninguém vendo, vocês já sabem. Outro dia ele mandou um garoto da minha turma ficar de olho pra ele invadir a sala de química e o garoto não quis, e o Gwinam disse que ou era aquilo ou o colocaria pra mam-
— Então o viadinho é ele — Sunoo fica indignado e Heeseung bufa.
— Deve ser mesmo — o japonês dá de ombros. — Por isso te persegue e fica ameaçando te forçar a fazer coisas com ele. Ele deve mesmo querer te p...
— Nem termina essa frase — o Kim diz alto, a ponto de vomitar só de imaginar ouvir tal coisa.
— Que filho da puta — o Lee fica com ódio só de ouvir, e amassa a latinha de refrigerante que acabou de beber, a jogando no chão. Ele sabe que esse garoto é o responsável pelo rosto de Sunoo ainda estar machucado, sabe que os dias dos mais novos na escola são terríveis por conta desse cara, mas ouvir detalhes sobre o babaca sempre consegue irritá-lo. Gwinam já era um imbecial quando ele estudava lá, mas parece que o tempo só o está deixando ainda mais intragável.
— Mas ele quase nunca cumpre as ameaças — Sunghoon ri. — Não tem culhões pra isso.
— Cumpre algumas — Riki lembra, tentando engolir a comida para não falar cuspindo. — Uma vez ele disse que se eu não desse o dinheiro do almoço pra ele, me pegaria na porrada. Eu não tinha dinheiro nem pro meu almoço naquele dia, e ele realmente me bateu.
— Eu lembro disso — Jay murmura. — Ele tem a porra do dinheiro dele e faz os outros pagarem. Se eu tivesse a oportunidade de pegar esse moleque na porrada de novo, eu juro que...
— E se você tiver essa oportunidade agora? — Riki interrompe os xingamentos do Park, que o olha sem entender e o mais novo aponta. — Parece que ele tá se afastando dos amigos.
— E daí? — Sunoo empurra o ombro do Nishimura, achando a ideia péssima.
— A gente poderia pregar uma peça nele — Jungwon sugere, colocando a arma cor-de-rosa de lado. — Só dar um susto.
Sunoo vira com uma sobrancelha erguida e um olhar questionador para Jungwon, que sorri e dá de ombros, levando na brincadeira. Os olhos dos sete se voltam para Gwinam, que continua se afastando dos amigos e da multidão, enquanto pensam na ideia. Só dar um susto não teria problema algum, eles parecem pensar em conjunto.
— Acho que ele tá indo pra igreja — Jake se estica um pouco para enxergar, trocando olhares com os amigos.
— Foi ele que fez isso com o rosto do Sunoo, não foi? — Sunghoon lembra, ajeitando o chapéu na cabeça.
— Foi. Nós vamos? — o mais novo fica agitado, abraçando Heeseung apertado e dando um sorriso quadrado e largo, claramente animado. Heeseung ri, tentando acalmar o japonês, que logo gruda em Jungwon.
— Acho que é uma boa ideia — Jake é o primeiro a concordar, rindo. — Um pouco de travessuras de Halloween.
— Você fumou antes de sair de casa? — Jay o olha com um pouco de tédio e Jake ainda pensa antes de responder.
— Sim?
— Que seja — ele murmura, e Sunghoon coloca um braço ao redor dos ombros do amigo-zumbi, o sorriso de orelha a orelha.
— Vamos logo que minha mão tá coçando pra dar uns socos em alguém — Sunghoon ri e leva um soco de Heeseung.
— Fala baixo, imbecil.
— Espera, não vai ser só um susto? — o garoto de cabelo cor-de-rosa ainda pergunta, e os mais velhos confirmam de um jeito esquisito. Sunoo não tem certeza sobre que tipo de susto os amigos estão falando, mas também não poderia se importar menos, apenas não quer se meter em confusão.
Disfarçadamente, eles saem do meio da multidão e vão atrás do garoto. Não é muito difícil serem discretos quando todo mundo ao redor parece estar bêbado e a iluminação é tão precária; e, sendo parte dos sete a invisibilidade social é quase como um dom.
— O que você tá fazendo? — Riki para de andar quando percebe Sunoo ficando para trás, e Jungwon para também.
— Tirando uma foto — o garoto responde sem parar de fazer pose, apontando para os chifrinhos e fazendo o mais novo estalar a língua no céu da boca.
— Vamos logo — o japonês o puxa pelo braço, mas o Kim não desiste da sua foto nem mesmo sendo arrastado, segurando o celular com apenas uma mão e resmungando sobre ter que postar sua selfie.
Ninguém parece se importar quando eles atravessam a festa, tomando o cuidado de passar por trás de algumas barracas ao invés de irem pelo meio das pessoas, trocando risadas e empurrões conforme se afastam.
A igreja está fechada, mas os sete observam à distância Gwinam forçar a grande porta de madeira e invadir o local, para o horror de Jake.
— O que esse babaca tá fazendo? — o sussurro dele é abafado pelo vento gelado que corre no momento em que Gwinam bate a porta, aparentemente sem se preocupar em ser pego.
Eles se aproximam sorrateiramente, aproveitando que a entrada da igreja não fica de frente para a praça e as chances de alguém os ver ali são baixas. Jungwon é o primeiro a abrir a porta de madeira novamente, tomando cuidado para não fazer barulho e dando uma espiada curiosa para ver a movimentação dentro da igreja. É possível ver o invasor caminhando até o púlpito em meio à escuridão, então o Yang dá passagem para o restante dos amigos com o dedo esticado em frente aos lábios, sinalizando para fazerem silêncio. A igreja está vazia e, com as luzes apagadas, os sete têm que tomar cuidado para não esbarrarem em nada e não serem ouvidos, caminhando logo atrás de Gwinam.
— Ele tá indo pro banheiro — Heeseung para no caminho com o braço esticado para parar os amigos no momento em que veem o alvo da travessura entrar no pequeno lavabo.
— O idiota invadiu a igreja pra dar uma mijada — Jake reclama e os mais novos riem baixo, tomando cuidado para as vozes não ecoarem por toda a igreja.
— Acho que ele merece levar um susto por invadir um local sagrado — Heeseung diz com um sorriso de lado e todos concordam, seguindo Gwinam até o banheiro que fica por trás do púlpito.
Com toda a escuridão do lugar, é fácil ver a luz que passa na fresta da porta do banheiro, e eles escutam a movimentação do garoto ali dentro com atenção.
— Eu vou apagar a luz com ele lá dentro — Heeseung ri seguido de Jake, mas Jungwon não encontra nenhum interruptor.
— Não dá pra apagar a luz por fora — o Yang fala baixinho, e eles pensam em outra alternativa.
— Bate na porta — Sunghoon sugere, e todos gostam da ideia. — Ele vai se cagar todinho.
Os garotos se preparam para se esconder, mas Jay, que sempre gosta das coisas muito elaboradas, dá a ideia de acender velas antes. Com pressa para surpreender o garoto que ainda está no banheiro, eles deixam algumas velas acesas, espalhadas ao redor da entrada do banheiro, e correm para se esconder na escuridão, longe das grandes janelas que deixam a pouca iluminação da lua entrar. Heeseung é o único parado em frente à porta, com as pernas viradas para o lado, pronto para sair correndo depois de bater.
Ele olha para os amigos escondidos, e então dá duas batidas leves na porta e corre para se esconder também. Com uma reação quase imediata, o garoto que está no banheiro abre a porta com tudo, movimentando a cabeça freneticamente, procurando quem bateu, e se depara com as velas no chão. Gwinam encara as velas, então olha novamente ao redor.
— Quem tá aí? — ele pergunta alto e irritadiço, mas qualquer um pode notar o medo na voz dele.
Sem obter uma resposta, Gwinam não diz mais nada e volta devagar para dentro do banheiro, sem virar as costas para a porta aberta. A igreja está em completo silêncio, o único barulho vindo do lado de fora, a música alta se esforçando para passar pelas frestas das janelas fechadas e das portas trancadas. Mas, quando Gwinam escuta o barulho de algo caindo no chão, ele tem certeza de que não está louco e que sabe que não está sozinho, e isso parece o encorajar.
O garoto dá um grito irritado e sai do banheiro, chutando as velas do chão para longe. Algumas quebram e se apagam com o impacto, outras continuam queimando, fazendo os sete se afastarem da luminosidade, mas ninguém diz nada ainda.
— Inguk e Joongi, se vocês estiverem tentando me assustar eu vou meter a porrada nos dois — ele ameaça, se aproximando cada vez mais do púlpito que esconde Jungwon e Jake.
Heeseung aproveita que o garoto está afastado e corre para apagar a luz do banheiro, os deixando no completo breu. Gwinam se vira rápido, completamente assustado, e fica imóvel, sem coragem de voltar ao banheiro agora que não consegue enxergar nada. Por trás dele, Jay aproveita para se aproximar lentamente e o dá um empurrão. Gwinam tropeça e por pouco não perde o equilíbrio. Assustado, se vira para tentar enxergar quem é, vendo apenas a silhueta, sombras de alguém próximo. O único som ecoando pela igreja é o da respiração descompassada e até um pouco congestionada de Gwinam, o que faz os sete amigos quererem rir.
— Quem é vo-
Sunghoon o empurra por trás e dessa vez ele perde o equilíbrio e cai de joelhos na frente de Jay, que não consegue segurar a risada e é seguido pelos amigos — menos por Sunoo, que está começando a achar que isso pode dar errado, principalmente quando os mais velhos continuam a empurrar Gwinam de um lado para o outro. Ainda assim, o desespero do delinquente é divertido de se ver. Talvez, depois que eles terminarem e estiverem no caminho de volta, Sunoo até dê umas boas gargalhadas.
Não importa quantas vezes Gwinam pergunte quem está ali e quem eles são, os sete já encontraram a diversão da noite e não vão abrir mão dela tão cedo. Os empurrões ficam cada vez mais fortes, com a trilha sonora de sons de fantasma que Riki começa a fazer de fundo, misturada com as risadas dos sete. Gwinam até tenta se defender, os agarrando pelas roupas e tentando se soltar, mas ele não passa de um mauricinho metido a baderneiro, e se torna nada mais que uma larva quando está sozinho, completamente indefeso e apavorado.
Os sete acham engraçado o desespero de Gwinam e as tentativas inúteis dele de conseguir saber quem eles são, como se isso fosse o livrar de alguma coisa. Não demora muito até o garoto começar a gritar, ficando mais e mais desesperado com o passar dos minutos.
— Me solta! — ele insiste em repetir ao tentar se soltar das mãos firmes de Sunghoon, que o joga para o chão novamente, aos pés de Heeseung.
— Quem é o fodão agora? — Heeseung ri, o empurrando com o pé.
Ao ouvir Heeseung falar, Gwinam se encolhe sobre o chão gélido e tenta se afastar, os olhos arregalados, tentando encontrar de onde veio a voz. Jake se preocupa um pouco, porque o garoto no chão parece reconhecer a voz de Heeseung, parece até surpreso, e todos os amigos parecem pensar a mesma coisa, porque ninguém se move, até que Gwinam levanta do chão com tudo, passa correndo por Heeseung e vai até o banheiro, cambaleando e batendo o corpo de contra a parede por não estar enxergando direito.
Os mais velhos se apressam em correr até ele, mas quem está mais perto é Sunoo, que na tentativa de ajudar acaba o segurando pela camisa, mas Gwinam alcança o interruptor do banheiro e acende a luz a tempo de vê-los; Heeseung, Jay e Sunghoon parados próximos a si enquanto Sunoo está o segurando pela roupa.
— Então são vocês — os olhos de Gwinam estão cheios de ódio quando finalmente consegue enxergar as pessoas que o estão perturbando, sendo o primeiro de todos o preferido dele.
Antes que qualquer um possa sequer pensar ou se mover, Gwinam dá um soco forte no rosto de Sunoo, que perde o equilíbrio com o impacto e solta um gemido que para os amigos é angustiante de ouvir.
— Então quer dizer que o viadinho ficou corajoso — ele sacode a mão direita, que também doeu com o impacto. — Não adianta insistir, já disse que não quero te comer.
Jungwon larga sua arma de qualquer jeito no chão quando ele e Jake saem de trás do púlpito e correm até Sunoo, que segura o maxilar com as duas mãos. Gwinam fica ainda mais surpreso quando percebe que têm mais gente ali e que entre eles está Yang Jungwon, o garotinho perfeito. Antes que ele perceba a figura de Riki também se apressando para ver como Sunoo está, Sunghoon vai para cima dele sem medir forças, acompanhado de Jay e Heeseung, que o ajudam a tentar tirar o garoto de dentro do banheiro na marra, já que ao ver que é ele contra os sete, recua como o covarde que sempre foi e tenta se esconder, se debatendo como um verme.
— Cadê sua coragem agora, babaca? — Jay diz entre dentes, sem rastro do sorriso de diversão de antes ao que desiste de tentar tirá-lo do banheiro e o empurra contra uma das paredes com azulejos de anjinhos.
— Deixa eu ver — Riki solta a máscara cor-de-rosa no chão para tirar as mão de Sunoo do maxilar, e felizmente não parece muito grave, apenas está começando a ficar roxo. Um pouco. Talvez piore, mas pelo jeito que Sunoo caiu no chão, Riki pensou até que tivesse quebrado o maxilar.
— Tá doendo muito? — Jake pergunta e Sunoo, mesmo com o rosto inteiro latejando, ainda consegue revirar os olhos.
— O que você acha?
Jake estala a língua no céu da boca com o abuso do Kim, o forçando a levantar o rosto para que possa ver melhor o local. Mesmo qeu Sunoo seja um abusado, para Jake ele ainda é como um irmão mais novo — o irmão que ele faz questão de cuidar, assim como gostaria que um dia tivessem cuidado dele.
Eles não conseguem ver bem o que acontece enquanto estão ao redor de Sunoo, mas se assustam ao escutar um grito de dor.
— Jay hyung! — Jungwon se levanta ao ver o mais velho dando outro soco forte na barriga de Gwinam, o fazendo se curvar de dor.
— Que foi?! — o Park vira para o mais novo com raiva no olhar, e Jungwon perde a voz.
Ver Gwinam apanhar não faz Jungwon sentir pena, tampouco se preocupar com o bem estar dele; a agressão repentina apenas o assustou porque não estava nos planos. Ao menos, não exatamente.
— Nada — ele murmura, e Jay volta a atenção ao garoto que está agora no chão. Riki olha para Jungwon com curiosidade, como se não tivesse entendido a reação surpresa dele.
— O que você acha de pedir desculpas? — Heeseung sugere, um sorriso debochado nos lábios e uma das mãos segurando Gwinam pelos cabelos, o fazendo olhar para cima.
— Pelo que? — Gwinam cospe as palavras, o maxilar trincado de ódio.
O delinquente se lembra bem de quando Heeseung ainda estava na escola, como além de ser o melhor em tudo o que fazia, ainda gostava de bancar de herói, sempre se metendo na vida de Gwinam. Ele deveria imaginar que Heeseung ainda anda com os Park, mas não pode deixar de se surpreender com a amizade entre ele e Yang, aquele sadicozinho.
— Ah, ele não sabe — Sunghoon debocha, já sem o chapéu e o sobretudo da fantasia, que acabaram caindo no chão do altar.
— Que tal... Pedir desculpas por socar a cara do Sunoo? — Jay sugere, uma sobrancelha levantada e os olhos afiados fixos no rosto com alguns arranhões de Gwinam.
— Ah, isso — o garoto ainda tem a coragem de rir em escárnio. — Desculpa, Sunoo. Eu vou pensar melhor se deixo você me mamar ou não.
Ao ouvir isso, Heeseung o segura ainda mais forte pelos cabelos e puxa a cabeça dele para trás, e Jay desfere outro soco no rosto dele. Isso não impede Gwinam de continuar gritando provocações e distribuindo xingamentos para todos os sete, até que Jay perde totalmente a paciência quando os gritos ficam altos demais para a sanidade dele. Jake decide que é melhor se levantar e entrar no banheiro para ver o que está acontecendo, porque nem Sunghoon nem Heeseung parecem dispostos a interromper seja lá o que está acontecendo, e a coisa está ficando cada vez mais séria, é óbvio que eles já estão ali há tempo demais. Ao ver Jay e Gwinam se atracando dentro do cubículo, ele tenta afastar Jay do garoto mais baixo, que já está com o rosto visivelmente machucado.
— Cala a boca! — Heeseung grita para Gwinam, que insiste em continuar a gritar xingamentos.
— Me solta, porra — Jay se irrita com Jake, que o segura e não o larga.
— Para de cair na pilha dele, cara — Jake tenta convencê-lo e Jay murmura um ''não vou, mas me solta'' que convence o Shim.
De fato, Jay não volta a socá-lo, mas Gwinam ganha espaço para se levantar, mesmo com as pernas bambas e doloridas, e ainda provoca mais uma vez.
— Parece que o Sunoo não é o único que quer me dar — ele ri, os lábios cortados e os dentes sujos de sangue. — Eu sei que você também é a porra de um viadinho, Park Sunghoon, ou pensa que não te vejo se esfregando com outros garotos pelos banheiros da escola? Provavelmente você deve comer seus amigos também, vocês devem se revezar. Deixa eu adivinhar, seu preferido é o Sunoo, a putinha da escola? Ou é o Jay, que vive colado em você? Eu sei que o Jay é o seu preferido.
Quanto mais Gwinam fala, mais irritados os sete ficam. Os punhos de Jay ainda estão cerrados e coçando para atingir o rosto de Gwinam novamente, mas Jake torna a segurá-lo pelo braço.
— A gente já passou do ponto — é o que o australiano murmura para apenas Jay ouvir, tentando impedi-lo de fazer besteira.
— Mas eu até que te entendo, sabe. Se eu tivesse perdido tudo e virado um aleijado, também passaria o resto dos meus dias fodendo por aí, sem me preocupar com-
Sunghoon se irrita e vai para cima dele, cheio de ódio, e mesmo que Jake olhe para Heeseung apavorado, o mais velho resolve não intervir. Agora é Jay que segura Jake no lugar, o impedindo de entrar no banheiro para apartar a briga. Jay sabe mais do que ninguém o que Sunghoon passou e como isso ainda o afeta, e um estrume como Gwinam não tem o direito de usar isso contra ele. Heeseung também sabe da história de Sunghoon, então apenas observa. Não é nenhum incômodo assistir Gwinam levar umas boas porradas.
Os dois estão brigando — Gwinam está tentando revidar as agressões, mas Sunghoon é mais alto e mais forte, e também está com muito mais ódio no coração, até que Sunghoon dá um soco forte com o punho cerrado, bem no rosto de Gwinam. O impacto é tão forte que faz um barulho alto, e Gwinam bate a cabeça no sanitário e cai no chão, aparentemente desmaiado.
— Vai, levanta — Sunghoon grita com ele, ainda furioso, mas Gwinam continua imóvel, jogado no pequeno espaço entre o sanitário e os anjinhos dos azulejos.
Sunghoon se irrita com o silêncio e se aproxima para dar um chute em Gwinam, mas Jay o segura pelo braço.
— Que foi? — ele olha para o amigo sem entender o motivo para ser interrompido, mas os olhos assustados de Jay o convencem a se afastar.
Jay puxa Sunghoon para fora do banheiro e entra, espremido junto a Heeseung. Eles se abaixam e observam Gwinam de perto, enquanto Jake está esperando do lado de fora, tentando impedir que eles cheguem perto demais, e é quando Heeseung se levanta com os olhos perdidos e o rosto pálido que eles se dão conta do que está acontecendo. Um silêncio ensurdecedor se segue, o desespero começando a bater aos poucos, até os consumir por completo.
Sunoo é o primeiro a começar a xingar baixinho, sem conseguir acreditar. É a vez de Jake e Jungwon se espremerem dentro do banheiro para olhar, cutucando o garoto, o empurrando e chamando. Jake até tenta fazer Jungwon sair dali, mas o garoto parece estar mais do que disposto a ver Gwinam de perto.
— Coloca ele sentado — Jake sugere, mas Jay não move um dedo. — Ele pode ter desmaiado.
— Se ele tiver desmaiado tem que continuar deitado — Heeseung lembra, a voz tão baixa que quase não dá para ouvir.
— Ele tá respirando? — Jungwon pergunta, se aproximando mais do garoto, mas Jay nega antes que ele possa conferir.
— Merda, merda — Sunoo continua murmurando, andando de um lado para o outro do altar.
— E se alguém fizer respiração boca a boca? — Riki sugere, ainda tentando entrar no banheiro e olhando por cima dos ombros dos amigos, mas Heeseung o segura do lado de fora.
— E você sabe fazer respiração boca a boca por acaso? — Heeseung dá um esporro no garoto, que não sabe nem como agir, atordoado pela situação.
— Só tava tentando ajudar — o mais novo se justifica, ofendido.
— Com respiração boca a boca?!
Um falatório se inicia entre os garotos, todos tentando encontrar uma solução enquanto tentam reanimar Gwinam de qualquer jeito. Agachado ao lado de Gwinam, Jay o encara por mais alguns momentos antes de se levantar.
— Gente — ele tenta chamar a atenção de todos, que estão nervosos e apavorados demais para parar de falar coisa com coisa. — Ele tá morto.
— Não é possível — Jake ainda insiste, incrédulo e com as mãos no rosto. Jake já viu de perto, já notou que ele não está mais respirando e que os olhos dele estão bem abertos e vazios, mas ainda não consegue aceitar.
Jay olha para o rosto de Sunghoon e vê o amigo o olhando de volta, os olhos assustados. Claramente ele não sabe o que fazer, e como sempre, Jay tenta dar um jeito em tudo.
— Vocês viram que ele não tá mais respirando. A gente precisa decidir o que fazer — ele finalmente diz, olhando para os amigos e não para o garoto caído no chão.
— A gente matou ele?
— Não acredito que matei alguém...
— Quando meu avô ficar sabendo...
— E minha irmã? Já fui detido uma vez, se eu for detido de novo...
Sunoo e Riki são os primeiros a se desesperar, sem rumo. Sunghoon não consegue parar de tremer e Jake tenta acalmá-lo, mas nada adianta.
— Eu matei ele — o Park continua repetindo. — Eu matei ele.
— Cara, se acalma — Jay se aproxima, mas Sunghoon está desolado. De repente, todo o ódio e a raiva de minutos antes se dissipou, e os sete parecem perdidos e sem saber o que fazer.
Não estava nos planos de ninguém ter que lidar com um corpo ao fim da noite, mas aqui estão, depois de terem invadido uma igreja, terem feito uma bagunça com o altar e terem sujado o banheiro com sangue.
Nenhum deles cogita a hipótese de chamar uma ambulância. Mesmo Sunghoon se culpando pelo golpe final, todos participaram. Heeseung, Jake e Riki já foram detidos antes, e não podem arriscar — é um dos motivos pelos quais eles tentam andar na linha, mesmo com tanta perturbação ao redor.
— E se a gente esconder o corpo? — Jungwon, que esteve quieto até agora, sugere, olhando para os amigos. Imediatamente, Sunoo começa a chorar em alto e bom som. Riki nunca o viu chorar. Se antes já estava desesperado, agora está ainda mais.
— Isso não é certo — a voz de Jake está embargada e ele seca uma lágrima teimosa que cai mesmo com ele tentando impedir.
— Esconder um corpo é crime — Sunoo se agita, mas mais ninguém está pensando direito, todos falando alto e agitados.
— A gente tem que pensar bem — Heeseung tenta acalmar os garotos, enquanto Riki segue dizendo que a irmã dele não pode saber de nada.
— Minha irmã não pode saber de nada disso — o mais novo senta no chão ao lado de sua máscara, desolado. — Se ela ficar sabendo eu tô muito fodido.
— A gente pode esconder o corpo e ninguém vai encontrar se a gente fizer direito — Jungwon insiste, buscando o olhar de Heeseung.
— Esconder um corpo é pior que matar alguém por acidente — Heeseung parece ponderar.
— Não foi acidente — a voz de Sunghoon é baixa e falha. Jay fica ao lado do amigo, um braço ao redor dos ombros dele na tentativa de dar algum apoio. — Eu não imaginei que ele fosse morrer, mas... — ele tenta se explicar para os amigos, e Jake coloca uma mão no ombro dele.
— A gente sabe, cara — o australiano tenta tranquilizar o amigo, mesmo que ele próprio esteja nervoso e sem saber o que fazer.Tem literalmente a porra de um corpo atrás deles.
— Daqui a pouco a festa acaba — Jungwon volta a dizer, tirando a atenção dos garotos de Gwinam, e de repente todos estão olhando pelas janelas, com medo de alguém entrar na igrejinha. — A música vai parar e vai ficar silêncio demais pra gente fazer qualquer coisa. Vão dar falta dele- Talvez já estejam procurando por ele.
— O Jungwon tem razão — Heeseung decide, parecendo muito nervoso. — Vão começar a sentir falta dele.
— E se alguém entrar aqui e ver a gente com ele? — Sunoo se desespera, mas Heeseung faz um gesto para tentar manter a calma, mesmo que a ansiedade dele seja visível.
— A gente tem que esconder o corpo — Jungwon insiste na ideia, olhando para os amigos mais velhos.
— Mas isso... — Sunoo parece desolado, sem conseguir formular um pensamento coerente, mas parece que Jungwon já conseguiu convencer a todos.
— Ou é isso ou é a cadeia.
As palavras de Heeseung dão um choque de realidade em todos. Eles mataram Gwinam. Podem ser presos por isso, presos de verdade, não é mais como ser pego fumando maconha como ele foi, ou furtando itens de uma lojinha, como foi o caso de Riki. Dessa vez eles cometeram um assassinato. Jake consegue imaginar as fotos deles no noticiário do dia seguinte, toda a cidade reconhecendo os sete assassinos do filho de um homem rico. Ele não para de pensar em como saiu da Austrália para terminar em uma prisão na Coréia do Sul, país no qual pensou que teria uma vida melhor.
— Ninguém vai sentir falta dele mesmo — Riki murmura, tentando se convencer enquanto brinca com a máscara. Ele não poderia se importar menos com Gwinam, ainda mais agora que o pensamento sobre ser preso foi implantado em sua mente.
— Se é pra esconder o corpo, onde poderia ser? — Jay pergunta, tentando ajudar no meio do desespero, tentando se acostumar com a ideia do que estão prestes a fazer.
Todos olham para Sunoo, Jungwon e Heeseung, esperando algum tipo de direção, como se eles soubessem fazer esse tipo de coisa na prática ao invés de apenas terem visto mais tipos de assassinados na TV do que o recomendado. Sunoo inutilmente seca as lágrimas, que não param de cair, e começa a falar.
— O corpo dele vai começar a feder, então tem que ser em algum lugar que ninguém vai conseguir sentir o cheiro...
— No mato perto do lago? — Jake tenta raciocinar, sem pensar em como estão falando de um corpo, mas Heeseung descarta a opção.
— Não somos os únicos que vamos até lá pra fumar escondidos.
Eles tentam pensar um pouco, com a pressão de terem que fazer tudo rápido. Jungwon, que parece muito calmo, tem uma ideia.
— Aquela obra perto do lago — ele lembra, os olhos bem abertos. — Eu fui lá com o Riki ontem e ainda tem o buraco da piscina no chão, lembra, Riki?
— Sim... — o garoto confirma, tentando entender onde Jungwon quer chegar. — Mas o buraco tá aberto, qualquer um vê o que tem ali.
— Mas eles encheram de entulho e vão preencher com cimento, como o Sunghoon hyung disse. Se a gente conseguir tirar uma parte do entulho e esconder o Gwinam por baixo, sem ninguém ver...
Sunoo sente um arrepio percorrer todo seu corpo ao ouvir Jungwon falando com tanta naturalidade sobre esconder Gwinam, quando ele nem consegue se manter próximo ao banheiro onde o garoto está caído.
— E a obra vai terminar essa semana — Heeseung lembra. — Se ele estiver ali debaixo, vão cimentar o corpo dele e depois disso não vai mais dar pra achar.
— Mas e se alguém ver o corpo dele antes de cimentarem? — Sunoo pergunta, temeroso, mas Jungwon tenta tranquilizá-lo.
— Ninguém vai ver, vamos colocar os entulhos por cima de novo, vai ser como em alguns casos que já assistimos, lembra?
— Tem aquele caso — Sunoo lembra, secando as outras lágrimas fujonas que insistem em rolar pelo rosto dele. — Que o amante cimentou o corpo da mulher no chão do quintal, igual a gente vai fazer. Mas no final ele foi pego.
Os garotos se entreolham em silêncio. A cada momento que passa, tudo fica ainda mais real. O corpo de Gwinam largado no chão do banheiro enquanto eles tentam decidir o que fazer é muito real.
— Vamos mesmo fazer isso? — Jake pergunta, só para confirmar.
Heeseung está ansioso demais, Jay não consegue parar de morder os lábios, e Jungwon é o primeiro a murmurar que eles precisam fazer alguma coisa logo, e rápido. Todos sabem que ele está certo, então o Yang se apressa em recolher as velas do chão enquanto olha para os amigos.
— A gente tem que limpar antes.
O que ele diz parece fazer sentido, porque os amigos começam a agir. Riki e Sunoo ajudam a recolher as velas que foram chutadas para longe e a limpar a cera do chão, enquanto os mais velhos se aproximam do banheiro.
Heeseung toma a frente e segura Gwinam por debaixo dos ombros e, quando o ergue do chão, a poça de sangue fica ainda mais visível.
— Meu Deus.
Jake sai de perto, sem conseguir suportar a visão da poça de sangue e da cabeça de Gwinam pendurada, pesando mais agora que ele está morto. Jay coloca Sunghoon sentado, já que o amigo parece que vai cair a qualquer momento se não se sentar um pouco. Ele pega as partes da fantasia de Sunghoon que ficaram pelo chão e coloca ao lado dele no banco de madeira, dando uma última olhada no amigo. Jay não julga Sunghoon pelo que acabou de acontecer, mas está muito preocupado com a reação dele. Sunghoon ficou abalado muitas vezes durante a vida, mas nunca deixou de reagir diante de nenhuma dificuldade. Agora, entretanto, Jay nem sabe o que fazer para ajudar o amigo que encara a escuridão da igreja com olhos vazios, as mãos trêmulas sobre as pernas fracas.
Jay volta ao banheiro para ajudar Heeseung a carregar o corpo para o lado de fora, na tentativa de limpar todo o sangue que foi espalhado, já que Jake parece que vai vomitar se tocar em Gwinam agora.
— Não cheguem perto — Heeseung diz assim que Sunoo e Riki se aproximam de onde ele e Jay colocam o corpo desfalecido. — Só ajudem o Jungwon a recolher as velas.
— Mas nem têm mais velas pra recolher.
— Alguém precisa limpar o...
— Eu sei, Jake — Heeseung interrompe o amigo, nervoso. As mãos dele estão sujas de sangue e ele as ignora abertamente, olhando para qualquer lugar que não seja o corpo aos pés dele.
— Eles devem ter material de limpeza em algum lugar por aqui — Jay murmura, vendo se consegue fazer o sangue parar de escorrer da cabeça de Gwinam, pois ele está começando a sujar o chão do altar também.
— Eu vou procurar na sacristia — Jake sai a passos largos, querendo qualquer motivo para se afastar logo.
Os mais novos não falam mais nada, com receio de que Heeseung acabe surtando, e apenas colocam as velas que recolheram de volta aos devidos lugares. O clima de tensão é denso e pode ser visto mesmo na escuridão. A festa lá fora continua, mas todos sentem o medo de serem pegos a qualquer momento.
Heeseung está falando com Jay, palavras sussurradas e rápidas, quando Jake volta com alguns panos e uma garrafa de alvejante em mãos. Heeseung e Jay param de falar e se afastam do corpo de Gwinam para tentar limpar o banheiro.
— Mesmo se eles limparem tudo, a polícia consegue descobrir que aquele banheiro ficou cheio de sangue — Sunoo fala com Jungwon, nervoso.
— Mas eles não vão procurar o Gwinam no banheiro da igreja — é a resposta de Jungwon, que olha disfarçadamente para o corpo largado a poucos metros de distância.
Sunoo acha que Jungwon é o mais calmo dos sete. Ele devolve algumas das velas com cuidado para a mesinha decorada onde estavam, mas não tem os olhos apavorados de Riki, que faz a mesma coisa, e nem olha a todo momento na direção do corpo de Gwinam, como se não fosse assim tão importante. Sunoo começa a pensar que o esquisito na verdade é ele, porque não consegue parar de encarar. O que ele está sentindo, é difícil até para ele entender. Remorso? Medo de ser pego? Arrependimento? Ele não sabe ao certo. De um jeito ou de outro, é intrigante ver o corpo torto e sem vida do garoto que há pouco o estava importunando. Só Sunoo e o Deus de Jake, se existir mesmo, sabem o que Gwinam e seus amigos o fizeram passar. Imaginar a escola sem a presença de Gwinam para importuná-lo, o faz sentir uma rápida onda de alívio por todo corpo.
Com as instruções de Heeseung, Jake e Jay ajudam a limpar o chão e as paredes do pequeno banheiro, e também os respingos de sangue que acabaram atingindo o chão do altar.
Enquanto os garotos se revezam para tirar o sangue do chão e então tirar o sangue dos panos, com pressa e agitação e unhas sendo roídas no processo, Sunghoon se levanta de onde esteve imóvel até então, e vai até onde o corpo está largado, próximo ao púlpito. Sunoo o observa de longe, e vê quando o Park se abaixa até ficar quase na altura do rosto de Gwinam.
— O que ele tá fazendo? — Riki pergunta baixo, e Jungwon dá de ombros, entretido com seus próprios pensamentos.
Sunoo começa a ficar um pouco preocupado, porque Sunghoon não está nem um pouco bem, e agora está encarando de perto o corpo do garoto que acabou de matar.
— Cara, sai daí — Jay chama o amigo quando vê o que ele está fazendo. Sunghoon continua ao lado do corpo, de cócoras. — Você tá chorando?
— Por que eu choraria pela morte dele? — Sunghoon parece irritado, frustrado, mas a voz embargada dele mostra que, sim, está chorando.
Sunghoon fica agitado ao lado do corpo e Jay tenta acalmá-lo, o puxando para se sentar novamente no banco, pisando e tropeçando no corpo de Gwinam no processo.
— Para com essa porra — a voz de Jay é baixa, arrastada. — Todo mundo fez merda. Todos nós.
— Mas eu o matei.
— Todos ajudamos.
Sunoo quer falar alguma coisa sobre isso, quer saber a opinião dos amigos, e quando se vira para falar com Jungwon, ele está finalmente encarando o corpo de Gwinam.
— Não tem porquê chorar — o Yang diz, e Sunoo sente aquele arrepio percorrer todo seu corpo novamente. Os olhos de Jungwon parecem vazios. — O Gwinam merecia morrer, por que o Sunghoon hyung tá chorando? — então ele se vira para Sunoo, que é pego de surpresa.
Sunoo não sabe se os olhos escuros de Jungwon estão sem vida ou se é apenas culpa da iluminação precária. De qualquer forma, ele parece estar com muitos pensamentos em sua mente.
— Ele era um babaca — Riki concorda. — Mas ninguém queria mesmo matar o Gwinam. Quero dizer, é claro que a gente queria que ele morresse, que alguém desse uma boa surra nele, mas matar com as próprias mãos é diferente.
Jungwon dá de ombros, voltando ao que estava fazendo. Sunoo quer perguntar a ele, você queria mesmo matá-lo? Você acha que ele merecia?, mas o embrulho no estômago e a confusão mental já o estão deixando mal demais, então ele apenas balança as perguntas para longe.
Os mais novos logo terminam de limpar e organizar as velas, e Heeseung manda Riki ficar de olho na porta da igreja, para ver se alguém se aproximar enquanto eles terminam de limpar tudo. A ultima coisa que eles querem é que alguém entre na igreja e veja o corpo de Gwinam todo arrebentado, com sete garotos ao redor. Riki nem protesta, apenas faz o que Heeseung manda para não levar mais esporro — e também não é como se ele quisesse ficar perto; ele sabe que é loucura, mas já está começando a sentir cheiro de carne podre.
— Acho que tá tudo limpo — Jake diz após bons minutos, encarando o banheiro.
— Você acha? — Heeseung se aproxima com pressa, porque eles não podem se dar o luxo de achar nada, precisam ter certeza.
— Tá vendo algum rastro de sangue pelo chão? — Jake pergunta, abrindo os braços e gesticulando abertamente.
Os amigos se reúnem ao redor da porta do banheiro para verificar, com exceção de Sunghoon, que continua largado no banco de madeira onde Jay o deixou, mãos na cabeça enquanto parece estar em uma confusão mental, e de Riki, que foi impedido de sair de perto da porta.
— Parece limpo — Sunoo murmura, olhando para cada canto do banheiro, e os outros concordam.
— Agora precisamos tirar o... Tirar o corpo daqui — essas palavras saem da boca de Jay, e ele nunca pensou que fosse ter que dizer algo assim.
Depois de se certificar que limparam tudo, incluindo a sujeira que Gwinam fez no altar, eles envolvem o corpo do morto em uma das cortinas que Jake pegou na sacristia, tomando cuidado para não deixar mais sangue pingar no chão do altar. Os panos que usaram para limpar o chão e as paredes são colocados dentro de uma sacola plástica por Jungwon, que foi o único que lembrou que eles não poderiam deixar aquilo em um lixo qualquer.
— Vamos colocar junto do corpo dele — Heeseung sugere, mas Sunoo balança a cabeça.
— Acho melhor queimar.
— Eu posso fazer isso — Jungwon se oferece, carregando a sacola consigo.
A casa não é muito longe, mas é mais perto do lago que da igreja, e a essa hora está tudo escuro do lado de fora, com exceção das luzes na praça — o que significa que eles terão que caminhar carregando um corpo enquanto mal conseguem enxergar os próprios pés.
— Bora, Riki — Jake finalmente chama o garoto, que sai correndo de onde está, quase caindo por cima de um dos bancos.
Jungwon se lembra de sua arma ao ver Riki correndo com a máscara rosa na mão e volta para pegar.
— A roupa do Sunghoon hyung — Jungwon avisa, vendo Sunghoon de pé sem as partes da fantasia. Jay volta ao banco para pegar o sobretudo e o chapéu, praticamente tendo que vestir o amigo, que não falou mais nada desde que foi posto ali.
— Ele tá muito mal — Jake fala baixo, com pesar. Heeseung suspira, voltando a olhar para o corpo e pensando em como vão fazer isso.
Jay se aproxima, agora com um Sunghoon vestido, e eles carregam Gwinam até a porta dos fundos da igreja. Jake sai para verificar que não tem ninguém pelo caminho, e dá o sinal para os outros irem atrás.
Heeseung não consegue disfarçar a ansiedade, carregando o corpo junto a Jay. Eles encontraram um jeito de impedir o sangue de pingar e deixar um rastro por onde passam, mas em compensação as roupas ficam completamente sujas, a fantasia de múmia de Heeseung ficando com manchas avermelhadas enquanto a manga de sua camisa absorve o sangue que passa pelo tecido da cortina.
Sunoo cai no choro novamente assim que saem da igreja, e não consegue parar quando olha para si e os amigos, carregando o corpo de uma pessoa que mataram, que viram morrer, a realidade do que está acontecendo o atingindo com mais força. Jay tenta acalmá-lo com palavras, mas ele mesmo não consegue se tranquilizar. Quando imaginaria que algum dia estaria carregando um corpo? Geralmente, ele quem tem que ser carregado pelos amigos quando está bêbado demais para se lembrar no dia seguinte.
A caminhada até a floresta é desesperada e apressada. A entrada da igreja fica de costas para a praça onde está acontecendo a festa, mas ainda assim alguém pode tentar passar por ali, ou até mesmo ter a ideia de ir para o meio do mato para fazer sabe-se lá o que.
Quando finalmente estão entre as árvores, Jay e Heeseung param, cansados de andar apressados carregando o corpo pesado.
Jake se oferece para ajudar a carregar dessa vez, mesmo mal conseguindo chegar perto do morto. Heeseung e Jay imediatamente negam, porque preferem não arriscar deixar Jake deixá-lo cair no chão por estar com nojo.Heeseung diz que pode continuar carregando, mas de qualquer forma ele não pode carregar o corpo de Gwinam sozinho e já está cansado, e deixar Gwinam cair no chão não é uma opção.
— Deixa que eu ajudo — Riki se oferece, mas os mais velhos negam.
— Você não vai chegar nem perto — Jake diz, e o mais novo revira os olhos.
— Não sei se vocês perceberam, mas eu também estava lá quando tudo aconteceu. Já o vi morrer, que diferença faz ajudar a carregá-lo? E eu sou forte também.
O mais novo tem um ponto, e os mais velhos apenas discutem mais um pouco antes de cederem, porque eles não têm tempo para ficar ali na entrada da mata discutindo e porque não têm muitas opções. Riki deixa sua máscara com Jake e se aproxima e ajuda a manter o corpo levantado, enquanto Jungwon olha bem para o chão, garantindo que não estão deixando um rastro de sangue.
Eles caminham em silêncio, por vezes soltando xingamentos baixos ao tropeçar em alguma pedra ou galho. Sunghoon não sai do lado de Jay, em busca de algum tipo de consolo, este que também vem de Jake.
— Cara, tá tudo bem — o australiano diz e recebe um olhar de lado de Heeseung, porque a última coisa que eles estão neste momento é bem. — Você não fez nada sozinho, não foi sua intenção — ele diz, porque sabe que Sunghoon está se culpando.
O Park afirma com a cabeça, mas não parece acreditar no que o amigo diz. Ainda assim, ele caminha ao lado dos dois amigos da mesma idade, pensativo.
Sunoo não acha que tem tanta culpa quanto Sunghoon. Voltando para dentro daquela igreja, ele apenas assistiu tudo o que aconteceu e apanhou. Não foi o responsável por ferir Gwinam, muito menos por matá-lo. Entretanto, sabe que tem sim culpa, porque apenas ficou ali, assistindo. Ajudou a limpar a igreja e agora vai ajudar a esconder o corpo, o que o torna mais culpado a cada segundo. Se tivesse saído correndo no momento em que Sunghoon deu o último soco em Gwinam, talvez nem fosse julgado culpado de nada. Mas ele ficou. Não apenas por lealdade aos amigos, mas porque estava se divertindo até então. E isso é o que mais o assusta.
A escuridão não é mais tão intensa agora que estão do lado de fora da mata, novamente sob a luz do luar. A casa é grande, e está claramente em reforma, com máquinas espalhadas desde a entrada do lugar até os fundos. Eles analisam o ambiente, mas logo percebem que, se eles não conseguem ver nada além da mata e da luz da lua, outras pessoas também não conseguem vê-los.
Eles não têm dificuldades para entrar, mesmo que o medo de serem pegos quase os impeça de se moverem. Passam pela proteção e pelos avisos de obra colocados ao redor da casa, sem mais dificuldades.
— Por aqui — Sunoo os guia, iluminando o interior da casa com a lanterna do celular.
— Tem certeza que não tem ninguém aqui? — Jay sussurra, como se alguém os pudesse ouvir.
— Por que teria alguém aqui? — Heeseung responde, mas também está com medo da possibilidade. Se Sunghoon, Riki, Sunoo e tantos outros já foram até ali apenas para bisbilhotar ou para fazer outras coisas, nada impede que outras pessoas também tenham ido até ali antes de eles chegarem, ou até que cheguem depois, enquanto eles estiverem ali, escondendo um corpo.
A parte de dentro da casa já tem alguns cômodos feitos, mas a parte de trás ainda está uma completa bagunça, com pilhas de pedras, amontoados de areia e muito, muito entulho junto às máquinas e equipamentos de construção. Olhando assim de perto, os amigos têm certeza que, se esconderem bem, ninguém vai achar Gwinam.
— Cadê o tal buraco? — Heeseung pergunta, e a respiração descompassada dele pode ser em razão do cansaço ou do desespero.
— Ali — Sunghoon aponta para o que inicialmente parece ser apenas o chão com muito entulho espalhado. Os amigos se aproximam, e conseguem perceber que todo o entulho está dentro de um grande, imenso buraco no chão. — Vão cimentar toda essa parte até ficar regular, na altura do chão da varanda — Sunghoon ainda explica, apontando para a área a qual se refere.
Eles encaram tudo ao redor, até Riki soltar um guincho de dor, cansado de segurar o corpo pesado.
— E agora? — Jake olha para Heeseung, mas é Jungwon quem responde.
— Agora a gente tira todo o entulho pra colocar o corpo dele lá embaixo.
Dito isso, Riki se abaixa para colocar o corpo de Gwinam no chão, mas Jay emite um som de desaprovação.
— O que você tá fazendo?!
— Colocando no chão? — o mais novo não entende, olhando para Jay com dúvida.
— Mas e se-
— Você não acha que a gente vai ficar com o Gwinam no colo até vocês terminarem — Heeseung diz, ignorando qualquer protesto que Jay esteja querendo fazer e sinalizando para Riki colocar sim o corpo no chão. Eles estão tão cansados que mal conseguem se abaixar totalmente, assim deixando Gwinam cair com um barulho abafado e esquisito. Nenhum deles se importa mais com a falta de cuidado, entretanto. A essa altura, eles só conseguem se preocupar em terminar logo o que foram fazer.
Eles se abaixam e começam a tirar as pedras e pedaços de outras coisas de dentro do buraco, mas Sunghoon se afasta. Ninguém diz nada, até que ele volta com uma pá em mãos.
— Acho que é mais fácil com isso — ele murmura, enfiando a pá de ferro nas pedras e tirando um amontoado dez vezes maior do que o que as mãos dos amigos conseguem tirar, de uma em uma.
— Não acho que é uma boa ideia — Sunoo diz, olhando para a pá.
— Por que? — Sunghoon questiona, sem parar com o que está fazendo.
— Suas digitais... Vão ficar na pá — o Kim explica, ainda no processo de raciocínio.
— Minhas digitais já estão no Gwinam — o Park não se importa. Ele continua retirando as pedras com a pá, e os amigos se entreolham. Heeseung sabe que Sunoo tem razão, mas até que horas eles vão ficar retirando pedra por pedra, lixo por lixo?
— Tem mais onde você pegou essa? — o Lee pergunta, por fim.
Ⅴ
— Que horas são?
— A mesma que você perguntou há cinco minutos atrás — Sunoo reclama, e Riki revira os olhos.
— Será que a festa ainda tá rolando? — Jake questiona, jogando mais uma pá cheia de pedras para fora do buraco.
Sete pessoas retirando pedras com pás e mãos de dentro de um buraco relativamente grande podem demorar muito, a não ser que essas sete pessoas tenham acabado de matar alguém e estejam precisando desesperadamente esconder o corpo. Por isso, eles estão quase na metade — e com os braços dormentes e doloridos, mas isso é o que menos importa agora.
— Vou olhar — Sunoo murmura, batendo as mãos sujas na calça e pegando o celular do bolso, ouvindo Riki resmungar sobre como ''pra olhar o Instagram você pega o celular, né?''.
Diferente da igreja, onde eles conseguiam ouvir a festa rolando e a música alta, ali eles não escutam nada, o que pode ser bem perturbador. Sunoo abre o Instagram e vai direto para as contas de alunos da escola e conhecidos que provavelmente estariam na festa.
— A Yuna acabou de postar uma foto na praça — ele conta, já indo para outra conta. — Wonyoung e Yujin também postaram nos stories há quinze minutos.
— Podem ser fotos postadas depois de já terem ido embora — Jungwon observa, se aproximando de Sunoo para olhar o celular. — Olha a conta da Rei.
— Tá — Sunoo concorda. — Mas por quê?
— Ela faz live de tudo — o Yang lembra, e assim que Sunoo digita o user da garota, Jungwon abre um sorriso. — Eu falei.
— Ela tá em live mesmo — o Kim sorri, e sorri ainda mais quando veem que a garota está em live na praça, e que a festa ainda está rolando.
— Então ainda temos tempo — Jungwon volta a se afastar, continuando com o que estava fazendo, e a notícia alivia a todos os garotos.
— Vamos tentar acabar com isso antes da festa terminar — Heeseung fala e os amigos concordam.
Ninguém diz nada pelos próximos minutos, focados e cansados demais. Jay ainda olha para Sunghoon de minuto em minuto, apenas para checar se o amigo ainda está com os olhos perdidos e uma expressão que ele não consegue decifrar. Pelo menos não está mais chorando, é o que Jay diz para si mesmo. Ele quer dizer muitas coisas ao amigo de longa data, mas não é o momento para isso. Quando tudo isso passar, ele vai sentar com Sunghoon e falar sobre o ocorrido. Se isso tudo passar, é o pensamento que o faz arrepiar.
— Mais pro meio — Heeseung aponta, mostrando para Jake onde ele deve continuar enfiando a pá.
Eles definitivamente cavaram demais, tanto que têm que tomar cuidado para não cair no próprio lugar que cavaram.
— Acho que já tá bom — Riki diz, sujando o rosto de terra ao tentar secar o suor.
— Ainda não — Heeseung continua, tirando mais pedras e jogando para fora. — Vamos cavar até tocar o chão — as palavras dele deixam Sunoo com olhos arregalados.
— Não vai dar tempo — o Kim expressa seu medo, mas Heeseung balança a cabeça.
— Vai sim. Já tiramos quase o suficiente, só falta mais um pouco, bem aqui no meio.
Ninguém questiona, porque mesmo que estejam cansados, não querem correr o risco de alguém encontrar Gwinam em meio à obra. Heeseung está certo, quanto mais próximo do chão, menores as chances de alguém o encontrar.
Seguindo as instruções de Heeseung, os sete cavam até chegar ao chão. No momento em que a pá de Jake bate no fundo, eles se agitam e abrem espaço suficiente para o corpo do garoto, apressados.
Com agilidade, Jay pula para fora do buraco para pegar o corpo. Jake e Heeseung se aproximam para segurar, e quando Jake estende o braço, uma parte da cortina cai para o lado, revelando o rosto ferido de Gwinam a centímetros do dele. Imediatamente Jake vira para o lado com os olhos bem fechados, e Heeseung pensa que ele vai vomitar.
— Segura direito — Jay reclama. Jake segura o morto firmemente, mesmo se negando a olhar para os olhos bem abertos de Gwinam, que ninguém ao menos tentou fechar.
Sunghoon se aproxima para ajudar a descer Gwinam sem fazer bagunça, mas quando estão posicionando o corpo no chão os mais novos, do lado de fora do buraco, notam uma movimentação esquisita dentro da casa, e os sussurros desesperados deles fazem os mais velhos ficarem petrificados no lugar. De repente, os sete ficam em silêncio, olhos arregalados e corações acelerados. Barulhos de passos podem ser ouvidos. Subitamente, Jungwon sai correndo para dentro da casa, carregando sua arma de brinquedo e sequer dando tempo de Riki segurá-lo ou de Sunoo falar qualquer coisa.
— Volta aqui! — Jay é o primeiro a chamar, desesperado com a sensação de estar perdendo o controle da situação.
Uma confusão de gritos e chamados por seu nome estoura, porque todos estão com medo. Será que tem alguém na casa? Se tiver, será que os viu? Por que Jungwon saiu correndo em direção aos barulhos, será que ele viu alguma coisa?
Com um salto, Heeseung sai do buraco da piscina e vai atrás do garoto, correndo enquanto os outros permanecem ali, com medo e preocupados.
Ninguém é capaz de falar nada depois que Heeseung some dentro da escuridão da casa atrás de Jungwon, deixando para trás os amigos apavorados. Jake puxa os mais novos pelo braço e todos se escondem ali dentro daquele buraco, juntos ao corpo de Gwinam.
Riki encara o rosto ferido e sem expressão do falecido. Então, ele se aproxima um pouco, chamando a atenção dos amigos.
— O que você tá fazendo? — Jake sussurra, quase inaudível. Nem sabe como ainda está conseguindo falar alguma coisa, porque está sentindo o coração na garganta e nem consegue ouvir a própria voz, graças às palpitações.
— Eu sempre tive curiosidade sobre isso — Riki fala baixo, olhos fixos nos olhos de Gwinam.
O japonês leva as mãos ao rosto gélido do morto e, com delicadeza desnecessária — porque ele nunca antes tocou em um morto, afinal —, coloca os dedos compridos sobre as pálpebras de Gwinam e fecha os olhos dele. Quando tira a mão e percebe que os olhos continuam fechados, emite um som de surpresa.
— Isso é real mesmo — ele olha para os amigos, mas cada um deles o encara com um olhar de desaprovação diferente; com excessão de Sunoo, que está ocupado quase se enterrando junto a Gwinam. — Que foi? Ele de olho aberto tava me dando medo.
Após alguns minutos de absoluto pânico, Jungwon e Heeseung voltam. Inicialmente os amigos se assustam com o som de passos e se abaixam tanto que precisam encostar em Gwinam, mas ao ouvir a voz do Lee, soltam um suspiro de alívio e saem de onde estavam, para logo se assustarem. Se assustam tanto que Jay dá um passo para trás e acaba caindo sobre Gwinam, mas ninguém consegue tirar os olhos de Heeseung e Jungwon.
Heeseung está penas com uma expressão de desespero, mas Jungwon está cheio de respingos de sangue, completamente sujo das mangas da camisa até os joelhos da calça. E, para o horror dos garotos, estão carregando outro corpo.
Jake e Sunghoon, em um ato de desespero, fazem o sinal da cruz ao mesmo tempo. Os cinco amigos entram em desespero, e esse é o limite para que eles surtem, falando alto e andando de um lado para o outro, saindo do buraco em que passaram as últimas horas cavando aos tropeços. Sunoo cai no choro quando se aproxima um pouco e vê o que está acontecendo, e Jungwon acaba chorando também. Agora sim ele parece em desespero, agora que está todo sujo de sangue.
— O que aconteceu?! — Jake grita com as duas mãos na cabeça, incrédulo.
— Me desculpa — Jungwon soluça, as lágrimas não param de escorrer pelo rosto sujo de sangue.
— O que aconteceu?! — Jay insiste, exigindo uma resposta de Heeseung. — Quem é esse?!
— Eu não sei — Heeseung também fala alto, nervoso. — Quando cheguei, Jungwon já tava em cima do garoto morto, batendo nele com a arma... Tava espirrando sangue pra todo lado e- E eu mandei ele parar, mas a merda já tava feita!
Todos ficam surpresos, em choque seria eufemismo. Ninguém esperava isso vindo de Jungwon, nunca de Jungwon. Se Heeseung dissesse que ele perdeu o controle seria mais fácil de acreditar do que Jungwon ter feito isso.
— Por que você fez isso?! — Jay se vira para Jungwon, indignado. O Yang chora ainda mais, olhando para Jay como uma criança olha para os pais, triste por ser repreendida.
— Ele nos viu carregando o corpo! — soluço. — Ele disse que ia chamar a polícia, e eu tive que fazer alguma coisa! Foi rápido demais, ele tava tentando se soltar de mim e eu tava com minha arma e não pensei... Estava com medo que ele contasse pra mais alguém, fiquei desesperado... — os olhos cheios d'água dele desviam dos de Jay, encarando qualquer coisa que não seja o rosto furioso do mais velho.
— E aí pensou que a melhor alternativa era matar?! — Riki se mete, também indignado.
— Gente — Jake tenta falar em meio à confusão. — Caralho, é horrível o que eu vou dizer, mas acho que não tinha mais o que fazer nessa situação.
É uma surpresa Jake ser o que fica ao lado de Jungwon, porque esse é o papel de Jay, mas isso não muda o fato de que Jake tem a necessidade de cuidar dos mais novos.
— A gente podia, sei lá, falar com ele? — Riki ainda tenta, parecendo a ponto de chorar também. Ele quase nunca vê sunoo chorar e não se lembra de alguma vez ter visto Jungwon chorando, e é estranho demais ver os amigos tão desesperados — é estranho demais estar em uma situação tão desesperadora.
— Falar o que? Que a gente matou alguém e pedir pra ele não contar pra ninguém, porque foi sem querer? — Jake defende seu ponto, mas está longe de defender o que Jungwon fez. Na cabeça dele, o que está feio está feito, e eles não têm tempo para ficar discutindo sobre isso, mas os nervos de todos estão à flor da pele. Ele só está nervoso demais pra ficar discutindo e quer resolver a situação logo, quer ir logo embora e fingir que tudo isso foi um pesadelo — mesmo que não acredite que algum dia Deus o irá perdoar.
Sunoo não parou de chorar desde que viu o corpo e Jungwon ainda chora como uma criança, fazendo barulho com seus soluços. Sunghoon está sentado no chão sujo, com as mãos na cabeça. Ninguém sabe o que fazer agora.
— Afinal, quem é ele? — Jake tenta identificar o garoto, mesmo com absoluta repulsa, mas o rosto dele... — Porra.
O rosto do garoto está desfigurado. Jake não consegue identificar quem é pelo nariz torto ou pelos olhos cheios de sangue, nem pela boca aberta parecendo faltar um pedaço.
Jay não consegue acreditar que isso está acontecendo e dá as costas a Jungwon, com as mãos nervosas cobrindo o rosto. Isso faz Jungwon chorar ainda mais, porque Jay é sempre o primeiro a passar a mão na cabeça dele.
Nada estava sob controle, mas eles estavam começando a sentir que conseguiriam se safar dessa. Mas, agora sentem que não vão conseguir fazer nada para sair dessa.
Vendo o caos ao redor, o corpo do garoto desconhecido aos seus pés e o buraco a poucos metros com o corpo de Gwinam, além do desespero fora de controle de Jungwon, Heeseung respira fundo e se prepara mentalmente para tentar colocar os pensamentos no lugar. Ele é o mais velho dos sete e, mesmo não tendo matado propriamente ninguém, ainda é culpado e os amigos esperam poder se apoiar nele de alguma forma, ainda mais agora que Jay está claramente fora de si.
Jake puxa Jungwon pelo pulso, para longe do morto, e tenta consolá-lo, secando suas lágrimas e pedindo para ele respirar. Nem ele sabe o que dizer para acalmar o garoto quando ele mesmo está em desespero, mas o Yang parece que pode morrer afogado nas próprias lágrimas. E é quando Jake nota a arma de Jungwon. A arma de plástico cor-de-rosa, agora quebrada na ponta e suja de vermelho.
— A gente precisa fazer alguma coisa logo — Jay diz, apressado. Se antes ele tentou ser paciente, agora está com pressa. Paciência agora não vai ajudar em nada.
— Para de chorar — Sunghoon tenta falar com Sunoo, que ainda chora copiosamente. Ver o pânico do Kim parece ser o suficiente para tirá-lo dos próprios pensamentos, a adrenalina voltando a circular em seu sangue.
— Como eu vou parar de chorar? Tá tudo dando errado, a gente matou o Gwinam, estamos escondendo o corpo dele e agora o Jungwon matou outra pessoa — a voz dele é alta e desesperada, baba espirrando para fora da boca enquanto ele fala e o nariz escorrendo.
— Fala baixo — Sunghoon se aproxima do Kim, colocando uma mão sobre o ombro dele. — Alguém ainda pode aparecer.
Isso faz Sunoo chorar ainda mais e Sunghoon entra em desespero, cobrindo a boca do amigo na tentativa de abafar os sons.
— O que fazemos agora? — Jay pergunta para Heeseung. O mais velho olha um pouco ao redor, então olha para o corpo do garoto aos seus pés.
— Vamos colocar o corpo dele junto ao do Gwinam.
— Mas agora vai ser mais difícil limpar tudo — Jake aponta, desesperado. Só de imaginar que eles vao ter que limpar mais sangue o faz sentir que vai desmaiar.
— Ficou muito sujo?
— Ele não sangrou tanto quanto o Gwinam, mas o chão ficou com alguns respingos, e pode ter caído alguma coisa pelo caminho até aqui...
O chão onde o garoto está não parece estar sujo de sangue, o que é um bom sinal — se é que alguma coisa nessa situação pode ser boa.
— Precisamos andar logo com isso.
— Já que você não consegue nem olhar na cara do Gwinam, duvido que vai conseguir chegar perto desse aqui — Heeseung se dirige a Jake. — Vai com o Sunoo e o Sunghoon limpar a cagada que o Jungwon fez, que eu, Jay e Riki vamos terminar de... De enterrar os corpos. Jungwon, você fica quieto aqui e tenta não fazer besteira, tá ouvindo bem?
Jake dá um último aperto na mão suja de Jungwon e se afasta, deixando o menino ali, encolhido como um cão que sabe que fez besteira e não quer ser punido.
Heeseung refaz o caminho com os amigos para mostrar onde tudo aconteceu, apontando para os respingos de sangue pelo caminho, e volta para a parte de trás da casa, os deixando ali para resolver. Os três iluminam tudo com as lanternas dos celulares, pensando em como vão limpar. Realmente não tem uma poça de sangue, como no banheiro da igreja, mas têm respingos de sangue em toda parte, e Sunoo sabe que isso é pior ainda, porque eles podem facilmente não ver alguma parte suja.
— Vamos ter que pegar mais produtos de limpeza — Jake afirma, e mesmo que nenhum deles queira se arriscar invadindo a igreja novamente, não têm outra alternativa.
Sunoo ilumina tudo com a lanterna do celular, olhando ao redor enquanto Jake e Sunghoon tentam ver onde mais tem sangue.
— O que você tá fazendo? — Jake questiona ao que Sunoo entra na casa, mas ao invés de responder com palavras, Sunoo liga uma torneira, e os três encaram a água corrente com cara de bobos.
— Acho que isso vai poupar algum tempo — a voz do Kim ainda é fraca, mas o fato de não terem que voltar à igreja parece tranquilizá-lo.
Apesar do clima tenso, ninguém fala nada enquanto limpam. Sunoo ilumina o chão com a lanterna do celular e fica de olho para ver se ninguém aparece — exatamente como deveriam ter feito na casa, e impedido outro crime de acontecer.
Jake observa Sunghoon, notando como Park está estranhamente pensativo. Não é do feitio de Sunghoon ficar pensativo, Jake até suspeita que a mente dele fique em completo silêncio na maior parte do tempo, ecoando o vazio.
— Como você tá se sentindo? — o australiano resolve perguntar, mesmo que a resposta seja um pouco óbvia.
O Park demora um pouco para falar, parecendo concentrado demais no que está fazendo.
— Nunca pensei que fosse matar alguém — ele confessa, voz e olhos baixos. — Agora que matei, não consigo me reconhecer.
O final da frase sai em um sussurro, como se Sunghoon não tivesse fôlego suficiente para continuar falando.
— Não fala assim, hyung — Sunoo se sente mal pelo amigo, trocando o peso do corpo para a perna esquerda, inquieto. Não é mesmo assim? Eles continuam os mesmos, mesmo agora, limpando o sangue de um menino o qual nem sabem quem é? Ele não tem certeza.
— Não é bem assim, você não mudou — Jake argumenta, mais firme que Sunoo, mas Sunghoon nega com a cabeça, sem parar o que está fazendo.
— Claro que mudei, olha o que eu tô fazendo. Limpando o sangue de um garoto que meu amigo matou, enquanto meus amigos o enterram junto do garoto que eu matei. É impossível continuar sendo a mesma pessoa depois disso.
— É claro que a gente vai mudar depois dessa situação toda — Sunoo concorda, tentando não voltar a chorar. — Mas isso não significa que- Não significa que mudamos como pessoas.
O Kim parece estar tentando desesperadamente convencer a si próprio de que as palavras de Sunghoon estão erradas. De que não, eles não mudaram, ainda continuam as mesmas pessoas de antes.
— Não — Sunghoon insiste. — Há tempos que eu não sou eu. Mudei tanto nos últimos anos... Não me reconheço mais. Tenho que melhorar, tenho que dar um rumo na minha vida. Não acredito que precisei matar uma pessoa pra perceber isso.
Sunghoon parece frustrado, mas determinado a fazer o que está dizendo. Ele está falando mais consigo mesmo do que com os amigos, Jake e Sunoo sabem disso, por isso trocam um olhar, e voltam ao que estavam fazendo.
Heeseung, Jay e Riki arrastam o corpo do garoto desconhecido e o colocam ao lado do de Gwinam, grudado, e observam um pouco. É estranho, porque Gwinam era um babaca, e eles sabem bem disso. Mas e esse garoto, quem é? O que estava fazendo ali? Pode ser um garoto normal, uma boa pessoa, que acabou vendo o que não devia. É estranho tratá-lo assim quando nem sabem quem é — quem era.
— Acho que vocês deveriam pegar leve com o Jungwon hyung — Riki diz, ajudando a colocar as pedras de volta para tapar o buraco. Heeseung e Jay o olham. — Foi errado ter matado esse cara, mas ele foi o único que teve coragem pra ir ver o que era o barulho. Se ele não tivesse ido, teríamos ficado escondidos e provavelmente esse cara teria contado pra polícia, e agora estaríamos sendo presos, ou fugindo pelo meio do mato. Matar foi errado, eu sei, a gente poderia ter tentado resolver, mas foi o que ele conseguiu fazer na hora pra livrar todos nós. O Sunghoon hyung matou o Gwinam sem querer e ninguém tá tratando ele mal. Acho injusto vocês agirem diferente com o Jungwon hyung.
— Não estamos tratando o Jungwon mal — Jay ainda diz, mas Heeseung o olha, e o bico nervoso de Jay diz tudo.
Jungwon ainda está sentado no chão sujo e chorando quando eles terminam de preencher novamente o buraco com pedras.
— Acha que ficou bom? — Heeseung pergunta para Jay, que se afasta um pouco para tentar ver melhor.
— Jungwon, vem aqui — o Park chama, surpreendendo o garoto mais novo, que se aproxima aos soluços e com os olhos inchados. — Tá parecendo o mesmo de antes de nós virmos aqui?
Jungwon seca o rosto e coça os olhos, tentando ver melhor. Para ele, parece estar a mesma coisa de antes.
— Não é como se eles fossem notar que as pedras mudaram de posição. Acho que tá parecendo a mesma coisa de quando chegamos — ele diz, a voz entrecortada.
Jay observa o menino, um aperto no coração. Ele se sente mal de ver Jungwon chorando, mas o que ele fez não foi certo, e Jay achou tudo estranho demais. Nunca pensou que Jungwon fosse capaz de matar alguém, muito menos do jeito que aconteceu. Jungwon sempre foi corajoso, sim, mas a atitude dele ainda deixou Jay incomodado, e o observando agora, o mais velho ainda sente que alguma coisa está esquisita. Ele não conhece Jungwon há tanto tempo quanto conhece Sunghoon, mas o conhece o suficiente para dizer que há algo errado sobre ele hoje.
— Vou ver se eles acabaram — Riki diz e some na escuridão de dentro da casa.
Jungwon fica parado de cabeça baixa, secando as lágrimas que ainda escorrem pelo seu rosto.
— Vou colocar essas pás de volta no lugar — Heeseung começa a pegar os objetos. — Não esquece da sacola com os panos sujos de sangue — ele diz para Jungwon, que funga enquanto assente.
Assim que o Lee se afasta, Jungwon olha para Jay, que já o estava olhando. Os olhinhos de Jungwon estão inchados, vermelhos e cheios de lágrimas, como os de um gato. Jay sempre o achou adorável, mas algo dentro dele diz que esse não é o momento para Jungwon estar desse jeito, adorável até demais.
— Hyung — ele se aproxima com um passo receoso, mas o mais velho não se afasta. Então, ele se aproxima mais dois passos. Jay o olha de cima, sério. — Eu sei que o que eu fiz foi errado, me desculpa.
Uma lágrima solitária escorre pelo canto do olho esquerdo dele. Jay assente.
— Tudo o que fizemos hoje foi errado — a voz dele é baixa. Mesmo com o vento frio da noite, eles ainda sentem o calor da adrenalina correndo pelas veias. — Mas o que você fez foi brutal. Você conhecia aquele garoto? — Jungwon balança a cabeça que não, olhando para os próprios tênis sujos. — Olha pra você, Jungwon. Todo sujo de sangue. Eu não preciso assistir a esses programas que vocês gostam pra saber que o modo como você matou aquele garoto foi agressivo demais. Pro Heeseung hyung ter ficado tão irritado como ficou, é porque o que você fez foi muito, muito grave, você não acha?
— Matar é grave, não importa como é feito — o menino diz, e parece se arrepender no momento em que vê os olhos de Jay se abrirem em surpresa. — Mas eu fiz aquilo porque estava nervoso! Não pensei antes de agir, eu juro! — O garoto implora com os olhos pelo perdão de Jay, mas o Park simplesmente não consegue engolir essa situação. Há algo de errado nisso, e se tem uma coisa que ele aprendeu nessa vida foi a não ignorar sua intuição.
— De qualquer jeito, obrigado por ter sido o primeiro a correr pra ver o que estava acontecendo — são as últimas coisas que ele tem a dizer, então se vira para se afastar, mas Jungwon o segura pela manga do casaco.
— Você me perdoa?
O pedido do Yang parece ser o suficiente para Jay falar o que está passando pela mente dele há bons minutos.
— Sabe o que eu tô achando muito estranho, Jungwon? Você parece mais preocupado com o que eu vou pensar de você do que com o que você de fato fez — e com isso ele se afasta, deixando Jungwon com os olhos arregalados de surpresa.
Ⅵ
— Tá tudo limpo — Jake volta avisando aos amigos.
— Como tão as coisas por aqui? — Sunghoon se aproxima para ver.
— Vê se tá do mesmo jeito de quando você veio com a Eunseo — Heeseung também se aproxima para analisar junto ao amigo.
— Sério, por que a Eunseo? — Riki ainda murmura, seguindo insatisfeito com a escolha do Park, este que suspira e tenta ajeitar o chapéu preto de volta na cabeça.
— Depois de hoje eu vou fingir que ela tá morta, não quero mais saber de nada ligado a esse lugar.
— Que horror — Sunoo se treme todo, não querendo nem ouvir essa palavra mais, já achando toda a situação de estarem ali macabra demais.
Os sete param de frente para o buraco, observando. Está cheio na mesma medida de antes, ou quase — eles esperam que nenhum dos pedreiros percebam a diferença de nível.
— Olhando assim, nem parece que têm alguém debaixo — Riki comenta, mas ninguém tem mais energia para olhar feio para ele, o repreendendo.
Eles ainda se lembram de limpar as pás, mas apenas verificam se tem resquícios de sangue em alguma, com pressa para sair logo dali.
— Vamos sair logo daqui — Jay diz assim que terminam de verificar tudo.
— Vamos para o lago...
— Não é perigoso?
— A essa altura, acho mais perigoso ficar aqui.
— Mas é óbvio que é perigoso ficar aqui, vai que alguém aparece...
— Mas a festa ainda tá rolando.
— E vamos esperar a festa acabar? Pra que? Pra verem melhor a gente saindo daqui?
— Precisamos falar sério agora — Heeseung interrompe o falatório inútil, gesticulando para que todos calem a boca. — Ninguém pode comentar sobre o que aconteceu.
— Por que iríamos? — Riki se sente ofendido, porque não faria sentido algum sair por aí contanto que assassinaram uma, não, duas pessoas.
— Não vamos nem falar sobre isso — Sunoo concorda, porque com certeza não é o tipo de assunto que ele vai sentir vontade de falar sobre.
— Não vamos falar sobre isso, não vamos mandar mensagens, não vamos nem pensar sobre isso quando voltarmos. Entendido? — Heeseung enumera tudo nos dedos, olhando seriamente para cada um. — A obra vai terminar em breve, e eles não vão encontrar o Gwinam nem o outro garoto. Vamos sair daqui e viver normalmente a partir disso e não seremos pegos, sim?
Todos assentem, mesmo com muitas dúvidas e dificuldade de acreditar naquilo.
— Mas e quando começarem a procurar por eles?
— Será que mais alguém viu?
— Vamos fugir! — Riki dá a ideia como se fosse algo genial, mas Jake é o primeiro a negar.
— Não seja idiota, não tenho dinheiro nem pra minha maconha direito.
— Então vamos ficar aqui esperando sermos pegos? — o mais novo segue inconformado.
— E quem disse que vão nos pegar? — Jungwon tenta entender a mente do japonês, que olha para o Yang como se a resposta fosse óbvia. — É claro que vão começar a procurar por eles, mas não vão encontrar. Como vão chegar até nós?
— Nos viram na festa.
— A cidade inteira tá na festa. Qualquer um pode ser culpado. Não sei quem o outro garoto era, mas o Gwinam tinha muitos inimigos, literalmente qualquer um poderia tê-lo matado intencionalmente.
— Ainda assim, acho perigoso ficarmos...
— De qualquer forma seria suspeito demais desaparecermos logo após o sumiço deles. Vai ficar óbvio que estamos fugindo.
— Que tal a gente primeiro pensar em como sair daqui sem sermos vistos sujos de sangue? — Jay sugere com agressividade, exausto. Heeseung coloca uma mão no ombro dele.
— Vamos fazer o seguinte. Vamos ficar na cidade por enquanto, mas eu posso ver com uns conhecidos meus um lugar em Anseong. É muito longe, e podemos ir pra lá caso as coisas fiquem estranhas. Mas só se as coisas ficarem estranhas demais, se começarem a desconfiar da gente, se algo sério mesmo acontecer — Heeseung diz sem realmente pensar muito, porque a possibilidade de ir embora da cidade nem está passando pela mente dele. De qualquer forma, é bom mesmo eles terem um plano. — Mas agora temos que achar um jeito de voltar pra casa.
— Acho burrice ficar aqui — Riki insiste.
— Escondemos o corpo, não dá mais pra voltar atrás! — Sunoo se irrita com o garoto. No fundo, todos só querem ir para casa, na tentativa de voltar à vida normal que levavam até horas atrás.
— Não podemos andar pela rua sujos de sangue — Heeseung continua, ignorando qualquer indício de briga entre os amigos. — Sunghoon, você deixa seu sobretudo com o Jungwon. Jungwon... Coloca essa arma dentro da sacola, sei lá. Tem certeza que vai carregando isso até em casa? — o Lee questiona, mas Jungwon assente com certeza. — Tá bom então. Cadê a máscara do Riki?
Com o auxílio de Heeseung, todos começam a se preparar para sair dali. Limpam o que conseguem de sangue do rosto e das mãos, cobrem as partes das roupas que estão sujas e escondem qualquer coisa que esteja suja de sangue.
— Os óculos — Jay diz, sem olhar diretamente nos olhos do Yang.
Só então Jungwon parece perceber que seus óculos continuam com respingos de sangue, e os guarda dentro da sacola plástica também.
— Meu rosto ainda tá sujo? — ele pergunta ao Park, mas este não o dá atenção, caminhando até Sunghoon para se certificar, mais uma vez, de que o amigo está bem.
Jay percebe o mais novo o observando e isso o faz sentir um aperto no coração, mas ele não consegue engolir o que Jungwon fez. O modo como Jungwon matou aquele menino foi absurdo, e ele sabe que a culpa de ter enterrado um inocente está pesando mais do que a de ter matado Gwinam.
— Como você tá? — Sunoo aparecendo de repente no campo de visão de Jungwon. — Quero dizer, eu sei que você tá mal, todo mundo tá, mas não quero que você se sinta mal sozinho pelo que fez... Claro, você matou aquele menino, mas foi pra ajudar a todos nós, né?
O Kim fala olhando nos olhos de Jungwon, os dois com os olhos vermelhos por causa do choro. Jungwon sabe que, mesmo que na maior parte das vezes seja ele quem precisa consolar o Kim, o mais velho também sempre vai estar ali para apoiá-lo.
— Obrigado, hyung — Jungwon o abraça, pegando o menino de cabelos cor-de-rosa de surpresa.
— Tá me agradecendo por quê? — Sunoo retribui o abraço um pouco sem jeito, porque é estranho abraçá-lo sabendo que por debaixo da roupa, Jungwon está sujo do sangue de outra pessoa.
— Porque todos os outros parecem estar com raiva de mim.
— Eles não estão com raiva de você...
— Podemos ir logo? — Riki interrompe o momento, cutucando os amigos e chamando a atenção dos mais velhos, que apenas terminam de tentar limpar os calçados.
Ⅶ
Os sete fazem o caminho de volta para casa, Jake com o seu tapa-olho ao redor do pescoço e Jay com as veias pintadas no pescoço, agora todas borradas parecendo apenas sujeira, sem falar do estado dos outros; mas ninguém presta atenção, porque todos na rua estão igualmente fantasiados.
Estão passando longe da festa, porque Jungwon os convenceu de que eles ficaram pouco tempo na festa e que para todos os efeitos eles foram embora cedo, antes de Gwinam sumir.
As ruas ainda estão cheias, mas Jake não se inibe retirar o cigarro de maconha do bolso. Ele começa a fumar pelo caminho, quieto. Todos estão quietos, na verdade, levando a sério o acordo de não falar sobre o acontecido.
Até que Jake quebra o acordo, falando baixinho perto de Heeseung.
— Você deveria ter apartado a briga — ele diz, os olhos começando a ficar perdidos.
Heeseung quase não entende o que ele diz.
— Que briga? — o Lee murmura, olhando o amigo.
— No banheiro. Você só ficou olhando.
Jake não está acusando Heeseung, não. Ele está apenas comentando, tragando mais um pouco da fumaça que o acalma e se virando para olhar para o Lee, que não parece disposto a pensar em mais nada sobre o que aconteceu.
— Se fosse você no lugar do Sunghoon, eu teria feito a mesma coisa — ele responde, baixo. Mas Jake consegue ouví-lo bem. — Se fosse de você que aquele cara estivesse falando, eu te deixaria bater nele também.
Jake não o olha de volta, mas assente e continua fumando, agora em silêncio definitivo. Heeseung ainda o observa mais um pouco antes de cada um tomar seu rumo.
De todos os amigos, ele é o único que sabe da vida de Jake antes de ele vir para Coréia. Foi no colo dele que Jake chorou e contou tudo sobre o irmão mais velho abusador, sobre como aquilo o traumatizou e como a dor foi ainda maior quando os pais acobertam o garoto ao invés de proteger o filho mais novo. Heeseung sabe das dores de Jake, assim como sabe das dores de Sunghoon, e faria o mesmo pelos dois.
— Você pode ficar lá em casa hoje, se quiser — o Shim fala com Riki ao chegarem no ponto em que se despedem.
O mais novo fica aliviado por não ter que voltar para casa, e os sete trocam despedidas curtas. Com breves abraços e tchaus quase sussurrados, o que querem mesmo dizer está escondido por trás de cada olhar que trocam.
Mais tarde, Sunoo está chegando à casa totalmente apagada, tomando cuidado para o avô não o ouvir. O velho não pode sequer se levantar, mas quanto menos pessoas ele tiver que encontrar antes de ir dormir, melhor.
Jake e Riki chegam com tranquilidade ao apartamento do Shim, assim como Sunghoon, que vai direto para casa, e Jay, que ainda leva algum tempo vagando pelas ruas, não querendo ter que lidar com os problemas da mãe quando já tem problemas o suficiente.
Heeseung chega em casa desnorteado e é surpreendido pela irmã mais nova, que já deveria estar em casa há tempos, mas ele não está com cabeça para brigar com a mais nova. Ela também parece assustada, parece conseguir enxergar a verdade por detrás da apatia dele. Ele percebe quando a menina o analisa dos pés à cabeça, e é por isso que a evita — de repente, a imagem da irmã descobrindo que ele é, na verdade, um assassino, o apavora. O que Hyein pensaria se soubesse que o irmão mais velho é uma pessoa que esconde corpos?
— Já passa da meia noite — ele murmura, e vai até a cozinha, deixando as luzes apagadas para que a garota não consiga ver melhor o estado em que ele se encontra.
Parado enquanto aguarda o motorista, Jungwon presta atenção em umas garotas que passam por ele. Ele reconhece Minji e Hanni, que estudam na sua turma. Ele nunca entendeu se Minji é burra ou se apenas é cínica demais, porque parece viver prestando atenção na vida alheia, mas nunca percebe as coisas mais graves acontecendo ao redor deles.
Ele se esconde por trás de um poste, aproveitando a iluminação precária da rua, na intenção de não ser visto por pessoas conhecidas. De qualquer forma, ele acaba ouvindo o que as meninas têm a dizer, e acha engraçado como o desejo de Sunghoon acabou se tornando realidade.
Agora sim, ele tem certeza que Minji não é burra, apenas sonsa — e muito desatenta, porque quem fala sobre a colega morta abandonada atrás da escola assim, aos cochichos em uma rua qualquer? Qualquer um poderia estar escutando, e Jungwon sabe que elas são sortudas por ser ele a ouvir.
— Boa noite — o motorista diz assim que Jungwon entra no carro.
O caminho até a casa demora um pouco devido à quantidade de gente nas ruas, mas o Yang aproveita para pensar nos últimos acontecimentos. Com paciência, ele relembra de casa detalhe, mas a única coisa que o deixou mal foi Jay.
Por que Jay hyung reagiu daquela forma?, ele se pergunta. Sunghoon também matou alguém, e todos pareceram não se importar o suficiente. Jungwon já achou estranho quando Heeseung brigou com ele quando o viu em cima daquele garoto, mas ver a reação dos amigos o deixou genuinamente confuso. Se Sunghoon pode matar para se vingar, por que Jungwon não pode matar para se proteger? Por que só Sunghoon tem esse direito? Talvez ele deva perguntar isso para Riki.
O carro para em frente à residência de aparência luxuosa, e o garoto sai antes mesmo de o motorista abrir sua porta, perdido demais nos próprios pensamentos para sequer desejar uma boa noite ao funcionário que sempre o trata tão bem — mesmo que ele seja pago para isso, Jungwon ainda aprecia a boa educação do homem de idade.
Assim que abre a porta de casa, Jungwon tira o sobretudo de Sunghoon. A caminho da lavanderia, encontra a mãe sentada no sofá, os cabelos bem presos e o robe mostrando como ela gostaria de já estar dormindo.
— Está muito tarde, Jungwonie — a voz doce da mulher o faz suspirar, cansado.
— Eu sei, mamãe. Só vou colocar umas roupas pra lavar — ele dá um sorrisinho, mas a mulher faz um gesto para que ele pare no lugar.
— O que é isso nessa... bolsinha? — é a primeira coisa que ela pergunta, deixando de lado o fato de o filho estar coberto de sangue.
— Umas coisas pra lavar.
Ela ainda o analisa mais um pouco, e então pergunta:
— Alguém te viu andando assim pela rua?
— Não — ele mente. A mãe não precisa saber que, sim, o viram andando pela rua, mas não exatamente daquele jeito.
— Tem algo que eu deva saber?
E o menino dá de ombros.
— Por enquanto, não.
— Ótimo — ela sorri, e com a mesma calma que fala, se levanta e vai até ele, o dando um beijo nos cabelos úmidos. — Não esqueça de desejar feliz aniversário pro seu primo, já passa da meia noite. Boa noite, filho.
De volta ao próprio quarto, depois de um bom banho, Jungwon senta na beira da cama, ainda pensativo. Cresceu vendo os pais encobrindo o irmão mais velho em tudo o que ele fez, então já esperava que fossem encobri-lo também. Mesmo assim, perceber que a mãe nem mesmo se importou o suficiente para querer saber detalhes, o incomoda. Ele nunca fez nada de errado, e quando aparece sujo de sangue em casa a primeira coisa que a mãe faz é perguntar se alguém o viu? Isso só faz o desprezo dele aumentar ainda mais.
Jay, que nem parente dele é, se importou muito mais. Jungwon espera que ele não tenha ficado decepcionado consigo, pois só queria ajudar... Será mesmo que ele só queria ajudar?
Inicialmente, se assustou com a forma como os amigos ficaram agressivos dentro da igreja. Mesmo assustado, ver o corpo de Gwinam despertou algo dentro de si, algo que ele nunca tinha sentido antes, e ele nem teve que fazer nada, apenas assistiu. Depois daquilo, Jungwon ficou pensativo, curioso; Sunghoon parecia mal depois do que fez, mas por quê? Jungwon estava sentindo uma coisa tão boa depois de assistir aquele imbecil recebendo o que merecia, será que se ele quem tivesse matado Gwinam, se sentiria ainda melhor?
A resposta para a dúvida dele veio logo em seguida, mas depois da reação dos amigos sabe que não pode compartilhar esses pensamentos com qualquer um — ao menos não agora, que tudo é tão recente.
E ele sabe, sabe que eles juraram não comentar mais sobre esse assunto, mas não consegue se segurar ao buscar Sunoo na lista de contatos do celular.
— Alô? Jungwon? — a voz metálica de Sunoo faz Jungwon se levantar da cama, ansioso. — Aconteceu alguma coisa?
— Hyung, posso te contar uma coisa?
— Claro Wonie, o que foi?
— Eu gostei de fazer aquilo. Gostei do que fizemos hoje.
✟
Happy Halloween <3
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