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Sob outros olhos - Círculo Azul - Parte 2

Aviso da autora: o texto abaixo vai fazer alto uso de violência. Tentei ao máximo não tornar muito detalhado, contudo ainda pode afetar pessoas sensíveis.

(No final do capítulo tem um mapa de Rheyk para dar uma ajuda na sua localização)

Prontos para conhecer uma face de Nathan muito mais sombria?

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Luna já me esperava à margem da floresta, indicando-me a posição dos outros dois rapazes quando me aproximei. Coloquei a capa nela, a observando com atenção.

– Confia que você não corre nenhum perigo? – Segurei Luninha pelos ombros, mirando-a com seriedade. – Nunca deixaria nada de ruim lhe acontecer.

– Nate, confio em você. Além disso, se Doug encostar em mim, é ele quem vai precisar de ajuda.

– Gosto assim. – O sorriso bochechudo dela me erguia os cantos dos lábios até nos meus piores humores. – Vou colocar a corrente nos seus pulsos para fingir que está algemada, mas não tem nada preso, ok? Vamos?

Luninha concordou, puxando o capuz para cobrir a visão dos seus olhos azulados. Ela era dez centímetros mais alta que Enny, mas também era baixinha, passaria despercebido para um desconhecido. O rato em forma de servo já me esperava na soleira da porta.

– Deu para se despedir dela, General? – Sua voz anasalada me deu gastura. – Venha, menina. Quero te conhecer.

A ruivinha deu um passo adiante, mas eu a puxei para perto de mim. Doug cerrou os olhos e pareceu mirar ao redor. Ótimo, isso indicava que havia outros ali com ele, fazendo sua segurança. O mindinho, anelar e polegar de Luna bateram no meu pulso. Era uma comunicação muda que a ensinei para indicar potenciais perigos.

Dois a esquerda e um a direita. 

A garota era inegavelmente observadora. Bati duas vezes com o polegar na asa nasal esquerda e uma vez na asa direita, repassando a mensagem para Felipe que estava na copa da árvore mais perto, escondido. Queria ele já com o arco e flecha na mira certa.

– Vou entrar junto contigo, meu caro. – Meu sorriso aberto exibia meu perigo, mesmo tentando conter. O homem abriu espaço e me coloquei para dentro da casa com Luna ao meu lado e continuei: – Doug, quero a localização antes de a entregar. Se a vender para Victor, perco minha mercadoria. Quero minha garantia que você cumprirá sua parte.

Ele abriu um sorriso torto, sua língua lambendo os cantos da boca que babavam de euforia ao encarar Luna, pensando se tratar de Enny.

– Onde você nunca procuraria, Monteiro. Nas ruínas da família Jular.

Assim que ele terminou de falar, a porta foi aberta e um homenzarrão de mais de dois metros tombou para frente, com três flechas lhe transpassando as costas. Pela janela, vi um outro homem se aproximar. Contudo, o bastardo pisou em uma mina feita por Emanuel e virou uma fumaça vermelha de sangue.

Doug tirou uma adaga e correu em direção a Luna para cravar a arma em seu coração. Mas eu lhe chutei o corpo antes, lançando-o para longe. Nos últimos dois meses minha força cresceu de forma anómala e meus golpes adquiriam potencial mais letal. Antes que o maldito pudesse se levantar, Luna o levitou e jogou aos meus pés. Tirei minha espada da bainha, perfurando a mão do homem para o prender ao chão de terra batida e lhe pisei o pescoço.

Luna arfou estarrecida ao escutar o grito do homem abafado pela pressão de minha bota em sua traqueia. Paralisei meus verdadeiros intuitos em respeito a ela. Aquela garota nunca viu meu pior lado e era talvez a pessoa mais iluminada que conheci na vida. Não ia corromper sua visão encantada de mundo. Emanuel saiu do seu esconderijo, uma cova rasa com um pequeno cano para respirar e Felipe entrou trazendo um moleque de não mais de 12 anos.

Puta que pariu. Era só uma criança.

Engoli o desespero pelo que sabia que poderia acontecer. Olhei para Luninha e o jovem Emanuel, eles tinham que serem preservados. Faria por eles o oposto do que fizeram a mim e a Felipe. E, de alguma forma, persuadiria meu amigo para deixar aquela criança sair intacta. 

– Emanuel, acompanhe Luna até o portão. Ela sabe a rota. Minha amiga, mande uma mensagem para Angel, escreva "BKA 20, 40, SO". Acha que consegue lembrar?

– BKA 20, 40, SO. O que me falta de inteligência, me sobra de memória. – Ela me deu uma piscadela e saiu com o rapaz galego.

Era um código entre mim e a líder do quinteto. 20,40 representava o horário. Cada garota tinha uma sigla: Angel (A), Aline (BK), Jane (D), Tracy (P), Luna (M) e Enny (N). O "SO" era uma abreviação para "sleep over" (pernoite). Naqueles nove dígitos dizia para ela vir com Aline para pernoitarem e chegarem por volta das 20:40. Precisava das duas para meu julgamento amanhã.

Assim que a porta bateu, voltei minha atenção para o símile de rato debaixo da minha bota. Arranquei a espadas de sua mão e, puxando-o pelos cabelos, o joguei contra uma cadeira, usando as correntes que estavam ao redor dos pulsos de Luna para o amarrar. Felipe fazia o mesmo com o pirralho.

– Não toque um dedo no garoto, Freito. – Meu amigo de infância estranhou. O Nathan de 13 anos não teria problema em começar com o moleque. Foi assim que fomos ensinados pelo General Erin. – Preciso de você aqui.

Com meu amigo ao meu lado, peguei meu canivete, pondo-me em frente ao meu prisioneiro. Doug tinha um semblante de quem zombava. Eu ainda ia arrancar aqueles dentes de rato.

– Não queria se divertir, Doug? – Sorri como um demônio. – Será nos meus termos.

Agachei-me e cravei meu canivete em sua coxa uma vez. O grito dele fez o moleque se debater, pedindo misericórdia. Retirei a arma e repeti o golpe na outra perna. Meu prático conhecimento de anatomia me fazia evitar os grandes vasos. Queria o torturar, uma hemorragia agora não me seria  útil. Precisava confirmar que a localização de Malok estava correta.

***

Honrei minha palavra. Doug era apenas uma cabeça sem dentes em um saco que o pirralho estaria levando para Victor, com o símbolo da rebelião queimado em sua testa. Foi a condição imposta por Felipe para deixar o menino ir sem o machucar, uma concessão que tiver que fazer para garantir o bem-estar do moleque.

Sendo criado por tia Lúcia, tive uma oportunidade de ter mais senso crítico frente às atrocidades que Erin ensinava a mim e a Felipe no início de nossa adolescência, tanto sobre o limite da violência quanto como tratar uma mulher. Meu amigo não teve a mesma sorte e o falecido General era quase que uma divindade para ele.

Mas Felipe era um bom amigo, leal. Por isso mesmo que eu estava o levando para a próxima missão de encontrar Malok, um caçador de recompensas. O homem vivia a base do anonimato, só a alta cúpula da rebelião o conhecia, tive que quebrar o protocolo para deixar meu amigo a par do caso.

Acordos surgiam aqui e acolá com o caçador para garantir sempre a execução de nossos traidores em troca de alguma mercadoria que quiséssemos. Malok, visivelmente, tendia a insignificância, porém detinha a força exorbitante de um ex-minerador de Gark. A única coisa que o identificava em qualquer canto que ia era seus olhos de demônio com a esclera tatuada de vermelha. E foi isso que me trouxe a uma possível traição de Alberto. 

"General Monteiro, juro que vi olhos vermelhos me encarando no mato. Senti que tinha perigo e juro que não contei onde a baixinha estava."

Essas foram as exatas palavras de Emanuel. E agora, estava atravessando o portão para Terra com Felipe, ambos sujos de sangue, e procurando o portão para Hoquin. Fechei os olhos e inalei profundamente, tentando sentir a membrana que separava as duas dimensões. O surgimento de um portão me dava calafrios, mesmo que eu estivesse longe, sentia sempre que ele me chamava, uma atração magnética. 

Com o tempo e auto treinamento, conseguia identificar, antes mesmo de atravessar, qual era o destino. Rheyk tinha um cheiro diferente para cada região e isso me dava um norte quando me aproximava do portão. Porém, em frente a ele, se eu fechasse os olhos, podia enxergar o outro lado. E foi exatamente usando meu talento nato – o chamado de Rheyk por mim – que encontrei, a oito ruas de distância, um portão no chão para o lugar que queria.

Ao atravessar, me deu  gastura. Hoquin. Doug confirmou, antes que lhe cortasse a língua, que esse era o lugar correto. Malok estaria na casa da minha família materna. A família Jular era muito rica em Hoquin, sendo referência na fabricação de tecidos para a elite de toda a nação de Rheyk. Porém, meu avô – que morreu antes que eu nascesse – abandonou tudo quando seu filho caçula foi confundido com um rebelde e foi assassinado em praça pública. 

Mamãe tinha outros três irmãos, mas o falecido – Nathan, de onde veio o meu nome – era o mais próximo e até o último dia dela, lembro-me de dormir ouvindo histórias de como ele era corajoso. Por causa dele, ela não abandonou a rebelião quando adquiriu idade. 

Meus três tios vivos abandonaram a causa e viviam miseravelmente, impossibilitados por ordem de Victor de assumirem as propriedades da família. Só recuperariam o título  se vendessem informações da rebelião. Só uma tia sabia da minha existência e ela repassou que assumi o cargo de general em troca de uma boa propriedade em Armant. Negava esse lado da família e por isso raramente vinha aqui. 

Das propriedades da família Jular, só frequentava assiduamente a casa do riacho a qual reformava para um dia morar após o fim da guerra. Nas demais, pisava ocasionalmente quando precisava de proventos. Em especial "na nossa fábrica", como mamãe dizia, onde tinha o cofre da família com as joias que eu revendia para manter minha boa condição aqui ou ajudar na rebelião. E era para lá que estava me encaminhando.

Assim que atravessamos a porta de metal, um barril de ferro foi atirado em nós. Meus reflexos foram úteis e eu pulei para o lado, desviando do ataque. Felipe não era tão ágil assim e foi atingido. Peguei minha espada e comecei a lutar com o homem de 30 anos pronto para me matar. Vendo-o desarmado, quis mostrar minha honra e joguei a arma fora.

– Por que está se escondendo, Malok? Fez algum acordo errado? – Rosnava entredentes.

O homem com o pescoço todo tatuado de preto engoliu em seco. O minerador podia ser conhecido por ter pouco medo, mas restava algo em seu corpo e eu iria usar disso. Avancei nele. Seus socos em meu tórax podiam me deixar sem ar, mas eu não parei de socar a sua cara. Senti seu nariz quebrar sob meu punho. Vi seus dentes dilacerarem seus lábios ao quebrarem. Seu zigomático se partiu, afundando seu rosto. Ali não via apenas o caçador de recompensa, mas também Alberto, Petrik, a face que eu imaginava ser de Victor e, principalmente, Thomas. A cada soco, eu deixava cada um dos meus fantasmas mais próximo da morte.

– Porra, Nathan, para! – Felipe me puxou para longe do corpo desacordado de Malok. – Se ele morrer, você perde a sua testemunha principal e diga adeus ao Círculo Azul.

Meu corpo inteiro tremia, tomado em um surto de adrenalina. Fiquei repetindo freneticamente para mim que aquele não era Thomas. Não tinha meu alvo em minhas mãos. Ainda não, ao menos. Respirando profundamente, comecei a me acalmar. 

Mais tranquilo, chamei Felipe para amarramos Malok em uma viga larga de madeira. O cheiro mentolado entrava junto com a brisa suave pelas janelas quebradas. Mamãe dizia que era o cheiro de casa e que eu devia sempre o usar para lembrar de minhas origens.

– Achei essa bonequinha. – Felipe me entregou o brinquedo, sabendo tão bem quanto eu o que isso significava. O caçador tinha algo muito importante a perder se não começasse a falar.

Quase uma hora depois, Malok acordou quando jogamos um balde de água fria na sua cara. Devido à comoção que tinha tido, pedi para Felipe fazer o interrogatório. Sabia que ele teria coragem de jogar baixo, algo que que eu não seria capaz, mesmo sabendo que era o caminho mais rápido.

– Oi, princeso. Achei que não ia acordar mais. Reconhece isso aqui? – Felipe mostrou a boneca e eu pude ver o ex-minerador enrijecer os músculos. – Talvez eu possa devolver a garotinha que é dona. O que acha?

– Você nunca vai achar. – As palavras saíam embolada pela boca no meio do rosto deformado do homem.

– Prendemos Doug. Foi ele quem nos contou onde você estava. – Felipe abriu seu sorriso maléfico, era notório seu prazer nas torturas psicológicas. – Quanto você acha que ele vai cobrar pra dizer onde ela está? Quinze de cobre? Quanto essa menina vale pra você?

– Não ouse...

Antes que a ameaça pudesse ser concluída, Felipe o chutou no estômago com força o suficiente para o deixar sem ar. Depois disso, meu amigo se agachou, puxando o cabelo de Malok para o encarar bem nos olhos.

– Escuta, seu merda, eu vou te torturar e, se você morrer antes de me contar o que eu quero saber, vou fazer com sua filhinha cada tortura que eu lhe infligir até que ela vire alimento de pássaro como o pai. – Contive-me para não interromper aquele discurso sombrio. Se eu me comovi com aquilo, Malok permaneceu inabalável. – Ótimo! Caminho difícil então. Espero que seja resistente. Que saudade eu estava de uma boa tortura.

Felipe pegou um punhal e arrancou lentamente a orelha do homem que se contorcia de dor. Desviei o olhar, uma vã tentativa de conter o monstro da violência em mim que não se assustava com nada daquilo. Exatamente a parte que eu vinha tentando matar há mais de três anos. 

– Mantenha a pele do pescoço e os olhos intactos. Ele vai abrir a boca uma hora ou outra, precisamos que os demais representantes o reconheçam para validar o testemunho.

Outra hora passou. Já era início da tarde e o tempo era meu inimigo. Malok aguentou muito bem ser escalpelado e marcado com brasa. Porém, era nítido que aquele homem não ia sobreviver. Tinha mais medo do que Alberto faria a ele e sua filha se fosse dedurado do que da minha ameaça. Ele tinha algo de muito valor, alguém por quem morreria para garantir a segurança. Eu conseguia me identificar bem com isso.

Fui na sala administrativa daquela fábrica fechada e peguei no cofre uma quantidade significativa de yponk, dois sacos recheados. Juntei a eles, um frasco do elixir de cura de Honesh – o curandeiro me ofertou dois hoje de manhã quando lhe  solicitei. Pedi para Felipe se afastar e ir monitorar se havia algum perigo se aproximando.

Sozinho com o caçador de recompensas, peguei meu cantil e lhe ofereci água. O prisioneiro não teve como recusar. Mas seu olhar confessava a confusão. Sentei-me a sua frente, pensando em uma outra abordagem.

– Deixe-me adivinhar. A cabeça da menina que interessa a Victor está a um preço alto. Então, um General da rebelião lhe oferta ela a troco de sei lá o quê. Então, você finalmente vê a oportunidade de largar essa vida, pegar sua filha e viver tranquilamente. Estou no caminho certo?

O vislumbre de dor nele já me foi resposta o suficiente. Então, continuei:

– Então, você descobre que a garota tem poderes como Victor e é minha protegida. Nós dois sabemos que eu amenizei meus métodos, mas a fama continua a mesma. Ninguém toca nas minhas protegidas e fica vivo por muito tempo. Você sabia que já era um cadáver de coração pulsante. 

O homem se debateu, tentando se desvencilhar das amarras. Mas fui eu quem o amarrou. Exceto que seu débil corpo conseguisse arrebentar a corrente, aquele nó não folgaria. Eu era verdadeiramente muito bom com cordas.

– Fugiu e vendeu a informação da garota a Doug em troca de um lugar que eu nunca te acharia. Só que cá estamos e eu, realmente, quero te dar uma chance.

Depositei os dois sacos e o elixir na frente do homem. Suas sobrancelhas arquearam em choque. A poeira daquela fábrica abandonada finalmente assentara e eu podia ver o chão limpo onde antes Malok se debatia. Eu tinha que dar um basta naquelas vias de obter informações. Chega daquela violência. Eu tinha que ser melhor que Erin.

– O elixir de cura para salvar sua vida. Não vai crescer a pele arrancada, mas lhe dará condições de ir buscar sua filha. Pegue esse dinheiro, 200 yponks, e compre uma propriedade rural afastada dos centros urbanos. Deixe sua vida pregressa e escolha viver por sua filha.

– Como se você não fosse vir atrás de mim... – Apesar da risada de escárnio, o medo finalmente transpassou a barreira de estabilidade dele. Eu estava perto de conseguir o que queria.

– O problema é entre mim e General Alberto. Você foi só a arma dele. Não tem sentindo eu gastar minha energia contigo. – Agachei-me mais, encontrando seus olhos confusos. – Com seu testemunho, eu mino o poder de Alberto e o impeço de chegar em você ou sua filha facilmente. Pegue o dinheiro e tenha uma longa vida fora dos holofotes. 

Ele estava nitidamente tentado. Todavia, em sua mente, pesava os danos de uma escolha errada. Fiz questão de praticamente desenhar o que iria acontecer. Por mais que eu quisesse, tinha ido longe demais e não poderia recuar.

– Ou pode manter o bico fechado e meu amigo vai te torturar até a morte. E não vou o coibir de ir atrás de sua menina. O que vai ser, Malok?

Com um movimento de cabeça, o homem aceitou minha proposta. Abri o frasco e derramei o elixir em sua boca. As maiores feridas cicatrizando o máximo que aquela "poção" conseguia.

– Fez a melhor escolha. Lhe soltarei após o Conselho. – Olhei para longe, encontrando meu amigo que me mirava de pulsos cerrados. Retirei meu casaco e coloquei sobre o ombro do meu prisioneiro, pondo também o capuz – Cabo Freito, leve Malok para minha casa e aguarde até que eu chegue. Após o Conselho, o vende e o solte na floresta.

– General, o que vai fazer? – Meu melhor amigo estava furioso por eu ter interrompido sua sessão de tortura e ainda ter conseguido obter êxito. Mais novos, competíamos para quem tirava as informações mais rápido. Velhos hábitos tendem a não findar.

– Preciso buscar os membros do Conselho. Não deixe ninguém saber da presença de Malok.

***

Oito horas depois e eu era um projeto destruído do homem que usualmente transmitia ser. Meu corpo doía da luta com Malok e o cérebro realmente fazia jus ao fato de ser uma gelatina dentro de uma caixa de ossos. Apesar do cansaço, era como se meus nervos estivessem a flor da pele, pressentindo o perigo ao menor sopro.

Boa parte da minha tarde e noite, foi procurando portões e indo nas cidades onde tínhamos nossas células rebeldes para buscar os representantes para o Conselho. Das dez maiores cidades do mundo de Rheyk, apenas oito tinham unidades nossas com representantes que faziam parte da alta cúpula. As únicas exceções eram a Vila de Maurin – por não se envolver com a guerra em nenhum dos lados – e Abson – o centro de produção bélica de Victor e onde só habitavam homens e mulheres marcados.

Minhas maiores dores de cabeça foram: encontrar o portão mais próximo das cidades que eu queria ir e convencer os representantes das células de atravessarem para a Terra e chegar mais rápido na unidade rebelde da cidade de Rheyk. A ideia de ir para um outro universo era mais assustadora para eles do que a própria morte. Então, usando de muita lábia e vendendo o circo que era ter um Círculo Azul, convenci um a um a vir. Seis generais e dois coronéis.

– Nate! – Aline voou no meu pescoço antes mesmo que eu entendesse o que estava acontecendo. – Está atrasado. Pensei que o pior tinha acontecido.

– Li, não me assuste hoje. – Alertei, soltando o cabo da espada. 

Olhei ao redor, a vida noturna da rebelião estava agitada, vários bêbados tomando as ruas, alheios ao que aconteceria amanhã. Um general seria morto. 

– General Herquio foi na sua casa. – Ela murmurou enquanto tomávamos uma ruela de barro descendente que findaria em minha habitação. – Ele comunicou Alberto sobre o Conselho amanhã ao nascer do sol e colocou dois soldados próximos a casa dele para evitar fugas.

Senti-a hesitar ao meu lado. Estávamos nos aproximando da minha casa. Pelo que previa, dentro estava Angel, Malok e Felipe. Com certeza a minha amiga queria falar algo antes de entrar lá. Pelo medo em sua face, o sangue me fugiu as extremidades, pensando o pior.

– O que aconteceu com Enny? – As palavras lutaram para ganharem voz.

– Ela está bem, Nate. Passou o dia dormindo. – Minha amiga acariciou meu braço para me acalmar. – Me diga quem fez aquelas atrocidades com o homem na sua casa? – Meu desviar de olhar foi o suficiente para ela saber a resposta. – Oh, Nate... Você é melhor do que isso.

– Sou? – Ria com escárnio. A porra das memórias de hoje me tomando. Mesmo com asco, tinha que admitir que era fácil voltar a velhos hábitos e, pior, até prazeroso. – Foi para isso que eu fui forjado.

– Para ser um assassino? Um torturador? Podem até ter criado você para isso. Só que você será só isso se escolher ser. É o que quer? Ser um monstro? Pelo que você fala de sua mãe, Laiane não teria orgulho do que você fez hoje.

– Muito fácil falar sob os olhos do seu universo. – Murmurei sem quase mover meus lábios. – Sabe o que eu fiz? Passei o dia atrás de quem quis lhe machucar. Para que todos soubessem que quem mexer com vocês seis, não verá o sol nascer.

Coloquei as mãos sobre as costelas, apertando onde Malok me socou hoje. A pontada de dor era um alívio que domava o ódio que me tomou.

– Eu já perdi minha família uma vez. Não vou passar por isso de novo.

– A que preço? – Li não era o tipo de pessoa que recuava quando achava que tinha razão. – Se você escolher essa jornada de crueldade, eu vou ficar porque te amo. Mas as outra e, especialmente Enny, vão fugir. É isso que quer? Perder a família que você criou?

***

No primeiro raiar do sol, eu, Aline e Angel já ocupávamos os assentos da frente no Salão de Reuniões. Elas estavam sem falar comigo direito desde que contei sobre o Círculo Azul e tudo que fiz para garantir sua aprovação hoje. Era uma atitude quase suicida minha, eu sabia. Mas precisava ser feita.

O Círculo Azul

Um duelo entre dois rebeldes de mesma patente que só pode ser solicitado por alguém quando há ou um crime contra a honra entre as partes ou indicação de traição. Eles entram no círculo delimitado com velas de fogo azul, cada  um com apenas uma única arma idêntica, uma adaga de lâmina dourada. Via de regra, os dois desafiantes lutam até que um consiga dominar o outro e incendiar seu corpo com a chama azulada. O cadáver carbonizado tem uma cor arroxeada, indicando a desonra.

Havia um único caso retratado onde o vencedor poupou seu rival em troca de sua remoção para outra unidade. Meu pai. Ninguém lembra o nome dele ou sua face por aqui, indicando que em algum momento ele deve ter sido marcado antes de sua morte. Contudo, as histórias transcritas sobre o grande General Monteiro me inspiravam. Os textos indicam o quanto ele era um dos generais mais honrados e comedidos que habitaram a rebelião.

Mas, por mais que tentasse, eu não era meu pai.

Pouco a pouco, os demais representantes foram chegando. General Pablo de Gark, General Maurício de Gomno, Coronel Tuman de Armant, General Koh de Ozin, General Octávio de Hoquin, Generais Gael e Gregório de Cagecha, Coronel Jonas de Zimbu. Por fim, General Herquio entrou ao lado de Alberto. O homem barbudo de quase dois metros se aproximou de maneira abrupta das meninas. Fiquei de pé, coibindo-o de chegar mais perto. Aline pareceu se assustar com a cena, mas Angel não recuou, levantando-se para assumir seu lugar ao meu lado.

– Qual foi a mentira que vocês duas estão alimentando?

– Um passo para trás ou lhe garanto a escuridão pelo resto de sua vida. – Angel sibilou entredentes.

– Calma, General. – Sorri da forma mais debochada que pude. – Se forem mentiras, o único que sairá com desonra daqui sou eu. Do que tem tanto medo?

Sem mais delongas, iniciou-se o Conselho. Angel narrou os eventos, mostrando a calça rasgada e suja de sangue de ontem. Logo depois, Aline mostrou o corte no pescoço. A terceira testemunha foi Doutor Honesh, falando sobre o impacto que esse surto de poderes teve em Enny e quase a levou à morte.

Então, me chamaram. Tirei de uma bolsinha com os dentes de Doug – ainda unidos ao pedaço de gengiva. Falei de quem era aquele pedaço e comentei que o ratinho de Victor me contara que Alberto contratou Malok para levar Enny para o rei em troca de duas frotas repletas de armas vindas de Abson. Um pacto imperdoável ao ser negociado na surdina, uma traição.

O General Alberto até tentou pintar a ideia que eu mentia, mas sua farsa caiu por terra quando Malok entrou pelas próprias pernas no Salão e contou toda sua versão. O local de encontro e como combinaram de forjar um ataque de Victor. Porém, assim que Enny usou seus poderes, o caçador de recompensa fugiu ao notar que nunca tinha visto algo tão forte.

Por fim, chegou as considerações finais e Alberto se levantou para fazer sua defesa.

– General Monteiro está enrolando a todos por uma paixão juvenil. Eu acompanhei os treinos dele com a garota. Os vi trocando beijos... Ele compra o afeto dela ao garantir que vai usar nosso povo para a proteger. E já morreram dezenas pela garota. Ela quer e pode lutar, mas nosso generalzinho Monteiro a deixa em uma redoma enquanto nosso mundo apodrece e nossos homens morrem. Seus filhos! 

Não pareceu haver comoção. Os outros nove representantes se juntaram e debateram, chegando a um veredicto. Patcho tomou a dianteira, dizendo com eloquência ímpar:

– General Alberto Pessoa. O crime de traição atribuído a você com provas contundentes e uma justificativa pífia apresentada mostram sua irresponsabilidade com a causa. Por mim, estaria solicitando sua pena de morte. Todavia, o acusador solicitou o Círculo de Fogo. Considerando tudo que aconteceu nesta manhã, você se arrepende?

– Pela garota, sim. Ela é poderosa, nossa melhor chance. Mas, pelo Monteiro... – Alberto cuspiu em minha direção.

– Sendo dito tudo isso, aprovamos o Círculo de Fogo por oito a um.

***

Lutávamos há pelos menos 10 minutos no centro daquele círculo feito de velas de fogo azul e cercados pelas duas garotas e os representantes das células rebeldes. Alberto era mais alto e musculoso que eu. Vendo de longe, ninguém apostaria em mim. Porém, todo aquele tamanho o desacelerava. Essa era minha primeira vantagem. Agilidade. Consegui lhe cortar na perna e braço, todavia também fui cortado na mão direita, sendo forçado a ter que usar a esquerda.

Não era tão habilidoso com a canhota, porém ainda lutava bem. Vantagem de ser ambidestro. O homem conseguiu me agarrar pela cintura e me arremessou ao chão, chutando meu tronco duas vezes. Puta que pariu. Certeza que ele terminou de quebrar a costela que Malok machucou ontem. Alberto me pegou pelo pescoço e deu um murro na minha cara com força. Meu lábio inferior rasgou com o impacto.

– Pronto para rever seu tutor Erin, rapaz? – O sorriso dele desfaleceu ao me ver gargalhar.

– Esse é seu melhor? Achei que estávamos brincando.

Então coloquei minhas duas mãos em sua face, apertando o polegar contra os olhos e lhe cabeceei o nariz. Seu sangue jorrou no chão. Alberto me soltou e deu um passo para trás, se distanciando de mim. Dei-lhe um chute na mandíbula que seu corpo girou, desabando logo em seguida. Vendo-o tentar se recompor, tomei sua adaga e comecei a lhe chutar na face, no tronco e lhe perfurar nas mãos.

O atingi inúmeras vezes. Já estava entregue, podia o matar tranquilamente. Mas não antes de mostrar para cada um ali que quem tocasse nas garotas, rezasse para a morte lhe achar antes de mim. Assim sendo, chutei o corpo de Alberto até ele parar de bruços na frente de Aline.

– Olha para ela. Tá vendo esse machucado no pescoço dela? É por isso que eu ainda não te matei, seu corno manso.

Puxando seu cabelo para que ele a visse. Coloquei a sua adaga no pescoço dele no exato lugar que ele ferira Li. Exatamente sobre onde a carótida bifurca.

– Vou te ensinar uma coisinha básica. Se você corta aqui, a pessoa morre sangrando que nem um porco. Era isso que você queria fazer com Li, seu corno?

Mudei a adaga para perto da traqueia. 

– Aqui é para tirar o ar da pessoa. Sangra menos e a pessoa morre asfixiada. Demora mais um pouco, dá para ver o brilho indo embora. Sádicos como você devem gostar disso.

Enfim, subi a lâmina, correndo-a pela garganta do homem. 

– Agora aqui é meu favorito. Laringe, como chamam na Terra. Na profundidade correta, a chance de matar é menor. Só que a vítima perde a habilidade de falar. – Desço um pouco a lâmina para a carótida. – É um final bom demais para você.

Apertei o cabo da adaga em minha mão até meus nódulos ficarem brancos. Um sorriso sádico se depositou na minha face. Eu ia acabar com aquele filho da mãe.

– Faça, dê orgulho a Erin. – Alberto rosnou, tentando se debater, mas sem forças para fazer apropriadamente.

Então, algo surgiu e abrasou as brasas da vingança em mim. A memória da voz suave de Enny pedindo para eu não me deixar tomar pelas sombras foi um alívio. Aquela garota, que não aceitava matar alguém, me encararia com nojo se soubesse o que estava fazendo. Eu tinha que ser melhor. Por ela e para ela. Eu não podia continuar dessa forma.

Arrastei o corpo flácido de Alberto até próximo da maior vela, tomei-a em minha mão direita e, com a esquerda, ergui a cabeça do homenzarrão, interessado em expor o pescoço dele. Deixei que a chama tomasse sutilmente aquela área, adquirindo um cor roxa que mostraria aonde quer que Alberto fosse que ele era um perdedor e que me devia a sua vida. O homem gritou de dor, mas não tinha forças para se soltar, aceitando sua penitência. 

Assim que terminei com meu objetivo, larguei-o e coxeei para fora do círculo.

– Por que você não finalizou? – A voz engasgada do homem mostrava sua dor pelo ego ferido.

– Agradeça a garota que você tentou vender. – Cuspi uma baba misturada com sangue. – Continue com sua patente. Mas, se eu sonhar que você sequer pensou em qualquer uma das seis meninas, não haverá mais Círculo Azul. Eu te mato.

Saí da roda e fui amparado por Aline e Angel, que imediatamente queriam me levar para Honesh. Pode ter sido loucura da minha cabeça que tinha sido muito esmurrada, mas pude jurar que vi um relance de respeito no olhar do General Alberto antes de sair do Salão de Reuniões. 

Algumas horas depois, o elixir tinha feito seu papel de recuperar os piores cortes, porém notei que meus lábios estavam o dobro do tamanho ainda. Antes de voltar para Terra com as garotas, fui ao Salão de Reuniões para agradecer a cada representante pelo voto de confiança e notei os olhares de grande admiração. Mas, absolutamente nada tinha me preparado para as palavras vindas de Patcho Herquio:

– Você tem o coração no lugar certo, que nem seu pai, Nathan. – O homem dava tapinhas no meu ombro. – Agora vá cuidar da menina. Parece que ela tem um bom guardião.

No caminho de volta pela floresta, pude jurar ouvir um farfalhar anômalo das folhas. Angel me garantiu que não sentia nenhuma mente por perto e Aline me convenceu que era o estresse do dia ainda me tomando. Deveria ser... 

Assim que chegamos na Terra, elas rumaram direto para suas respectivas casas e eu fui para o restaurante de tia Lúcia. Iria encontrar minha protegida, minha Enny. Finalmente.

***

Gostaram da jornada de Nathan? 

E Enny achando que ele está com a boca inchada por outro motivo... Coitado

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