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Capítulo 5 - Memórias Juvenis

Não sabia como tinha chegado lá, mas supunha, pela escuridão, que estivesse em um sonho. O que chamava a minha atenção era aquele vídeo que passava, era a única coisa que existia naquele lugar escuro e frio. Andei em direção ao local onde as cenas eram reproduzidas. Parei quando pude ver o que se passava na tela. Minha boca se abriu em surpresa, e parei de sentir minhas extremidades.

Era como se eu estivesse vendo o que aconteceu depois que caí na inconsciência, quando ataquei Petrik lá em Rheyk, após perder a consciência. Meu corpo estava iluminado e, de repente, a quimera de lagarto e lobo foi empurrado para longe de mim, como se o vento o tivesse jogado a uns quinze metros. Porém, mesmo sem suas mãos me erguendo, eu ainda continuava no ar, como se algo me suspendesse. Corri para mais perto da minha imagem flutuante que atacava a aberração de Victor sem pena. Só que, quando tentei me aproximar, bati contra algo e caí ao chão. Olhei para o que havia colidido, porém não havia nada além da escuridão.

– Desculpe-me. – Escutei uma voz calma falar através do riso.

A mulher que falou se virou. A princípio, achei que era uma cabeça flutuante, porém, depois, pude perceber que ela apenas usava um vestido preto – que cobria todo o seu corpo e possuía um capuz –, fazendo-a parecer invisível naquele lugar tenebrosamente escuro. Ela me estendeu sua mão fina e delicada. Tive a estranha impressão de que já a vi em algum momento da minha vida. Mas onde?

– Vamos. – Ela sorriu pra mim. – Deixe-me lhe ajudar.

Estendi a minha mão e ela segurou com mais força do que esperava, puxando-me até me deixar em pé. A mulher se virou e continuou olhando aquela reprodução do meu ataque. Fiz a mesma coisa, até na mesma posição – ereta, com as mãos cruzadas delicadamente na frente do corpo. Olhei para o chão – um sinal claro de embaraço e reflexão – e, pela primeira vez, vi que estava vestindo o mesmo vestido que a outra, entretanto, o meu era branco e um pouco mais delicado. Ela se virou para mim, seus olhos demonstravam um afeto sem justificativa, o que me foi de enorme estranhamento.

– Desculpe-me. – A mulher falou, sorrindo.

– Por quê? 

– Por... – Ela fechou os olhos e balançou a cabeça, negando algo em seus pensamentos. – Nada. Melhor não dizer nada, você não entenderia. Não agora.

Fiz uma careta que era a mistura de descrença e irritação 

– Como se eu entendesse alguma coisa do que aconteceu. 

– É realmente complicado. – A mulher olhou para baixo, parecia triste. – Mas há tempo para tudo

Ao vê-la com o semblante tão triste, não pude evitar de uma lembrança invadir minha mente, e então a reconheci. Era a moça da última visão que eu tive antes de tudo isso acontecer. A mãe do bebê. Arfei em surpresa

– Eu conheço você. – Comentei quase sem voz. O semblante dela se iluminou, trazendo traços de esperança. Contudo, notando meu assombro, sua excitação foi contida e ela assumiu uma postura cautelosa. – Era você fugindo com um bebê. Eu te vi. Quem é você? Qual seu nome? O que aconteceu com o bebê? Você tem algo a ver com eu estar aqui?

– Pela segurança de Rheyk, ainda não é a hora. – Aquela voz era firme, sensata... Tão única, tão familiar... 

Aos poucos, a sua pele e seu cabelo foram ficando cada vez mais claros, até que começaram a desaparecer. Quando voltei a vista ao lugar onde passava a minha cena e a de Petrik lutando, vi que esse não estava apenas em uma tela, porém do meu lado, esticando o braço para bater em mim. Pulei para esquivar, rolando na expectativa que eu não fosse atingida. Tive tanto medo que acordei daquele pesadelo.

Sentei-me na cama. Não queria estar aqui, mas sabia que era melhor do que o lugar onde se passava o meu pesadelo. Aquela mulher... Aquela voz... Era dela a voz que eu vinha atribuindo a minha consciência. Como era possível? 

Olhei para o relógio digital que se encontrava em cima da mesa de cabeceira e vi que ainda não eram nem quatro horas; era cedo para tentar falar com alguém, e não conseguiria dormir mais. Meu cérebro estava a mil.

Tomei coragem e me levantei. Saí do quarto. Estava me sentindo sem ar, tentando conter a ansiedade claustrofóbica que arranhava meu peito, escalando pela minha garganta. Ficar neste cômodo era uma prisão menor do que ficar neste Terra fictícia, e o que eu almejava era aumentar minha liberdade. Eu precisava sair dali.

Ainda estava escuro, mas as luzes da rua iluminavam a cidade de um modo sombriamente encantador. Peguei uma cadeira na ilha da cozinha, lembrando que foi nela que estive mais cedo. Sorri sem graça, incrédula, ao pensar no que aconteceu há não mais de oito horas, quando eu ainda tinha esperança de voltar rápido para casa.

Era normal que, em tão pouco tempo, a vida de alguém se transformasse completamente tal qual ao que aconteceu com a minha? Suspirei, tentando eliminar esse tipo de punição da mente. Nada na minha situação era normal. Levei a cadeira até a janela localizada entre o quarto de Aline e o de Nathan, um lugar bem reservado no apartamento. A vista dava para a esquina não muito movimentada a essa hora.

Fiquei admirando a cidade – não que houvesse muita coisa para se ver daquele ponto. Surpreendi-me como era comum, um ordinária cidade grande onde ninguém esperaria acontecer nada mágico. Tal qual a minha. Nossa. Era surreal pensar que eu estava dentro de um programa televisivo. Quando criança, brincava imaginando isso. Bem, sonhos se tornam realidade, não é? 

Daria tudo no mundo para que isso não fosse verdade e eu acordasse em casa.

Estava em nuvens de pensamentos, elaborando minhas teorias de como seria recebida pela minha família quando voltasse. Só que algo me despertou. Alguém cutucou a minha cintura, e uma mão me tapou a boca. Não sabia se era amigo ou inimigo e, por isso, congelei. Então, um garoto de cabelo castanho bagunçado entrou, sorrindo, no meu campo de visão e eu o reconheci, acalmando-me.

– Oi, garota. – Nathan estava cansado, mas seu tom de voz era acolhedor, diferente do que aconteceu na maior parte da noite. – Gostei da blusa, o dono deve ter bom gosto.

– Também achei. – Usava um toque de acidez, analisando a estampa holográfica da blusa. – Mas, se ele não começar a chamar a garota pelo nome dela, pode dar adeus a blusa.

Maneei a cabeça com um singelo sorriso, para deixar claro que estava brincando. Nathan se sentou no chão, com o corpo virado para mim e apoiou suas costas na parede. A sutil curva na ponta de seus lábios deixava claro que ele entendeu bem a minha intenção de aliviar a tensão ali.

– Me deixe adivinhar, você não dormiu nada e, se dormiu, teve pesadelos. – Falou, dando um risinho. – Estou certo, Enny?

– Alguém consegue dormir depois de tudo isso? – Foi uma pergunta retórica, e ele deve ter percebido, pois ficou calado. – E você? Está acordado por quê? Achei que já tinha se acostumado a espancar vilões. Ser o senhor General imbatível. – Forcei uma voz grave para zombar.

– Não é bem assim. – Ele me respondeu sorrindo e ajeitou a postura para uma mais ereta do que esperava para um cansado adolescente. Quase como se a palavra "general" despertasse uma outra persona que habitava nele. – Sabe, de noite, mesmo agindo pelos motivos certos, os pesadelos sempre vêm. O medo de me tornar igual àquele que é meu inimigo é... – Seus olhos se perderam e senti que a próxima palavra foi dita involuntariamente. – Assustador.

Fiquei calada, absorvendo o que ele me dizia. Bem... Aquela perspectiva era nova pra mim.

– As garotas não ficam assim. – Eu o olhei, curiosa com sua honestidade. – Vi em um episódio Luna e Jane dizerem que dormem feito pedra.

Bocejei, percebendo que Nathan não era o único que estava exausto por aqui.

– Sabe, elas têm uma tática. – O rapaz começou a explicar de maneira pausada, procurando as palavras certas. – Despersonificam tudo. Colocam as pessoas em duas caixinhas, boas ou más. E acreditam piamente nisso. Não há muito o que pensar. Já eu... não consigo simplificar. Muitos inimigos atuais já foram, em algum momento, pessoas que gostava, amigos.

– Sinto muito. – Contraí os lábios, respirei fundo e, querendo aliviar o clima, falei: – Não deve ser fácil. Não existe uma forma de "converter" eles de volta? 

– Pelo que eu sei, não. Com o tempo de marca, eles vão  esquecendo a vida humana e todos vão os esquecendo, como uma maldição para garantir que os elos não atrapalhem a lealdade a Victor. A coisa mais misericordiosa que podemos fazer é acabar com a prisão deles e os matar.

Ele me olhou sério. Parecia temer algum julgamento meu, porém, eu não estava em condição de o julgar. Nunca mataria alguém, sou incapaz até de matar insetos – os capturo e solto na natureza ou chamo Júlia para fazer o trabalho sujo. Mas aquele rapaz nitidamente tinha outros demônios o assombrando e, sendo general de um exército, com certeza não havia muitas alternativas para ele além de seguir o protocolo.

– Enny, posso fazer uma pergunta? – Pisquei lentamente com um movimento de cabeça, pedindo para ele prosseguir: – Nós fomos cancelados, não é? Vi o quanto você ficou nervosa com Jane e Luna ontem quando chegou nesse assunto...

O sangue se esvaiu do meu rosto e isso foi resposta o suficiente para o rapaz, que não tardou em arregalar os olhos e fazer uma cara de espanto. Mil perguntas pareciam circular sua mente e, honestamente, queria o acalmar.

– Não conta para ninguém, favor. – Implorei. – Concordo com Aline. Eu estou aqui e várias coisas que vi hoje nunca passaram no show. Seja o que for, tenho certeza que não estão presos a um roteiro. Vai ficar tudo bem, Nathan. Vocês vão ficar bem.

Quando dei por mim, estava com minha mão afagando a dele, que repousava sobre o joelho. Surpresa comigo, puxei minha mão de volta para meu colo e, constrangida com o olhar semicerrado do rapaz, preferi ficar encarando a vista da janela.

– Obrigado. – Ele disse repuxando sutilmente a manga da blusa que eu usava, chamando minha atenção para si. – O que você estava pensando antes de eu chegar? Parecia distraída.

– Em minha casa. – Nós olhamos mutuamente para baixo. – Pensava em como mamãe ficou quando não me encontrou, quando viu nosso lar destruído. Deve ter sido ruim.

– Você é tão chorona! – Ele me acusou grosseiramente em baixo tom. – Isso é um mau de todo terráqueo?

– Quê? Chorona? – Minhas mãos balançavam agitadas no ar. – Qual é o seu problema, garoto? Uma hora até parece ser alguém descente e depois age como um ogro.

Cruzei meus braços fortemente sobre o peito, contraí meus lábios - fazendo o famoso bico de birra - e fingi que ele não estava mais perto de mim. Nathan chamou pelo meu nome algumas vezes, mas eu só ignorei. Então ele começou a rir pelo nariz, cativando minha atenção.

– Perdoe-me. – Ele conseguiu falar entre uma risada e outra. Contudo, logo assumiu uma postura mais séria e, encarando a paisagem pela janela, continuou: – Em meio ao caos que Rheyk vive, é fácil esquecer o quanto vocês são privilegiadas e, claro, como se abalam fácil ao encarar a minha casa.

Percebi então que nunca vi a origem de nenhum do sexteto. Não sabia de nada da vida deles antes de serem um grupo. E, pelo que vivenciei hoje, a vivência em Rheyk era muito mais desumana do que eu podia imaginar. Era entendível uma pessoa vinda deste lugar ser mais bruta e menos dada ao sentimentalismo.

Agora, conscientemente, toquei na mão de Nathan e quando o seu olhar de íris verdes encontrou o meu, lhe ofertei o sorriso mais acolhedor que eu poderia.

– Se importa de contar a sua história para uma fã antiga do desenho? Eu adoraria ouvir. – O vi ficar surpreso e até mesmo sem palavras. Então, para aliviar o clima, decidi brincar: – Vamos! Me sinto entrevistando uma celebridade. 

– T-tudo bem. – Ele parecia nervoso, quase como se nunca tivesse que responder a esse tipo de  pergunta. – Sabe... Meus pais eram d-da rebelião, bem ativos. P-Perdi meu pai, que era um General, para Victor e minha mãe foi m-morta quando eu tinha sete anos. Vi o momento em que a decapitaram e, desde esse dia, sabia que tinha que me virar. Fiquei com tanta raiva que cortei vínculo com a rebelião e com tia Lúcia, que já era amiga de mamãe.

Nathan não tirava os olhos dos meus e eu conseguia enxergar o quanto falar aquilo ainda o magoava. Virei meu corpo em sua direção para que ele entendesse que estaria ali para o acolher bem como ele me acolheu e acalmou naquela cozinha há algumas horas.

– Passei dois anos pedindo esmola, morando na floresta e roubando em becos sujos de Rheyk, completamente só. Até um dia que, aos nove, eu quase fui morto por um antigo servo de Victor e caí em um portal para Terra. Tia Lúcia me encontrou, me levou para o hospital e nunca mais me abandonou. Vim morar com ela, ganhei Aline como a melhor irmã postiça que há, entrei no exército da rebelião e, te juro, desde então sempre dei o meu melhor. Foi assim que cresci rápido. Eu vivo e morro por Rheyk.

Tudo no seu semblante transmitia a sensação de superação tanto quanto uma sutil necessidade de reconhecimento. Eu podia me identificar com isso. Então, subi o afagar de sua mão para seu antebraço e, sem desprender seu olhar do meu, disse com a maior gentileza que conseguia:

– Pelo que você me disse e o que via nos desenhos, não tenho dúvidas que seus pais, onde quer que estejam, sentem muito orgulho de ti.

Nathan apertou minha mão e agradeceu apenas com o movimento dos lábios, sem emitir qualquer ruído. A contragosto, uma lágrima escorreu pela sua bochecha  até seu maxilar perfeitamente desenhado.

– Olha! Não são só os terráqueos privilegiados que choram no final das contas. – Zombei.

Ele pegou minha mão e a empurrou com uma falsa ira para longe de si. Ri disso e o rapaz seguiu meu ato. Voltamos a atenção para a rua vazia do outro lado. O silêncio não era incômodo ao seu lado, era quase que algo natural, confortável.

– Pelo que você falou, sua família é muito unida. – Continuei a olhar para frente, evitando transparecer o quanto eu gelei com a afirmativa do rapaz. Nathan aparentemente não notou e continuou: – Isso é bom. Saber que te amam e te esperam em casa.

Olhei para baixo, pensativa. Possivelmente, Nathan estava certo. Se ninguém me quisesse no meu mundo, eu não teria a menor vontade de voltar, mesmo que aqui ninguém se importasse comigo. Eu tinha Júlia, minha mãe, vó Paola, Tay e Lucas. Ia voltar por eles.

Pensei nele. Será que já sabia que eu havia desaparecido? Teria mamãe o informado? Ou Júlia? Será que, ao menos, se importou? Por tudo que já fez por mim, duvidava disso. Ele estaria dizendo à sua primogênita que antes eu do que ela. Era óbvio, ele não sentiria nada. Pude sentir meus ombros se curvarem com o doloroso peso da verdade.

– Do que está sentindo mais falta? – Nathan interrompeu meus pensamentos, me ajudando a silenciar a caixa de Pandora que queria tomar minha mente. Percebendo isso, ele continuou: – No seu mundo, quero dizer, além de sua família. Amigos? Namorado?

Virei-me de forma abrupta para ele, decidindo enterrar aqueles malditos pensamentos ruminantes de antes. Minhas sobrancelhas franzidas pela confusão gerada pela pergunta. Por que ele estava querendo saber disso? Céus! No mínimo, iria zombar de mim.

– Por favor! – Dei um leve empurrão em sua cabeça, de brincadeira, e ele me retribuiu com um sorriso. Agradeci a penumbra por esconder meu rosto rubro. – Amigos! Sem namorado, ainda bem.

– Por quê? – Perguntou intrigado. – Quer dizer, toda garota quer ter uma grande paixão e essas coisas.

– Claro! Quem não quer ficar com coração partido porque as coisas dão errado? Perdão, mas enquanto eu puder evitar, estou fora! – Zombei e ele revirou os olhos. – Ouvi você falando que Jane acabou contigo e nenhum dos dois me parece bem. Mas, se o desenho não mentiu, daqui a, no máximo, uma semana, vocês voltam e começam a brigar... Por que vocês ficam nessa?

– Porque... – Ele se calou, nitidamente em desagrado com a resposta honesta que quase lhe escapou. Negou seus próprios pensamentos, assumiu uma carranca e rudemente prosseguiu: – Apesar de tudo, estamos juntos há um ano e meio. Todo casal tem seus problemas. Se você ainda não entendeu isso é porque tem muito o que amadurecer.

Lá se foi todo o bom humor dele. A única coisa que eu queria era alfinetar mais. No nível: Chernobyl bate palma para toxicidade do seu namoro ioiô. Mas não era a minha responsabilidade dizer o óbvio. Me inclinei em direção a ele, aproximando abruptamente nossas faces. Sua postura mudou, seus olhos tensos presos nos meus. Nunca tinha visto íris de cor tão bela, um verde intenso. Admito que fiquei impressionada tanto quanto senti inveja.

– Ou talvez eu seja madura o suficiente para saber o que mereço. – Meu sorriso duro exibia a alfinetada.

Nathan recuou até recostar sua cabeça na parede, refletindo sobre o que eu disse. Após uns segundos, sorriu e disse:

– Sabe... Nunca fui eu quem acabou. Nenhuma das vezes. No dia que eu tomar essa atitude, já era.

– E nunca teve uma traição? Fala a verdade! Aline? Vocês são muito próximos. Nunca houve nada? Ou o cabaré lá que Jane ficou com ciúme? Vou ter que concordar com Jane. A dona do prostíbulo lhe conhecia muito bem. Um cliente assíduo? 

– Não vou naquele lugar há mais de dois anos. – Ele fechou a cara e voltou a encarar a vista da janela. Após alguns segundos, o rapaz relaxou e, voltando a me olhar, continuou: – Nunca traí. Solteiro, não devo satisfação a ninguém, mas, se aceito um compromisso, eu tenho que o honrar. Ao menos, honrei até hoje, mas não digo que é fácil.

Foi minha deixa para revirar os olhos e Nathan riu.

– E outra, nem Jane ousa ter ciúmes de Aline. Mato pelas outras três e morro por Aline e Jane. Mas, sempre, minha prioridade vai ser Li. Ela é uma irmã para mim. Jamais tomaria uma atitude que a colocasse em risco. Nunca e nem por ninguém.

– Desculpa pela pergunta e obrigada pela honestidade. – Dei uma piscadela.

Ele balançou a cabeça, como se indicasse que não tinha se ofendido com aquilo, e logo encarou para o céu chuvoso. Fiz o mesmo. Olhando para cima, quase podia esquecer que não estava em casa, deixando-me perder em memórias.

– Por que não me conta uma história sua? – Seus olhos eram gentis, incentivando-me a falar. – Qualquer uma. Da infância, se quiser.

– Nossa, eu  era atentada. Mamãe sofreu comigo pirralha. Uma vez, Lucas, um amigo, me desafiou a ir em uma área restrita na escola e roubar a carteira de cigarro de um professor. Quando eu a peguei, escutei vozes do lado de fora. Obviamente, pra me safar, saí pela janela e fui andando por uma estrutura de concreto de uns 20 centímetro porque essa sala era no terceiro andar.

Nathan, que observava a chuva, se virou para mim com um olhar impressionado. Seu lábios se curvando nas pontas, formando um singelo sorriso. Retribuí.

– Foi horrível, um fiscal de corredor viu e gritou. Eu me assustei e travei, não conseguia andar em nenhum sentido. Tiveram que que chamar o corpo de bombeiros para me tirar de lá. Ao menos, Lucas teve que me pagar por perder a aposta. – Meu tom era de autoglorificação. Até hoje, aquele dinheiro ganho é algo que me dá grande satisfação.

– Então estou falando com um projeto de ladra? – Nathan me observava com deveras atenção.

– Ladra de uma única tentativa frustrada. – Admiti com vergonha.

– Sabe, Angel me incumbiu de cuidar de você até encontrarmos uma forma de te levar para casa. Seremos "protegida" e "protetor" daqui para frente. – Um sorriso maldoso se desenhou no rosto do rapaz. – Vamos passar muito tempo juntos e precisaremos achar algo para ocupar nosso tempo. Se quiser, posso te ensinar algumas técnicas do ofício. Não me orgulho, mas é bacana para refugiados como nós sabermos nos virar. O que acha?

Foi a primeira vez que ele se colocava de igual para igual a mim. Sorri satisfeita e concordei.

– E você, jovem Nathan Monteiro? Algo a compartilhar? – Perguntei, animada.

– Só as para sobreviver. – Ele franziu o cenho, parecendo embaraçado. – Não valem a pena contar.

– Por favor. – Fiz uma carinha de pidona, inclinando-me em sua direção. Nós dois rimos, um riso contido para não acordar Dona Lúcia. – Só conto outra história se você me contar alguma sua.

Então, ele iniciou a falar sobre suas sagas de como conseguia comida ou fugia dos guardas de Victor. Fiquei tão absorta em suas narrativas que não voltamos a falar das minhas. Estávamos rindo, falando apenas bobagem, e, por um bom tempo, esquecemos os problemas do mundo e fomos apenas adolescentes normais.

Quando os primeiros raios de sol vieram, pude observar melhor o rapaz. Como já tinha reparado, ele já era bonito como mero desenho. Mas, em carne e osso, era como se surgissem novas marcas – cicatrizes, sinais, texturas – que contavam uma história à parte que eu nunca fiz ideia. Eu achava que conhecia esse mundo, porém essas horas com Nathan me fizeram perceber que eu tinha muito o que aprender sobre cada um aqui.

Já fazia tempo que o sol tinha nascido e Dona Lúcia estava de pé, preparando algo para comer. Ela perguntou a mim e Nathan se iríamos querer alguma coisa, mas nós dois dissemos que ela não precisava se preocupar conosco. Pude ver que o humor dela já estava bem melhor. Ela estava sorridente, contudo, mesmo assim, ainda podia ver um pouco de desconfiança em seu olhar. Não me importei muito com isso, pois estava mais interessada na história que Nathan me contava. Aquele rapaz me passava uma sensação de segurança estranhamente familiar.

Ouvi a campainha tocar. Nathan se levantou para abrir a porta, ele ainda ria de suas lembranças. Perguntei-me que horas eram, pois ninguém chegaria na casa de alguém tão cedo. Levantei e andei lado a lado de Nathan à procura do relógio que, se não estivesse enganada, estava em cima de uma prateleira cheia de livros na sala.

– Foi bom te conhecer. – Olhei-o com um meio sorriso enquanto ele estampava um aberto. – Já estava começando a me arrepender de gostar de ti no desenho.

– Então a jovem Enny Scott gosta de mim? – Seu sorriso tinha nos cantos um quê de malícia que me fez corar. Tentei me justificar, mas ele apenas ria de mim e disse, quase como um sussurro: – Tente não ficar nervosa, protegida.

– Tente não se achar demais. A versão em desenho era bem mais interessante.

– Duvido muito. Não se pode superar a perfeição. – O rapaz estufou o peito. O seu ego inflado tomando forma.

– Perfeição? Onde? Não vejo nenhuma. – Dei-lhe um sorriso tímido para ele entender a brincadeira. A campainha tocou de novo. – Não vai atender, protetor?

Afastei-me dele e voltei à minha busca original. Encontrei o relógio e vi que já eram dez horas, nem parecia tão tarde. Talvez as nuvens cobrindo o Sol dessem a ideia de que ainda era cedo. Pude o ver abrindo a porta. Tracy, Jane, Luna e Angel entraram na casa de Dona Lúcia, olhando desconfiadas para o rapaz, que ainda ria. Me encararam em dúvida e eu olhei para baixo, um pouco envergonhada.

– O que houve com ele? – Luna perguntou. – Nunca o vi desse jeito.

– Nada demais. – Nathan se antecipou, beijando a têmpora de Luna. – Uma história minha e daquele meu amigo Felipe, de quando éramos moleques.

– Não que não sejam mais. – Impressionante como só Jane achava graça nas "piadas" dela.

Instantaneamente, o clima pesou, Nathan pediu licença e se retirou para o seu quarto, dizendo que iria fazer seu asseio. Angel lançou um olhar repreensivo para sua amiga, que deu de ombros. Observando ao redor, percebi que Aline não estava com as outras meninas. Não entendia. Ela sempre acompanhava o grupo. Creio que passava mais tempo com a tia-avó e as amigas do que com os próprios pais.

– Cadê Aline? – Franzi um pouco a sobrancelha em dúvida.

– Ela teve que viajar com os pais, visitar o avô no hospital. – Angel me explicou sucintamente.

Todas nós fomos sentar no sofá, que era bege com algumas almofadas coloridas o enfeitando – parecia antiquado. Pela primeira vez, comecei a reparar no apartamento. Antes, eu estava tão agitada que mal pude processar o local. Ele não era muito grande. Havia a sala com um móvel, a televisão em cima desse, um sofá em L, a mesa de centro, dois jarros de plantas próximos às janelas e duas prateleiras cheias de livros. A divisão para a cozinha era feita por uma meia parede, e os quartos eram depois da cozinha – em uma entrada à esquerda –, em um longo corredor. Antes do corredor dos quartos, tinha um outro estreito que dava naquele quartinho empoeirado e com cheiro de mofo que tinha o livro.

Tracy se levantou, andou em minha direção e sentou ao meu lado. Ela me mostrou uma sacola que continha várias roupas e acessórios como bolsas e cintos. Fiquei grata pela sua ajuda e também envergonhada, mas a sua atitude me fez sentir em casa. Essa sensação de ter um lar era tão boa que superou minha vergonha. Estranhamente, me sentia em paz mais rápido do que achei que seria possível, considerando minha situação.

– Tracy, não precisava disso tudo. – Fui sincera.

– Para com isso. – Ela deu um sorriso acolhedor para mim. – Você é do grupo agora e nós sempre cuidamos uns dos outros.

– Enny, querendo ou não... – Angel parou e deu uma rápida olhada para Jane. – Você entrou na nossa família, principalmente depois que lutou conosco ontem. Temos o hábito de protegermos os nossos. E fazemos muito bullying também. Bom se acostumar, baixinha. Entendeu?

Meus olhos se encheram d'água, disfarcei-os piscando freneticamente. Nenhuma das duas me abraçou, apenas me deram espaço, e fui grata. Não queria regressar ao choro.

– Agora, vá se arrumar que vamos para meu habitat natural. – Tracy abriu um de seus enormes sorrisos. – Compras! Você vai ser meu projeto perfeito, Enny!

Teatralmente, revirei os olhos e peguei a sacola de roupas, a levando comigo para o quarto de Aline para me arrumar. Luna segurou a manga da blusa e me puxou para si, dizendo:

– Fuja enquanto tem tempo. Já é tarde demais para mim. – Sua dramaticidade foi revidada com uma almofada voadora que foi lançada por Tracy. – Blusa bacana, garota. Estampa holográfica, gostei.

Os olhos de Jane me fuzilaram após notar de quem era a blusa que eu usava. Fingi não notar e lhe dei um sutil sorriso. Já que iria ficar aqui, precisava me dar bem com todas, mesmo que para isso eu tivesse que abrir mão do meu jeito mais briguento e tivesse que fazer malabarismo para não ser vítima do seu ciúme e mau-humor. 

– Jane conhece os melhores bazares na zona leste. Roupa barata e linda. – Angel agiu de forma mediadora, dizendo as palavras que fez a carranca da outra garota desmontar. – Leva as três para conhecer suas áreas.

– E você, Ang? – A voz de Tracy ficou ainda mais aguda. – Vai fugir de mim de novo?

– Vou fechar a programação de treinos e missões com Nate por agora. Se divirtam por mim. 

Assenti e tomei rumo para me trocar. Quando passei pela cozinha, Nathan saiu do quarto e se juntou ao grupo. Eles se entretinham, conversando animadamente. Parei, os encarando por uns segundos. Por mais absurdo que pudesse parecer, estar ali, com aquelas pessoas, me trazia uma sensação de paz que eu não esperava sentir. Curiosamente, tinha a impressão que podia acontecer o que acontecesse, eu estaria preparada daqui por diante. Não estaria só.

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