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Capítulo 21 - Mentiras - Parte 1

"As nossas mentiras revelam tanto de nós como as nossas verdades."

J.M. Coetzee

Abri os olhos assustada, ficando imediatamente sentada na minha cama. Assim que minha vista se adaptou à luminosidade, percebi o corvo grasnando na minha janela fechada. Peguei um dos meus travesseiros e o atirei para o assustar. O objeto se chocou contra miudezas ao redor do vidro, derrubando-as e fazendo um enorme barulho. Ao menos, a ave foi embora.

Céus! Lógico que esse dia, que já seria horrível, teria que começar assim.

Nathan abriu a porta abruptamente, com tia Lúcia atrás dele. Ambos de pijama. Assim que os dois pares de olhos caíram com estranhamento sobre mim, revirei os meus e me pus de pé.

– Eu não aguento mais esse corvo! – Levantei-me, peguei a caneta e risquei mais um dia no calendário. – Vou achar esse ninho e mudar de lugar.

14 de dezembro

Franzi os lábios em desagrado. Os outros dois me encaravam confusos. Eu tinha dias de mau humor? Claro. Mas, como hoje, era a primeira vez. Honestamente, nem eu esperava estar assim e tampouco queria falar o motivo da minha irritação.

– Qual foi o pesadelo de hoje? – Nathan entrou no quarto.

– Não foi pesadelo. – Meu cenho franzido era para controlar o choro. – Victor entrou em minha mente. Nos ameaçou por causa do furto que fizemos semana passada na estrada para Cagecha.

– Pequena...

– Não tem nada de pequena, tia Lúcia! Eu já estou longe de minha família há seis meses! – Me vesti de raiva para não transparecer quão triste eu realmente estava. – A gente faz a mesma coisa há dois meses e não tivemos um avanço! Aliat? Sumiu como sempre! Não faço ideia de como avançarmos mais na causa. Mas, Victor... Ah! Ele se fortaleceu e agora tem mais essa! Sabe o que vai acontecer? Ele vai me matar! Ou pior, vou passar o resto da minha vida presa neste universo, longe de mamãe, de Júlia, de vovó, de Tay...

Bufei, frustrada, tirando minha vista deles. Peguei uma muda de roupa para mim e coloquei uma segunda em uma mochila. Enquanto isso, os dois permaneciam imóveis, olhando entre si para ver se alguém tinha uma resposta sobre meu comportamento agressivo. Suspirando pesarosamente, coloquei-me na frente deles.

– Desculpem o drama. Acho que estou de TPM ou sei lá. – Não me importei em criar uma mentira convincente, eles não comprariam desculpas vagas. – Tia Lúcia, tem como eu ir contigo na feira de peixes? E, quem sabe, a noite pegar sozinha o horário do fechamento? Nathan tá precisando de uma folga mesmo. Que tal ir beber com os amigos? Faz tempo que você não sai, Nate. Fica preso comigo direto.

– Claro, pequena. Posso ficar no restaurante fechando o caixa ou também vai me expulsar, minha filha? – O seu comentário me tirou um singelo sorriso. – Vou me arrumar e já sairemos. Seja ligeira, ouviu? O melhor robalo fica para quem chega primeiro.

A senhora saiu com passos curtos e balançando as mãos com a excitação de uma criança que ganharia um prêmio. Sua diversão era ir à feira. Nathan, todavia, continuou no quarto – apoiado no guarda-roupa –, me perguntando com o olhar se eu estava bem. Neguei com a cabeça e franzi o cenho, indicando para ele que não perguntasse os motivos. O rapaz concordou e me deu um beijo na testa antes de sair.

Bufei assim que fechei a porta. Mais uma mentira. Não foram apenas ameaçadas tecidas por Victor. Ele fez diversas insinuações, dizendo que as piores traições vinham de quem mais amávamos e que eu logo descobriria isso.

– Ele só quer me desestabilizar. Não cai nessa, Enny. – Me aconselhei, tomando rumo para o banho.

Fui à feira com tia Lúcia, disputamos pelos melhores pescados com os donos de outros restaurantes da região e voltamos para o restaurante gratificadas pela vitória. Nathan nos ajudou a descarregar a mercadoria e apenas nós dois guardamos tudo no freezer.

Engraçado como, desde o ataque de Thomas e Katerine, minha relação com o rapaz cresceu. Ele não voltou a falar de romance, tampouco tentou qualquer interação física. Porém, nos aproximamos com as missões que cumprimos para garantir que haveria a construção de uma prisão na rebelião, e assim evitar os assassinatos a sangue frio. Diversas vezes minha vida ficou nas mãos dele e vice-versa.

Confiava no General Monteiro, mas tinha uma lealdade cega por Nathan. Bem... Ao menos da minha parte, aquele afeto de outubro ainda persistia, sendo contido pela minha razão. Será que ele também se sentia assim? Ou já era passado? Honestamente, tinha medo de descobrir.

Ele cheirou teatralmente a axila e ficou farejando até chegar perto de mim e abanar o ar com as mãos.

– Poxa, Enny, um banho faz falta, né? Quantos dias que não toma um?

– Você deve estar cheirando a rosas, não é, palhaço? – Estapeei sutilmente sua nuca. – Sou muito mais limpinha que você. E cheirosa também!

– Quem disse? – Nathan questionou após erguer o rosto para liberar uma vasta gargalhada.

A porta do elevador abriu. Ele segurou a mesma para que eu entrasse e, andando de costas, encarei o rapaz com um sorriso debochado.

– Engraçado... Vai dizer que nunca elogiou?

O vi engolindo em seco e umedecendo rapidamente os lábios com a língua ao entrar no elevador com a vista baixa. Não esperava essa reação. Teria eu passado do limite da brincadeira? Talvez ele quisesse deixar o passado para trás. Era o que eu deveria fazer, certo?

– Estava pensando... – Ele disse quando a porta fechou.

– Nossa, você faz isso? – Dei um sorriso tímido, transmitindo que entendi a mensagem que me excedi.

– Fica quieta, recruta, e escuta. – Ele me empurrou suavemente com o ombro. – Angel e Jane têm a habilidade de conexão mental. E, depois que foi sequestrada por Thomas, Ang aprendeu a barrar o poder de Jane quando aplicado nela. O que acha delas te treinarem?

– Adorei a ideia. Obrigada por pensar na solução, Nate. Vou falar com as duas.

– Já fiz isso. – Ele me deu uma piscadela, entrando no apartamento. – Agora de manhã, nós dois vamos treinar e depois te deixo com as duas e pego Luninha, Tracy e Li para uma missão.

Algo no semblante dele mudou, adquirindo sombras novas. Parecia estar omitindo algo. Mas, sendo honesta, não estava em posição de julgar ninguém. Há meses vinha escondendo que era tataraneta de Aliat e sobrinha-tataraneta de Victor.

A lógica por trás do meu segredo consistia na ideia que, se as pessoas soubessem quem eu era, elas mudariam pela minha presença – tentando alcançar uma bondade na fé que a Senhora da Luz estava lá para os salvar. Eu não queria que fosse assim. O bem habita em todos e é uma questão de escolha individual. Queria que os habitantes de Rheyk fizessem essa transição para uma nova era por fé em si. Porque, assim que eu fosse embora, teria a tranquilidade de saber que eles ficariam bem.

Desse modo, absolutamente ninguém poderia saber disso. Quer dizer, ninguém além das páginas do meu diário que, desde que eu escrevi a primeira vez "sou a Senhora da Luz", era mantido na segunda gaveta da mesinha de cabeceira, que vivia trancada com a chave guardada na minha gaveta de roupa íntima.

Depois de um merecido banho, fomos para Rheyk e passamos o resto da manhã treinando, sem precisar dizer nenhuma palavra - algo que hoje apreciava mais do que o habitual. Aos poucos, Nathan trazia um ou outro rebelde para lutar comigo, já que eu nunca ganhava do meu mestre. O infeliz do meu protetor era exímio em tudo que envolvesse combate e não importava o quanto eu melhorasse, nunca conseguia o superar sem meus dons.

Hoje, especificamente, fomos só nós dois. Iríamos incluir o uso de alguns dons para que eu aprendesse a aplicar eles no combate. Meu primeiro teste foi usando a projeção de escudo. Depois das lições estarem criando cor arroxeada em minha pele, voltamos para a sede da rebelião. Voltei a pisar aqui há um mês só e ainda me parecia estranho.

Comemos no Refeitório e ficamos um tempo na casa Herquio, ouvindo as histórias de Damnora. Nathan dava boas gargalhadas, porém eu estava séria, sendo tomada pelos meus pensamentos. Pedindo desculpas, chamei o general para voltarmos ao treinamento.

Assim que chegamos na campina, vi Jane lutando contra um outro rapaz. Depois da surra de Katerine, a garota de cabelo ébano se dedicou com afinco aos treinos e superava até Aline. Era possível ver o brilho da vingança em seu olhar enquanto praticávamos. Ela deu um chute, acertando o rosto do rapaz e o fazendo cair. Nathan gargalhou alto com a cena e foi o ajudar, cumprimentando-o com um forte abraço.

– Lembra que Nate tem um melhor amigo? – Tracy pulou nas minhas costas, falando alto. – Olha que gato! Não vale nada, mas que visão!

– Assim eu me ofendo. – O rapaz mais velho se aproximou de mim, estendendo sua mão a qual apertei. – Finalmente estou sendo apresentado à famosa Enny. Prazer, Felipe.

Não podia negar que Felipe era tão bonito quanto muitos rapazes de vinte anos. Os olhos pretos eram vivos, sua pele negra reluzia ao ser banhada pelo sol e seu peitoral despido exibia os músculos desenvolvidos. A calça branca que ele usava era velha e suas mãos estavam cheias de calos, revelando sua vida de trabalho manual. Talvez aquele rapaz fosse o detentor de um dos sorriso mais cafajestes que já vi.

– Tracy não falou nada que não seja verdade. – Nathan, rindo, entrou no campo de visão entre nós dois. – Enny, vou deixar você com Jane e Angel. Voltem vocês três juntas. Estamos captando tropas de Victor fazendo mapeamento pela área. Fica segura, tá, protegida?

Ele colocou os dedos entre os lábios, assoviando, e chamou Luna e Aline, que estavam mais distantes, para ir embora. Restou eu e as duas garotas e elas não tardaram em acelerar os treinos. Comecei com Angel me explicando como ela fazia para fechar sua mente e depois testando seus dons em mim. Umas duas horas depois, consegui ser efetiva no meu bloqueio.

– Parabéns, pirralha! – Jane brincou com um enorme sorriso. Desde o piquenique do aniversário de seu pai, ela se tornou outra pessoa. – Angel é o nível fácil. Preparada para encarar a chefona?

– Definitivamente, não. – Respondi no mesmo tom, apesar de me faltar energia na voz.

Com Jane, o ataque era brutal. A sentia entrando em minha mente, tecendo uma rede à procura de memórias e medos. Quando alcançou a visão de um armário, eu disse:

– Por favor, Jane. Não usa isso.

– Ótimo. Achamos um estímulo eficiente. Quer me impedir, me pare.

A voz do homem gritando absurdos, a sensação claustrofóbica daquele armário, o barulho do cinto batendo na pele de uma criança assustada até sair sangue... Caí no chão ajoelhada e forcei em minha mente a memória detalhada do meu primeiro beijo com Nathan. Se era para trabalharmos com mágoas, magoaríamos as duas vias. Imediatamente as ervas daninhas do dom da garota recuaram.

– Boa, garota! – Ela elogiou, animada, surpreendendo-me. – Quê foi? Gostei do que vi? Claro que não! Mas você se defendeu, não é? É para isso que estamos aqui. Levanta, vamos de novo. Só um acordo. Não mexo nessa memória e você não me faz ver aquilo de novo.

– Trato feito. – Sorri, ofegante.

– Quem diria que para vocês se tornasse amigas só precisavam dispensar o mesmo cara? – Angel brincou, dando uma mordida em uma maçã. A encarei curiosa. – Tava vendo pelos olhos de Jane. Continuem, por favor. Tá maravilhoso!

– Enquanto ele gostar dela, ainda somos competidoras. – Jane me deu uma piscadela. – Mas mudei a metodologia. Quem conseguir Nate primeiro, fica. Chega de picuinha.

– Jane, céus! Você enfiou seu amor próprio onde? – Indaguei.

– Por respeito a você, pitoco, não direi. Mas uma dica, ela enfiou em um lugar de duas letras. – Angel gargalhou com o palavrão proferido por Jane. – Vai, comecem. Deixa de enrolar!

Novamente senti o poder de Jane se espalhar pelo meu cérebro, conseguia sentir quais memórias ela vasculhava. Então, vi uma festa de aniversário de mamãe quando eu tinha 10 anos. Eu, ela e Julhinha abraçadas. Sem querer, de forma impulsiva e burra, tentei a expulsar da minha mente liberando o poder pelo meu corpo. Senti a energia correr pelas minhas veias energéticas, expulsando com violência a presença de Jane. Mas não antes que ela atingisse a memória turva a qual eu escrevia em meu diário "eu sou a herdeira de Aliat".

A garota gritou de dor com meu ataque e foi amparada por Angel, que me encarava surpresa. Queria dizer que estava com medo por elas possivelmente descobrirem a verdade. Mas estava tão furiosa por estar longe de casa hoje, que esse primeiro sentimento não vingou.

– Chega de treino por hoje. Já deu minha hora, preciso trabalhar.

***

– Enny, estou indo. Adios, catástrofe. Bom fechamento. – Erick se despediu, saindo pelos fundos. Após uma dura conversa em outubro, nossa amizade era algo morno.

Fui na sala de tia Lúcia e notei que ela também não estava. Céus, sozinha enfim. Coloquei O Lago dos Cisnes em um volume assustadoramente alto e comecei a arrumar as coisas. Não tinha pressa, só conseguiria dormir depois que esse dia passasse, depois da meia noite. Enquanto varria o chão, notei que o volume foi reduzido. Virei-me para ver um Nathan de braços cruzados, me encarando.

– Achei que você escutasse Beethoven quando ficava com raiva. Tchaikovsky agora?

– Alguém ampliou o repertório musical por aqui. – Constatei, cética.

– Claro! É importante para você, então, é para mim também. Sem contar que é bom ouvir no treino. – Ele andou em minha direção. – Lago dos cisnes? Não é raiva, certo? Tristeza? – Mordi o lábio em resposta. – Ai está! Quer conversar comigo? Ou prefere uma silenciosa companhia?

– Ficar sozinha está fora de questão? – Perguntei rudemente.

– Óbvio. Sofrer sozinha não tem graça. – Nathan colocou um cover de uma música de rock com violoncelo¹. – Modo silencioso de trabalho ou quer desabafar?

Tirei a foto da minha família que Thomas trouxe do meu bolso. A pobre coitada estava gasta de tanto que eu acariciava a face das duas mulheres. Observei atentamente a mais velha.

– Hoje é aniversário de mamãe. – Suspirei e deixei meus ombros caírem. Evitei o encarar, tentando conter, inutilmente, lágrimas de alcançarem meus olhos. – Bateu saudade de casa.

Nathan saiu para a cozinha, deixando-me sozinha e confusa. Porém, assim que regressou, a gentileza do seu ato me tirou um sorriso. O rapaz carregava em uma mão um prato com uma mini torta de chocolate com uma vela e, na outra, um isqueiro.

– Acho que dona Sara gostaria que cantássemos parabéns para ela. – Neguei fervorosamente sua proposta. O rapaz deixou o bolo no balcão e veio até mim, puxando-me pelo pulso. – Enny Scott Peres, isso ajuda. Tia Lúcia fez comigo no primeiro aniversário de mamãe que fiquei aqui. Confia em mim.

Meus olhos, após encarar a sobremesa, repousaram em Nathan. O rapaz sentado no banco à minha frente tinha um sorriso de compreensão e não de pena, sentimento que eu detestava. Com um suspiro de desistência, disse:

– Eu confio inteiramente em você. – Um lampejo transpassou seu olhar ao captar minhas palavras. – Tá, é só cantar parabéns?

Nathan me orientou a fechar os olhos e imaginar que estava com mamãe e Julhinha, pedindo que – se me sentisse confortável – falasse em detalhes do cheiro delas até a sensação do toque. Quando eu praticamente podia jurar que a minha criação era real, a luz atravessando as minhas pálpebras fechadas me indicou que a vela estava acessa. Então uma música de parabéns começou a tocar no som do restaurante. Meu coração estava aquecido apenas com uma ideia.

– Sua mãe não vai se importar que você apague a vela, não é? – Nathan disse assim que abri os olhos.

– Não é como se eu tivesse como perguntar. – Brinquei, enxugando a face das gordas lágrimas que escorriam.

Assim que assoprei, Nathan virou o corpo, devolvendo o bolo para o balcão. Mas meu olhar, todavia, era cativo dele. Assim que o rapaz me encarou, um pouco surpreso, eu andei em sua direção lentamente. Receosa, tirei aquela mecha teimosa de sua testa e segurei seu rosto, aproximando o meu para o beijar. Todavia, ele pôs suas mãos sob meus ombros e me afastou de si. Arqueei as sobrancelhas, engolindo em seco e sentindo o peso da rejeição em meu corpo. Pelo visto, realmente só eu não tinha seguido em frente.

– D-Desculpa... E-eu n-não... – Em minha cabeça gritava um colossal "onde eu enfio a minha cara?"

Antes que pudesse chegar de maneira patética ao fim daquela frase, Nathan me puxou para um abraço forte. Seus braços envolveram com necessidade minha cintura ao mesmo tempo que seu rosto se afundou em meu ombro. Havia uma urgência que nunca tinha visto nele, quase como um medo que eu fosse desaparecer se me largasse. Soltando-me, ele me encarou com seus dedos brincando com minhas mãos.

– Não quero te machucar de novo, Enny. E é isso que aconteceria se te beijasse agora. Me deixa resolver uma coisa antes, por favor? Você merece mais de mim. Acha que pode me esperar? Só mais umas semanas?

Mudamente assenti. Isso foi o suficiente para o fazer abrir um enorme sorriso, pegar dois garfos de sobremesa e me convidar para dividirmos o bolo, não antes sem pegar um dedo da cobertura e suja a ponta do meu nariz. De vingança, esfreguei meu rosto em sua camisa quando Nate se distraiu, sujando deploravelmente o tecido com o resto de chocolate e maquiagem.

Terminamos juntos o serviço e subimos para descansar. No meu quarto, quis escrever melhor sobre o dia no meu diário. Então, peguei a chave e, ao tentar virar na fechadura, ela travou, indicando que já estava aberta. Eu achava que tinha fechado. Será que me enganei?

***

Fechei o meu diário, o guardei ao lado da poção azul que recebi de Thomas – fazendo o duplo cheque da fechadura da gaveta – e saí para ir trabalhar. Porém, ao passar pela cozinha, uma coisa me chamou atenção. A porta do quarto secreto de tia Lúcia estava aberta com a luz acessa. A senhora não estava no restaurante? Será que tinha acontecido algo?

Silenciosamente, comecei a me aproximar do quarto. Meu primeiro pensamento foi: talvez como estou sozinha em casa, Thomas entrou e invadiu esse cômodo. Porém a teoria absurda caiu por terra quando escutei a voz de Aline exigindo que os demais ficassem quietos porque tinham que se apressar já que eu não estava em casa.

O sangue esvaiu das extremidades e por um momento esqueci como se respirava. Meu lado racional conteve o ímpeto de abrir aquela porta e questionar o que estava acontecendo. Se faziam uma reunião secreta, não iriam me dizer a verdade. Daqui era ruim de escutar com clareza, então entrei em uma das mentes ali para captar seus sentidos. A que eu acertei foi a de Aline. Todo o quinteto estava reunido, junto com Nathan e Tia Lúcia.

– Nate, Ang e Jane, obrigada por distraírem Enny aquele dia enquanto eu procurava o diário dela. – Ao ouvir tais palavras da garota de cabelos curtos, levei a mão a boca para aprisionar o meu arfar. – Vim tirando fotos dele diariamente... Não vão acreditar nas coisas que têm lá.

– Ainda acho muito errado. Uma coisa é fazemos planejamentos de guerra sem a envolver. Outra coisa é isso. – Luna bufou.

– Vai pensar diferente quando ouvir...

– Então nos tornamos vilãs, Aline? – Tracy se manifestou, mais arredia. – Ela é nossa amiga, caso tenha esquecido. Custava perguntar?

– Custa sim! Porque a única coisa que ela faz é mentir! Quer um exemplo? Sabe aquele vestido da festa de Luna? Foi Victor quem deu. Enny não comprou em um bazar coisa nenhuma!

Aquela verdade fez todos se encararem nervosos, especialmente Jane. Com um maneio de cabeça, Angel indicou para Aline prosseguir.

– O primeiro relato que peguei foi o sonho onde Aliat revelou o lugar do Coração. Deixe-me ler...

– Esse não. Ela mesma me mostrou. – Angel interrompeu friamente. A outra garota protestou, porém o semblante duro da líder a calou. – Está insinuando, Aline, que eu sou idiota e perdi detalhes ou que estou mentindo? Enny me mostrou e tem coisas da vida pessoal dela que eu prometi sigilo. Já aceitei esse disparate de invadir a privacidade da menina para garantir nossa segurança, mas não vou quebrar minha palavra. Fiz-me entender?

– Sim. – A tensão entre as duas era palpável. Aline quebrou a silêncio com um pigarro, tomando o celular em mãos. – A relação dela com Aliat é muito mais profunda do que imaginávamos.

E a garota continuou. Leu página a página que fotografou. Pulava por vezes alguns trechos mais emotivos sobre como me sentia por cada um ali ou algumas partes que Angel sugeria, quando percebia que falava do meu pai. Pouco a pouco, foi revelado que eu era a Senhora da Luz, Herdeira ao trono de Rheyk e sobrinha-tataraneta de Victor. Cada palavra minha lida naquele círculo era como uma faca sendo fincada mais profundamente no meu coração, o gosto metálico da traição se misturando com o salgado de minhas lágrimas.

– Vocês ouviram. – Tracy concluiu. – Ela quer que Rheyk ache seu caminho para luz.

– Uma ova. – Jane chorava com o semblante em fúria. – Ela quer meter o pé daqui e não ficar com peso de consciência. Não seja trouxa.

– Enny é a Senhora da Luz e essa tal de Aliat é a tataravó dela, fazendo-a a Herdeira à Coroa e sobrinha de Victor. – Aline era tão fria falando. – O mesmo Victor que a propôs aliança. Incrível quantos segredos ela escondeu de nós.

– Tia Lúcia, o que foi? – Luna estava preocupada, abraçando o próprio corpo.

A senhora pegou uma chave em seu bolso, endireitou-a em sua mão e começou a ler pausadamente:

– "Pole cashomeron o topínir capon arb pole lotur pole henny ahim pole copetiko." – Sua voz era baixa, mas bastante profunda. Ela escolheu a pronúncia que alguém da Terra falaria, não como realmente seria dito na língua Rheykfordiana.

– Espera! – Nathan elevou a voz. – Eu ouvi o nome de Enny ou foi engano meu?

– Ouviu. Na língua morta de Rheyk, Enny significa vida. – A senhora baixou a vista. – Essa chave diz: A Senhora da Luz é a aliança entre a vida e a morte. Achei que Enny tivesse dito a vocês, por isso que eu mesma não falei.

Que mentirosa! Ela mesma pediu para que eu não contasse nada.

– Como ela pôde...? – Tracy parecia chocada. – Achei que confiasse em mim.

– Não é esse o problema, minha fadinha. – A senhora a reconfortou.

– E qual é o problema? – Angel parou, refletindo ao ver o semblante do único rapaz na sala. – Não vai alterar os planos, não é? Nathan, o que você sabe?

– Se a aliança entre a vida e a morte morrer, o objeto que ela protege também morre. – Nathan fez uma pausa, reflexivo, e disse: – A questão é: Enny, por herança, é a aliança de Rheyk. Então, até que ponto nós devemos a expor a esta guerra? Se ela morrer, Rheyk terá o mesmo fim. Minha terra já sofre há décadas, morrendo lentamente. Não podemos expor Enny assim.

– Não, meu menino. Se ela der esse título para alguém ou algo, isso não vai acontecer. – Disse a senhora com uma voz insinuativa. – Aliat fez isso por meio do anel. Ela conseguiu passar o que remanescia de sua luz até achar o receptáculo correto. Você pode convencer Enny a fazer o mesmo. Vocês têm um elo único. Ela te escutaria.

– E depois? – Percebi que Nathan não tinha gostado da ideia. – Retiramos as joias do cadáver dela?

– Enny tem que lutar contra Victor. Anos em guerra e nunca nem o atingimos. Vocês viram quão forte ela é. É nossa única chance. – Aline foi firme com ele. – E, se ela transferir seu cargo para as joias, teremos a segurança de que Rheyk sobreviverá até acharmos alguém competente para o desafio, caso ela morra.

– Nós estamos errados. – Luna se antecipou. Havia um traço de desespero em sua voz. – Jogando com a vida de nossa amiga.

– Que amiga? – Jane a interrompeu com a voz rouca. – Ela sabia o que era quando nós duas fomos atacadas. Eu quase morri por causa dela, por causa dos segredos dela!

– Você sobreviveu por causa dela. – Tracy retrucou, partindo pra cima de Jane. – Seu problema é ciúmes por um cara que já te dispensou! Qual é? Nate, você mesmo assumiu que é apaixonado por ela... E Luna, Aline, nós quatro passamos quase todas as madrugadas conversando. Jane, Enny te ajudou a criar coragem para falar sobre seu pai. Angel, eu só te peço para não jogarmos baixo assim!

Tracy segurou as mãos da líder. Seus olhos eram de súplica. Podia ver apenas as costa de Angel pela fresta do quarto, mas conseguia sentir sua confusão com todo o falatório de Tracy. Dona Lúcia se aproximou da caçula do grupo e segurou seus ombros. A menina chorou copiosamente, se desvencilhando do afeto da mulher.

– Essa é a sina dela. Está em seu sangue terminar essa guerra. – A senhora encarava Tracy e segurou nas mãos de Angel. – E sem o título de Senhora da Luz, Rheyk não corre perigo. É difícil essa escolha para vocês, eu sei. Sinto muito pelo que vão fazer.

Luna encarou o chão, nitidamente envergonhada. Jane parecia traída, o rosto voltado para a parede, como se ver aquela cena fosse difícil demais. Aline encarava a tia-avó, balançando a cabeça em concordância, sendo observada por Angel e Nathan de forma séria.

– Terminamos. – Angel quebrou o silêncio, se movimentando para o centro do cômodo. – Tia Lúcia, obrigada por proteger Enny esse tempo todo e nos passar informações valiosas. Nathan, Luna e Tracy, preciso que vocês a convençam a falar sobre ela ser a Senhora da Luz e herdeira de Aliat. Somente então traremos para o grupo, e tia Lúcia vai nos passar o ritual de transferência para as joias. Depois de Rheyk segura, daremos o próximo passo.

– Não vou participar disso. O máximo que terão de mim é o silêncio. – Tracy foi abraçada por Nathan. Mas Angel pareceu a ignorar.

– Nate e Aline, comecem a traçar um plano para a batalha final. No dia, eu e Jane ficaremos de olho nela para resgatarmos as joias caso o pior aconteça.

– Mas já? – Nathan se pronunciou. – Angel, concordo que precisamos de um porto seguro. Mas jogar Enny contra Victor neste instante é garantia de sua morte. Pelo menos mais um ano nas artes marciais e sobre os dons... Ela quase morre toda vez que usa. Ir agora é jogar com a sorte.

– Acha que Rheyk aguentará? – Dona Lúcia quem questionou.

Nathan apenas baixou a cabeça e abraçou Tracy ainda mais forte. Observando pelos olhos de Aline, notei que ela reparou em demasia o franzir de cenho do rapaz, um sinal de raiva.

– Não é como se tivéssemos muitas opções aqui, Nate. Queria a dar o tempo necessário. Mas, quanto mais demorarmos, mais chances Victor tem de a corromper. Ouviram o que Aline leu. Enny, cada vez mais, fala da proposta dele. A saudade de casa está a fazendo ficar tentada. Precisamos agir.

Angel encarou a face de cada um ali. A contragosto, todos pareciam que iriam obedecer o que quer que ela decidisse. Claro, nem todos estavam desgostosos com os caminhos decididos pela líder. Aline parecia furiosa comigo, achando essa decisão a correta retribuição pelos meus segredos. Assim sendo, Angel continuou:

– Então ficamos decididos assim. Garantam suas funções pelos próximos quinze dias. Enny vai ter que lutar no prazo de um mês e vamos torcer pelo melhor.

– Como? – Falei ofegante, sendo escutada por todos aqueles traidores.

***

Eu imagino que Enny estava assim enquanto ouvia a conversa no Quarto Secreto de Dona Lúcia.

¹ A música que Nate colocou no restaurante está no início do capítulo!

O capítulo foi de 8 a 80. Mas, gostaram? Esperavam isso quando começaram?

Quem foi que mais te decepcionou?

Deixem aqui suas teorias do que vai acontecer no próximo capítulo. E não esqueçam de deixar um votinho!

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