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Capítulo 19 - Jane

Saí do quarto de Jane. Ao chegar à sala, me deparei com um garoto que devia ter uns dezenove anos. Ele lembrava muito minha amiga, sendo quase um gêmeo dela. Sua pele parecia a de um bebê e os olhos azuis eram iguais ao mar límpido. Parei impressionada com a semelhança. Ela apareceu detrás de mim, percebendo facilmente o que eu observava.

– Olá, peste! – Jane correu e o abraçou. – Idiota! Onde você se enfiou? Estava preocupada!

– Sempre soube me virar muito bem. Monstrinho, cadê nossa mãe?

Ele estalou os lábios na testa de Jane depois que ela lhe respondeu.

– Valeu. – Ele olhou para mim. – Essa é sua nova amiga? Quem é?

– Enny Scott. – Estendi minha mão e apertei a dele levemente.

O cara não falou nada, ficou me fitando de modo estranho – um olhar anomalamente estático. Acho que não consegui esconder a expressão de estranhamento. 

Isso é meu irmão, João Pedro ou JP. Ele é meio tapado.

– Enny? Já ouvi falar muito de você. Quase nunca bem.

– Enny vai passar um tempo conosco. – Jane se adiantou. – Tia Lúcia está pintando o apartamento e Enny tem alergia ao cheiro de tinta.

– Então, já que você vai passar um tempo conosco, aprenda as regras. Primeiro: jamais entre no meu quarto. Segundo: não se meta comigo. Se Jane é doida, eu sou muito pior.

João Pedro gargalhou macabramente e entrou no corredor dos quartos. Olhei para Jane, descrente. Ela riu, constrangida. Aquele garoto podia ser uma cópia dela fisicamente, mas era engraçado - de uma forma extremamente assustadora. Além disso, havia algo nele que não me parecia certo. Nathan não precisava me alertar para não ficar perto dele. Era definitivamente uma pessoa que eu queria distância.

– Ele é meio excêntrico, não é? – Foi a forma mais gentil para dizer que o achara bizarro.

Completamente desequilibrado. – Ela imitou o modo engraçado de Luna falar "completamente", mas a sentia incomodada.

Voltamos para o quarto dela e continuamos a arrumar minhas coisas. Jane liberou umas gavetas para que eu pudesse pôr minhas roupas – não mais do que uma mochila –, não via necessidade para muito.

– Angel disse que não vamos nos reunir hoje. Ela falou que estava na hora de ter um dia de normalidade. – Jane comentou esse assunto de repente.

– Sei... Ela quer é namorar um pouco, isso sim. – Disse com uma acidez zombeteira. 

– Alguém tem que ter a vida amorosa descente por aqui. – Nosso olhar se encontrou e gargalhamos.

– Deu desse assunto! Página virada! Deixemos os casais se amarem e vamos nos divertir hoje.

– E o que a senhorita está tentando dizer é...?

– Carol vai fazer uma festinha na casa dela e me chamou, mas acho que ela não vai se importar que você vá também. – Mordi o lábios. – Que tal?

– Eu topo. – Ela se virou para arrumar uma pilha de roupas. – Por que ela não me chamou? Essa garota tem um sério problema comigo. O que eu fiz?

– Assim... Talvez, mas só talvez mesmo, tenha sido o fato de, na festa de Luna, você ter dito que Jack merecia namorar uma garota bonita.

Ela fez uma cara espantada consigo e voltou a arrumar as coisas. Não falei mais nada por um bom tempo. Terminamos de guardar as roupas e nos deitamos na cama com um saco enorme de salgadinho e uma barra de chocolate.

– Olha a quantidade de troféus! Patinação, concurso de beleza, concurso de beleza, coral, concurso de beleza, concurso de beleza e mais e mais concursos de beleza. Poxa! Isso não cansa, não?

– É bom quando você quer levantar a autoestima.

– Se eu tivesse a sua cara, só precisava me olhar no espelho. – Então um lampejo veio a minha mente. – Ah! Já que vocês agora sabem da visita de Thomas, posso mostrar uma coisa que ele trouxe. Foi para me desestabilizar? Sim! Mas acabou que o efeito foi o contrário.

Peguei na minha bolsa o que procurava. 

– É a foto da minha família. Aparentemente Petrik trouxe da Terra Central. Essa é minha mãe, o nome dela é Sara, e essa é Júlia, minha irmãzona.

– Sua irmã até lembra sua mãe, mas você... Só os olhos. – Ela sorriu admirando a foto. – E altura. Mas a cara... Você é igual ao seu pai, não é? Genética forte a dele.

Assenti com um sorriso amarelo. Não sabia como dizer para as meninas que eu era descendente de Aliat e que era a Senhora da Luz. Tentando não transparecer minha aflição, disse animadamente:

– Acho que já deu a hora de nos arrumarmos. 

A noite foi muito divertida. Tracy e Luna estavam lá. Fiquei conversando com as garotas e dançando enquanto Jane ficou sendo paquerada por diversos caras. Ela gostava de ser o próprio arquétipo da sereia. Do outro lado da sala, Erick fingia que não me via, se esvaindo do lugar quando eu chegava perto.

Muitos jovens bebiam e fiquei grata pela presença de Luna mais ainda, porque nós duas éramos as únicas que não aderimos à prática. Ela porque a religião não permitia e eu não tinha muito interesse, principalmente considerando minhas dores de cabeça e minha falta de destreza em controlar meus poderes até um limite compatível com a minha vida.

Ao ver que Jane estava passando do ponto no álcool, convenci Aline – que já estava deitada para dormir – a pegar o carro de tia Lúcia, sair de casa e nos deixar onde eu passaria uma temporada. A garota alcoolizada caiu de cara na cama, não se preocupando em trocar de roupa. Por precaução, peguei um balde.

– Enny. – Ela chamou de forma embolada por detrás da cascata negra de seus cabelos. – Escuta. A única pessoa que pode ficar puta por você e Nate sou eu. Aquele Erick tá se fazendo de vítima. Não aceite a forma que ele te tratou hoje.

– Obrigada, Jane. – Ofertei-lhe um sorriso, mesmo que ela não visse e entrei no banheiro.

Tomei um banho e me deitei no colchão no chão. Dormi rapidamente, afinal se eu fosse pensar muito, podia me dar conta que, se a garota vomitasse, seria bem em cima de mim. Contudo, de três horas da madrugada, escutei uns gritos na sala que me acordaram.

– V-Você é um moleque! Uma criança! – Senhora Lopes gritou, aos prantos

– E daí? Sou homem o suficiente para cuidar de Jane e de você.

JP foi quem disse a última fala. Alguns palavrões saíram para sua mãe de forma bruta e outros objetos jogados ao chão. A briga continuou, porém eu apenas tentei ver o estado de Jane. Ela estava deitada, quieta o suficiente para aparentar dormir e se ouvia a sua respiração. Mas, prestando atenção, não era difícil notar que chorava.

– Jane? – Sussurrei, pedindo para que falasse comigo.

Ela girou e ficamos cara a cara. As lágrimas escorriam ferozes pelo seu rosto franzido. Fiquei confusa ao vê-la naquele ponto. A Jane que eu conhecia era inabalável. Nesse momento, lembrei do que Nathan e Luna comentaram sobre ela.

– O que é? – Falou duramente por seus dentes trincados.

– Se quiser chorar em um ombro amigo, estou aqui.

– Eu não preciso de sua pena!

Deite-me e tentei fingir que não escutava a briga. Só uma coisa passava pela minha cabeça: eu não posso passar muito tempo nesta casa.

***

No amanhecer da segunda-feira, fingi que ia para escola com Jane e tomei rumo para Rheyk. Passei a manhã treinando com Nathan no centro de treinamento, enquanto ele também acompanhava a formação de suas tropas. 

Pouco depois do almoço, Jane apareceu e chamou para dar uma volta, distante do pessoal

– Não conte nada do que ouviu ontem, ok?

– Não vou, mas... Se quiser conversar comigo, fique à vontade. Cada um tem seus demônios, Jane. 

Ela começou a andar para a alfaiataria, reflexiva, e eu a segui. Reconheci uma garota que estava trabalhando. Jane acenou, e outra retribuiu com um enorme sorriso. Lastimei-me por ter esquecido o seu nome. Era aquela que não calava a boca por nem um mísero segundo e me deixou irritada na minha primeira grande dor de cabeça. Tentei me desfazer da ideia de que era chata, afinal eu estava de péssimo humor naquele dia.

– Enny! – A menina se levantou e me abraçou. Parecia um estrangulamento. – Não vai acreditar no que minha bisavó falou. Ela disse que você parece uma Rheykirina, aquela linhagem que nasce nas colinas Gurmis, perto do Lago Olink. Acredita?

Virei-me levemente para Jane, quando a garota se voltou para o outro lado, e murmurei:

– Sabe traduzir isso?

– As Colinas Gurmis são para onde iam as mulheres nobres quando engravidavam. Lá, eram protegidas pelo exército real até o banho do bebê no lago Olink. Somente então, retornavam para casa e apresentavam a descendência para Rheyk.

A garota virou com o mesmo sorriso aberto de sempre que jamais diminuía, que permanecia do mesmo jeito estático na face dela como se fosse grampeado, costurado, colado... Tentava não a ver com maus olhos, mas eu sentia um estranhamento com ela sem motivo.

Contudo, a bisavó da menina estava correta sobre quem eu era. Não iria contar para as meninas ou Nathan por enquanto, ao menos. Eles poderiam ficar paranoicos sabendo do meu parentesco com Victor e até me considerariam uma infiltrada. Essa notícia tinha que ser dada com calma. Se houvesse a necessidade de dizer, não é mesmo?

– Mariah, que tal mostrar Enny pra ela? Talvez, se a vir de perto, ela mude de opinião. – Jane falou, cruzando os braços e andando.

Eu e Mariah a seguimos. Mariah, Mariah, Mariah. Repeti o nome até decorar. Afinal, aquela menina vinha sendo tão prestativa que não queria ser mal-educada. Apesar de minha verdadeira vontade ser deixar ela falando sozinha e nunca mais a ver. 

– Jane é tão, mais tão linda! Pena que ela e Nathan terminaram. – Seu tom era desproporcionalmente animado, quase falso. – Sabe o motivo?

– Desculpa... Esse assunto é entre eles. Não me cabe dizer.

– Você é tão leal! Que fofinho! Eu queria ter uma amiga como você.

– Claro! – Jane sussurrou, sorrindo, e eu a fuzilei com o olhar pela brincadeira.

– Rabivé. – A garota falou com respeito. – Significa, bisavó.

A senhora aparentava ter uns 95 anos, mas parecia carregar mais idade em suas costas. Ela me olhou atentamente, fitava os meus olhos com interesse e surpresa. Seus olhos verdes capturaram minha atenção, especialmente pelo detalhe mais escuro no canto esquerdo de uma de suas íris. Era a senhora que me observava no dia que encontrei o Coração de Rheyk.

– Olá, sou Enny Scott. Qual é o nome da senhora?

– Damnora Herquio. – A senhora suspirou e seus joelhos fraquejaram. Eu avancei para a segurar em meus braços. – Oh! Em toda a minha vida, eu esperei pelo momento em que veria uma Rheykirina legítima. Graças!

– Rabivé! – Mariah tentou separar a anciã de mim. Esta tocava meu rosto.

Recuei meu corpo, assustada. Não! Eu precisava falar com a senhora. Deixei que ela me tocasse novamente e segurei firmemente a sua mão. Olhei nos seus olhos com benevolência e tentei falar o mais convincente possível.

– Herquio? Do  General Patcho Herquio?

– Meu caçula. – O sorriso de dentes desgastados era genuíno.

– Senhora Herquio, não sei quem pensas que eu sou. Contudo, lhe garanto que não sou isso. Não nasci nas Colinas Gurmis nem fui banhada no Lago Olink.

Ela empurrou minha mão com força e se afastou rapidamente.

– Sabes da verdade, percebe-a ao se olhar no espelho e ao ver a semelhança. Quero que saibas que a vejo em ti. Se a negas, não mereces o que recebestes.

Ela partiu, andando debilmente com sua bengala torta. Como ela sabia ?

– Desculpe minha rabivé. Já está senil. – Mariah parecia temer a minha reação. Ela correu para a bisavó.

Eu limpei a minha enorme saia e saí com Jane ao meu lado. A forma penetrante que aquela senhora me olhava... Parecia me reconhecer. Não. Não era a mim. Era Aliat. Damnora já vira Aliat, decerto. Mas como?

Podia negar o quanto quisesse, mas era indiscutível que havia uma semelhança gritante entre mim e minha tataravó, com exceção dos olhos. Se queimaram os quadros da antiga rainha de Rheyk, então como ela sabia quem era? Damnora não era viva quando houve a ascensão de Victor, nasceu um século depois, no mínimo. Será que havia algum registro de Aliat que as meninas desconheciam?

– Do que Damnora estava falando, Enny? – Jane sussurrou, irada.

– Não faço ideia. – Menti. – Acho que Mariah está certa. Aquela senhora surtou.

Ao voltarmos para perto da entrada, eu vi Nathan e Aline conversando animados e rindo à toa. Ela lhe deu um beijo na bochecha e se levantou para falar com Jane. Sentei-me no banquinho onde antes Aline estava sentada, ao lado de Nathan. Ele me fitou, sorrindo com carinho.

– Enny, você confia na gente? – Ainda atônita com a outra conversa, assenti. – Além daquela visita de Thomas, há mais algo que você não quis me contar?

Fiquei surpresa pela sua pergunta, que surgiu do nada. O olhei abismada.

– Por que está perguntando? – Minha voz foi um sussurro. O silêncio que se sucedeu foi a forma que Nathan encontrou para me tirar uma resposta. – Eu já te contei.

E não era mentira. Contei que era a Senhora da Luz para Nathan, a culpa não era minha se ele estava dormindo...

Porém, o peso da omissão pesava meu estômago, dando-me ânsia de vômito. Eu não podia contar. Eles jamais acreditariam que eu não sabia disso antes ou, pior, sabendo que havia alguém destinado a lutar por Victor, iriam começar o movimento pela guerra final. Só que eu não sou uma assassina. Não posso lutar uma guerra. Então, até que eu tenha uma forma de sair dessa sinuca de bico, o silêncio sobre minhas origens prevaleceria.

Levantei-me ao ver Jane, recusando-me a olhar para trás, e pedi para irmos. Chegando à casa dela, sua mãe me entregou um envelope contendo apenas meu nome. Abri o mesmo e retirei o conteúdo. Dentro dele, havia duas coisas: um bilhete e um vidro – do tamanho do meu polegar –, que continha um liquido azul. Li o bilhete. Aquelas palavras me deram mais medo do que qualquer coisa.

"É hora da caçada."

Guardei as duas coisas dentro de uma bolsa minha. Quem poderia ter enviado isso? O que isso sig...

– Você mentiu. – Jane acusou ao sair do banho. – Sabe do que Damnora falou.

Jane me examinou do fio mais elevado do meu cabelo até o dedão do pé. Ela queria encontrar uma falha na minha armadura. Fiquei grata por estar tão exausta, pois só assim não fiquei nervosa e creio que a convenci.

– Acredite no que quiser. Eu estou exausta! – Deitei-me na cama e proferi: – Exausta de você, de Nathan, do portão perto da casa de tia Lúcia e deste mundo! Só quero achar quem possa me mandar para minha casa e nunca mais precisar pensar neste lugar.

Às três da madrugada, acordei ouvindo a mesma gritaria. Desta vez, não chamei Jane. Apenas ignorei e tentei dormir em vão. A dor de cabeça voltou, e eu comecei a chorar até desfalecer de cansaço. No outro dia, repeti a rotina de fingir ir à escola e fui a Rheyk.

Nathan falou pouco comigo, perguntando apenas da minha dor de cabeça. Respondi que não doía mais, mentir sobre isso já era natural. Percebi que o rapaz me olhava de rabo de olho às vezes e, raramente, me pedia para falar mais sobre mim. 

Jane, Tracy e Luna vieram e me chamaram para treinar, Angel e Aline ficariam auxiliando o General com as tropas. Eu e as meninas andamos uns quilômetros até a grande clareira que treinávamos usualmente. A priori, estava testando meu controle dos elementos (água, terra, fogo e ar), aos quais vinha aprimorando desde Gark. Porém, após um momento, decidir ir para áreas que tinha menor destreza. 

– Jane, usa o seu dom comigo. – Pedi, esperando a resposta em atos.

Um monstro de três metros apareceu na minha frente. O ser tinha um corpo de lagarto, o cabelo de medusa e usava sua faceta de raiva. Era uma ilusão de Petrik. Ele esticou suas mãos e me agarrou. Do nada, escutei uma voz me chamando calmamente.

– Fique onde está, ninguém mais te quer! – A voz da minha mãe continha ódio.

– Sempre foi assim, ninguém nunca lhe quis. Seus amigos, mamãe, eu e o pai.

– Júlia, pare! – Gritei e a mão de Petrik me soltou.

Jane estava usando um golpe baixo. Sabia que nada daquilo era real, mas não esperava que parecesse tão verdadeiro. Petrik passou sobre o meu corpo e pulou em cima da minha mãe e irmã.

– Não! – Gritei esticando a mão para minha família que, de relance, vi sendo morta.

Subitamente, tudo acabou. Minha mão estava esticada para o nada. Luna veio ao meu lado, pondo sua mão sob minha face. Eu chorava sem perceber. Não aguentei ficar sobre meus pés e caí, tremendo ao tentar controlar o pânico.

– Seu maior medo não é alguém, mas perder sua família. – Jane concluiu, impactada.

– Como você conseguiu achar? – Perguntei, revoltada. Queria avançar nela por me fazer ver minha família sendo morta.

– O medo fica impregnado como uma mancha de petróleo na mente. É só procurar as sombras que todos evitam olhar. Na maioria das vezes, as pessoas sentem medo de alguém, algo, um lugar especial. Mas você, Enny... É uma condição, o abandono.

– Cala a boca! – Gritei. – Você não tem direito de espalhar isso para ninguém.

Levantei-me, pondo-me mais perto dela de modo agressivo.

– E, quer saber? Meu medo já é realidade. A cada dia que passo aqui é um dia mais longe do meu lar, da minha família. Lógico que elas vão me esquecer.

– Se eles te amam, jamais, jamais, vão te esquecer. – Luna comentou.

Mas eu não sabiam se amavam. Júlia, talvez. Minha irmã amava a uma menina que chamou a vida inteira de maninha, a quem consolou quando eu me machucava e cuidou quando o pai me batia. Essa menina não existia mais. Será que minha irmã amaria quem eu era hoje? E minha mãe... Sara me amava, porém sempre senti que ela me olhava com dúvida, quase como se tentasse encontrar o porquê meu próprio pai me rejeitava.

– Meu pai morreu em janeiro deste ano. Câncer. – Jane comentou repentinamente, com os olhos marejado, cativando a atenção de todos. – Ele era muito bom comigo e com meu irmão.

– Oh! Jane, eu não fazia ideia. Sinto muito. – Peguei em sua mão.

Tracy e Luna pareciam tão chocadas com a notícia quanto eu. Então era nítido o quão secreta Jane fazia questão de sua vida ser. Seria isso que a mudou como Luna dissera? A garota parecia se conter para não desabar em lágrimas agora. Talvez sua postura durona e arisca fosse para esconder exatamente essa versão de si.

– Por que você não nos contou? – Tracy questionou, complacente.

– Só Angel e Nathan sabiam. Eles estavam lá em casa quando eu recebi a notícia. O médico tinha dado um ano, mas tivemos pouco mais de seis meses... Não estava pronta ainda pra dizer adeus... Desmaiei na mesma hora.

Ela parou de falar, tomando fôlego. 

– Desde que ele morreu, João Pedro vive discutindo com mamãe. Ele bebe, se droga, faz umas... Besteiras e chega tarde da noite para ficar brigando com ela. E eu não posso me meter porque toda vez que intervenho, é mais forte que eu... Meus poderes ativam e eu vejo a dor da minha família e acabo os machucando... Eu os ma-machuco porque tudo que tem aqui dentro de mim é raiva.

Os olhos de Jane encaravam aos meus. Lágrimas gordas corriam pelo seu rosto. A imagem da perfeição que eu sempre atribuí àquela garota agora estava manchada por uma dor que eu jamais vi.

– Raiva de tudo. De meu irmão por ter virado um viciado. Da minha mãe por insistir em fingir que tá tudo ótimo. Do meu pai por ter morrido, por não estar aqui pra minha formatura, por não me levar ao altar, por não segurar meus filhos. Raiva de você, Enny, por mostrar que um filho da puta achou bacana tirar meu pai de mim... Tenho ódio de mim toda vez que me vejo no espelho porque eu não estou sendo forte como meu pai queria que eu fosse... Essa dor, esse luto... Vem me consumindo há meses.

A garota envolveu seus braços ao redor do corpo. Parecia uma tentativa de controlar suas fraquezas de emergirem em sua derme. Mas, assim que Luna a abraçou, Jane desabou. Passamos alguns minutos apenas a ouvindo chorar até que a garota se acalmou.

– Eu tento ser forte por mamãe, por JP. Tenho que ser a filha perfeita para que mamãe não sofra tanto... Mas não consigo sempre. Na real, eu nunca vou ser boa o suficiente para o que ela espera de mim... Nunca vou ser digna. – Ela coçou os olhos como uma criança, tentando se controlar. – Se sou dura, é porque tenho medo de me magoar ao demonstrar o que sinto... De sentirem pena de mim... De machucar quem eu amo... E eu não sei mais voltar a usar meu dom sem ser para ver essas trevas.

– Jane, sua boba. – Tracy a chamou com demasiado carinho. – Você não precisa ser forte pra gente. É como tia Lúcia diz, nossa força tem que ser em apoiarmos as fraquezas uma das outras. Quer usar seus poderes como antes? Quer tentar isso? Me usa como cobaia. Por você, amiga, eu posso enfrentar um pesadelo ou outro.

A loirinha deu uma piscadela para Jane que pareceu desconcertada. Essa se sentou no chão parecendo não encontrar as palavras para expressar a grata surpresa que sentia.

– O quê? Achou que eu ia tirar brincadeira? – Tracy abriu seu gigantesco sorriso. – Relaxa, vai chegar a hora certa para isso, sua mal-humorada.

A caçula do quinteto se afastou uns dois passos sorrindo quando Jane jogou uma pedrinha em sua direção. A garota de olhos de oceano me encarou de forma séria, seu rosto tinha manchas vermelhas do choro que já tinha praticamente parado, as lágrimas praticamente secas.

– Cada um tem seus demônios, certo, Enny? – Ela deu um leve sorriso. – Quando você chegou, eu fiquei tão revoltada contigo. Estava tudo sendo tão caótico, e Nathan e Angel eram meu suporte. Do nada, eles começam a focar em você e descobrimos que somos apenas um desenho... Eu enlouqueci de raiva...

Luna, então, se ajoelhou em frente a Jane e lhe acariciou o cabelo negro.

– Jane, escute uma coisa. – A risada tão típica na voz da ruiva não existia. No lugar, havia uma sobriedade singular. – Você é digna. De amor, de amizades verdadeiras, de ser completamente feliz. Nunca na sua vida duvide disso, minha bravinha favorita. E, muito menos, dê a alguém o poder de lhe fazer duvidar disso. Não importa se é sua mãe, ela tá errada. Eu te vejo há cinco anos e afirmo, sem peso nenhum na consciência, você sempre foi incrível. Tenho certeza que o senhor Lopes tinha certeza disso.

As duas se abraçaram e Tracy veio ao meu lado, dando uma piscadela para mim. Sabíamos o quanto Luninha sempre teve uma admiração especial por Jane e ela era a pessoa certa para fazer a garota de olhos de oceano se ver de forma mais amorosa. Assim que as duas se afastaram, eu me agachei para encarar Jane.

– Posso te contar um segredo? – Trocamos um olhar confidencial. – Isso é real. Rheyk, a sua Terra. Não existe roteiro, não existe isso de desaparecer se cancelados. Ninguém planejou isso do seu pai. Foi uma tragédia, mas sabia que não foi pra o entretenimento de ninguém, amiga.

– Aliat te contou? – Assenti a pergunta de Tracy sem desviar o olhar de Jane.

– Sinto por você se sentir de lado. Acabei sendo uma idiota contigo tantas vezes e nunca pensei como estava sendo para você me receber. Mas, eu te juro, nunca quis ou pedi por nenhuma dessa atenção ou...

– Eu sei, eu sei. Mas é mais fácil ficar com raiva de uma desconhecida do que dos amigos ou de si. – Ela olhou em direção à rebelião. – E a forma como vocês se conectaram, parecia até que já se conheciam... O jeito que Nate te observa é diferente de tudo que já vi. Não vou mentir, até pensei que havia magia envolvida. Mas, claro que não. Ele é só totalmente apaixonado por você.

– Tracy, vamos embora que aqui o clima está pesando. – Luna brincou, se levantando. Jane a olhou pelo canto dos olhos, sorrindo.

– Quando elas são bobas assim, eu só ignoro. – Brinquei e tirei uma risada da garota a minha frente.

Ouvi uma risada por perto. Meu sangue gelou ao notar que não era de nenhuma das garotas. Nós quatro entramos em formação, uma de costas para a outra, e começamos a procurar em voltar uma possível ameaça. Então avistei. Na copa de uma árvore de folhas roxas, estava ela, Katarine.

– Fiquem, meninas. Vocês serão as testemunhas do desmembramento dessas duas vadias. – Sua voz era irônica.

– Enny, esta imbecil está falando da gente? – Jane me perguntou, enterrando sua fragilidade com uma ampla camada de sarcasmo. – Cadelinha de Victor, acha mesmo que sozinha pode conosco?

– E quem disse que ela está sozinha? – Thomas surgiu detrás da árvore, no chão. Ele me olhou e se virou para Jane. – Mostrem-me onde é o esconderijo ou matamos vocês.

– Qual é? – Luna zombava. – Não sei se perceberam, mas são dois contra quatro. Vocês já eram.

– Luninha, querida, conte novamente. – Thomas riu com prepotência enquanto barulhos pesados de passos cresciam. – Eu lhe avisei, Enny. É hora da caçada.

Uns vinte homens apareceram na margem da pequena campina. Estávamos encurraladas. 

***

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