Capítulo 17 - O Baile
No dia seguinte após a missão em Gark, acordei na enfermaria com um Nathan adormecido e debruçado sobre o projeto de cama, segurando uma pedra que repousava acima do meu esterno. Minhas mãos passaram pelo seu cabelo, acordando-o. Ele não se assustou, pelo contrário, parecia satisfeito com o contato.
– Dessa vez você não gritou muito. – Disse, estralando as costas.
– Olha, já temos uma melhora. – Dei um sorriso de lábios cerrados. – Um dia paro de dar esse showzinho.
Minha cabeça, desde a primeira crise, ainda não tinha ficado realmente sem sentir dor nenhum dia. Já era quase meu status quo. Mas, lógico, não compartilhava isso com ninguém. Não queria os preocupar, principalmente porque eu sabia o que isso era, Aliat me dissera. Meu corpo estava se adaptando a energia da Senhora da Luz.
– Tá se sentindo bem? Ótimo. Vamos, vou te levar para nossa casa. – Ele se pôs de pé, chamando-me com um movimento de mão.
– Eu não quero. – Sentei-me, dando de ombro. – Já estamos em Rheyk. Vamos treinar. Faz dias que você não me treina em artes marciais. Estou voltando a ficar enferrujada.
Nathan bufou, pinçando seu osso nasal com impaciência. Desde que dispensei seu pedido de namoro, ele evitava conversar comigo ou até estar no mesmo ambiente por tempo prolongado. E, depois que Aliat me contou sobre o parentesco dela com Victor e confirmou que eu era a Senhora da Luz, eu era quem o evitava.
– Sabe, Enny, você não precisa ir até seu limite toda vez. Tem que maneirar ou vai acabar se matando.
Ah, preciso sim. E como preciso. Se você, ao menos, estivesse acordado quando eu disse a verdade, entenderia o quanto era necessário.
Meu silêncio foi entendido como teimosia e, em um suspiro, Nathan concordou em me levar para treinar após um reforçado café-da-manhã. Reforçado é um termo inadequado para descrever um bando de porcaria da Terra que ele guardava na sua casa, mas que servia para encher a barriga – e dar uma diabetes a longo prazo. Acabei tomando um banho naquele teórico banheiro para tirar a poeira de mina que se impregnou em mim, transformando meu cabelo avermelhado em um breu, uma versão ressecada do de Jane.
Quando saí do banho, ele pediu licença para ter o mesmo "luxo". Fiquei comendo enquanto examinava o arsenal que ele mantinha aqui. Letal. Então ouvi o barulho de passos e olhei por sobre o ombro, vendo Nathan sair enxugando o cabelo recém-cortado. Usava uma calça jeans surrada e uma camiseta preta, exibindo seu físico tão...
Honestamente, me faltou palavras polidas para descrever, então me resignei a contemplar a visão e coibir o pensamento de lhe beijar. Só que a minha mordida no lábio deixava transparecer o que eu lutava para esconder.
– Me olhando assim, nem parece que me dispensou há quatro dias. – Ele jogou a toalha sobre a cadeira e vestiu uma jaqueta por cima da camiseta.
– Te garanto, doeu mais em mim dizer. Afinal, eu gosto de você. – Arrependi-me assim que falei aquelas palavras, principalmente ao vê-lo surpreso. Para evitar criar outras expectativas, emendei: – Mas foi a escolha racional. Vai me agradecer um dia.
Pessoas apaixonadas tomam atitudes idiotas e eu estou apaixonada por ele. Mas, agora, tinha que ser a Senhora da Luz, garantir o bem-estar de Rheyk e descobrir uma forma de abdicar esse cargo para voltar para casa. Não podia arriscar perder tudo e a todos tomando atitudes idiotas. Então, deixá-lo ir era o certo a se fazer. Até porque, não demoraria muito para Jane alguma hora o cativar novamente.
Eles eram do mesmo universo. Eu era o elemento de fora que atrapalhou o relacionamento e que não tinha menor pretensão de ficar . Por mais que me doesse admitir isso, não podia o prender a mim assim. Não era o certo.
– Se você diz... – Nathan engoliu em seco, insatisfeito. – Pare de me olhar como se eu fosse um pedaço de carne. Para sermos "bons amigos" como você sugeriu, isso não pode acontecer.
Maneando a cabeça, concordei. Mas um último pensamento indecente me passou antes. Desde quando seu bíceps era tão definido?
***
O dia 24 de setembro finalmente chegou. Era hoje a festa!
Estava o maior burburinho no grupo de mensagens. Maquiagens, fotos dos vestidos, dos saltos, das joias, dos perfumes. As garotas só teriam aula pela manhã e Angel deu a tarde para todas de folga. O dia era de Luna e só. Aline ainda deu uma passada aqui para saber se eu precisava de alguma ajuda com meu vestido. Apenas neguei. O tinha provado na terça-feira, ele parece ter sido desenhado inteiramente para mim. Admito, Victor sabia impressionar e Katerine até que tinha bom gosto.
Estava tomando banho e, na minha mente, só tentava encaixar a última visão que tive no meu mundo com o que estava acontecendo e minhas recentes descobertas.
Aliat era irmã de Victor, dona do anel e Senhora da Luz. Como ela conseguiu enviar meu anel para a Terra Central? Será que ela conseguiu proteger o bebê? Ou morreu tentando inutilmente o salvar? Será que esse bebê era de fato dela? Se fosse, era o Herdeiro ao Trono, ou seja, uma ameaça à posição de Victor. Teria ele matado o bebê? Seria tão monstruoso assim? Bem, ninguém nunca reclamou ao trono. Isso indicava que, se de fato o bebê fosse de Aliat, Victor era um monstro muito pior do que eu imaginava.
Retirava o condicionador quando ouvi um barulho violento e, instintivamente, peguei a toalha e cobri o meu corpo. Virei o rosto e vi Jane na porta.
– Sua traidora! – Ela falou com antipatia. Que droga! Com certeza já sabia de tudo entre mim e Nathan.
– D-Do que você está falando? Quer... Quer saber? Espere eu me vestir que nós conversamos como pessoas civilizadas. – Tropeçava nas palavras. – É sério, Jane!
Ela me fuzilou, e eu acenei para que saísse. Enrolei a toalha preta em meu corpo e saí do banheiro. Jane estava de pé, olhando friamente para mim. Andei em direção ao guarda-roupa enquanto ela quase me imprensava contra a parede. Virei as costas para ela e peguei algumas bijuterias para não olhar em seus olhos.
– Então... Qual a sua acusação? – Falei de forma ambivalente.
– Eu soube que beijou Nathan. – A garota fez questão de transparecer sua decepção.
– Mentira. – Fui ríspida. Meu envolvimento com Nathan estava morto, não tinha necessidade dela saber a verdade agora. – Quem lhe contou isso estava mentindo. Agora saia.
– Eu achei que fosse minha amiga. – Revirei os olhos teatralmente porque era clara sua mentira. Por melhor que estivéssemos nos dando nas últimas semanas, "amizade" não era um termo válido entre nós. – Ah... Quem me contou foi o próprio Nathan. E, digamos, que não foi falando bem. Você correu até o quarto dele... Que desespero! Que tipinho de pessoa você é?
Tive um minuto de uma raiva explosiva interna - pelo seu tom de chacota -, porém não tardei em regressa à minha encenação. Algumas aulas de teatro na infância com Tayane me tornaram capaz de fingir tranquilidade e calma ao enfrentar alguém que tentava me fazer sentir um lixo. Corrigindo, as aulas de teatro ensinaram, mas as visitas ao meu pai fizeram com que eu desenvolvesse esse talento com maestria.
– É, Jane, nós ficamos. Mas não se preocupe, não significou nada. Pode continuar se arrastando como uma pateta por um cara que nitidamente não te ama. – Fui até a porta e abri para ela. – Como você já disse o que tinha para dizer, saia daqui.
– Pelo visto doeu, e vai doer mais ainda hoje. – Ela falou cinicamente e saiu.
Passei uns minutos controlando a minha respiração e impedindo minhas lágrimas de saírem. Que... Nathan era um... Filho da... Aí, não tinha palavras para descrever a traição dele e o quanto eu sentia raiva agora. Sentei-me no chão e fiquei abraçando minhas pernas. Na minha cabeça era claro o que acontecera: Nathan, não aceitou que eu o dispensei, e simplesmente contou o que houve para Jane para me machucar, sabendo que seria excluída.
Ri com pesar da conjectura. Jane merecia ser protegida porque passou por momentos ruins na vida. Mas eu não? Jogue a forasteira na fogueira, Nathan! E é porque ele disse que gostava de mim, não é? Imagina o que faria se não gostasse. Teria me entregue a Victor como um porco para abate. Fiz bem em não o contar sobre se a Senhora da Luz para ele. Não era tão de confiança assim...
Pouco importa. Não mudaria nada me lastimar aqui neste chão. Decidi me arrumar para a noite e, internamente, queria que Nathan pagasse por sua boca grande e pelo constrangimento que me fizera passar.
Pedi para tia Lúcia fazer um penteado em mim, um coque embutido mais despojado e cheio de pontos de luz. Eu mesma fiz minha maquiagem, usando das técnicas que Jane me ensinara. Vesti o lindo vestido dourado e coloquei a máscara que fiz. Admito, surpreendi-me com o resultado. Se não fosse pelos olhos, eu diria que era uma versão mais nova de Aliat.
Meu celular vibrou. Era Erick avisando que chegaria em 10 minutos. Pedi para ele me buscar enquanto tia Lúcia cuidava do meu cabelo. Estava guardando os itens na bolsinha quando um grasnar me assustou. Um corvo bicava a janela freneticamente.
Estendi minha mão e imaginei uma corrente de vento o tirando de perto da janela. Foi gratificante ver que de fato aconteceu. Ótimo, estava progredindo na manipulação dos elementos. Satisfeita, saí do meu quarto.
– Deixe-me ver! – Tia Lúcia indicou com o indicador que eu deveria dar uma voltinha. – Uma princesa, pequena.
O celular vibrou novamente.
– Tenho que ir. Erick chegou.
– Achei que você iria com Nathan, Jane, David e Angel. – Ela olhou para a porta do quarto do rapaz. – Ele deve estar já saindo, Enny. Espere para ir com o grupo.
– O carro vai ficar muito cheio. E, de qualquer forma, Erick já está lá embaixo. Seria rude o mandar ir sozinho. – Dei um beijo na bochecha da senhora. – Só saio de lá na vassoura.
– Não ouse beber ou ir para outro lugar depois, mocinha. – Seu jeito maternal me fez rir.
– Obviamente a senhora está muito traumatizada com Nathan e Jane. – Brinquei enquanto esperava o elevador. – Zero álcool e venho direto para casa. Prometo. Boa noite, tia Lúcia.
Erick me esperava nitidamente ansioso do lado de fora do carro. O garoto ruivo não conteve o queixo de cair quando me viu. Admito que foi bom para meu ego, mesmo que seu olhar me constrangesse. Não era dele que eu queria que esse olhar viesse.
Correção: queria que Nathan viesse me bajular só para eu falar poucas e boas, deixar bem claro o quão baixo ele era. Pouco me importava de me rebaixar para me vingar. Desde que não magoasse outros, que não estavam envolvidos na história, tudo é válido na vingança.
– Você é a mais linda daqui. – Erick cochichou quando entramos no salão.
– Está querendo o quê? – Disse de modo brincalhão.
Andamos de braços entrelaçados pelo salão. O lugar era esplendido. Os lustres pendurados, a decoração com tecido fino e a cadência nos detalhes nos transportavam para um baile da era vitoriana. Contudo, Luna, sendo tão única como só ela podia ser, conseguiu trazer sua identidade. Uma máquina de bolhas de sabão e uns equipamentos de luz - que estava desligados por agora - indicavam que não tardaria para essa festar dar um chute na porta de entrada do século XXI.
– Oi, Enny! – Tracy e Aline me cumprimentaram ao mesmo tempo. Assustando-me.
Eu abracei cada uma e reparei nos minúsculos detalhes do vestido delas. Tracy usava um vestido azul com linhas azul-marinho que corriam por todo o tecido e se encontravam em um broche bem chamativo no busto. Aline vestia um tomara-que-caia rosa com um longo decote, mas tinha outro tecido por cima - quase transparente.
Sentamos na mesa que já estava marcada para nós, junto com Erick, Jack e Carol. Meia hora depois, avisto Angel chegar com David, que até parecia um adolescente normal hoje. A líder do quinteto usava um vestido verde escuro com um tecido verde mais claro passava por cima da saia, mas deixava uma pequena linha do tecido natural a mostra.
Luna ainda não aparecera, provavelmente faria uma entrada triunfal. Ela era conhecida por não gostar muito de seguir o padrão e sempre preferia deixar a sua marca pessoal nos seus eventos, o que era fácil quando se era tão rica quanto ela. Seu pai era um influente político conservador que tinha uma ampla rede de contatos. Contudo, na festa, só havia amigos dela. Com certeza, porque ela que exigiu isso. Aquela comemoração não era algo para dar aparências, apenas algo compatível com o nível econômico dela.
Avistei a chegada à distância de Jane e Nathan. Para evitar de ter que falar com eles por educação, avisei que ia pegar uma bebida e me retirei da mesa antes deles se aproximarem demais. Nathan era tão cara de pau que ainda teve a coragem de sair da rota para tentar me cumprimentar. Hipócrita! Erick surgiu como um anjo salvador e me puxou pela mão, antes que eu fizesse um barraco. E o pior, Nathan ainda ficou com a cara de confuso.
– Tá querendo se fazer de santo agora. – Murmurei para mim com a borda do copo selando meus lábios.
As luzes do salão subitamente apagaram e os canhões de luzes apontaram para o palco. A música clássica parou de tocar e deu vez a um rock cristão bem animado. A garota ruiva entrou - descendo do palco até o salão de dança - e com um grupo de amigas da igreja, fez uma coreografia maravilhosa, mesmo que não fosse a melhor dançarina dali.
Ela tinha uma confiança tão grande que era talvez sua maior qualidade. Nunca se podava por medo do que os outros iam achar. Era só feliz. Tinha que admitir que nunca vi Luna tão bonita: seus cachos estavam tão perfeitamente arrumados e seu vestido tomara-que-caia branco modelava seu corpo. Se eu era uma princesa como disse tia Lúcia, ali na minha frente estava a rainha.
Depois que a aniversariante entrou, não deixou mais ninguém sentado. Todos dançavam freneticamente ao som da banda que ela contratou. Balões gigantes foram jogados, flutuando por sobre as cabeças dos convidados. Mas, pouco importa a decoração. A alma da festa era Luna. Jack puxou Carol e Erick para dançar. O ruivinho, por sua vez, me puxou. E eu fiz questão de arrastar Tracy e Aline, deixando que os dois casais ficassem sozinhos na mesa.
– Oh, pitoco, espera! – Angel gritou, dando uma corrida desengonçada com seu salto. David a dava suporte para não cair. – Como vocês andam com isso?
Levantei sutilmente minha saia. Um salto 15 centímetros.
– Quem não tem altura, se vira como pode. - Brinquei. – Mas você tem altura, tira esse sapato e se junta a gente. Bora se divertir.
Apesar de vir com Erick, minha real parceira era Tracy. Várias músicas já tínhamos feito coreografia com Luna e praticamente dávamos nosso show ali. Jane veio sozinha se juntar a nós, bufando toda vez que nossos olhos se cruzavam. Me senti observada e só entendi a fonte quando Aline saiu de perto do grupo, indo se juntar a Nathan na mesa. Ele tentou me dar um sorriso, mas eu dei as costas antes, ficando - sem querer - de cara com Erick, que achou que o estava chamando para dançarmos juntos.
Não foi de todo mal dançar com Erick. Ele realmente tentou aprender os passos e usava seu senso de humor para compensar a falta de destreza na pista. Em algum momento, Nathan se juntou a nós e começou a dançar bem próximo de Jane. Gostaria de dizer que não me doeu, mas seria uma grande mentira. Então, decidi me afastar um pouco do meu grupo.
Não sei se foi o destino, mas não passava um minuto sem ver Jane e Nathan sorrindo um para o outro, feito um casalzinho apaixonado. De vez em quando, via Jane olhar para mim e rir com desdém. Outras, ela parecia decepcionada, pois eu me divertia ali, não transparecendo o incômodo com o casal.
– Formem um círculo. – O vocalista mandou, e todos obedeceram. – Agora... Quando eu mandar, é pra trocar de par. Primeiro, uma música romântica.
Dei uma risadinha com os lábios cerrados quando percebi o olhar encabulado de Erick. A música era bastante lenta e me obrigava a dançar muito perto dele, mais do que eu queria, e percebi que Nathan olhava enciumado para mim constantemente.
– Juro que não pensei que fosse me divertir tanto essa noite, Catástrofe. Quem diria que ia escolher a melhor companhia para uma festa?
– Não podia concordar mais. – Respondi com um sorriso aberto.
Ele inclinou sutilmente a cabeça para frente e eu recuei a minha para trás na mesma proporção, recusando o contato. Aliviada, ouvi o cantor pedir para trocarmos o par. Tracy olhou para mim, fazendo o sinal de apoio para a cena que acabou de acontecer, ou melhor, quase acontecer.
– Ele é bonitinho e gente boa, amiga. Dá uma chance. – Ela me puxou antes que eu pudesse fazer par com um garoto desconhecido.
– Por pena? Claro que não! – Ela me repreendeu com os olhos, fazendo-me dar de ombros e completar: – Tá achando ruim? Beija ele. Agora, arrumar problema para mim? Não!
– É, vamos deixar quieto. Erick é legal, mas falta tempero. – Rindo de forma maldosa, Tracy me empurrou para o meio da pista e foi dançar com meu acompanhante.
Continuamente, o vocalista nos mandava trocar de par. Dancei com Jack, David e o irmão novinho de Luna. O vocalista mandou trocar de par de novo e, é óbvio, que desta vez só tinha uma pessoa sem par... Nathan.
– Por que está me evitando? – Não respondi. – Dá para responder? Não éramos para sermos bons amigos?
– Você me cansa com sua hipocrisia, Nathan. Não devia nem falar contigo pelo que fez. Você é tão... Ridículo!
– Qual é? O que eu fiz dessa vez? Ou não fiz? Ou pensei em fazer? – Ele falou de forma rude. Seu hálito era de quem bebera.
Eu sabia dançar, mas, só de crueldade, pisei com o máximo de força possível no pé dele, e ele apertou a minha mão com força, fazendo-me contrair de dor. A música romântica tinha recomeçado e, por pura formalidade, tive que dançar próxima a Nathan.
– Você contou para Jane sobre o nosso beijo ou já se esqueceu? – A raiva era quase visível. – Muito obrigada por me fazer de palhaça. Por destruir a minha referência de família aqui.
– O-o quê...? Eu n-não fiz isso. Que-Quem te f-falou isso?
– Não me importa o que vai inventar. Se você queria se vingar, conseguiu. Eu te acho nojento! Quer saber? Você e Jane merecem esse relacionamento de Chernobyl que vocês têm! – Controlei a voz para não demonstrar tristeza. Afastei-me dele.
– Pelo menos, com ela, eu sei que tem alguém tentando dar certo. Ao contrário de você, que vive fugindo.
Balancei minha mão com desdém e fui procurar uma bebida. Senti uma mão segurando a minha e me voltei para ver quem era. Erick sorriu com o susto que levei. Revirei os olhos disfarçadamente para ele não perceber e mordi meu lábio enquanto assentia a tudo que ele falava. Não estava com paciência. Só queria chorar, observando pelo canto dos olhos Jane puxar Nathan para dançar.
– Aceita dançar comigo?
– Achei que estivesse já incluso no pacote acompanhante do baile. – Brinquei, forçando um sorriso e desviando meu olhar do casal.
De volta a pista de dança, percebi que os interesses do garoto eram outros. Na mente dele, sem Nathan para disputar espaço, ele teria chances comigo. Sutilmente, Erik escorregava sua bochecha pela minha, procurando meus lábios. Então, o vi ficar rígido e assumiu um semblante intrigado, olhando para um ponto distante. Acompanhei seu foco e engoli em seco com o que vi.
– Olha. Nathan e Jane estão se beijando. – Erick sussurrou. – Ele não vale nada mesmo. Sinto muito. Você está bem com isso?
– Por que não estaria? – Tentei forçar casualidade na voz, mas a visão dos dedos de Jane se entrelaçando no cabelo de Nathan me deu gastura.
Ele arregalou os olhos com desdém, e percebi que não poderia enganar ninguém. Até eu podia ver minha cara de surpresa ao ver eles se beijando com intensidade. Duas músicas depois, Erick fez o movimento. Sua mão segurou minha face e ele desceu o rosto ao encontro do meu. Minha mão foi até suas bochechas, o puxou lateralmente e lhe osculei perto da maçã da face. Era uma resposta muda para o que ele silenciosamente pediu.
– Isso não vai impactar a amizade da gente, não é? – Meus olhos transmitiam medo.
Erick me puxou para um abraço e recostei minha cabeça em seu peito enquanto dançávamos a música lenta.
– Jamais. – O vi sorrindo. – É por causa de Nathan ou...?
– Isso é por mim. Minha vida está muito ferrada agora para eu entrar em um drama adolescente.
– Ok. Então vamos jantar e depois dançar com o pessoal. Zero drama adolescente para a adulta aqui.
Ri de sua brincadeira e, guiada por ele, voltamos para a mesa, apenas para descobrir que Jane e Nathan decidiram sair mais cedo da festa. Considerando o histórico deles, não era difícil imaginar o que foram fazer.
– Garotas! Cadê Jane e Nate? – Luna apareceu, colocando-se entre mim e Tracy. Angel respondeu me olhando, constrangida, de soslaio. Luna fez esforço para não fingir surpresa.
– Eu disse! Deve ter acabado com a peguete e agora voltou para Jane. Sempre assim. – Tracy zombava, sendo aparentemente a única a não saber que a outra era eu.
– Graças a Deus acabei o social e posso ficar com vocês. – Luna desviou o foco da conversa. – Vi vocês duas fazendo as nossas coreografias. Melhor se prepararem porque nós cinco só vamos sair daqui expulsas pela casa de festas.
E foi exatamente isso que aconteceu.
***
Entrei no meu quarto e me assustei ao ver o amontoado de roupas e maquiagem em cima da cama. Suspirei pesarosamente quando pensei no tempo que levaria até arrumar tudo. Decidi tomar banho e decidi arrumar logo esta noite, se é que ainda era noite. Eu e Tracy fomos as últimas a sair da festa, de braços dados com Luna. Nosso trio tinha voltado ao normal.
Agora que estava limpinha, conseguia pensar melhor em tudo. Devia ter batido em Nathan. Ter feito o barraco que planejei fazer. Mas não... Mostrei minhas mágoas para exatamente quem decidiu me magoar. E para piorar, ele tripudiou ao voltar com Jane.
Comecei a dobrar uma blusa branca quando ouvi alguém batendo à porta. Pensei que era tia Lúcia querendo saber se eu estava bem, mas não. Era Nathan. Ele entrou, sem falar nada, e eu também não tive a menor vontade de quebrar o silêncio. Posicionou-se ao meu lado após um longo suspiro. Pude captar os traços de álcool junto com um perfume que eu não gostava, sendo tomada pelo enjoo.
– Como foi a noite? Deve ter gostado, já que ficou com Erick. – Seu tom de voz me esnobava ao passo que toda sua expressão corporal dizia o contrário.
– Não fiquei com ele... E quem você pensa que é para me tratar assim? – Eu suspirei com um pouco de desespero, raiva e sarcasmo. – Você acha que eu não te vi beijando Jane? Ah, e não só, certo? Foram embora bem cedo... Parabéns! Deve ter sido uma noite completa!
Dei as costas para ele, dobrando as últimas peças desarrumadas com uma pressa imperfeita. Só queria fugir daquela conversa, dele.
– Você que mandou quando disse "vocês dois se merecem". – As palavras se embaralhavam em sua boca por efeito do álcool.
– Que legal! Então se eu mandar se entregar a Victor, você vai? – Bufei e mordi meu lábio com tanta força que senti o leve cortar. – E ainda quer que eu acredite que não contou nada?
– Mas eu não contei. Não faria isso com você... Não te magoaria... Nunca.
Eu me virei para ele e o fiquei encarando enquanto meus olhos enchiam de lágrimas. Não precisava nem falar, a minha feição já dizia. Nathan já tinha me magoado. Desviei-me dele e guardei algumas blusas no guarda-roupa.
– Bem... – Ele pigarreou. – Vocês estão namorando?
Voltei para a cama e comecei a dobrar uma calça jeans. Precisava perguntar o que estava entalado.
– Ao contrário de você, eu não minto quando digo que gosto de alguém. E não usaria outro só pra lhe machucar. – Parei para tomar ar. Minhas lágrimas tinham secado, estava em uma ira que não me permitia chorar. – Não sou de duas palavras.
– Não tem duas palavras. Não houve n-nada mais do que você viu... E-eu n-nem consegui... Não aconteceu.
– Poupe-me dos detalhes, Nathan. – Engoli em seco, dando-lhe as costas.
Guardei a última pilha de roupas no guarda-roupa e, quando fechei a porta dele, senti uma mão em meu braço. Um calafrio percorreu meu corpo quando o calor dele me atingiu. Virei-me para ver Nathan. Não era fúria que me tomava agora, era um sentimento bem pior, decepção.
– Eu vi ele tentando te beijar e depois vocês abraçados. Pensei que... Por isso eu... Não devia, fiz merda... Com vocês duas. – Era notório que ele estava embriagado demais para seguir uma única linha de raciocínio. – É você, sempre você. Aquele beijo não significou nada pra mim.
Minha risada fria o fez recuar.
– Respeite sua futura velha namorada, Nathan. – Limpei a única lágrima que agora escorria pela minha bochecha. – Luna e Tracy tinham razão. Você sempre arruma alguma guria pra pegar uma ou duas vezes antes de voltar o namoro. Já deve ser hora de reatarem, não é? E sabe o que é pior? Nem foi eu ter sido a trouxa da vez... O pior é que hoje você me fez sentir pena de Jane, por ela ainda te querer depois de tudo que você fez e faz com ela.
– Enny, eu estava bêbado, jamais faria isso sóbri...
– Eu não ligo! – Baixei a voz, quando, na verdade, queria gritar. – O álcool só deixou claro que, por trás de toda a pompa de General e salvador de Rheyk, você não é um homem, mas sim um pirralho. O que você fez comigo porque não aceitei seu pedido de namoro é imperdoável. Me mostrou o quão baixo você é. E, se Jane está satisfeita com isso, problema dela. Mas eu sei que eu, mesmo com todos os meus defeitos, mereço mais. Volta para sua dona.
A cada palavra proferida, o espanto tomava a face de Nathan até o momento que ele tentou se aproximar de mim. Desviei dele e abri a porta do meu quarto.
– Por favor, saia do meu quarto. – Ele tentou falar algo. – Chega! Não quero ouvir uma palavra sua hoje. Talvez nem nunca mais. Ache alguém para lhe substituir como tutor nos treinos comigo. Já basta ter que olhar na sua cara todo dia nesta casa. Daqui para frente, de você, eu não quero nem amizade.
Não bati a porta na cara dele por respeito à tia Lúcia, que dormia no quarto ao lado ao meu. O céu cinza do amanhecer já dava sinais e me permitiu ver um corvo na varanda do prédio da frente, observando-me pela janela.
– Deve ter algum ninho por perto. – Supus, já tomando lugar na minha cama.
***
(É isso, meu povo! Um capítulo sem tanto Rheyk, apenas adolescentes sendo estúpidos por um momento. Afinal, não só de guerra vive a pequena Enny e o general Monteiro)
Agora, me diz o que achou.
Ah! E lembra de deixar o seu voto para essa autora ficar felizona.
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